DOI: 10.36661/2595-4520.2025v8n1.15200
Recebido em: 06/08/2025
Aceito em: 02/09/2025
Atividades experimentais no enfrentamento à educação bancária: olhares a partir de uma proposta construtivista
Experimental activities in confronting banking education: perspectives from a constructivist approach
Actividades experimentales para hacer frente a la educación bancaria: perspectivas desde una propuesta constructivista
Luiz Marcelo Darroz (ldarroz@upf.br)
Universidade de Passo Fundo
https://orcid.org/0000-0003-0884-9554
Pedro Henrique Giaretta (135322@upf.br)
Universidade de Passo Fundo
https://orcid.or g/0009-0009-7933-9587
Márcio Luís Marangon (marcio.marangon@uffs.edu.br)
Universidade Federal da Fronteira Sul
http://orcid.org/0000-0003-3020-4429
Resumo
O presente artigo parte do desafio frente às nuances da educação bancária na área de ciências, as quais limitam a capacidade de construção de saberes dos educandos e vão de encontro à constituição de competências e habilidades necessárias no contexto atual e exigidas pela nova BNCC. Diante disso, traz o desafio de apontar alternativas que possibilitem colocar o educando como sujeito de sua própria aprendizagem, mediante o estímulo de sua curiosidade e a interação com os meios. Como hipótese, vai abordar as atividades experimentais e suas potencialidades, com o objetivo de mostrar que esta ferramenta pedagógica pode ser justamente um dos contrapontos buscados ante a educação bancária. Para trilhar este caminho, inicia utilizando uma análise bibliográfica e, após, prima por análise de relato de caso, respeitando os limites do artigo, mas, buscando reforçar pela reflexão sobre a prática como as atividades construtivistas estimulam a interação e a compreensão significativa, além de promover a construção do conhecimento de forma motivadora, colaborativa e eficiente.
Palavras-chave: Construtivismo; Ensino de Ciências; Experimentação.
Abstract
This article addresses the challenge posed by the nuances of banking education in the field of science, which limit students' ability to construct knowledge and run counter to the development of the skills and abilities necessary in the current context and required by the new BNCC (National Common Core Curriculum). Given this, it presents the challenge of pointing out alternatives that enable students to become subjects of their own learning, by stimulating their curiosity and interaction with the media. As a hypothesis, it will address experimental activities and their potential, with the aim of showing that this pedagogical tool can be precisely one of the counterpoints sought in banking education. To follow this path, it begins with a bibliographic analysis and then focuses on case report analysis, respecting the limits of the article, but seeking to reinforce through reflection on practice how constructivist activities stimulate interaction and meaningful understanding, in addition to promoting the construction of knowledge in a motivating, collaborative, and efficient way.
Keywords: Constructivism, Physics Teaching, Experimentation.
Resumen
El presente artículo parte del reto que plantean los matices de la educación bancaria en el área de las ciencias, que limitan la capacidad de construcción de conocimientos de los alumnos y van en contra de la constitución de competencias y habilidades necesarias en el contexto actual y exigidas por la nueva BNCC. Ante esto, plantea el reto de señalar alternativas que permitan situar al estudiante como sujeto de su propio aprendizaje, mediante el estímulo de su curiosidad y la interacción con los medios. Como hipótesis, abordará las actividades experimentales y sus potencialidades, con el objetivo de mostrar que esta herramienta pedagógica puede ser precisamente uno de los contrapuntos buscados frente a la educación bancaria. Para recorrer este camino, comienza utilizando un análisis bibliográfico y, a continuación, se centra en el análisis de casos, respetando los límites del artículo, pero buscando reforzar mediante la reflexión sobre la práctica cómo las actividades constructivistas estimulan la interacción y la comprensión significativa, además de promover la construcción del conocimiento de forma motivadora, colaborativa y eficiente.
Palabras-clave: Constructivismo, Enseñanza de la Física, Experimentación.
INTRODUÇÃO
O ensino focado na transmissão de conteúdos de forma expositiva e centrado na fala do professor – ou a educação bancária, como diria Freire (2005) – tem sido alvo de críticas na atualidade, provocando novos olhares sobre processos de ensino que visem o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias no contexto atual (Borges, 2002; Krummenauer, Costa, Silveira, 2010; Silva, 2014; Schnetzler, 1992; Oliveira, Silva, 2024). Por esse motivo, tem-se buscado práticas pedagógicas direcionadas ao rompimento com o processo de ensino que prioriza a memorização dos conteúdos estudados nos bancos escolares, voltando-se para metodologias ativas[1], capazes de ressignificar a forma de ensinar e aprender.
A crítica ao processo de ensino centrado na transmissão dos conteúdos é estabelecida na medida em que essa metodologia coloca o educando numa posição de mero receptor do conhecimento, um ser passivo cognitivamente, por assim dizer, um indivíduo a quem é designado aprender principalmente através da repetição e da memorização. Nessa perspectiva, propostas construtivistas vêm se apresentando como uma alternativa voltada a auxiliar na renúncia a essa metodologia por ora muito utilizada (Gomez, Darroz; Rosa, 2022), a fim de que o educando seja colocado como sujeito de sua própria aprendizagem, mediante o estímulo de sua curiosidade e interação com os meios, enquanto o professor assume papel de agente, indivíduo ativo que facilita a construção do conhecimento, realizando mediações entre o educando e o saber, assim como aponta Dewey (1959) em sua obra “Democracia e Educação”.
Diante desse cenário, a pergunta que este trabalho deseja abordar é: quais modelos de atividade podem servir como alternativa ao modelo bancário para o ensino de ciências? A hipótese lançada é que, entre outras possibilidades, as atividades experimentais têm se mostrado metodologias capazes de promover as mudanças necessárias no processo de ensinar e aprender.
Essas metodologias, que consistem em utilizar materiais e equipamentos para explorar conceitos na prática, oferecem meios de relacionar a teoria estudada com o cotidiano e a vivência dos educandos (Gomes; Rosa; Darroz, 2022). O leque de possibilidades utilizando as atividades experimentais torna-se maior quando referenciado no estudo das ciências naturais, mais especificamente a Física. Diversos autores destacam a importância da prática para os educandos, por abordar a compreensão e o domínio dos fenômenos que ocorrem na natureza próximos ao seu cotidiano. Borges (2002, p. 11), inclusive, afirma que “[...] os educandos deveriam conhecer alguns dos principais produtos da ciência, ter experiência com eles, compreender os métodos utilizados pelos cientistas para a produção de novos conhecimentos e como a ciência é uma das forças transformadoras do mundo”.
Com isso, o objetivo geral deste trabalho é demonstrar, por meio de um exemplo prático da disciplina de Física, que o uso da experimentação pode ser um elemento de motivação para o educando, sendo uma ferramenta capaz de romper com a aula tradicional (Pinho Alves, 2000). Para isso desdobram-se três objetivos específicos: a) afirmar que, pela experimentação, o educando passa a ter papel ativo na aula, criando condições para desenvolver o pensamento crítico ao analisar o funcionamento e os resultados da experimentação; b) explicitar que a experimentação estimula o levantamento de hipóteses, relacionando o conteúdo com a vivência do educando e com as discussões em grupos, isto é, debates de ideias e concepções; c) entender que esse tipo de atividade possibilita a “realização de práticas experimentais que primem pela construção do conhecimento e não pela simples realização de um conjunto de procedimentos” (Rosa; Rosa, 2012, p. 4).
METODOLOGIA
Para alcançar tais objetivos, o trabalho parte de uma análise bibliográfica e segue para um relato de experiência de uma atividade construtivista desenvolvida com turmas de 9º ano do Ensino Fundamental II, de um colégio da rede privada do município de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, nas aulas de Física. A atividade foi desenvolvida durante a discussão do conteúdo de queda dos corpos, para abordar, mais especificamente, a queda livre. A atividade experimental, desenvolvida e descrita no presente trabalho, seguiu a organização do roteiro proposto por Rosa e Rosa (2012), que busca utilizar essa metodologia ativa para potencializar uma real construção do conhecimento. Em seguida, o trabalho busca analisar os ganhos encontrados na experiência para fazer apontamentos possíveis de ganhos na área de ciências.
REFERENCIAL TEÓRICO
O construtivismo, oriundo do século XX, trouxe como desafio para a educação o objetivo de colocar o educando como protagonista da aprendizagem, ou seja, como agente na construção do conhecimento. Neste sentido, indo ao encontro das metodologias tradicionais – provenientes de séculos anteriores – que apontavam o educador como o único detentor do conhecimento, traz o educando para o centro da discussão e da ação pedagógica, colocando o educador em uma posição de “instigador” a partir de diferentes contextos, vinculando-os sempre a sua realidade, gerando, assim, conflitos cognitivos e possibilitando-lhe tornar-se pensante e reflexivo (Piaget; Garcia, 1987).
Assim, no âmbito do construtivismo o educando é parte ativa do processo, tem seu nível de aprendizagem respeitado e papel dinâmico a partir da interação com o meio, e, com base nisso, constrói seu aprendizado. Essas concepções partem da premissa de que é mais fácil o educando aprender algo relacionado a sua vivência, ou a sua experiência de vida, do que algo desvinculado, com o qual não possui relação e que existe apenas em situações criadas em sala de aula (Darroz; Giaretta; Rosa, 2022).
Estratégias de ensino capazes de promover práticas pedagógicas construtivistas no ensino de Física, por exemplo, são as atividades experimentais[2], que podem ser utilizadas em qualquer âmbito, desde que seu objetivo seja a construção do conhecimento. Segundo Darroz et al. (2013), ao investigarem o uso de laboratórios, a experimentação é um recurso capaz de ser aplicado em qualquer momento e espaço, o que contrapõe a ideia ultrapassada de que ela só poderia ocorrer no espaço físico de um laboratório. Para os autores, a experimentação é um processo, e não um material, podendo, portanto, ser adaptada de acordo com cada realidade e local.
Nesse sentido, Pinho Alves (apud Darroz et al., 2013, p. 2) destaca “a necessidade de se ultrapassar o entendimento de que o laboratório didático se limita à existência de um espaço físico, mas, sim, que laboratório didático, é todo e qualquer espaço que envolve a realização de atividades de natureza experimental”. Essa afirmação evidencia que todo e qualquer espaço escolar, ou não escolar, pode ser utilizado para atividades experimentais, como a própria sala de aula, o pátio, corredores e, até mesmo, o entorno escolar.
Porém, por outro lado, o simples fato de utilizar um laboratório ou um experimento não garante que um processo construtivista esteja ocorrendo. O mais importante, nesse sentido, é que as práticas docentes rompam com os métodos tradicionais e mecanizados. Nas palavras de Pinho Alves (2000):
se a opção de um professor ou investigador ainda estiver ligada ao empirismo ingênuo, nada precisa ser feito, tudo está pronto e responde muito bem aos objetivos desejados. Tanto os textos como o laboratório cumprem fielmente os interesses de um ensino tradicional: dogmático, linear, cumulativo e reprodutivista (Pinho Alves, 2000, p. 289).
Portanto, para promover a aprendizagem a partir da experimentação, é necessário renunciar aos processos estáticos, formais e limitados, que são os receituários prontos que buscam respostas definidas, isto é, respostas já esperadas que, quando não são encontradas, sinalizam que o procedimento foi realizado de forma incorreta.
Neste caminho, Rosa e Rosa (2012) olhando para o método construtivista propõem uma didática baseada em três momentos que visam promover a construção do conhecimento. Tal prática tem por objetivo subsidiar professores que buscam romper com o tradicional método da “receita de bolo”, e coloca a ênfase “nas etapas anteriores e posteriores à experimentação, oportunizando que os educandos em conjunto com o professor discutam e reflitam sobre o que irão fazer ou o que fizeram na atividade” (Rosa; Rosa, 2012). Por isso, essas etapas demandam tempo e atenção expressivos para sua realização e estão distribuídas em: pré-experimental, experimental e pós-experimental.
A etapa “pré-experimental” garante que o professor consiga conduzir a atividade e manter, na direção desejada, o foco dos educandos envolvidos. Essa etapa contempla os seguintes itens: pré-teoria, explicitação dos objetivos, formulação de hipóteses e planejamento das ações. Conforme explicam os autores:
Considera-se importante que, ao iniciar uma atividade experimental, sejam proporcionadas ao educando discussões que lhe mostrem os conhecimentos envolvidos no estudo. Trata-se de uma aproximação da teoria com a experimentação, proporcionando que o educando se familiarize com os saberes envolvidos e esteja orientado aos conhecimentos em estudo (Rosa; Rosa, 2012, p. 5).
Em síntese, a etapa oportuniza explorar a contextualização do conteúdo a ser abordado, o que pode ser feito por meio de questionamentos, situações problema, ou, mesmo, do contexto histórico. O importante é que ela esteja vinculada a um conhecimento do cotidiano, possibilitando a abertura de um caminho para a realização da atividade em si. Também, é nessa etapa que, ao explorar o que será desenvolvido, são estabelecidos os objetivos da atividade, deixando claro que ela não consiste em procurar respostas preestabelecidas, pois o seu caráter torna-se mais exploratório.
A formulação de hipóteses é outro elemento que direciona o caminho da atividade, uma vez que ela permite uma ampla discussão e busca explorar os conhecimentos já existentes mediante confrontos cognitivos. Além disso, é a partir dela que um comparativo pode ser feito entre as etapas pré e pós-experimental. Por fim, um planejamento precisa ser elaborado, o qual, diferentemente dos relatórios tradicionais, visa buscar os conhecimentos necessários para realizar a atividade, assim como os materiais a serem empregados e as análises a serem realizadas (Rosa; Rosa, 2012).
A etapa denominada “experimental” destina-se à execução da atividade em si, a qual envolve as ações dos educandos mediante seus planejamentos e propósitos. “Executar uma atividade experimental significa operar o planejado, testar hipóteses previstas, tendo claro o objetivo almejado, e, normalmente, significa também manusear equipamentos” (Rosa; Rosa, 2012, p. 5). A ideia é que, na execução, ocorra a interação social ao realizar os procedimentos necessários. Ainda assim, a motivação e o empenho devem acontecer nesse momento através da construção do conhecimento abordado, repetindo procedimentos, se preciso, de modo a permitir a confrontação do conhecimento entre todos os envolvidos no processo.
Finalmente, a etapa “pós-experimental” caracteriza-se pela conclusão da atividade experimental, que representa o fechamento desta atividade e a sistematização dos resultados encontrados. Nas palavras de Rosa e Rosa (2012):
A proposta é que esta conclusão fuja da habitualmente presente no laboratório tradicional, que se destina apenas à apresentação dos resultados. Na nova proposta a conclusão ganha status de discussão dos resultados obtidos, representando um momento de construção do conhecimento (Rosa; Rosa, 2012, p. 06).
Nessa etapa, é importante retomar todos os procedimentos realizados, a fim de discutir as evidências encontradas e relacioná-las com as hipóteses levantadas previamente. Para tanto, os debates devem seguir uma organização que propicie aos educandos, após serem estimulado e municiados com a retomada de tudo o que houve, “buscar os resultados, interpretando-os, confrontando-os e discutindo-os” (Rosa; Rosa, 2012, p. 06), ou seja, permitir que os educandos “tomem parte” da experiência que fizeram podendo identificar possíveis falhas (se for o caso) ou mesmo sintetizar a atividade.
Assim, a avaliação não é feita a partir de testes pré-definidos, caracterizando-se como contínua e de caráter diagnóstico, o que significa que ela não é tida como um fim, mas como um meio, possibilitando aprendizados a partir da prática (Darroz; Giaretta; Rosa, 2022).
UM OLHAR A PARTIR DA PRÁTICA[3]
No ano de 2018, em um colégio no município de Passo Fundo, Estado do Rio Grande do Sul, ao abordar o conteúdo do movimento de queda dos corpos e a definição de queda livre, decidiu-se colocar em prática uma atividade experimental construtivista, como as descritas por Rosa e Rosa (2012).
A saber, de modo geral, o estudo sobre a queda dos corpos busca compreender como ocorre esse fenômeno muito presente no dia a dia das pessoas, e é algo muito antigo na história da ciência. Aristóteles, por exemplo, já abordava este tema em sua época (384 a.C. -322 a.C.). Aliás, como menciona Serzedello (2008, p.09): "muitos dos conceitos ditos espontâneos, que os alunos trazem para a sala de aula, nada mais são que pensamentos aristotélicos, interpretações baseadas no senso comum, naquilo que os sentidos mostram".
Contudo, em relação a queda dos corpos, de modo peculiar, a teoria Aristotélica (mesmo sem aprofundamentos teóricos e empíricos) perdurou 1.800 anos até que, Galileu Galilei (1564 -1642), foi responsável por experiências para tentar entender o fenômeno e sugeriu que, quando dois corpos de pesos diferentes fossem abandonados de uma certa altura, ambos chegariam juntos ao chão.
Embora com o reforço da empiria - diferente da teoria aristotélica - Galileu divergiu opiniões e só teve sua teoria acreditada de modo mais conciso a partir de 1650, com a criação da bomba de vácuo[4]. Certo é que os avanços da ciência contribuíram para que a teoria de Aristóteles, e porque não, de Galileu, tivessem ainda peso diferente na atualidade. Vale ressaltar aqui dois episódios envolvendo esta questão a partir da modernidade: o experimento do astronauta David Scott, ao vivo, em 1971, com a queda de uma pena e um martelo na lua, durante um passeio na Apollo 15 e, o experimento feito em uma das maiores câmaras de vácuo do mundo: a câmera da Agência Espacial Americana -NASA, no ano de 2014, pelo físico Brian Cox que também reforçou a teoria da queda livre. Portanto, embora antigo, este experimento faz parte dos questionamentos, dúvidas e imaginários de várias gerações – incluindo da atual.
Mas do que se trata afinal este experimento: para melhor descrever, no cotidiano, é possível perceber que corpos caem de uma mesma altura em tempos diferentes, o que se deve à força de resistência do ar, que é uma força que se opõe ao movimento de queda, e essa resistência do ar tem intensidades diferentes em corpos com formatos e massas diferentes. O mesmo não ocorre em uma situação na qual podemos desprezar a resistência do ar.
Em outras palavras, se dois corpos ou mais forem abandonados de uma mesma altura, ambos chegarão ao solo ao mesmo tempo, independentemente de sua massa ou formato. Tal fenômeno, denominado “queda livre” (pois está livre de forças que não a da gravidade), ocorre porque os corpos apresentam a mesma aceleração gravitacional (cuja nomenclatura é “g” no ensino de Física) e, dessa forma, descrevem um movimento acelerado, efetuando um Movimento Uniformemente Variado (MUV). Isto é, os corpos apresentam a mesma variação da sua velocidade em um determinado intervalo de tempo.
A partir da explicação do conteúdo em sala, gerou-se dúvidas e incertezas dos educandos. Ao tentar aprofundar a teoria, o conteúdo possibilitou gerar conflitos na estrutura cognitiva dos educandos perante o conhecimento de cada um. Logo, percebeu-se uma possibilidade e, ao mesmo tempo, uma necessidade de utilizar outra metodologia para atingir os objetivos de aprendizagem. Um ponto positivo para este contexto é que a escola em questão possuía laboratório e um bom espaço para fazer experiências diferenciadas. Então, foi-se “a campo” para construir conhecimento.
Para a atividade, no primeiro momento, denominado “pré-experimental”, foram discutidos os conceitos de queda dos corpos e levantadas hipóteses sobre o fenômeno, com base nos relatos dos educandos. Essa proposta teve como ponto de partida os conflitos dos educandos diante das divergências levantadas na discussão. Desse modo, os participantes foram induzidos a utilizar algum método para identificar a validade das hipóteses e, a partir disso, pensar no grande grupo (turma) em uma forma de visualizar e analisar o fenômeno em grande escala.
Essa ideia proporcionou o momento de planejamento da atividade experimental, que foi elaborada em conjunto com os educandos e estruturada a partir do uso de materiais simples fornecidos pelos próprios participantes, com o auxílio das tecnologias disponíveis (aparelhos celulares, computador e projetor multimídia).
Na etapa “experimental”, procedeu-se à atividade, que partiu de testes iniciais realizados em sala de aula com materiais de diferentes tamanhos e massas. A atividade consistia em abandonar um objeto de uma altura específica, escolhida pelos educandos, que foi graduada a partir do ponto máximo (altura máxima) até o solo.
Posteriormente, foram efetuados diversos procedimentos de abandono do corpo da altura máxima, registrando imagens da ocorrência do fenômeno da queda, com o auxílio das câmeras de celular dos educandos. A atividade contou com a motivação da turma, que se empenhou para registrar de forma eficiente a queda para uma análise posterior. O próprio registro foi indicado como alternativa para transpor a dificuldade de visualização detalhada a olho nu, por não se ter obtido êxito ao destacar pontos e cronometrar o percurso dos objetos ao longo da queda.

Fonte: imagem do autor.
Figura 01 - Imagem produzida por IA a partir da imagem original
Na conclusão da atividade, o momento “pós-experimental” proporcionou a observação das imagens coletadas pelos educandos, extraindo dados para análise. As imagens foram analisadas individualmente em câmera lenta, juntamente com um cronômetro inserido nas figuras, por meio de um aplicativo de celular. A edição e os intervalos de análise também foram estabelecidos pelos educandos, juntamente com o professor, de acordo com as dificuldades que surgiram, visando facilitar o processo, para obtenção de dados mais precisos.
Com base nas informações obtidas, conceitos referentes a medidas de comprimento e de tempo foram debatidos, e, a partir deles, relações entre movimento, velocidade e aceleração foram estabelecidas (Figura 2), sendo os resultados discutidos nas aulas de Física.

Fonte: imagem do autor.
Figura 2 - Dados organizados por um educando
As situações registradas proporcionaram o conflito de ideias levantadas na etapa “pré-experimental”, por meio do qual se buscou a compreensão em forma de debate, incluindo a teoria, a fim de que o resultado e o conceito não fossem expostos de maneira pronta, mas construído com base na experiência.
ANALISANDO AS AÇÕES
Os resultados evidenciados na atividade permitiram perceber que houve uma interação entre os educandos e que eles estabeleceram uma compreensão significativa do fenômeno observado, assim como dos conceitos físicos e matemáticos debatidos. A proposta inicial gerou resultados satisfatórios no quesito de promover a construção do conhecimento através dos três momentos experimentais. Os educandos mantiveram-se motivados e engajados com a atividade experimental, sempre buscando solucionar os imprevistos e as dificuldades encontradas durante a atividade, e, principalmente, relacionaram os resultados obtidos com as hipóteses levantadas no primeiro momento, reorganizando a estrutura cognitiva.
Disso, decorrem-se algumas reflexões importantes a respeito do que desejou-se tratar neste texto. Primeiro, que as atividades experimentais realmente apresentam-se como alternativa à educação bancária e, ao mesmo tempo, que o modelo pedagógico utilizado é diverso, ou seja, é possível abordá-lo a partir de Piaget, Vygotsky e, em um mundo até mais próximo ao ensino de ciência, porque não lembrar de Dewey e suas experiências pedagógicas? Essas parecem se alinhar ao que desenvolveu-se na escola, na relação teoria e prática com questões cotidianas, e parecem atrelar-se muito bem ao ensino de ciências, por primar pela construção do conhecimento, a partir da experiência transformadora.
Segundo, a partir desse caminho, entender como a experiência pode ter uma dinâmica instigadora em relação à construção do saber. Como diz Dewey: “a função do conhecimento é tornar uma experiência livremente aproveitável em outras experiências. [...] Por outras palavras, o conhecimento é uma percepção das conexões de um objeto, que o torna aplicável em dada situação” (Dewey, 1979, p. 373); ou seja, a diferença de uma educação que traz em si atividades experimentais, para uma educação estritamente bancária, é que a primeira demonstra-se instigadora de novos saberes. Em outras palavras, o educando sente-se provocado a buscar, e quando descobre-se “potente” de aprender, pode instigar-se a expandir suas experiências, trazendo não só a possibilidade de ampliação de aprendizagens, mas também, a possibilidade de novos olhares para saberes que já existem, podem ser revistos e instigar novas soluções, entendendo que o mundo muda constantemente e que processos podem ser revistos, reutilizados: isso é algo crucial para as futuras gerações.
Por isso, como nas palavras de Rosa et al. (2013, p. 77), “independentemente da opção de abordagem metodológica, o que se mantém presente e viva no sistema educacional é a necessidade da realização de atividades experimentais”. Com isso, os autores indicam a necessidade de metodologias que levem o educando a “estabelecer hipóteses, manipular materiais, testar, observar, relatar etc” (Idem). Dessa maneira, a construção de condições surge como cenário para a apropriação dos conhecimentos.
Terceiro, e também muito importante, ter o cuidado de entender que, embora essas metodologias sejam importantes, não significa que elas resolverão todos os problemas. Afinal, como menciona Bastos (1995):
uma analogia muito forte entre ciência e aprendizagem pode conduzir à idéia de que educar é transformar o aluno num pequeno cientista, o que não só não é plausível como também pode fazer com que a escola enfatize excessivamente os aspectos racionais da personalidade do aluno em detrimento de outros aspectos que também são importantes (aspectos afetivos, aspectos psicomotores, sensibilidade artística etc.) (Bastos, 1996, p. 25).
Logo, o olhar sobre a aprendizagem precisa estar sempre alinhado com o olhar integral do educando. Em alguns casos, mais do que a aprendizagem propriamente dita, os modelos experimentais permitem uma participação cidadã na construção de saberes. Permite o olhar do educador sobre os saberes que os educandos desenvolvem em seus meios e sobre os saberes diferentes que eles podem criar, a partir das experiências que o educador suscita. Enfim, permite que o educando seja “olhado”, “percebido”.
Quarto, e último ponto, ficou evidente que a discussão de conceitos por diferentes disciplinas, através de uma prática construtivista, promove a construção do conhecimento de forma motivadora, colaborativa e eficiente. Quando o conhecimento é conquistado pelo próprio educando, o sentimento de pertencimento o faz buscar ainda mais e ter um olhar mais atento para os conteúdos subsequentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto desenvolvido buscou analisar a possibilidade de alternativas ao modelo bancário para o ensino de ciências e, indo ao encontro da hipótese lançada, trouxe um exemplo prático para demonstrar como as atividades experimentais têm esse potencial de promover mudanças no processo de ensinar e aprender.
Possivelmente, o maior ganho vislumbrado em relação à prática desenvolvida para os (e pelos) educandos tenha sido – para além da motivação que constitui – perceber a importância do papel ativo do educando na aula, o desenvolvimento de pensamento crítico e o estímulo para o levantamento de novas e diferentes hipóteses por parte dos educandos.
Mas, para além de tudo isso, fica outro ponto importante que vai ao encontro das demandas de um planeta que precisa de novas e urgentes soluções: as atividades experimentais como como estratégia pedagógica não só servem como alternativa à educação bancária, e para a problematização da mesma, como demonstram que, ao estimular a participação dos educandos, possibilitar a criação de saberes diferentes, a partir de experiências cognitivas e culturais diferentes, são excelentes ferramentas para suscitar saberes mais concernentes com os problemas atuais.
De modo simbólico, é possível dizer que, ao abrir o banco da educação (ou seja, ao despojar-se da educação bancária), um tesouro de novas possibilidades se abre à educação e ao mundo. É claro que em toda metodologia há seus limites e desafios. O processo de uma educação - que coloque o educando como protagonista efetivo da aprendizagem - necessita da construção de espaços democráticos em sala de aula, de um novo olhar quanto a “autoridade docente” e, de uma abertura para inesperado. Por outro lado, lembrando Dewey, é justamente diante de atividades experimentais que as necessidades do mundo vão se apresentando aos educandos, suscitando nestes, transformações e responsabilidades indispensáveis para a constituição da cidadania e da autonomia. Que saibamos aproveitar estes tesouros.
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[1] Por metodologias ativas entende-se aqui o movimento que coloca o educando no centro do processo de ensino-aprendizagem. Onde ele deixa de ser mero receptor de saberes para ser o protagonista deste processo, assim como abordar Bacich e Moran (2018).
[2] Vale situar aqui que a atividade experimental pode ser vista de três maneiras, e ambas estão contidas neste texto: 1) como metodologia, envolvendo investigação ativa e práticas construção e assimilação de saberes pelo envolvimento do educando; 2) como ferramenta, sendo um belo suporte aos educadores em sala de aula para trabalhar com conceitos abstratos, bem como, para desenvolver a reflexão crítica, e; 3) uma estratégia pedagógica, tanto no que se refere ao despertar interesses, como na organização pedagógica que permite o desenvolvimento de habilidades, a capacidade de resolução de problemas e a interação com os diversos contextos de ensino. As três maneiras de entender a atividade experimental são importantes, por isso, não vamos neste espaço tomar uma posição específica sobre este contexto, mas, durante o desenvolvimento das reflexões, vai evidenciando-se que ela é utilizada aqui como mais afinco como uma estratégia pedagógica.
[3] As fotos oficiais da atividade foram retiradas para preservar a identidade da escola e dos educandos que participaram da atividade.
[4] O vácuo, para recordar, é a ausência de matéria, o que pode ser traduzido aqui, neste ensaio de movimentos verticais, como ausência de ar.