Avaliação da aprendizagem no Ensino de Ciências: um estudo sobre as práticas avaliativas de professores de escolas públicas do município de Pelotas, RS
Assessment of learning in Science Teaching: a study on the assessment practices of public school teachers in the city of Pelotas, RS
Evaluación del aprendizaje en la Enseñanza de las Ciencias: un estudio sobre las prácticas de evaluación de profesores de escuelas públicas de la ciudad de Pelotas, RS
Carla Vargas Bozzato (carlavargasbozzato@gmail.com)
Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil
http://orcid.org/0000-0001-8745-0204
Rosangela Inês Matos Uhmann (rosangela.uhmann@uffs.edu.br)
Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil
http://orcid.org/0000-0003-3820-1003
Resumo
A avaliação da aprendizagem é realizada sistematicamente nas escolas para potencializar o processo de aprendizagem dos estudantes, possibilitando ao professor tomar decisões e definir os caminhos a seguir melhorando o processo de ensino. Sendo assim, esta pesquisa de abordagem qualitativa investiga a avaliação da aprendizagem a partir das impressões de um grupo de professores da Educação Básica, que atuam no Ensino de Ciências, de escolas públicas da cidade de Pelotas, RS. Foi realizada uma entrevista semiestruturada com professores das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Os resultados obtidos da análise de conteúdo emergiram na forma de quatro categorias, a saber: i) concepções da avaliação da aprendizagem; ii) acompanhamento do processo de aprendizagem; iii) instrumentos para avaliar e, iv) registro das informações na avaliação. Portanto, as falas apontaram que a realização de práticas avaliativas está alinhada as orientações da rede de ensino, mas a maior influência está na cultura avaliativa presente em cada contexto escolar. O que exige a necessidade de práticas avaliativas entrelaçadas pela ação-reflexão, a pluralidade e o diálogo entre os alunos e professores e demais sujeitos envolvidos.
Palavras-chave: avaliação da aprendizagem; práticas avaliativas; ensino de ciências.
Abstract
Learning assessment is carried out systematically in schools to enhance the students' learning process, enabling teachers to make decisions and define the paths to follow, improving the teaching process. Therefore, this qualitative research investigates the assessment of learning based on the impressions of a group of Basic Education teachers, who work in Science Teaching, in public schools in the city of Pelotas, RS. A semi-structured interview was conducted with teachers from the final years of Elementary School and High School. The results obtained from the content analysis emerged in the form of four categories, namely: i) conceptions of learning assessment; ii) monitoring of the learning process; iii) instruments for assessment; and iv) recording of information in the assessment. Therefore, the statements indicated that the implementation of assessment practices is aligned with the guidelines of the education network, but the greatest influence is on the assessment culture present in each school context. This requires the need for assessment practices intertwined with action-reflection, plurality and dialogue between students, teachers and other subjects involved.
Keywords: learning assessment; assessment practices; science teaching.
Resumen
La evaluación del aprendizaje se realiza de forma sistemática en las escuelas para potenciar el proceso de aprendizaje de los estudiantes, permitiendo al docente tomar decisiones y definir los caminos a seguir para mejorar el proceso de enseñanza. Por lo tanto, está investigación cualitativa investiga la evaluación del aprendizaje a partir de las impresiones de un grupo de profesores de Educación Básica, que actúan en la Enseñanza de las Ciencias, en escuelas públicas de la ciudad de Pelotas, RS. Se realizó una entrevista semiestructurada a docentes de los últimos grados de Educación Primaria y secundaria. Los resultados obtenidos del análisis de contenido surgieron en forma de cuatro categorías, a saber: i) concepciones de evaluación del aprendizaje; ii) seguimiento del proceso de aprendizaje; iii) instrumentos para evaluar y, iv) registro de información en la evaluación. Por lo tanto, los pronunciamientos indicaron que la realización de prácticas de evaluación está alineada con los lineamientos de la red educativa, pero la mayor influencia está en la cultura de evaluación presente en cada contexto escolar. Esto requiere la necesidad de prácticas evaluativas entrelazadas por la acción-reflexión, la pluralidad y el diálogo entre estudiantes y docentes y otros sujetos involucrados.
Palabras-clave: evaluación del aprendizaje; prácticas de evaluación; Enseñanza de las Ciencias.
INTRODUÇÃO
A avaliação é um tema que há muito tempo ocupa um lugar de destaque nas escolas, provocando intensas discussões e embates em todas as redes de ensino do sistema educacional brasileiro. Contudo, avaliar as aprendizagens dos estudantes sempre foi considerada uma tarefa complicada, o que exige a intensificação das discussões nas escolas de Educação Básica (EB) em torno da questão pedagógica de “como avaliar” e “quais práticas avaliativas seriam pertinentes”, principalmente, para o Ensino de Ciências (EC)[1].
Segundo Maceno (2020), pesquisas sobre avaliação da aprendizagem com professores do EC têm sido exploradas recentemente pelo interesse em verificar que saberes e embasamentos teóricos influenciam esses sujeitos na realização de suas práticas avaliativas. Por outro lado, a autora argumenta que analisar as práticas avaliativas possibilita “entender de que forma os temas sociocientíficos, as atividades e os conteúdos organizados para ensinar Ciências” (Maceno, 2020, p. 41).
Adentrar nas escolas para pesquisar a temática da avaliação da aprendizagem no EC, analisando as práticas avaliativas dos professores no cotidiano de escolas públicas, corroborou para que sentidos e significados se entrelaçassem com as concepções construídas na trajetória da pesquisadora, primeira autora deste artigo. As concepções da pesquisadora estão fortemente influenciadas e baseadas nas experiências vividas em seu trabalho docente como professora de Ciências das séries finais do Ensino Fundamental e de Biologia no Ensino Médio e, de gestora de uma escola pública estadual de EB do estado do Rio Grande do Sul (RS). Contudo, agregam-se concepções por meio da reflexão e da aproximação com referenciais teóricos como estudante e pesquisadora.
Assumir esses diversos papéis possibilitou reconhecer que avaliar as aprendizagens dos estudantes é algo complexo. E, a complexidade não se limita apenas a questão pedagógica, mas envolve várias instâncias que perpassam desde as relações travadas entre os sujeitos envolvidos, nesse processo, como nos interesses governamentais, políticos, sociais e econômicos.
Desse modo, a presente pesquisa de abordagem qualitativa buscou responder ao seguinte problema de pesquisa: Como os professores do Ensino de Ciências estruturam suas práticas avaliativas? Nesse sentido, o presente estudo investigou a realização da avaliação da aprendizagem a partir das impressões de um grupo de dezoito (18) professores da EB, que atuam no EC de quatro (4) escolas públicas de Pelotas-RS. O instrumento de coleta de dados foi uma entrevista semiestruturada em que foram analisadas as respostas pelo método da análise de conteúdo de Bardin (2016).
Assim, o artigo discute sobre a avaliação da aprendizagem no EC com pressupostos teóricos de Bozzato (2021), Maceno (2020), Uhmann (2015), Hoffmann (2014), Esteban (2008) e Sant’Anna (2011). No transcorrer, são apresentados o referencial teórico, o caminho metodológico e a discussão dos resultados a partir de quatro categorias, a saber: i) concepções da avaliação da aprendizagem; ii) acompanhamento do processo de aprendizagem; iii) instrumentos para avaliar; e, iv) registro das informações na avaliação. E, por fim as considerações gerais e as referências bibliográficas.
A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA PERSPECTIVA DOS REFERENCIAIS TEÓRICOS
O enfoque para realizar a avaliação da aprendizagem, nas escolas de EB, de forma contínua e cumulativa do desempenho dos estudantes em que há prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e, dos resultados ao longo do percurso educativo foi dado pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, número 9394/96 (Brasil, 2017), em seu artigo 24. Nas escolas de todo o país, essas orientações devem estar presentes em seus documentos oficiais, assim como especificados os critérios e os instrumentos avaliativos.
Luckesi (2011) aponta para a necessidade de a avaliação da aprendizagem estar articulada e entrelaçada com as ações educativas desenvolvidas na escola, como fios condutores para as práticas que compõem o currículo no dia a dia, norteando os rumos da gestão escolar.
Adequar à avaliação da aprendizagem conforme a LDB e, atender essa perspectiva de Luckesi (2011) tem sido um desafio para os professores. O fato reside que a realização das práticas avaliativas envolve, também, atender as exigências de cada rede de ensino, do cumprimento da agenda da sua escola e das condições em que esses sujeitos realizam as práticas avaliativas.
Em relação à avaliação da aprendizagem no EC, Maceno (2020, p.31) expressa que no cotidiano escolar ainda que o professor
[...] planeje como desenvolverá sua avaliação, as circunstâncias escolares e as dinâmicas discursivas no bojo das interações trarão elementos novos, orientações e processos de contextualização e recontextualização de conhecimentos científicos, o que afeta as formas como o professor avalia.
Ainda, somado a esse contexto estão as diferentes expectativas dos professores em relação ao processo de aprendizagem dos estudantes, então, avaliar tem sido, segundo Esteban (2008, p.14), “[...] uma tarefa docente que mobiliza corações e mentes, afeto e razão, desejos e possibilidades”.
Desse modo, muitas vezes acaba se tornando uma prática solitária pelo fato de que a responsabilidade recai exclusivamente para o professor “que propõe os instrumentos a serem usados, elabora-os, aplica-os e analisa-os, acompanhado de pressão constante, decorrentes das repercussões do resultado da avaliação na vida do aluno ou da aluna” (Esteban, 2008, p.14).
Nessa perspectiva, exige ação e reflexão para propor caminhos que conduzam os estudantes à aprendizagem. A ação, portanto, é pautada nos registros que os professores realizam, identificando os avanços, as limitações e as defasagens. A reflexão recai sobre essas informações que são necessárias para a tomada de decisões, no sentido de buscar reorientar os processos de ensino e de aprendizagem.
Pesquisar a avaliação da aprendizagem junto aos professores não remete apenas as questões que envolvem a organização de cada rede de ensino ou da dimensão pedagógica e, sim, entender que existem elementos agregados às concepções desses sujeitos que precisam ser refletidos quando realizam as práticas avaliativas. Nessa perspectiva, Tardif e Lessard (2014, p.136) em uma investigação sobre o trabalho docente, junto a um grupo de professores da EB, constataram a partir de observações e entrevistas que a avaliação dos estudantes:
[...] não se trata, absolutamente, de uma atividade mecânica que consista unicamente em contabilizar notas; pelo contrário, a avaliação parece corresponder a um processo social bastante complexo em que o julgamento profissional dos professores se confronta com uma multidão de critérios, expectativas, necessidades, normas e dificuldades.
Para Freitas (200, p. 43), a realização da avaliação da aprendizagem ocorre em dois campos: o formal e o informal. No campo da avaliação formal, segundo o autor, “[...] estão às técnicas e os procedimentos palpáveis de avaliação, como provas e trabalhos que conduzem a nota” e, no campo da avaliação informal estão “[...] os juízos de valor, invisíveis e que acabam por influenciar os resultados das avaliações finais” construídos a partir de critérios elencados pelos professores e/ou com a participação dos estudantes.
Perrenoud (1999), também fornece subsídios teóricos para o entendimento sobre essa complexidade que se revela na realização da avaliação da aprendizagem atrelando a essa prática uma diversidade de lógicas e antagonismos no âmago das contradições do sistema educativo. O autor, ainda, descreve sobre a criação das hierarquias e a seleção dos critérios que organizam a avaliação da aprendizagem no contexto escolar.
Essas contribuições teóricas de Esteban (2008), Tardif e Lessard (2014), Freitas (2003) e Perrenoud (1999) corroboram para trazer subsídios com o objetivo de entender que o planejamento e a realização da avaliação da aprendizagem em cada contexto precisam do movimento de replanejamento. Pensando nessa perspectiva e para o EC, no sentido de dar conta dessas intencionalidades pesquisadores como Luckesi (2011), Delizoicov (2012), Uhmann (2015), Bozzato (2021), Hoffmann (2014), dentre outros argumentam no sentido de que avaliar as aprendizagens dos estudantes se constitui num processo que não pode ser realizado isoladamente no percurso educativo desses sujeitos e, portanto, deverá “subsidiar o ensino e a aprendizagem dos estudantes” (Luckesi, 2011, p. 148).
A importância de a avaliação da aprendizagem subsidiar o ensino e a aprendizagem reside em decorrência de melhorar o desempenho dos estudantes da EB, principalmente, em relação aos instrumentos avaliativos. No entanto, no contexto atual, cabe destacar a dificuldade de articular a avaliação da aprendizagem como fio condutor para qualificar o ensino propagado nas salas de aula. Segundo Uhmann (2015, p.16), o pouco entendimento acerca da finalidade da avaliação para o ensino conduz,
[...] os professores a desenvolverem suas práticas de forma classificatória para o qual fazem uso de testes, provas e/ou outras atividades, na intenção de obter uma nota ou conceito como forma de apresentar os resultados de cada aluno pensando que estão avaliando. Não levando em conta o processo de acompanhamento da aprendizagem dos alunos.
Por outro lado, dependendo das práticas avaliativas adotadas podemos refletir a respeito do planejamento, rever as metas e os objetivos, os procedimentos, as técnicas e os instrumentos avaliativos, pois de acordo com Uhmann (2015, p. 16): “O sentido da avaliação no ensino é fazer emergir do ensino a potencialidade que tem o avaliar para ensinar e aprender melhor”. Nesse caso, para atingir esse fim é importante que a avaliação da aprendizagem durante o percurso educativo dos estudantes, assuma caráter processual, formativo, contínuo, coletivo, sistemático, flexível e levando em consideração a diversidade e a realidade desses sujeitos.
No cenário educacional atual a necessidade da avaliação da aprendizagem ser realizada numa perspectiva formativa está presente na legislação educacional do país para a EB. Segundo Perrenoud (1998), a avaliação formativa surge como um dispositivo que possibilita ao professor acompanhar os processos individualizados das aprendizagens dos estudantes, prevendo intervenções nos meios pedagógicos conforme as situações apresentadas. Segundo Bozzato (2021), o entendimento a respeito da avaliação formativa requer do professor considerar os seguintes aspectos:
a) reconhecer que a avaliação é centralizada no estudante; b) ter um olhar integrado para os processos de ensino e de aprendizagem; c) precisa ser pautada na ação e reflexão; d) necessita de acompanhamento durante todo o desenvolvimento do ensino; e) envolve registros durante todo o processo de ensino; f) permite intervenções e ajustes corroborando para a qualificação dos processos de ensino e de aprendizagem.
Nessa perspectiva, para aprofundar a discussão sobre a avaliação da aprendizagem no ensino, a presente pesquisa entende que essa prática pedagógica precisa estar estruturada a partir das seguintes ações: acompanhamento, diálogo, registros e reflexão. No que tange ao acompanhamento, segundo Hoffmann (2014, p. 18), essa ação possibilita a “observação permanente das manifestações de aprendizagens para proceder a uma ação educativa que otimize os percursos individuais”. O acompanhamento, nesse processo, não ocorre isoladamente das demais ações articuladas no momento de avaliar, citadas anteriormente. Para Sant’Anna (2011, p. 25) o acompanhamento ocorre,
[...] em direção às metas previstas, com base na observação e reflexão crítica de novos desafios que serão oportunizados. Deverão sempre estar presentes no processo, professores e alunos, mais os pais ou responsáveis, que através de uma participação ativa e diálogo permanente buscarão defender resultados condignos com a educação dos novos tempos.
Nesse sentido, o professor poderá levantar as evidências de que o estudante conseguiu aprender ou quais são as dificuldades em determinados momentos específicos, corroborando para a busca dos ajustes necessários para a superação daquelas aprendizagens que precisam ser conquistadas.
O diálogo, nesse contexto é entendido como algo amplo que não se processa “obrigatoriamente através de conversa enquanto comunicação verbal com o estudante” (Hoffmann, 2014, p. 56), mas servirá para o professor obter evidências sobre o processo de construção dos conhecimentos científicos. O diálogo e o acompanhamento nesse processo são fios condutores para a ação-reflexão-ação pelo professor corroborando para uma nova relação epistemológica que vai além da atribuição de conceitos ou notas aos estudantes.
A prática avaliativa na sala de aula, por sua vez, ao assumir essa nova relação epistemológica passa também a ser caracterizada como um processo coletivo e, que abre espaço para considerar a pluralidade das vozes dos atores envolvidos. Nesse caso, no que tange aos registros das informações sobre o processo de aprendizagem dos estudantes durante o acompanhamento no desenvolvimento do ensino, segundo Hoffmann (2014, p. 32):
Referem-se à especificação, descrição e interpretação em relação a determinados pontos referenciais (critérios) estabelecidos como indicadores de aprendizagem. As informações obtidas a partir dessa interpretação favorecem, de um lado, o diálogo entre o professor e o aluno necessário ao repensar das hipóteses e à reformulação de alternativas de solução.
Para Hoffmann (2014), os registros não devem se restringir apenas em reunir informações para justificar ou explicar a situação do estudante, mas para acompanhar com atenção todas as etapas vividas por ele para ajustar as estratégias pedagógicas no decorrer do processo. A intencionalidade é de rever as estratégias de ensino e as situações de aprendizagem no sentido de otimizar as aprendizagens dos estudantes (Bozzato, 2021).
Outa ação importante na realização da avaliação da aprendizagem no ensino é a reflexão. Para Saviani (1987), a reflexão é ação ou ato que compreende repensar, retomar, reconsiderar, revisar e vasculhar em uma busca constante de significados, logo, atrelá-la a avaliação da aprendizagem pressupõe-se articulação, criticidade e rigorosidade. Para Hoffmann (2014, p. 24), a avaliação: “[...] é a reflexão transformada em ação. Ação, essa, que nos impulsiona a novas reflexões. Reflexão permanente do professor sobre a sua realidade, e o acompanhamento de todos os passos do educando na sua trajetória de construção do conhecimento”.
Diante disso, as ações de acompanhamento, diálogo, registros e a reflexão desempenham um papel decisivo na avaliação da aprendizagem numa perspectiva que promova a aprendizagem, tanto do estudante como do professor.
Abordar o papel da avaliação da aprendizagem no EC, por sua vez, está atrelada com a discussão que envolve a necessidade de renovar o ensino da área que, por sua vez é manifestada por Delizoicov (2002); Cachapuz et al. (2011); Carvalho (2018); Sasseron (2017) dentre outros. Pozo e Crespo (2009, p. 246), afirmam que: “[...] é possível afirmar que a aquisição do conhecimento científico exige uma mudança profunda das estruturas conceituais e das estratégias geralmente utilizadas na vida cotidiana, e que essa mudança, está longe de ser linear e automática”.
Sendo assim, as mudanças no EC envolvem refletir sobre a educação científica que se deseja promover com o ensino, bem como superar as dificuldades e as defasagens de aprendizagens encontradas na aprendizagem dos componentes curriculares dessa área do conhecimento. Outro aspecto a ser considerado, nessa discussão, é a necessidade de mobilizar práticas avaliativas diferenciadas para as abordagens de ensino utilizadas pelos professores no EC na EB que envolve, por exemplo, solução de problemas, descrição, mensuração, observação e interdisciplinaridade.
Abordar essas questões é de suma importância, pois segundo Bozzato (2021, p. 64), há “muito tempo à avaliação das aprendizagens no Ensino das Ciências da Natureza esteve centralizada na cobrança de nomenclaturas e conceitos ou de fórmulas”. Contudo, os desafios impostos pelo contexto atual fazem com que os professores busquem novas perspectivas de ensino eficazes para o desenvolvimento das aprendizagens de seus estudantes.
CAMINHO METODOLÓGICO
Esta pesquisa de abordagem qualitativa investiga a avaliação da aprendizagem no EC, junto a 18 professores que exercem à docência na EB, em escolas públicas do município de Pelotas, RS. Segundo Flick (2009, p. 20), a “pesquisa qualitativa é de particular relevância ao estudo das relações sociais devido à pluralização das esferas da vida”. Nessa perspectiva, a pluralização que se vislumbra é a partir dos sentidos e significados que os professores trazem da avaliação da aprendizagem em diferentes contextos, exigindo da pesquisadora uma “nova sensibilidade para o estudo empírico” (Flick, 2009, p. 20). O foco desse estudo, por sua vez, é a avaliação da aprendizagem no EC. A empiria ocorreu em quatro escolas das redes pública estadual e municipal de Pelotas, RS, sendo três delas estaduais e uma municipal.
O Quadro 1 apresenta os sujeitos, professores participantes da pesquisa que foram identificados por números[2], nomes de flores e também descritos os componentes curriculares que eles têm exercido na docência.
Quadro 1 - Identificação dos sujeitos de pesquisa e seus respectivos componentes
Número |
Identificação dos sujeitos da pesquisa |
Componente(s) curricular(es) que atuam no ensino |
1 |
Amélia |
Biologia e Ciências |
2 |
Rosa |
Física |
3 |
Margarida |
Biologia |
4 |
Violeta |
Química |
5 |
Azaleia |
Biologia e Ciências |
6 |
Cravo |
Biologia e Ciências |
7 |
Amor perfeito |
Física |
8 |
Girassol |
Química |
9 |
Calêndula |
Física |
10 |
Tulipa |
Biologia e Ciências |
11 |
Orquídea |
Química e Ciências |
12 |
Açucena |
Química e Ciências |
13 |
Mirabilis |
Química, Biologia e Física |
14 |
Jasmim |
Física e Ciências |
15 |
Dama da Noite |
Química e Ciências |
16 |
Begônia |
Ciências |
17 |
Lírio |
Matemática, Física e Ciências |
18 |
Crisântemo |
Química e Ciências |
Fonte: As autoras (2023).
Nessa investigação, para a entrevista semiestruturada foi utilizada como instrumento de coleta de dados um roteiro de oito (8) questionamentos, que foram enviados previamente aos professores por e-mail, assim como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos participantes no dia da entrevista semiestruturada. A presente pesquisa está registrada sob o número 2.689.22 aprovada junto ao Comitê Científico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Cabe destacar que para esse artigo foram analisadas as respostas referentes à primeira questão, a saber: 1) Como você na docência do Ensino de Ciências estrutura a avaliação da aprendizagem dos estudantes? Que instrumentos utilizam para avaliar as aprendizagens dos estudantes? Justifique.
A Análise de Conteúdo (AC), segundo Bardin (2016), foi o método escolhido para construir uma percepção aprofundada a respeito de como esses professores realizam suas práticas avaliativas no EC. Diante das inúmeras técnicas que envolvem esse método, foi escolhida a análise temática ou categorial.
Seguindo as orientações de Bardin (2016), esse método é realizado em três etapas que são: 1) pré-análise; 2) exploração do material; e, 3) tratamento dos resultados obtidos e discussão. Na pré-análise ocorreu a sistematização dos dados brutos obtidos nas entrevistas com os professores, buscando realizar a seleção do material e uma leitura flutuante do corpus que foi analisado.
Nesse percurso, formularam-se as seguintes hipóteses interpretativas, a saber: 1) Os professores realizam a avaliação da aprendizagem do ensino como uma prática de ação-reflexão, buscando a qualificação dos saberes dos estudantes; 2) A avaliação da aprendizagem realizada processualmente auxilia na tomada de decisões no sentido de reorientar o trabalho pedagógico; e, 3) O papel do professor na avaliação da aprendizagem é preponderante para envolver os estudantes no processo avaliativo constituindo um espaço interativo, colaborativo e formativo.
Na segunda etapa, segundo Bardin (2016), foi realizada a exploração do material em que ocorreu a codificação. Na codificação, buscamos o recorte das unidades de registro e de contexto. As unidades de registro foram as palavras e expressões relacionadas a realização das práticas avaliativas, bem como os instrumentos utilizados na avaliação das aprendizagens dos estudantes.
Para tanto, as unidades de registro encontradas são: complexa, processual, diagnóstica, conteudista/tradicional, contínuo/diário, informações sobre a aprendizagem, defasagens de aprendizagem, diversificação de instrumentos, desempenho e preparação, registros diários/constantes. As unidades de registro posteriormente constituíram os indicadores (subcategorias). As unidades de contexto em que foi considerada a regra de pertinência são os excertos das entrevistas dos professores em que estavam presentes os indicadores. Sendo assim, nessa etapa foi realizada a enumeração da frequência ponderada com que os indicadores surgiram nas entrevistas dos professores levando a categorização.
A categorização seguiu o critério semântico, isto é, verificando o significado dos indicadores nas entrevistas. Os indicadores foram agrupados de modo que apresentassem a mesma significação. Diante disso, as categorias encontradas foram: 1) Concepções da Avaliação da Aprendizagem; 2) Acompanhamento do processo de aprendizagem; 3) Instrumentos para avaliar; e, 4) Registro das informações na avaliação.
A partir dos dados encontrados foi construído o Quadro 2 para as inferências realizadas na terceira etapa que corresponde ao tratamento dos resultados obtidos e a discussão com o referencial teórico, que são apresentadas na próxima seção do artigo.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As categorias elencadas que potencializaram as discussões dos resultados oriundos da análise do corpus, trazendo sentidos e significações a respeito da avaliação da aprendizagem no EC estão presentes a seguir: concepções de avaliação da aprendizagem, acompanhamento do processo de aprendizagem dos estudantes, instrumentos utilizados para avaliar e registro das informações na avaliação, destacadas no Quadro 2. Ainda, nesse quadro, as autoras trouxeram alguns exemplos de excertos presentes nas falas dos professores que justificam essas categorias elencadas.
Quadro 2 – Impressões dos professores sobre suas práticas avaliativas no EC
Categorias |
Indicadores |
Frases ou expressões presentes nas falas dos professores |
Frequência |
Concepções da Avaliação da Aprendizagem |
Complexa |
“Há muitos anos que eu acho muito difícil falar de avaliação. Mas, comecei a fazer mudanças porque eu vivo lendo e estudando para ver como avalia”. Professor Lírio |
04 (02, 08, 13, 17) |
Processual |
“Então, o primeiro ponto nessa relação que se processa ali naquele momento que estou ali entre o ensinar e o aprender, porque a avaliação não pode ser um fim. Ela não pode ser o final do processo. Ela tem que ser um processo como um todo.” Professora Açucena |
09 (02, 03, 04, 06, 08, 11, 12, 15, 18)
|
|
Diagnóstica |
“[...]eu faço avaliação diagnóstica para verificar como esse aluno está”. Professora Calêndula |
09 (04, 05, 07, 08, 09, 10, 12, 17, 18) |
|
Conteudista/ Tradicional |
“[...] eu acabo indo pelo lado conteudista, porque eu vejo que a maioria dos alunos tem a intenção de ingressar numa universidade, de ir para ir no IFSul então eu tento sempre pegar, por exemplo, com base no conteúdo que estou dando na aula”. Professora Calêndula |
04 (09, 10, 14, 18) |
|
Acompanhamento do processo de aprendizagem |
Contínuo/ Diário |
“Eu avalio em vários momentos para ter mais proximidade com os alunos, onde eu converso com eles sobre o que está sendo trabalhado. Na educação a proximidade é tudo”. Professora Tulipa |
12 (02, 03, 04, 06, 07, 08, 10, 11, 12, 16, 17, 18) |
Informações sobre a aprendizagem |
“Também se consegue interpretar, compreender e analisar a partir dos conteúdos trabalhados na sala de aula. [...] verificar seu desenvolvimento e, se está aprendendo ou não”. Professora Rosa |
15 (02, 03, 04, 05, 06,07, 08, 09, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18) |
|
Defasagens de aprendizagem |
“[...] eu trabalho com um processo de uma avaliação mais sistematizada eu vou com certeza trabalhar no sentido de que o meu aluno após aquela avalição eu vou devolver pra ele e vou pedir para que ele reveja os pontos que ele não conseguiu corresponder aos meus objetivos”. Professora Açucena |
10 (02, 04, 06, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 18) |
|
Instrumentos para avaliar |
Confusão sobre o uso dos instrumentos |
“[...] não avalio os estudantes por meio de provas, mas escolho três atividades feitas em aula e que fazem parte da rotina deles”. Professora Azaleia
|
15 (01, 02, 03, 04, 05, 06, 08, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18) |
Instrumentos diversificados |
“[...] por meio de instrumentos que construíssem a sua trajetória enquanto estudantes”. Professora Margarida. |
11 (02, 03, 06, 07, 08, 10, 11, 12, 13, 18) |
|
Preparação para avaliações externas |
“[...] a gente sempre trabalha para preparar o aluno para tudo inclusive para as avaliações externas que vão garantir seu ingresso numa universidade ou Ifsul. O meu objetivo é sempre tentar fazer com que tudo fique mais próximo do que eles vão enfrentar futuramente nessas avaliações”. Professora Jasmim. |
2 (09, 14)
|
|
Repensar o instrumento |
“Analiso o desenvolvimento dos alunos e aonde eu acho que precisa retomar eu vou reforçando”. Professora Tulipa. |
7 (04, 06, 07, 10, 11, 12, 13) |
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Registro das informações na avaliação |
Informar o percurso de aprendizagem dos estudantes |
“Eu vou registrando numa tabela os avanços e as defasagens dos alunos”. Professor Amor perfeito.
|
15 (02, 03, 04, 05, 06, 07, 08, 09, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18) |
Fonte: As autoras (2023).
CONCEPÇÕES DA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
A avaliação da aprendizagem sob o enfoque da LDB 9394/96 deixa de ser uma prática pedagógica realizada como um fim e, sim como um processo que ocorre paralelamente com o ensino e a aprendizagem. Para alguns professores é difícil estabelecer essa relação de modo que a avaliação da aprendizagem significa ser “algo muito complexo, que se realiza no dia a dia” (Professora Rosa) ou “muito difícil” (Professor Lírio). Essas impressões surgem, porque cotidianamente como sugerem Tardif e Lessard (2014) não se trata apenas de uma atividade mecânica que consista unicamente em atribuir conceitos ou notas, mas que precisa levar em consideração outros aspectos como a “pressão constante, decorrentes das repercussões do resultado da avaliação na vida do aluno ou da aluna” (Esteban, 2008, p. 14) e, percalços vivenciados na trajetória docente que tornam essa prática complexa exigindo novas abordagens e performatividade dos professores.
Percebemos que apesar de tentar diferentes abordagens para avaliar as aprendizagens dos estudantes, o professor esbarra em diversas lógicas criadas dentro da escola como, por exemplo, descritas por Freitas (2008), Perrenoud (1999) ou ainda, a cultura avaliativa construída nesse contexto. Essa impressão é vista na fala da professora Amélia: “Costumo dizer que nas minhas aulas têm uma avaliação democrática onde o aluno participa, dá sugestões e ao longo do trimestre [...]. Lembrando que sigo a organização da escola quanto ao número de instrumentos e aos prazos”.
A maioria dos sujeitos da pesquisa reconhece a avaliação da aprendizagem como um processo que irá “subsidiar o ensino e a aprendizagem dos estudantes” no EC. Essa impressão está presente nas falas das seguintes professoras: “Ela não pode ser o final do processo. Ela tem que ser um processo como um todo. Eu costumo sempre dizer eu a avaliação é um processo que eu só consigo fechar normalmente no final do ano letivo porque ali eu sou obrigada pelo sistema encerrar aquele processo” (Professora Açucena). “Penso que a avaliação deve ser estruturada de forma que priorize a aprendizagem, como um processo” (Professora Violeta).
Nessa perspectiva, os professores procuram fazer intervenções para potencializar a construção dos conhecimentos científicos e o diálogo se constitui importante para propiciar a escuta de diferentes vozes dos estudantes. As intervenções, por sua vez, são fios condutores para outra significação da avaliação da aprendizagem atribuída pela maioria dos professores como diagnóstica. Contudo, as práticas avaliativas ao assumirem a função diagnóstica destinam-se a captar os avanços, as lacunas e defasagens de aprendizagens.
Para realizar a avaliação da aprendizagem nessa perspectiva diagnóstica, o professor “normatiza sua ação, define procedimentos, media relações, determina continuidades e rupturas e orienta sua prática pedagógica” (Esteban, 2008, p. 14) para analisar os avanços, as lacunas e defasagens de aprendizagens. Essa compreensão de Esteban (2008) está presente na fala da professora Violeta que relata a sistematização das suas práticas avaliativas numa perspectiva diagnóstica:
[...] captar os conhecimentos trazidos pelos alunos em suas diferentes formas de linguagens e expressões, na realização das atividades, quando questiona a respeito de algum ponto da matéria que está sendo dada, na aplicação dos conhecimentos de Química em situações do cotidiano trabalhadas na sala de aula. Através das impressões captadas far-se-á avaliações diagnósticas.
Ainda, alguns professores sinalizam uma avaliação com teor conteudista por serem pontuais ou estarem centralizada nos objetos de conhecimentos trabalhados em sala de aula, segundo a professora Calêndula: “[...] eu acabo indo pelo lado conteudista, porque eu vejo que a maioria dos alunos tem a intenção de ingressar numa universidade, então, eu tento sempre pegar, por exemplo, com base no conteúdo que estou dando na aula”.
Outra categoria que surgiu a partir da AC e que será discutida a seguir é o acompanhamento do processo de aprendizagem dos estudantes que é uma ação realizada de forma contínua para verificar o desempenho dos estudantes e a eficácia do ensino ministrado pelos professores.
ACOMPANHAMENTO DO PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Ter um olhar sensível e atento para os percursos educativos dos estudantes é uma impressão que não é dita diretamente pelos professores, mas entendido quando expressam a necessidade do acompanhamento do processo de aprendizagem dos estudantes. Para cumprir essa pauta, a grande maioria dos professores realiza esse acompanhamento de modo contínuo e diário a fim de promover a proximidade e observar as manifestações de aprendizagens em relação aos conhecimentos científicos que estão sendo trabalhados. As estratégias que os professores utilizam, por sua vez, para essa intencionalidade geralmente são as atividades propostas em sala de aula por meio de exercícios, provas com consultas, apresentação de seminários e debates, por exemplo. Dessa forma, o acompanhamento diário é importante na relação entre ensinar e aprender e o fato de o professor ter que avaliar potencializa “interpretar, compreender e analisar a partir dos conteúdos trabalhados na sala de aula” (Professora Rosa).
Em algumas falas, os professores falaram sobre o fio condutor para assumir outras formas de avaliar e rever os critérios de avaliação como é constatado, por exemplo, na fala das Professoras Tulipa: “[...] vou acompanhando todo o processo que eles vão desenvolvendo ao longo do tempo [...] procuro também trazer a resolução de problemas para situações que surgem no cotidiano e, envolvem o Ensino de Ciências”.
A fala da Professora Tulipa nos traz o entendimento que fornece informações sobre a aprendizagem ao acompanhar o percurso educativo dos estudantes, sendo considerada uma ação que também corrobora para a tomada de decisões importantes e direcionamento do trabalho pedagógico. Nessa perspectiva, segundo Hoffmann (2014), o papel da reflexão é muito importante porque o professor se permite debruçar sobre “seus posicionamentos metodológicos, sobre os objetivos previstos” (Hoffmann, 2014, p. 32) e, buscar novas abordagens para acompanhar e potencializar as aprendizagens dos estudantes.
São impressões que sugerem da avaliação da aprendizagem; estar a serviço da aprendizagem e da qualificação do EC e, esse é o sentido da avaliação no ensino defendido por Uhmann (2015), isto é, a possibilidade de “fazer emergir do ensino a potencialidade que tem o avaliar para ensinar e aprender melhor”.
O acompanhamento do processo de aprendizagem dos estudantes utilizando ferramentas como a aproximação, a observação e o diálogo possibilitam identificar as defasagens e lacunas de aprendizagens, mas também reconhecer a importância da participação do estudante no processo avaliativo, não como reprodutor de informações, mas como sujeito que está no centro do seu processo de construção dos conhecimentos.
Essa impressão é constatada na fala das Professoras Tulipa, Violeta e Crisântemo: “Eu avalio em vários momentos para ter mais proximidade com os alunos, onde eu converso com eles sobre o que está sendo trabalhado. Na educação a proximidade é tudo” (Professor Tulipa). “Penso que a avaliação deva ser estruturada de forma que priorize a aprendizagem, como um processo, com questionamentos e identificações de problemas de certa forma dialógica” (Professora Violeta). “[...] dou mais exercícios para fazerem na sala de aula. Porque eu acho que essa hora que eu mais consigo ajudar eles. Eu dou um tempo para eles fazerem e aí eu fico circulando, eu fico ajudando vou vendo que defasagens de aprendizagem que cada um está” (Professora Crisântemo).
São situações vividas e descritas que evidenciam a necessidade de criar estratégias e buscar instrumentos para avaliar de forma que conduza esses profissionais seguirem caminhos diferentes do que estão acostumados cotidianamente para a realização da avaliação das aprendizagens.
INSTRUMENTOS PARA AVALIAR
A maioria dos professores expressa a necessidade de utilizar nas práticas avaliativas, adequados instrumentos para avaliar de modo que garantam confiança nos resultados avaliativos e, também valorizar as possibilidades de expressão do saber e evitar uma abordagem classificatória e exclusiva. Nessa perspectiva, percebeu-se nas falas alguma confusão sobre o uso dos instrumentos, principalmente, em relação à prova. Desse modo, grande parte dos professores expressa que buscam utilizar outros instrumentos com o intuito de evitar experiências que outrora causaram desconforto e angústias com relação ao uso da “prova”.
A utilização de instrumentos diversificados de avaliação, além das provas, possibilita ao professor avaliar os aspectos qualitativos, isto é, outras habilidades captadas pelas avaliações objetivas, mas aquelas realizadas no plano informal da avaliação. Nesse sentido, os desafios impostos cotidianamente corroboram para que os professores busquem novas perspectivas de ensino mais eficazes para potencializar o processo de aprendizagem de seus estudantes e, consequentemente, novas formas de avaliar.
Assim sendo, os professores sinalizam em suas falas no momento de descrever os instrumentos avaliativos que utilizam e esperam que possibilitem: 1) as aprendizagens conceituais; 2) o processo de construção dos conhecimentos científicos; 3) o estabelecimento das relações conceituais a partir do conteúdo trabalhado; 4) a resolução de problemas a partir de situações do cotidiano; 5) aprendizagens não previstas; e, 6) reflexão e metacognição. E, nessa perspectiva, as práticas avaliativas não são voltadas apenas “na cobrança de nomenclaturas e conceitos ou de fórmulas aprendida”, como aponta Bozzato (2021, p. 64).
São impressões presentes, por exemplo, nas seguintes falas: “através de exercícios que os alunos possam refletir sobre o conteúdo durante a avaliação” (Professora Begônia). “Na verdade, os meus instrumentos de avaliação é sempre em cima do que estou trabalhando com eles, a gente trabalha bastante no sentido que eles vão contextualizando a realidade com o que foi visto na Física (Professor Girassol)”.
Diante desse fato, os professores utilizam diversos instrumentos avaliativos além da prova, tais como: trabalhos de pesquisa, projetos de aprendizagem, atividades e exercícios em aula, testes nos formulários Google, participação em seminários e debates, trabalhos em grupo, teatro, vídeo e atividades experimentais. Mas, conforme demonstra o Gráfico 1, a prova seja ela escrita ou oral, com consulta ou sem consulta, ainda, é a mais utilizada.
Gráfico 1: Instrumentos avaliativos mais utilizados pelos professores do EC em suas práticas avaliativas
Fonte: Autoras (2023)
A escolha dos instrumentos para avaliar no EC remete a compreensão de que a construção dos conhecimentos científicos está longe de ocorrer por um processo espontâneo e natural levando alguns professores sentirem necessidade de buscar formação e pressupostos teóricos. Essas impressões são percebidas na seguinte fala: “Mas, comecei a fazer mudanças, porque eu vivo lendo e estudando para ver como posso avaliar melhor” (Professor Lírio).
Em relação à necessidade de utilizar instrumentos avaliativos visando à preparação para as avaliações, Tardif e Lessard (2014, p. 136) argumentam que o: “O processo de avaliação força os professores a encontrar um justo equilíbrio entre essas demandas e as necessidades dos alunos”. É o que acontece, principalmente, nas séries do Ensino Médio onde as práticas avaliativas tem um papel importante para esses estudantes que, nesse contexto, vão fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), por exemplo. Essa impressão está presente na fala do Professor Jasmim: “[...] a gente sempre trabalha para preparar o aluno para tudo inclusive para as avaliações externas que vão garantir seu ingresso numa universidade”.
Pensar em outros instrumentos avaliativos que não seja somente a prova é de suma importância para estabelecer mudanças nas práticas avaliativas no EC. De fato, uma vez que os objetivos e os propósitos foram estabelecidos, os instrumentos avaliativos selecionados e as intervenções sendo realizadas, o professor precisa coletar informações a respeito do desempenho individual dos estudantes, então, necessita dos registros.
REGISTRO DAS INFORMAÇÕES NA AVALIAÇÃO
Em relação aos registros das informações, a maioria dos professores realiza diariamente e de forma constante, de modo que esses sejam relevantes para o processo avaliativo, possibilitando informar o percurso de aprendizagem do estudante, bem como o seu empenho e o esforço individual. As falas revelam que a maioria dos professores constroem seus próprios modelos de registro fazendo uso de tabelas, rubricas e planilhas, conforme expressam as falas das seguintes professoras: “Eu costumo fazer uma planilha com o nome dos alunos e aí vou colocando os instrumentos de avaliação que faço com eles” (Professora Mirabilis). “Eu vou registrando numa tabela os avanços e as defasagens dos alunos” (Professor Amor Perfeito). “Faço registro em uma planilha tudo que eles têm feito e de como tem feito: se resolveram bem, se resolveram pouca coisa, se não fizeram nada, se entenderam ou não entenderam” (Professora Orquídea).
Portanto, essas impressões evidenciam a importância dos registros que não são atrelados somente a atribuição de notas, isto é, vão ao encontro de Hoffmann (2014) que faz referência a “especificação, descrição e interpretação em relação a determinados pontos referenciais (critérios) estabelecidos como indicadores de aprendizagem” (Hoffmann, 2014, p. 32).
As falas dos professores nos remetem a pensar que a avaliação precisa estar focada numa perspectiva formativa, com determinadas condições em que desenvolvem essas práticas avaliativas, mas a carga horária e número de estudantes por turma impedem muitas vezes de o professor planejar novas intervenções em contexto formativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A avaliação da aprendizagem é sediada no âmago dos processos de ensino e de aprendizagem para dar sentido a proposta pedagógica. Esse entendimento surgiu quando se propiciou espaços para os professores conversarem sobre suas práticas avaliativas.
A trajetória investigativa nos conduziu também a descobrir os sentidos e os significados sobre a avaliação da aprendizagem no EC desses professores da EB em que suas práticas avaliativas tentam seguir as orientações estabelecidas pela rede de ensino e pelas políticas públicas educacionais vigentes. Mas, ao mesmo tempo percebe-se pelas respostas dos professores de cada escola que eles criam suas próprias regras em virtude dos desafios que enfrentam cotidianamente.
A realidade dos estudantes e as condições pelas quais os professores realizam suas práticas avaliativas, por sua vez, são elementos que precisam ser refletidos, pois são determinantes para que esses profissionais percorram caminhos diferentes daqueles que almejam. Deste modo, falar de avaliação da aprendizagem ainda é uma tarefa difícil e complexa. Cabe destacar que muitos professores gostariam que essa ação pedagógica fosse realizada numa perspectiva mais humanizada, num espaço dialógico para a pluralidade e inserção de todos os atores envolvidos e não traduzida somente em resultados e dados estatísticos. Destaca-se, nessa pesquisa, que mesmo enfrentando muitas dificuldades, o papel do professor na realização da avaliação da aprendizagem no EC é fundamental para promover práticas avaliativas inclusivas.
Para esse fim, o acompanhamento do processo de aprendizagem é uma ação preponderante no processo da avaliação da aprendizagem para que esses profissionais possam através da observação e do diálogo detectar as lacunas, defasagens e potencialidades de aprendizagens e, de fazer os ajustes quando necessários. Nesse sentido, esses profissionais fazem uso de instrumentos diversificados e realizam registros em caderno, tabelas ou em sistema de rubrica, porque essas informações irão alicerçar os professores na tomada de decisões. Por outro lado, ainda, existem muitos equívocos, principalmente, quando confundem o instrumento da prova como se a exclusão da mesma fosse ajudar na aprovação dos estudantes.
Finalmente, a presente pesquisa pretendeu dar visibilidade às práticas avaliativas no EC no sentido de trazer subsídios para potencializar discussões em torno da temática nas escolas de EB e nos cursos de formação de professores.
Recebido em: 01/07/2024
Aceito em: 11/12/2024
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[1] O EC se refere aos componentes curriculares que pertencem à área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias. Nas matrizes curriculares da EB, corresponde ao componente curricular de Ciências nas séries finais do Ensino Fundamental e, nas séries do Ensino Médio compreendem a Biologia, a Física e a Química.
[2] Os números servem para indicar a frequência com que as falas forem identificadas que são apresentadas no Quadro 2.