Elementos da relação com o saber experimental na visão de docentes de Ciências da Natureza

Elements of the relationship with experimental knowledge in the view of Natural Sciences teachers

Elementos de la relación con el conocimiento experimental en la mirada de los profesores de Ciencias Naturales

 

 

Patricia Suziel Lima da Rocha Milagres (patriciaslrmilagres@gmail.com)
Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul – SED/MS, Brasil
Orcid: https://orcid.org/0009-0009-4215-5557

 

Bruno dos Santos Simões (brunosimoes@ufgd.edu.br)
Universidade Federal da Grande Dourados, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática - UFGD, Brasil
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6956-3974

 

 

Resumo

Neste artigo discutimos, à luz da teoria da relação com o saber, sobre a relação de docentes de Ciências da Natureza da Educação Básica para com as práticas experimentais. Para tanto, realizamos uma entrevista semiestruturada que teve como objetivo discutir quais relações com o saber sobre as atividades experimentais foram construídas por docentes de escolas públicas em um município no interior de Mato Grosso do Sul. A análise mostra que os(as) docentes investigados apresentam uma visão distorcida sobre o papel das atividades experimentais no Ensino de Ciências, aspecto possivelmente causado pelas frágeis relações com os saberes científicos na dimensão epistêmica. Além disso, destaca-se a relevância dos elementos da dimensão social, construídos na relação com o outro e com o mundo por meio de vivências durante o curso de formação inicial, o que possibilitou maior contato com as práticas experimentais. Dessa forma, a análise indica a necessidade de um trabalho mais significativo na formação inicial de docentes, com uma (re)significação das atividades experimentais dentro dos currículos dos cursos de formação de professores.

Palavras-chave: Atividades Experimentais; Teoria da relação com o saber; Formação de professores de Ciências.

 

Abstract

In this article, we discuss, in the light of the theory of the relationship with knowledge, the relationship between Natural Sciences teachers in Basic Education and experimental practices. For that, we conducted a semi-structured interview that aimed to discuss which relationships with knowledge about experimental activities were built by public school teachers in a municipality in the interior of Mato Grosso do Sul. The analysis shows that the investigated professors have a distorted view of the role of experimental activities in Science Teaching, an aspect possibly caused by fragile relationships with scientific knowledge in the epistemic dimension. In addition, the relevance of the elements of the social dimension is highlighted, built in the relationship with the other and with the world through experiences during the initial training course, which allowed greater contact with experimental practices. Thus, the analysis indicates the need for more significant work in the initial training of teachers, with a (re)signification of experimental activities within the curricula of teacher training courses.

Keywords: Experimental Activities; Theory of relationship with knowledge; Science teacher education.

 

Resumen

En este artículo, discutimos, a la luz de la teoría de la relación con el saber, la relación entre los profesores de Ciencias Naturales en la Educación Básica y las prácticas experimentales. Para eso, realizamos una entrevista semiestructurada que tuvo como objetivo discutir qué relaciones con el conocimiento sobre las actividades experimentales fueron construidas por profesores de escuelas públicas de un municipio del interior de Mato Grosso do Sul. El análisis muestra que los profesores investigados tienen una visión distorsionada del papel de las actividades experimentales en la Enseñanza de las Ciencias, aspecto posiblemente causado por las frágiles relaciones con el conocimiento científico en la dimensión epistémica. Además, se destaca la relevancia de los elementos de la dimensión social, construidos en la relación con el otro y con el mundo a través de vivencias durante el curso de formación inicial, lo que permitió un mayor contacto con las prácticas experimentales. Así, el análisis indica la necesidad de un trabajo más significativo en la formación inicial de profesores, con una (re)significación de las actividades experimentales dentro de los planes de estudio de los cursos de formación docente.

Palabras-clave: Actividades Experimentales; Teoría de la relación con el conocimiento; Formación de profesores de ciencias.

 

 

INTRODUÇÃO

Nas aulas da área de Ciências, as atividades experimentais são rotineiramente associadas à prática educativa, pois diversos autores, como Bassoli (2014) e Catelan e Rinaldi (2018), enfatizam a relevância de tais práticas para a compreensão dos conceitos científicos e para uma maior contextualização dos saberes adquiridos.

Apesar disso, estudos de Marques e Orengo (2021) apontam que, embora os professores do Ensino Médio reconheçam a importância dos experimentos como estratégias didáticas, sua utilização é ainda pouco frequente, e quando ocorre, muitas vezes é baseada em uma abordagem empirista, não explorando todo o potencial que a experimentação pode oferecer nos processos de ensino e de aprendizagem.

É fundamental ressaltar que, mesmo compreendendo a relevância das atividades experimentais nas aulas de Ciências, há poucas iniciativas que visam romper com concepções equivocadas de uma ciência neutra, acrítica, a-histórica e dogmática (Gil-Pérez et al., 2001). Além disso, é necessário buscar estratégias que permitam uma maior aproximação dos estudantes com a prática científica, como defendido por Hodson (1994, p. 308).

Dessa forma, é imprescindível incentivar os docentes a explorar mais amplamente as atividades experimentais, não apenas como forma de ilustrar conceitos, mas como um meio de despertar a curiosidade dos estudantes, estimulando-os a questionar e investigar e, assim, construir um conhecimento mais significativo sobre o mundo ao seu redor.

Mesmo havendo quase um consenso sobre a importância dessas atividades no Ensino de Ciências (Hodson, 1994; Galiazzi et al., 2001; Laburú; Barros; Kanbach, 2007; Salvadego; Laburu, 2009; Bassoli, 2014; Catelan; Rinaldi, 2018; Garcia Stoll et al., 2020), não é possível afirmar que os docentes que as utilizam apresentem melhores resultados pedagógicos. Isso ocorre porque os objetivos para sua utilização são frequentemente confusos e diversificados, englobando seu papel motivacional, manipulação de materiais, compreensão dos conceitos científicos, contato com o método experimental e o desenvolvimento de atitudes científicas (Hodson, 1994).

Ressalta-se que não cabe aqui fazer um julgamento de valor das aulas com base no uso ou não das atividades experimentais, ou mesmo em como elas são utilizadas. Em vez disso, é importante concentrar-se na compreensão de sua relevância e na investigação dos fatores que influenciam seu uso limitado por parte dos docentes. Entende-se a relevância das atividades experimentais como forma de aproximar teoria e prática, permitindo uma melhor compreensão e apropriação dos conceitos científicos pelos estudantes, levando-os a uma aproximação e compreensão de como a ciência é feita.

Nesse sentido, é fundamental que se busque uma abordagem mais clara e consistente para a implementação das atividades experimentais no Ensino de Ciências, garantindo que seus objetivos pedagógicos sejam definidos de forma precisa. Além disso, é relevante considerar a importância de uma formação adequada dos professores, para que estes estejam plenamente capacitados a conduzir tais atividades de maneira efetiva e enriquecedora para os estudantes.

Nesse sentido, destacamos que o objetivo desta pesquisa não é apenas compreender a frequência com que essas atividades estão presentes nas práticas pedagógicas dos docentes, nem tampouco apenas analisar o desenvolvimento das mesmas, pois, como afirmado por Salvadego e Laburú (2009), o fato de um docente desenvolvê-las não garante que serão implementadas de forma assertiva.

Nesse propósito, o intuito é identificar as relações dos docentes com o saber experimental e profissional que os levam a desenvolver as atividades experimentais em suas aulas. Essa investigação visa intensificar e aprimorar essas relações tanto na Educação Básica quanto nas formações inicial e continuada/permanente de docentes, a fim de promover uma maior presença dessas atividades na escola, especificamente na área de Ciências da Natureza.

Partimos dos pressupostos da teoria da relação com o saber de Charlot (2000), que afirma que "aprender é exercer uma atividade em situação", ocorrendo em um contexto específico, em um determinado tempo histórico, com pessoas que nos auxiliam no processo de aprendizagem (Charlot, 2000, p. 67). Nesse sentido, Charlot complementa que o saber se constrói a partir de relações indissociáveis estabelecidas entre o sujeito de saber, os outros e o mundo. Logo, "a relação do sujeito com o mundo apresenta uma dimensão epistêmica no que se refere à forma de apropriação de um saber que não se possui" (Salvadego; Laburú, 2009, p. 217).

Essa perspectiva orienta a pesquisa no sentido de compreender como ocorrem essas relações entre o sujeito docente e o outro (alunos, colegas de trabalho) e com o mundo (conhecimentos científicos, práticas profissionais, contexto social e histórico). Ao analisar essas relações, será possível identificar os fatores que influenciam o uso das atividades experimentais e, assim, propor estratégias para aprimorar sua aplicação no ensino.

A partir dos trabalhos de Laburú, Barros e Kanbach (2007), Mamprin (2007), Trópia (2015), Filgueira (2019) e Salvadego e Laburú (2009), todos ancorados na Teoria da Relação com o Saber de Bernard Charlot (2000), que inicialmente busca discutir o fenômeno do "fracasso escolar", estende-se tal conceito ao possível fracasso das atividades experimentais.

Nesse contexto, compreender o fracasso ou o sucesso das atividades experimentais nas aulas dos componentes curriculares de Ciências da Natureza requer considerar a singularidade e subjetividade do sujeito de saber (docente) em relação à sua relação com o saber experimental. No caso do fenômeno a ser estudado, tomaremos o sucesso experimental fazendo a leitura positiva de Bernard Charlot (2000), permitindo compreender a singularidade e subjetividade nos aspectos relacionais da imbricação do Eu (história de vida do sujeito, suas aspirações, suas inspirações, engajamento, domínio, desejo e a imagem que tem de si e a que pretende passar), do outro (escola - estrutura física e humana, gestão pedagógica, currículo, estudantes) e do mundo (conhecimentos e concepções) que mobilizam os docentes a desenvolvê-las.

Dessa forma, o objetivo central deste artigo é discutir quais relações com o saber em relação às atividades experimentais foram construídas por docentes de Ciências da Natureza em escolas públicas de um município no interior de Mato Grosso do Sul.

 

A RELAÇÃO COM O SABER E AS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS

Como já destacamos, é comum a concepção de que as atividades experimentais são de grande importância no Ensino de Ciências, assim como a inclusão dessas nos currículos dos componentes curriculares. Nesse sentido, Salvadego e Laburu (2009) reforçam a importância de que estas atividades sejam inclusas no currículo das disciplinas científicas, auxiliando na compreensão dos fenômenos, sem menosprezar o papel do docente em preparar e aplicá-las adequadamente no sentido de auxiliar os estudantes a fazerem “inter-relações entre teoria e prática, inerentes ao processo do conhecimento escolar das ciências” (Salvadego; Laburu, 2009, p. 216).

A pesquisa de Salvadego (2007), assim como a investigação de Mamprin, Laburú e Barros (2007), têm por objetivo discutir o aspecto positivo, no sentido apontado por Charlot (2000), na adoção dessas práticas no Ensino de Ciências, buscando compreender como se dão as relações com o saber científico e profissional dos docentes que desenvolvem tais atividades. Nesse sentido, compreendemos que tais relações podem mobilizar os sujeitos em atitudes positivas ou negativas com os saberes experimentais, a depender de como se estas se estabelecem.

Face à isso, a literatura aponta para um grande desafio (Hodson, 1994; Galiazzi et al., 2001; Laburú; Barros; Kanbach, 2007; Salvadego; Laburu, 2009), a resistência dos docentes em adotar práticas experimentais em suas aulas é justificada pelo discurso da falta, que, segundo Borges (2002), teria como destaque falta de atividades preparadas, ausência de tempo para o docente planejar e montar suas atividades, carência de recurso para compra e substituição de equipamentos e de materiais de reposição. Outro ponto destacado pelo autor é o equívoco existente entre grande parte docente ao considerar que as atividades experimentais, para serem desenvolvidas, necessitam de espaços próprios ou de materiais sofisticados.

A leitura positiva, segundo Charlot (2000), Salvadego (2007) e Mamprin, Laburú e Barros (2007), abre um leque de possibilidades para se compreender como se constroem as relações do docente consigo, com o mundo e com o outro, frente à sua profissão, e de que forma essas relações influenciam na adoção da prática experimental.

Nesse sentido, Mamprin (2007) ressalta que a proposta de uma leitura positiva não tem por finalidade a avaliação do(a) docente como bom ou mau profissional por fazer uso ou não de atividades experimentais. Neste parâmetro, a busca é por identificar as relações estabelecidas pelos(as) profissionais em sua trajetória profissional, como estratégia para analisar sua prática docente (Mamprin, 2007).

Da mesma forma, Mamprin (2007) destaca que, ao se relacionar o saber profissional dos docentes de Biologia à determinação do uso ou não de atividades experimentais, torna-se evidente que a construção do saber segue um longo caminho que vai desde a escolha do curso, à história de vida do docente até à sua prática em sala de aula. Dessa forma, a análise é feita de forma positiva, no intuito de compreender mais sobre os docentes que as desenvolvem, como entendem e estabelecem as relações com o seu saber profissional.

Nesse sentido, Salvadego (2007) afirma que a adoção ou não das práticas experimentais se dá por meio de como o indivíduo lê e interpreta o seu entorno.  Sendo assim, o “fracasso experimental” quase generalizado nas escolas torna-se evidente devido à relação com o saber profissional dos docentes que não desenvolvem tais práticas imbricadas com sua atuação profissional.

Dessa forma, para Mamprin, Laburú e Barros (2007), não basta os docentes saberem utilizar as atividades experimentais, é fundamental que a sua relação com o saber profissional propicie essas práticas. Entende-se que a formação inicial dos docentes deve promover essas relações com as atividades experimentais voltadas para um objetivo didático-pedagógico.

Ainda sobre formação docente, Marques e Orengo (2021) destacam a necessidade de uma reestruturação na formação inicial docente, no sentido de prepará-lo para a aquisição e para o desenvolvimento de saberes de natureza diversa (científico, pedagógico e didático, incluindo a práxis organizacional) que perpassem desde o saber fazer ao saber ensinar. Para isso, ressaltam que as atividades experimentais devem ser desenvolvidas na formação inicial nos processos de transposição didática dos saberes físicos.

Expõe-se que a identificação com o magistério e as relações com o mundo e com o outro refletem significativamente na prática do docente que adota as atividades experimentais em suas aulas. Sendo assim, confirma-se que o saber depende de aspectos relacionais entre o homem, o outro e o mundo, revelando-se de forma relacional e coletiva (Mamprin; Laburú; Barros, 2007).

A necessidade de preparo das atividades é reforçada por Salvadego (2007). A autora chama a atenção para estas atividades quando afirma que o ensino centrado em teoria sem relações contextuais nas disciplinas científicas é desmotivante. Nesse sentido, a atividade experimental no Ensino de Ciências é confirmada como uma importante ferramenta pedagógica, inerente ao processo do conhecimento escolar das ciências dos estudantes, para cativá-los para os temas propostos pelos professores e ampliar a capacidade para o aprendizado, ou seja, a atividade experimental é uma parte essencial para o ensino de conceitos científicos e sobre a ciência (Salvadego, 2007).

Diante do exposto, destaca-se a importância de que os docentes tenham a oportunidade de desenvolver relações epistêmicas e de identidade com o saber profissional, para que, ao utilizarem atividades experimentais em suas aulas, possam explorar suas potencialidades para além de comprovar teorias, de maneira que tal prática possa gerar questionamentos e reflexões sociocientíficas no contexto dos estudantes, aspecto que corrobora Diniz, Barros e Assis (2020).

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa foi desenvolvida em 5 (cinco) escolas públicas estaduais de Ensino Médio em um município na região oeste do estado de Mato Grosso do Sul, no Brasil.

Foram definidos como sujeitos de pesquisa 8 (oito) docentes que lecionam nas componentes curriculares da área de Ciências da Natureza. A participação destes foi facultativa. No contato inicial, todos foram informados sobre os objetivos da pesquisa e como seria feita a coleta de dados.

A coleta de dados foi feita por meio de uma entrevista semiestruturada. A realização da entrevista ficou condicionada à aceitação de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As 8 (oito) entrevistas se deram de forma presencial e foram gravadas em áudio, orientadas por roteiro pré-definido composto de 21 perguntas. Por meio das questões buscou-se investigar as relações de identidade com o saber profissional, as relações de identidade com o saber experimental, as relações com os obstáculos no desenvolvimento das atividades experimentais e as relações com o papel das atividades experimentais.

Para viabilizar uma melhor compreensão das questões abordadas, o corpus da pesquisa, composto pela transcrição dos 8 (oito) áudios das entrevistas, teve como finalidade evidenciar as unidades de significados que pudessem conduzir os pesquisadores na identificação das relações dos docentes investigados com o saber científico experimental.

A análise dos dados foi realizada por meio da Análise Textual Discursiva (ATD) (Moraes; Galiazzi, 2011). Essa metodologia analítica se organiza e se constitui a partir de quatro princípios: I. Unitarização; II. Categorização; III. Captação do novo emergente; e IV. Metatextos. Neste artigo, iremos apresentar apenas uma das categorias emergentes das análises das entrevistas. Esta categoria terá como unidades de sentido os temas: como os(as) docentes planejam suas atividades; como as desenvolvem; como entendem o papel das atividades experimentais no Ensino de Ciências; suas concepções sobre ciências em si. A análise completa das entrevistas está disponível na dissertação de mestrado da primeira autora, em Milagres (2023).

A fim de preservar a identidade dos sujeitos e garantir a confidencialidade das informações, os docentes receberam nomes fictícios, a saber: Marcelo, Bernardo, Fernanda, Adna, Helena, Nely, Antônio e Saraya.

 

DOCENTES E SUAS RELAÇÕES COM O PAPEL DAS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS

As formas como compreendem o papel das atividades experimentais é particular de cada docente e entendemos que a compreensão sobre o papel das atividades experimentais se dá nas dimensões epistêmicas, de identidade e social assim como qualquer relação com o saber (Charlot, 2000; Laburú; Barros; Kanbach, 2007; Salvadego, 2007).

Semelhante ao que foi indicado por Laburú, Barros e Kanbach (2007), a presente análise tem o objetivo de compreender como se dão as relações dos professores com o papel das atividades experimentais, não cabendo a nós fazer juízo de valor sobre como são utilizadas essas atividades experimentais nas aulas dos docentes, mas, a partir dos relatos deles, buscar identificar e compreender as relações que têm com o papel dessas atividades e como essas relações influenciam em sua prática no Ensino de Ciências.

A análise aponta que os docentes investigados apresentam relações distintas relativas ao papel das atividades experimentais. Apoiados no referencial teórico (Charlot, 2000), destacamos que as relações com o papel das atividades experimentais estão indissociáveis das relações com o saber científico, experimental e profissional, nas dimensões sociais, epistêmicas e de identidade.

Quanto às dimensões sociais, as melhores relações com o papel das atividades experimentais estão associadas às relações com os saberes científicos, mais bem destacadas nos docentes Bernardo e Helena que puderam contar com uma formação inicial de maior contato com os saberes científicos, experimentais e pedagógicos.

Sobre as relações epistêmicas com o papel das atividades experimentais no Ensino de Ciências, Helena e Bernardo apresentam relações mais fortes que os docentes Antônio, Adna, Fernanda, Marcelo, Nely e Saraya nas dimensões do Mundo (acadêmico), do Eu (desejo em desenvolvê-las) e do Outro (compromisso com resultados de aprendizagem dos estudantes), apresentando maior objetivação para esse saber.

Há um consenso entre os sujeitos da pesquisa sobre a relevância das atividades experimentais. Mas é perceptível que suas relações epistêmicas com esse saber são frágeis a ponto de existir uma concepção unânime que garante maior ênfase ao seu papel meramente de motivação e demonstração da teoria.

Quando questionado sobre a relevância das Atividades Experimentais nas aulas de Ciências, Bernardo expõe que essas atividades têm o papel de complementar o conhecimento teórico e torná-lo mais compreensível e, na sequência, é possível identificar, nas falas do docente, outras finalidades que assumem essas atividades.

O docente apresenta relações sólidas com os saberes epistêmicos sobre a construção do conhecimento científico e compreende o papel dessas atividades em tornar o Ensino de Química mais compreensível, quando diz: “[...] as atividades experimentais deixam as aulas de Química menos abstratas, trabalham o concreto, então complementam [...]” (Bernardo). Para o docente, as atividades experimentais dão um maior entendimento dos fenômenos visíveis; no entanto, ele não se fecha apenas na observação dos fenômenos.

Antes de desenvolver as atividades em suas aulas, o docente destaca que constrói um roteiro, no qual apresenta uma sequência de etapas a serem seguidas, indicando não estar fechado em um único método. Faz questionamentos, instigando a curiosidade dos estudantes sobre a teoria trabalhada nas aulas que antecederam à prática. Nesse sentido, afirma:

[...] faço questionamentos sobre a teoria que levem a imaginar o que dará de resultado...no final faço perguntas sobre os resultados [...] perguntas do tipo: eu se mudar o reagente? E se eu colocar mais essa substância o que muda? (Bernardo).

Nesta fala, o docente indica a compreensão do seu papel problematizador na construção do conhecimento científico e a compreensão no seu papel de formulação de hipóteses e argumentações.

Helena defende que a prática é muito relevante em algumas situações de aprendizagem do seu componente curricular:

[...] quando você vê, sente, experimenta é muito mais fácil de compreender [...]. Às vezes a gente fica falando de coisas muito abstratas que está muito distante do cotidiano daquele estudante. [...] Muito melhor que uma aula de conteúdo no quadro. [...] Os estudantes se movimentam [...] você não vai aprender a pilotar um foguete só na teoria, não é? Se você nunca passou por etapas práticas até chegar para pilotar um foguete. Então a gente só aprende próximo do que a gente já sabe (Helena).

Assim como Bernardo, Helena utiliza atividades experimentais para aguçar a curiosidade dos estudantes e levantar questionamentos que permitam buscar respondê-los.

Os docentes Adna, Fernanda, Helena, Marcelo, Nely e Saraya, quando questionados sobre a relevância das atividades experimentais, ressaltam o seu papel em demonstrar a teoria, motivar e promover a interação dos estudantes no Ensino de Ciência:

Eu acho de fundamental importância não é! [...] você vai trabalhar em conjunto com o conteúdo que você explicou [...] facilita muito porque você explicar e você mostra o que você falou para ele ver no concreto o que está acontecendo [...], fica muito mais fácil dele interagir e assimilar o conteúdo (Fernanda).

A gente consegue fixar melhor o conteúdo que foi abordado [...], serve também para demonstrar o que foi trabalhado anteriormente e fixar melhor o conteúdo [...], me sinto animada em realizar estas atividades por ver a empolgação dos estudantes em querer participar das aulas (Saraya).

Em outra perspectiva, mesmo mencionando a pouca adesão das atividades experimentais em suas aulas, Antônio destaca que, quando as utilizou, fez no sentido de “[...] complementar aquele determinado conteúdo, enriquecer [...]. Pode ser difícil ele só imaginar, né? Se você mostrar vai facilitar [...]”. Mesmo com a intencionalidade de enriquecer as aulas, o docente não indica questionamentos que possam convergir nesse sentido, apresentando uma abordagem em uma concepção demonstrativa de verdades estabelecidas, tendo a observação como fonte do conhecimento.

Os docentes valorizam o saber prático e compreendem a importância de trabalhar em conjunto com a teoria. No entanto, apresentam uma visão deformada sobre o papel da experimentação, pois as utilizam no objetivo de demonstrar e comprovar teorias científicas sem problematizá-las, assim como de motivar os estudantes a participarem mais das aulas, semelhante ao que foi indicado por Arruda e Laburú (2014).

Por mais que nas falas destaquem uma compreensão de que as atividades experimentais precisam estar em conjunto com a teoria, os relatos evidenciam uma relação com o papel demonstrativo, desconsiderando que qualquer observação científica não acontece no vazio do conhecimento, porque, ao se observar algo, isso é feito à luz de uma hipótese, ou seja, existe um conhecimento teórico prévio acerca do que se irá observar (Cachapuz et al., 2005).

As atividades experimentais, quando utilizadas como estratégia para o estudante ampliar seu conhecimento, estabelecendo conexão entre teoria e prática sob a mediação do decente com questionamentos desafiadores, permite ao estudante investigar e propor novas hipóteses a fim de ir além da observação direta e das manipulações em laboratório no sentido de fazer ciência (Arruda; Laburú, 2014).

A concepção do papel motivador anteriormente mencionado por Fernanda, Adna e Helena merece ser refletida. Segundo Bassoli (2014), essa concepção é considerada um mito, podendo desviar-se dos reais objetivos epistemológicos de uma aula com atividades experimentais. Essa crença de motivar seria oriunda das “visões” que os estudantes teriam ao final das atividades experimentais que muito se diferem das aulas teóricas do seu cotidiano, o que, em primeiro momento, chama atenção, mas que posteriormente pode desviar-se do seu foco real (Galiazzi; Gonçalves, 2004).

Assim como Galliazzi et al. (2001), entendemos que nem sempre as atividades experimentais são motivadoras. Logo, é importante refletir que muitas vezes fazer Ciência é um processo exaustivo, no qual não se encontram respostas imediatas.

Fernanda utiliza as atividades experimentais para contextualizar e aproximar os conteúdos científicos dos estudantes: “[...] você tenta trazer o conteúdo para o cotidiano do aluno [...]”. As professoras Adna, Helena e Nely convergem na valorização das atividades experimentais, pois esse papel “gera a curiosidade e o interesse” (Helena); “[...] o estudante compreende os conceitos científico dentro do seu contexto [...], surgem questionamentos que instigam a curiosidade deles [...]” (Adna).

Antônio ressalta ser complicado desenvolver atividades experimentais em escolas de Ensino Médio: “[...] se nas escolas tivessem um laboratório experimental já, um material didático acho que seria mais fácil para o professor [...]”. O docente justifica a não utilização dessas atividades em suas aulas apoiando-se no discurso da falta, conforme sinaliza Charlot (2000). Tal aspecto é contraposto por Bassoli (2014) ao afirmar que seria um mito a crença de que, para desenvolver atividades experimentais, seriam necessários laboratórios equipados.

As professoras Adna, Fernanda, Helena, Nely e Saraya, mesmo concordando que a falta de estrutura torna o trabalho científico prático mais árduo, não deixam de realizá-lo e destacam fazer adaptações de espaços e confecções de materiais quando pretendem se utilizar dessas atividades em suas aulas.

Entendemos que a predisposição em criar condições de trabalho prático experimental das docentes esteja relacionada às suas relações com o saber profissional na dimensão do Eu, como o engajamento na profissão e a busca em passar uma boa imagem de si e na dimensão do Outro (estudantes, coordenação) e do Mundo (sociedade e conhecimento pedagógico).

Corroborando o que foi destacado por Bassoli (2014), Fernanda apresenta compreensão das atividades experimentais numa finalidade ilustrativa e demonstrativa: “[...] às vezes a gente mostra espécies marítimas. Moramos no Pantanal e temos que mostrar espécie biológicas do bioma para tornar o conhecimento mais dentro do contexto do estudante.” (Fernanda).

Na relação com o Outro (estudante), a professora Fernanda preocupa-se com a aprendizagem dos estudantes e menciona a relação com o papel das atividades experimentais em alternar a metodologia:

[...] essas atividades permitem sair de um de ensino transmissivo e conteudista...ajuda a fixar mais esse conteúdo né?... O aluno vai gostar, então as aulas também se tornam mais prazerosas desperta maior interesse do aluno, isso faz com que ele aprenda (Fernanda).

Essa concepção de Fernanda vai ao encontro das considerações de Catelan e Rinaldi (2018), quando afirmam que:

[...] ao apresentar somente aulas teóricas, muitas vezes utilizando-se de um único método, o aprendiz pode ficar desinteressado, desmotivado e talvez não consiga estabelecer ligação entre conceitos científicos e o seu cotidiano (Catelan; Rinaldi, 2018, p. 318).

Quando perguntada sobre seguir um modelo de aula experimental, a docente Helena disse que planeja suas aulas a partir do Referencial Curricular de Mato Grosso do Sul e que busca conhecer o objeto de conhecimento a ser trabalhado teoricamente antes de fazer atividades experimentais: “[...] dentro do meu know-how busco a parte experimental onde cabe, onde que não cabe [...], para depois aplicar com os alunos [...]”.

Afirma ainda que não possui um roteiro ou modelo de aula definido, pois adaptou um modelo para si e para seus estudantes, e afirma: “[...] você deixa a pesquisa a experimentação um pouco mais livre para surgir questionamentos e conclusões.” (Helena). Nesse trecho, destaca-se que, além do aspecto ilustrativo atribuído anteriormente pela docente Fernanda, Helena compreende as atividades experimentais também com um papel problematizador, quando destaca a necessidade de dar liberdade a questionamentos e conclusões.

Por sua vez, Bernardo destaca que elabora um modelo próprio de roteiro, no qual explica o procedimento e faz questionamentos antes, durante e após a execução das atividades. Essa abordagem utilizada pelo docente traz uma concepção do papel investigativo das atividades experimentais, levando o estudante a refletir sobre a inexistência de uma verdade absoluta ou de um método científico único.

No caminho inverso, os docentes Antônio e Fernanda apresentam uma visão deformada sobre a construção do conhecimento científico que os faz tratarem o “erro” experimental como um problema no desenvolvimento das atividades experimentais: “[...] o meu modelo era o livro didático e quando as atividades não apresentavam resultados presentes nos livros eu improvisava ou encerrava a atividade e passava para outro conteúdo.” (Antônio); “Eu planejo novamente ou busco outra atividade” (Fernanda). Tanto Antônio como Fernanda trazem uma compreensão de Ciência inquestionável, aproblemática, vista como verdade absoluta, produzida por um único método científico (Gil-Pérez et al., 2001).

Os docentes consideram modelos pronto e não indicam questionamentos em suas abordagens, apresentando uma concepção de ciência que se faz por acúmulo de conhecimento, que não confronta os resultados na construção de novos conhecimentos, o que remete a uma compreensão de que a ciência é feita por acumulação, sendo linear, dogmática e acrítica, não a questionando, apenas demonstrando as atividades experimentais numa forma de validação do conhecimento existente (Gil-Pérez et al., 2001).

O “erro” experimental para a docente Helena, assim como para Adna, Bernardo e Saraya, é visto como uma possibilidade de construir conhecimento: “[...] entendo que o experimental o dar errado é dar certo também. Por quê? Porque isso vira um ponto de discussão. Por que, que deu errado? Que que aconteceu aqui?” (Helena).

Eles demonstram compreender o papel investigativo das atividades experimentais, entendem o “erro” como ponto de reflexão sobre o resultado obtido e trazem a teoria para ser refletida, o que indica uma compreensão de ciência aberta, crítica, não linear, que não se faz por acumulação ou por um único método científico. Tal aspecto vai ao encontro de Bachelard (1996), ao compreender que o erro deve ser questionado/ problematizado, para que, a partir disso, possa haver a ruptura com as concepções primeiras e, assim, possa surgir o espírito científico na construção do conhecimento científico, pois os docentes, assim como o epistemólogo, entendem que o conhecimento advém de uma pergunta.

Para a docente Helena, existem diversas formas de trabalhar a prática e não necessariamente o laboratório científico seja a única possibilidade:

A experimentação não necessariamente só um objeto físico ou resultado de uma reação ali na frente deles. Ela pode ser feita numa simulação eletrônica, por exemplo e surgir vários questionamentos, que faça eles pensarem aquela teoria de uma outra maneira (Helena).

Para os docentes Fernanda, Marcelo, Nely e Saraya, as relações com papel das atividades experimentais se fazem por meio de contextualização, motivação, interação e demonstração da teoria. Já Adna, Bernardo e Helena, além das finalidades destacadas, compreendem o seu papel investigativo por meio de questionamentos e de construção argumentativa, com levantamento de hipóteses no sentido de instigar os estudantes a perceberem que o conhecimento é historicamente construído, orientando-os sobre como se posicionar na sociedade e como agir em determinados contextos e espaços sociais (Catelan; Rinaldi, 2018).

Esses docentes apresentam relações com o papel das atividades experimentais marcadas por suas relações de identidade com o saber profissional e experimental na dimensão do Eu, de engajamento e desejo em desenvolver atividades experimentais e da imagem que desejam passar de si, e com o Outro, nas relações com estudantes e gestão escolar.

Os docentes Adna, Bernardo e Helena, por apresentarem fortes relações com o Eu, expressando gosto em desenvolverem essas atividades, utilizam-se mais dessas em suas aulas, apresentando maiores relações de identidade com os seus diversos papéis no Ensino de Ciências. Entendemos que esse engajamento esteja interligado às suas relações epistêmicas, pedagógicas e sociais durante a formação inicial.

Nas dimensões sociais e epistêmicas, com exceção de Adna, é possível destacar que as relações sociais tenham contribuído para a melhor relação desses docentes com o papel das atividades experimentais, já que puderam contar com bolsas-permanência e de iniciação científica, possibilitando melhores condições de se dedicarem aos conhecimentos (saber epistêmico) durante a formação inicial sem a necessidade de trabalhar.

Reforçamos que o fato de um docente não desenvolver atividades experimentais em suas aulas não desmerece sua prática em sala de aula ou mesmo suas relações com o conhecimento científico. Entendemos que a resistência do docente Antônio em não utilizar atividades experimentais esteja relacionada às suas frágeis relações de identidade com o saber profissional, nas quais o docente expressa descontentamento por sua profissão: “[...] vou ser sincero, já gostei mais no começo [...]” (Antônio).

É possível afirmar que as fragilidades com o papel das atividades experimentais dos docentes Antônio, Adna e Fernanda sejam marcadas por suas frágeis relações sociais que comprometeram as relações epistêmicas e de identidade.

Na dimensão social, vieram de família pertencente a grupos sociais menos favorecidos, não tiveram auxílio financeiro de incentivo aos estudos, havendo a necessidade de trabalhar concomitantemente à formação inicial.

Na dimensão epistêmica, suas relações com o Mundo (acadêmico/Universidade) foram construídas no mesmo espaço, no mesmo curso, compartilharam os mesmos docentes, a mesma grade curricular, o mesmo período de aula (noturno), a mesma formação de pouco contato com essas atividades (segundo relatos dos docentes). As relações que tiveram pautaram-se em demonstrar a teoria e não tiveram acesso a atividades de iniciação científica.

Na dimensão identidade, os entrevistados não tinham a docência como primeira opção profissional e atualmente diferem quanto a gosto e identidade pela profissão docente. Enquanto Adna e Fernanda demostram ter gosto e identidade pela profissão - “[...] o gosto pela profissão veio quando percebi que sabia ensinar, vi que tinha dom, que os alunos aprendiam [...]” (Fernanda) -, o docente Antônio, está na profissão por uma necessidade financeira, implicando em uma falta de identidade com o saber profissional.

Entende-se que as concepções deformadas sobre a construção do conhecimento científico são obstáculos epistemológicos na formação desses docentes que merecem ser rompidos por meio de formações continuadas/permanentes na área do conhecimento que venham a garantir um avanço no surgimento do Espírito Científico para uma real compreensão do papel das atividades experimentais no Ensino de Ciências (Bachelard, 1996).

A partir da compreensão teórica de Charlot (2000), inferimos que as diferenças nas relações de identidade com o saber profissional e experimental são indissociáveis e também influenciam nas relações com o papel das atividades experimentais. Destacamos que as relações dos docentes com o papel das atividades experimentais são influenciadas por suas relações sociais, mas não exclusivamente, porque as relações epistêmicas e de identidade com o saber profissional também apresentam grande influência.

Por sua vez, de forma comparativa, identificamos na docente Helena as melhores relações epistêmicas e de identidade com o papel das atividades experimentais quando comparadas às relações dos docentes Antônio e Fernanda. Possivelmente essas relações tenham se fortalecido pelas melhores oportunidades proporcionadas em suas relações sociais com o Outro (família, professores, colegas) e com o Mundo acadêmico (qualidade do corpo docente, disciplinas voltadas às práticas experimentais no ensino, oportunidade de atuação em projetos como o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), ensino integral, conforto financeiro) o que marcou as suas relações de identidade com o saber profissional e experimental.

A partir do exposto, é possível inferir que as relações sociais com o Outro e o Mundo, assim como as relações de identidade com os saberes profissional e experimental, resultam em uma melhor concepção sobre o papel das atividades experimentais no Ensino de Ciências, assim como sobre o papel dos docentes na mediação desse conhecimento, resultando em uma adoção mais frequente dessa prática educativa nas aulas de Ciências.

Por sua vez, Bernardo e Helena apresentaram mais engajamento no desenvolvimento das atividades experimentais em suas aulas, sendo que eles apresentaram melhores relações de Identidade, Sociais e Epistêmicas para os saberes profissional, científico e experimental nas dimensões do Eu (gosto pelas atividades, imagem que querem passar de si, desejo em desenvolvê-las), do Outro (apoio familiar, tiveram bons docentes, preocupam-se com aprendizagem dos estudantes e com o atendimento às exigências da profissão) e do Mundo (conhecimento epistêmico, formação, sociedade).

Há de se destacar que suas relações sociais de poderem contar com bolsas-permanência e de iniciação à docência (Pibid), favorecendo a dedicação integral à sua formação inicial, proporcionaram a esses docentes melhores oportunidades para se dedicarem mais aos saberes profissionais, científicos e experimentais, o que entendemos ter relações diretas com a identidade desses docentes com esses saberes mencionados, já que isso possibilita a eles sentirem-se mais seguros para desenvolver as atividades experimentais em suas aulas, porque tiveram maior contato com essas atividades durante sua formação, aprendendo de forma relacional com o objeto do saber.

 

CONCLUSÃO

Partimos do pressuposto de que os docentes são influenciados pelas relações estabelecidas com os saberes nas dimensões sociais, epistêmicas e de identidade. Dessa forma, quanto mais profícuas forem essas relações com o(s) saber(es), melhores serão suas atuações diante deles.

No entanto, não é possível garantir que indivíduos diferentes, ao vivenciarem as mesmas relações epistêmicas e sociais, tenham as mesmas atuações em relação aos saberes, pois existem também relações na dimensão do Eu, como engajamento, desejo, identidade e a imagem que desejam projetar de si mesmos, que são inerentes a cada indivíduo. Essa diversidade de fatores pode ser observada nas falas dos docentes Adna, Fernanda e Antônio, que compartilham de contextos sociais e epistêmicos semelhantes, mas apresentam diferentes relações com os saberes experimentais, refletindo-se em suas atuações profissionais.

Além disso, é relevante destacar que os docentes que tiveram melhores oportunidades sociais e/ou formativas (como condições financeiras favoráveis, acesso a práticas experimentais, maior tempo de formação inicial, dedicação exclusiva aos estudos e bolsas de auxílio) demonstraram fortes relações sociais, epistêmicas e de identidade com os saberes profissional, científico e experimental, o que impacta positivamente suas atuações, especialmente em relação à prática experimental.

Esses resultados sugerem que o contexto em que os docentes estão inseridos e suas experiências formativas desempenham um papel crucial no desenvolvimento de suas relações com os saberes. Portanto, investir em oportunidades de formação, recursos e apoio adequados pode contribuir significativamente para melhorar as práticas pedagógicas, incluindo a incorporação de atividades experimentais nas aulas de Ciências.

A análise revela que os docentes investigados apresentam uma visão distorcida sobre o papel das atividades experimentais no Ensino de Ciências (Gil-Pérez, 2001; Bassolli, 2014). A compreensão equivocada do papel dessas atividades pode ser atribuída às frágeis relações com os saberes científicos dos docentes, principalmente na dimensão epistêmica.

Tais aspectos reforçam as conclusões de Dias (2020) e Correia et al. (2023), aspecto com o qual concordamos com base nos resultados, que indicam a necessidade de um trabalho mais significativo na formação inicial de docentes, com uma (re)significação das atividades experimentais dentro dos currículos dos cursos de formação de professores. Nota-se que os docentes que apresentam maior "sucesso" no desenvolvimento das atividades experimentais em suas aulas são aqueles que tiveram maiores relações com essas práticas durante sua formação inicial.

Nesse contexto, corroboramos Salvadego (2007) sobre a necessidade de uma maior valorização das atividades experimentais nos currículos de formação de professores, pois essas atividades estão intrinsecamente relacionadas com as dimensões de identidade e epistêmica do saber profissional docente.

No entanto, divergimos das conclusões de Salvadego (2007) ao inferir a relevância da disciplina "Instrumentação no Ensino de Ciências" na formação inicial de professores. Acreditamos que essa disciplina deve ser uma indicação em todos os cursos de licenciatura no Ensino de Ciências, pois contribui para a prática docente e a compreensão dos diversos papéis das atividades experimentais, proporcionando maior contato dos docentes com essas práticas em sua formação inicial. Concluímos que os docentes que apresentaram melhores relações epistêmicas e de identidade com o saber experimental e profissional tiveram mais contato com as atividades experimentais, especialmente aquelas pensadas dentro do contexto da prática docente em sala de aula e não apenas de laboratório.

Além disso, é importante ressaltar que, embora as relações sociais na formação docente influenciem positivamente na construção de uma maior identidade com os saberes epistêmicos (científico e pedagógicos), não podemos afirmar que essa seja a única razão para uma maior utilização dessas atividades nas aulas do docente. Outros fatores também desempenham um papel significativo, como o gosto pessoal em desenvolver atividades experimentais e a qualidade de suas relações com os saberes experimentais e profissionais ao longo de sua formação.

É importante reconhecer que a pesquisa apresentou algumas limitações, especialmente a falta de instrumentos que pudessem investigar e analisar as relações que os estudantes dos docentes que apresentaram maior identidade e engajamento no desenvolvimento das atividades experimentais em suas aulas têm com o saber científico e experimental. Compreender o quão importante eles consideram essas aulas práticas em suas relações com o saber científico poderia fornecer insights valiosos sobre a eficácia dessas atividades na aprendizagem dos estudantes.

Nesse sentido, acreditamos ser essencial o desenvolvimento de novas pesquisas que explorem a relevância das relações sociais em conjunto com as relações com os saberes nas dimensões profissionais e epistêmicas. Essas investigações podem fornecer uma visão mais abrangente e detalhada dos fatores que influenciam a efetividade das atividades experimentais no Ensino de Ciências.

Por fim, concordamos que a reflexão sobre o papel das atividades experimentais nos currículos de Ciências da Natureza é fundamental para a reorientação da formação inicial e continuada dos futuros e atuais docentes da área. Essa reorientação pode levar a uma valorização maior dessas práticas no contexto educacional, resultando em um ensino mais atrativo, enriquecedor e alinhado às necessidades dos estudantes.

 

Recebido em: 12/06/2023

Aceito em: 17/05/2024

 

REFERÊNCIAS

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