Os tipos de pesquisas sobre Ensino de Química Verde no Brasil e seus objetivos

Types of research on Green Chemistry Teaching in Brazil and their objectives

Los tipos de investigación sobre la Enseñanza de la Química Verde en Brasil y sus objetivos

 

Marilei Casturina Mendes Sandri (mcmsandri@uepg.br)

Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-0076-5364

 

Carlos Alberto Marques (carlos.marques@ufsc.br)

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-4024-7695

 

Leonardo Victor Marcelino (leovmarcelino@gmail.com)

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-2684-5656

 

Patrícia Link Rüntzel (patriciaruntzel@gmail.com)

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-7872-5912

 

 

Resumo

O objetivo deste trabalho foi construir um panorama sobre o ensino de QV no Brasil, por meio do mapeamento dos tipos e objetivos de artigos publicados por autores brasileiros sobre o tema. Os artigos foram buscados em três bases de dados: Plataforma Lattes, Web of Science e Portal de Periódicos da CAPES, resultando em 105 trabalhos. A análise foi realizada por meio da Análise do Conteúdo, sendo estabelecidas categorias a priori. Os resultados indicaram que os tipos mais expressivos de artigos foram os de investigação empírica e relatos de experiência, havendo predominância de trabalhos voltados ao ensino superior. Também se verificou a centralidade da experimentação no ensino da QV por meio dos objetivos indicados nos trabalhos. A investigação permitiu construir um panorama qualitativo das publicações sobre o ensino de QV no Brasil, identificando similaridades e diferenças em relação ao contexto internacional o que pode colaborar para consolidação da QV no ensino de Química brasileiro.

Palavras-chave: Sustentabilidade; Química Verde; Ensino de Química.

 

Abstract

The objective of this work was to build a qualitative overview of GC teaching in Brazil, by mapping the types and objectives of articles published by Brazilian authors.The articles were searched in three databases: Lattes Platform, Web of Science and CAPES Periodicals Portal, resulting in 105 papers. The analysis was performed through Content Analysis, with categories being established a priori. The results indicated that the most expressive types of articles were those of empirical investigation and experience reports, with a predominance of works focused on higher education. The centrality of experimentation in teaching GC was also verified through the objectives indicated in the works. The research allowed the construction of a qualitative overview of publications on the teaching of GC in Brazil, identifying similarities and differences in relation to the international context, which can contribute to the consolidation of GC in Brazilian Chemistry teaching.

Keywords: Sustainability; Green Chemistry; Teaching of Chemistry.

 

Resumen

El objetivo de este trabajo fue construir una visión cualitativa de la enseñanza de la Quimica Verde en Brasil, mapeando los tipos y objetivos de los artículos publicados por autores brasileños sobre el tema. Los artículos fueron buscados entres bases de datos: Plataforma Lattes, Web of Science y Portal de Revistas CAPES, resultando 105 trabajos. El análisis se realizó mediante el Análisis de contenido,estableciendo categorías a priori. Los resultados indicaron que los tipos de artículos más expresivos fueron los de investigación empírica y los relatos de experiencia, con predominio de trabajos enfocados a la educación superior. La centralidad de la experimentación en la enseñanza de la QV también fue verificada a través de los objetivos indicados en los trabajos. La investigación permitió construir un panorama cualitativo de las publicaciones sobre la enseñanza de la QV en Brasil, identificando similitudes y diferencias en relación al contexto internacional, que pueden contribuir para la consolidación de la CV en la enseñanza de la Química brasileña.

Palabras-clave: Sostenibilidad; Química Verde; Enseñanza de la química.

 

 

 

INTRODUÇÃO

Reconhecer a gravidade dos problemas ambientais e a necessidade de se alterar o modelo de desenvolvimento socioeconômico, tornando-o mais sustentável, se tornou um desafio de todas as nações (WCED, 1987) e colocou grandes desafios a todos os campos da ciência, incluindo a área da Química.

A ciência Química ao longo dos séculos tem contribuído para o desenvolvimento de compostos e processos destinados aos mais diferentes fins, trazendo benefícios e avanços a todos os setores da sociedade. Todavia, esses avanços não aconteceram sem danos ao ambiente, à saúde e ao bem-estar humano. E, no decorrer do século XX, a indústria química ocupou o epicentro dos problemas relacionados à contaminação e poluição ambiental, seja por conta de seus processos de fabrico seja por insistir no desenvolvimento de substâncias persistentes e de toxicidade elevada ou desconhecida, a exemplo dos organoclorados (WCED, 1987; Marques; Machado, 2014).

É nesse cenário de desafios que na década de 1990 emerge a Química Verde (QV), que busca reformular práticas químicas apoiada em 12 Princípios (Anastas; Warner, 1998). Para Rolloff (2016), enquanto a Química Ambiental se ocupa da remediação dos danos causados ao ambiente, a QV se dedica à prevenção de problemas ambientais, derivados de atividades e substâncias químicas. Com ela, abra-se a “possibilidade de induzir a evolução das práticas tradicionais da Química, considerando um comportamento reflexivo e crítico voltado ao meio ambiente” (Marcelino, 2020, p.23). Matlin et al. (2022, p.1171) destacam o imprescindível papel da Química, que deve colocar em prática a “aplicação dos princípios da sustentabilidade, pensamento sistêmico e esforços para avaliações de impacto ambiental”. As responsabilidades da Química também foram reconhecidas por Chamizo (2011) e Marques e Machado (2018) que apontam para a necessidade de agir preventivamente à geração de resíduos da química, o que, para Sjöström, Eilks e Zuin (2018), significa o incentivo da Química Verde e Sustentável (QVS) e se constitui uma resposta à agenda de sustentabilidade.

Porém, apesar dos esforços em vários os âmbitos, os problemas ambientais vêm se agravando, muito em consequência da nossa na falta de senso de limites, de nosso modo de vida baseados no hiperconsumo e de um modelo de produção poluente. Conforme Longo e Bonoto (2023), essa crise está associada a uma racionalidade técnica e econômica entendidapor muitos como progresso.

Atualmente, há fortes indícios de uma crise de dimensões planetária iminente, ameaçando a manutenção das diferentes formas de vida. A Ciência tem sustentado que na origem da crise estão as ações antropogênicas e as consequências já não são apenas projeções, mas realidade vivenciada diariamente, a exemplo do aquecimento global, mudanças climáticas, perda de biodiversidade, contaminação por microplásticos, poluição dos mares, entre outros.

O Centro de Resiliência de Estocolmo aponta que, dentre nove limites ou fronteiras ambientais planetárias, seis já foram transgredidas e quatro delas – integridade da biosfera, mudanças climáticas, novas entidades e fluxos biogeoquímicos – encontram-se sob faixas consideradas de alto risco, indicando perigos crescentes para a humanidade e todos os sistemas naturais (Richardson, 2023). O Relatório Síntese do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (International Panel  Climate Change- IPCC (2023), alerta para ações urgentes visando o enfrentamento da crise climática, que requerem políticas públicas baseadas em Ciência e na Agenda 2030 que apresenta os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS (UNESCO, 2015).

A magnitude e intensidade da crise têm impulsionado e fizeram crescer os esforços de todos os campos e áreas da Química em pesquisas e produções científicas voltadas à salvaguarda do ambiente, incluindo a inserção da QV(S) no âmbito do ensino. Todavia, a penetração da QV(S)e do seu ensino tem ocorrido de forma muito variável em cada país (Zuin; Mammino, 2015). De modo que acompanhar essa evolução no Brasil, por meio do levantamento e análise de propostas baseadas no ensino da QV(S) é algo que pode auxiliar na compreensãodos pontos de fragilidade e nas possibilidades de promover seus princípios e compromissos.

Em face disso, para além dos mapeamentos quantitativos, amplamente reportados na literatura (Almeida et al, 2019; Brandão et al, 2022; Marques et al, 2023; Vaz, Girotto Júnior, Pastre, 2024), temos nos detidos a questionar quais são os tipos de publicações sobre o ensino de QV no Brasil e quais são os aspectos curriculares, conceituais e metodológicos nela contidas. Sendo assim, neste trabalho investigou-se os tipos e os objetivos de artigos publicados sobre EQV, por autores brasileiros, no decorrer deste século. O objetivo dessa investigação foi construir um panorama qualitativo capaz de trazer contribuições para compreender como o EQV vem sendo difundido no país, bem como seus avanços e desafios.

Para tanto, organizamos o presente texto com essa parte introdutória, seguida de uma breve seção sobre os desafios do ensino da QV(S). A terceira seção expõe sobre a metodologiaenquanto na quarta seção desenvolve-se discussão das informações, por meio da Análise Textual Discursiva, como o escopo de analisar a penetração do ensino da QV. Encerra-se com as considerações finais.

 

DESAFIOS DO ENSINO DA QV(S)

Interpretar as principais causas e construir soluções socioambientais é um desafio que conclama o envolvimento da educação. De acordo com Silveira e Lorenzetti (2021), a educação precisa pautar-se no processo de humanização dos sujeitos, criando condições para atuarem de forma crítica e emancipatória no meio sociocultural, compreendendo a importância das relações históricas, sociais, políticas, culturais e econômicas para/com o meio ambiente.  Tal desafio impõe ao ensino da química um papel essencial na discussão do papel e dos compromissos da ciência diante de problemas ambientais de ordem local e global e apontar possibilidades de enfrentá-los (Vilches; Gil Perez, 2011). Essa agenda sócio científica, ética e econômica deve envolver toda Química, que encontra nas produções denominadas QV(S) um importante pilar. Porém, essas produções acadêmicas, de natureza técnica, ecoeficiente e epistêmica, necessitam ser ensinadas para que a Química evolua para uma ciência sistêmica e da sustentabilidade, superando sua atual racionalidade técnica (Zuinet al., 2020).

Desde 2015, por meio da Agenda 2030 (ONU), tem se destacado o importante papel da Ciência no enfrentamento dos problemas socioambientais e de se perseguir o alcance dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (UNESCO, 2015). Alguns desses objetivos e metas dialogam mais diretamente com a QV, principalmente aqueles que tratam de ações preventivas na produção de substâncias tóxicas, descarga de resíduos e segurança dos processos químicos com implicações à saúde humana e ao ambiente (Meta 3.9 – ODS 3). Além disso, há que se destacar o ODS 4, referente à Educação de Qualidade, cuja meta 4.7 propõe a promoção da educação para o desenvolvimento sustentável, a qual envolve “garantir que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável”.

Mais recentemente o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente lançou o Specialized Manual on Green andSustainableChemistryEducation (UNEP, 2023), ampliando o manual de 2020, em defesa do ensino da QVS vinculada aos ODS e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS). Esse documento aponta que o ensino atual de química sofre de falta de contexto e omissão de tópicos importantes relacionados à sustentabilidade e estabelece orientações para a implementação do ensino da QVS na educação formal e não formal, pois considera que ela é estratégica para a transição da Química convencional à QV e, portanto, deve fazer parte da formação de novos profissionais da Química, mas também de trabalhadores, tomadores de decisão e cidadãos, de forma geral.

Em âmbito internacional, alguns estudos de revisão apontam a evolução das produções em QV(S) (Marques; Machado, 2021; Marcelino; Marques, 2023), inclusive com sinalizações sobre seu ensino (Zuin; Mammino, 2015). No contexto brasileiro há vários trabalhos que se dedicam em avaliar a difusão da QV e do seu ensino por meio de revisões da literatura (Zuin, Marques, 2015; Dias, 2016; Roloff, Marques, 2018; Brandãoet al, 2022; Marques et al, 2023) ou por meio da avaliação de currículos de formação profissional (Leal; Marques, 2008; Almeidaet al, 2019; Vaz, Girotto Júnior, Pastre, 2024). São esforços em trazer um panorama a partir de pesquisas em diferentes bases de dados e sob diferentes critérios de inclusão. Nos estudos que desenvolvemos, em parte aqui reportado, procuramossomar a essas investigações uma avaliação qualitativa das publicações sobre o ensino de QV no Brasil, auxiliando a elucidar tendências, gargalos e possibilidades.

 

ASPECTOS METODOLÓGICOS

O corpus de análise foi formado por artigos publicados por pesquisadores brasileiros em periódicos brasileiros e internacionais, e que passaram por avaliação por pares. Consideramos que os artigos são os textos acadêmicos que melhor representam o esforço do(s) autor(es) em racionalização teórica, metodológica e experiencial sobre a QV e seu ensino.

Os artigos foram buscados em três bases de dados: Plataforma Lattes, Web of Science(WoS) e Portal de Periódicos da CAPES (PPCapes). Para a Plataforma Lattes, extraímos 2.995 registros dos currículos Lattes que continham o termo “química verde” usando a ferramenta Extrator Lattes, obtida por parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFSC. No Portal de Periódicos e Web of Science foram pesquisadosdocumentos em português que continham os termos “química verde” junto a um indicador do campo educacional (“educação”, “ensino” ou “aprendizagem”, considerando variações e língua inglesa), com a exclusão de registros que não continham autores brasileiros. Uma descrição detalhada dos métodos de busca está disponível em publicação prévia (Marques et al., 2023).

Após exclusão de duplicatas, selecionamos apenas os artigos de periódicos que efetivamente tratassem da QV em contextos de ensino e que tinham entre seus autores ao menos um pesquisador vinculado a instituições de pesquisa brasileiras, alcançando 105 trabalhos, cujas origens encontram-se distribuídas conforme Figura 1.

 

Fonte: Autoria própria

Figura 1 – Distribuição dos artigos de acordo com as bases de dados consultadas

 

Os 105 artigos foram organizados em planilha e sequencialmente identificados, de A1 a A105. Essa numeração será usada para identificar os textos nos Resultados e Discussão. A análise foi realizada conforme as etapas da Análise de Conteúdo (AC). Bardin (2011) define a análise de conteúdo sendo:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (Bardin, 2011, p. 48).

De acordo com Triviños (2009) a AC possui três fases: pré análise, descrição analítica, interpretação referencial. Napré-análise, o pesquisador organiza e sistematiza o material de pesquisa, definindo categorias e hipóteses. Na descrição analítica, o material é submetido a um estudo aprofundado, orientado pelas hipóteses e referenciais teóricos. Por fim, na interpretação referencial, o pesquisador procura ir além do conteúdo manifesto para explorar o conteúdo latente, sempre orientado pelo referencial teórico.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A seguir serão apresentados os principais resultados derivados da pesquisa, considerando as categorias a priori(Tipo de Artigo, Nível de Ensino e Objetivo do Artigo) e suas subcategorias emergentes bem como suas interrelações.Quanto às categorias tipo de artigo e nível de ensino, os resultados são apresentados e discutidos conjuntamente.

Tipo de Artigo por Nível de Ensino

A Tabela 1 mostra e discute conjuntamente os resultados das categorias Tipo de Artigo e Nível de Ensino, em que os números mais expressivos de artigos foram do tipo investigação empírica (31) e relatos de experiência(30), seguidos por proposta didática (19), artigos de revisão (13), ensaio teórico (9) e artigo de opinião (3). Há a predominância de trabalhos voltados ao ensino superior (54%), especialmente no que diz respeitos aos relatos de experiência, propostas didáticas e investigações empíricas. O ensino médio regular e o ensino técnico integrado estão representados em apenas 21% do total de trabalhos, indicando a incipiência da QV na educação básica, em nosso país.

 

Tabela 1 – Categorias Tipo de Artigo e Nível de Ensino

Tipo artigo

Nível de Ensino

Total

ES

EM

ETI

ETI+ES

NR

NA

Investigação empírica

19

8

1

1

2

-

31

Relato de experiência

21

6

2

1

-

-

30

Proposta didática

13

3

-

-

3

 

19

Artigo de Revisão

2

-

-

-

-

11

13

Ensaio teórico

2

1

-

-

-

6

9

Artigo de opinião

-

-

-

-

-

3

3

Total

57

18

3

2

5

20

105

Nota: ES: ensino superior; EM: ensino médio; ETI: ensino médio integrado ao ensino técnico; ETI+ES (ensino técnico integrado e ensino superior); NR: não relatado; NA: não se aplica.

Fonte: dados da pesquisa.

 

Algumas propostas didáticas (3) não relatam o nível de ensino a que se destinam, mas em duas delas os conteúdos abordados pressupõem estarem voltadas ao ensino superior [A21 e A68], enquanto em uma outra [A19], entende-se que o ambiente virtual proposto para o ensino de métricas, pode viabilizar atividades tanto para o ensino superior quanto para a educação básica. Um artigo de relato de experiência [A105] e uma investigação empírica foram realizadas concomitantemente abrangendo ensino médio (ou técnico) e ensino superior [A77]. Artigos cujo nível de ensino não é aplicável, correspondem principalmente a artigos de revisão, opinião e ensaio teórico. Entretanto, dois artigos de revisão [A13, A90] analisaram currículos do ensino superior. Da mesma forma, dois ensaios teóricos [A30, A38] direcionam reflexões acerca do ensino da QV no ensino superior.

Os artigos classificados como investigação empírica são aqueles que apresentam pesquisas realizadas no contexto do ensinoenvolvendo a QV, mas não se configuram em propostas didáticas ou relatos de experiência. Esses trabalhos, expressivos quantitativamente, indicam o interesse de pesquisadores brasileiros em investigar aspectos relacionados ao ensino da QV, seja na Educação Básica ou Ensino Superior.

Já os relatos de experiência – com 30 artigos – referem-se a trabalhos nos quais houve aplicação de uma atividade, procedimento ou método vinculado à QV, com descrição adequada de como foram realizados e explicitação dos resultados obtidos. O resultado, equivalente a quase 30% dos artigos, indica uma tentativa, por parte dos professores e pesquisadores da área em inserir, refletir e relatar as atividades que vêm implementando. Todavia, comparativamente, em cenário internacional sobre o ensino da QV, esse percentual é significativamente menor que o encontrado na revisão realizada por Marques et al. (2020), no Journalof Chemical Education (JCEd), sobre ensino de QV, em que os relatos de experiência somam cerca de 66% dos trabalhos analisados (188 dos 286 artigos). Nesse mesmo trabalho, as propostas didáticas somaram 30% dos artigos analisados, enquanto nas publicações brasileiras, eles corresponderam a apenas 18%.

Os trabalhos classificados como revisões da literatura foram aqueles nos quais realizou-se um levantamento sistemático de informações a respeito da QV e⁄ou seu ensino, em teses, dissertações, artigos, resumos, TCC ou documentos curriculares, de forma a compor um estado da arte sobre o assunto. Esses artigos somaram 13 trabalhos e corresponderam a cerca de 13 % do total analisado. Esse número, embora menor que os demais tipos de publicações, está acima dos valores encontrados por Marques et al., (2020), no âmbito internacional (cerca de 1%). Esse número considerável de artigos de revisão pode ser indício de que os pesquisadores brasileiros consideram relevante e necessário avaliar como o ensino de QV vem se difundindo nas publicações nacionais e internacionais, bem como nos currículos de formação de químicos.

Por fim, menos representados, estão os artigos do tipo ensaio teórico e de opinião, com 9 e 3 artigos, respectivamente. O primeiro tipo deles corresponde a trabalhos nos quais os autores buscam fazer exposições teóricas sobre a QV, seus princípios, sua natureza ou suas relações com o desenvolvimento sustentável (DS), sustentabilidade ou questões ambientais. Os artigos de opinião correspondem a uma subcategoria emergente, na qual os autores, de forma breve, expressam seus posicionamentos pessoais acerca da QV, suas potencialidades ou possíveis dificuldades ou limitações.

Ao analisar a distribuição dos artigos no decorrer dos anos, Figura 2, verifica-se que a produção em ensino de QV se torna mais expressiva a partir da de 2012, sendo que apenas 24 artigos analisados haviam sido publicados até esse ano, com prevalência para ensaios teóricos (5) e artigos de investigação (6). A partir de 2012, o número de publicações oscila no decorrer dos anos, mas tem significativo aumento de relatos de experiência (24) e propostas didáticas (16), demonstrando que o ensino de QV deixa de ser discutido apenas dos ponto de vista teórico e se converte em aplicações, proposições e investigações que buscam promover e compreender a inserção da QV no ensino.

 

Fonte: dados da pesquisa.

Figura 2 – Distribuição dos tipos de artigos no período de 2003 a 2022

 

Objetivos dos Artigos

A Tabela 2 reporta os objetivos apontados pelos autores dos artigos, com uma predominância de trabalhos cuja intenção foi propor novos experimentos ou melhorias em experimentos didáticos convencionais a fim de torná-los mais verdes, estando presente em 27 trabalhos, geralmente direcionados para laboratórios de ensino de graduação. Outros 20 artigos tiveram como objetivo investigar ou promover a inserção curricular da QV, seja no ensino superior ou ensino médio, demonstrando interesse dos pesquisadores e educadores brasileiros em compreender como a QV vem sendo incorporada aos currículos ou ainda fomentar a sua inserção no ensino de Química. Na sequência, há trabalhos que objetivaram Analisar a Química Verde em produções científicas e Investigar concepções, atitudes e saberes a respeito da Química Verde, com 13 artigos cada. Os objetivos relacionados a problematizar a geração de resíduos e avaliar experimentos por meio de métricas abarcam sete artigos cada. Ainda na Tabela 2, em seis trabalhos verificou-se o objetivo de promover a difusão da QV seja no ensino formal ou não-formal; cinco artigos objetivaram apresentar materiais didáticos relacionados ao ensino de QV; quatro trabalhos apontaram a intenção de discutir a natureza da QV e apenas um indicou a intenção explícita de ensinar a QV, mas sem associá-la a experimentos, apenas abordando seus princípios.

 

Tabela 2 – Categoria Objetivo do Artigo

Objetivo principal do artigo

Quantidade

Propor melhoria e/ou novos experimentos

27

Investigar ou promover inserção da QV no currículo (Educação Básica ou Ensino Superior)

20

Analisar a Química Verde em produções científicas (teses, dissertações, artigos, resumos, TCC, outros)

13

Investigar concepções, atitudes e saberes a respeito da Química Verde

13

Problematizar atividades que envolvam geração de resíduos

7

Avaliar experimentos por meio de métricas da QV (holísticas, massa, ambientais)

7

Promover a difusão da Educação em Química Verde

6

Analisar, aperfeiçoar e/ou criar material didático

5

Discutir Natureza (HFS) da QV

4

Emitir opinião ou apresentar editorial

2

Ensinar conceitos de Química

1

Total geral

105

Fonte: dados da pesquisa.

 

Relações entre Objetivos e Tipos de Artigos

Apresentaremos os Objetivos dos textos dentro de cada uma das categorias de Tipo de artigo, conforme Tabela 3: Investigação empírica (IE); Relato de Experiência (RE); Proposta didática (PD); Revisão (RV); Ensaio Teórico (ET); Opinião (OP).

 

Tabela 3 – Relação entre os tipos e os objetivos dos artigos analisados

Objetivo dos artigos

Tipos de artigo

Total

IE

RE

PD

RV

ET

OP

Propor melhoria e/ou novos experimentos

 

13

14

 

 

 

27

Investigar ou promover a inserção curricular da QV

9

6

 

 

5

 

20

Analisar a Química Verde em produções científicas (teses, dissertações, artigos, resumos, TCC, outros)

 

 

 

13

 

 

13

Investigar concepções, atitudes e saberes a respeito da Química Verde

13

 

 

 

 

 

13

Avaliar experimentos por meio de métricas da QV (holísticas, massa, ambientais)

3

1

3

 

 

 

8

Problematizar atividades que envolvam geração de resíduos

3

4

 

 

 

 

7

Promover a difusão da Educação em Química Verde

 

4

 

 

1

1

6

Analisar, aperfeiçoar e/ou criar material didático

1

2

2

 

 

 

5

Discutir Natureza (HFS) da QV

1

 

 

 

3

 

4

Emitir opinião pessoal ou editorial

 

 

 

 

 

2

2

Ensinar conceitos de Química

1

 

 

 

 

 

1

Total Geral

31

30

19

13

9

3

105

Nota: IE: Investigação empírica; RE: Relato de Experiência; PD: Proposta didática; RV: Revisão; ET: Ensaio Teórico; OP: Opinião.

Fonte: dados da pesquisa.

 

Verifica-se que dentre as investigações empíricas (IE), segunda coluna da Tabela 3, 13 trabalhos dedicaram-se a avaliar as concepções, atitudes ou saberes associados a QV. Seis desses trabalhos [A36, A43, A56, A82, A83, A86] tiveram como sujeitos de pesquisa estudantes (acadêmicos ou alunos de ensino médio); outros seis, professores de ensino médio ou ensino superior; e um deles dedicou-se a investigar “...a compreensão dos pesquisadores químicos brasileiros sobre o alcance dos termos sustentabilidade Ambiental e Desenvolvimento Sustentável...” [A28, p. 916]. Este último trabalho [A28] teve como sujeitos os pesquisadores ligados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) — Área da Química. O artigo A70 diferencia-se dos demais, porque em vez de avaliar concepções, os autores dedicaram-se a identificar o conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK – Pedagogical Content Knowlegde) de professores universitários de Química de uma instituição pública, um tema que ainda continuapouco explorado no ensino de QV.

Continuando a análise da subcategoria investigações empíricas (IE), nove artigos buscaram investigar ou promover a inserção curricular da QV em distintos níveis de ensino.Destes, somente A16 realizou a pesquisa no contexto do ensino médio, ao “buscar analisar de modo qualitativo a abordagem da QV na perspectiva da Educação Ambiental por professores do ensino médio” [A16, p. 66]. Em A44, a investigação intencionou “verificar os alcances da Química Verde no contexto da pós-graduação em Química do País” [A44, p. 563]. Todos os demais dedicaram a avaliar a inserção da QV nos currículos de cursos superiores de Química ou em propostas didáticas elaboradas por licenciandos em Química [A2 e A97].

Dois subgrupos de artigos da subcategoria investigações empíricas (IE) – cada um com 3 artigos – buscaram avaliar experimentos por meio das métricas holísticas [A29, A91, A96] ou problematizar atividades que envolvem resíduos [A8, A61, A77], com a intenção de mostrar os impactos dos resíduos e propor ações de minimização e disposição adequada em instituições de ensino superior. Os últimos 3 artigos da subcategoria investigação empírica(IE) tiveram como objetivo analisar livros didáticos sobre a incorporação da QV (A10); discutir a natureza da QV (A79) e ensinar conceitos de Química (A75).

A outra subcategoria de Tipos de Trabalho mais representativa foi a relatos de experiência (RE) — terceira coluna da Tabela 3 —, nos quais são discutidas aplicações de atividades didáticas para diferentes níveis de ensino. Dentre esses artigos, 13 apresentaram como objetivos propor melhorias em experimentos sendo que a maioria (11) são voltadas ao ensino superior e dois [A81 e A98] são para o ensino médio. Destaca-se ainda que os experimentos relatados são predominantemente relacionados à subárea de Química Orgânica (9), como por exemplo a síntese da acetanilida, cloroacetanilida e do epoxone [A81, A89 e A15], com o uso de reagentes derivados de biomassa [A85] e substituição de solventes [A88]. Outros 3 trabalhos relataram experimentos de Química Analítica [A1 e A98] ou Química Geral [A81]. A predominância dos experimentos de Química Orgânica também é relatada nas pesquisas de Costa, Ribeiro e Machado (2008), Costa (2012) e Marques e Machado (2018).De maneira geral, esses artigos apresentam a aplicação de experimentos considerados mais verdes que os convencionalmente realizados em laboratório, evidenciando algum princípio da QV, porém, dentro desse conjunto, nenhum deles faz uso de métricas para avaliar a eficácia da tentativa de esverdeamento dos processos ou busca contextualizá-los com questões mais amplas. O artigo [A23], entretanto, destaca-se dos demais ao apresentar uma atividade experimental de extração do óleo essencial de laranja vinculada a um estudo de caso relacionado aos resíduos gerados da indústria de citros em cidades paulistas, apresentando uma proposta experimental mais contextualizada, ao abordar uma questão sócio científica localmente situada.

Ainda, outros seis relatos de experiência (RE), cujo objetivo foi promover a inserção curricular abordam intervenções curriculares por meio de: i) criação e aplicação de disciplinas específicas sobre QV no contexto de um curso de Ensino Superior [A33 e A99]; ii) com a inserção de conteúdos de QV em diferentes disciplinas de cursos profissionais [A51 e A71] ou; iii) por meio de ações integradas de pesquisa, ensino e extensão como “...o projeto de extensão Fábrica Escola de Detergentes [A6, p. 21].” O trabalho A34, entretanto, apesar de ser de autoria de uma pesquisadora brasileira, não relata uma situação ocorrida no Brasil e sim, a inserção curricular da QV no contexto da educação básica alemã, empregando os pesticidas como problemática sociocientífica capaz de favorecer o ensino de química.

Quatro relatos de experiência (RE)[A3, A26, A41 e A100] relataram modificações de roteiros experimentais ou implementação de ações para redução ou gerenciamento de resíduos em instituições de ensino superior. Dentre eles A41 chama a atenção ao preocupar-se em vincular as ações de gerenciamento de resíduos com a QV e “[...numa perspectiva crítica de educação ambiental. Tradução nossa A41, p. 653].” Outros quatro relatos (RE), realizados no contexto do ensino médio regular ou integrado ao ensino técnico buscaram divulgar e promover o ensino de QV por meio de feiras, visitas a escolas e a laboratórios universitários [A105], por meio de projetos de extensão [A53 e A55] ou por “[...]projeto de iniciação científica desenvolvido por alunos de uma escola pública [A25, p. 1].”

Também fizeram parte dos relatos (RE), trabalhos que descrevem o desenvolvimento e os resultados da aplicação de materiais didáticos, como [A22], em que os autores aplicaram uma atividade lúdica para o ensino da métrica Fator E com alunos de curso técnico integrado e [A58] no qual relata-se o desenvolvimento de um projeto de obtenção de biodiesel, o qual foi aplicado no ensino à distância, com acadêmicos de Química do 7º período.O relato(RE) apresentado em A102, por sua vez, foi o único em que os autores relatam o uso de métricas de QV – a estrela verde – para aplicação de um experimento de degradação do corante amarelo de tartrazina aplicado no ensino médio.

Cumpre destacar que dentre os trabalhos apresentados como relato de experiência (RE), aqueles voltados à inserção curricular da QV na formação de professores (A6, A51 e A71), indicam aproximações desta com a abordagem CTS a exemplo dos fragmentos a seguir: “[...] relata-se um trabalho de ensino, articulado à pesquisa e à extensão sob a perspectiva Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) e Química Verde (QV)” [A6, p.21], demonstrando o interesse em relacionar a QV com aspectos que vão além dos 12 princípios, aproximando-os de uma perspectiva mais crítica do ensino da QV (Zuin; Eilks, 2018).

Ao verificar os objetivos dos 19 artigos de proposta didática(PD), na quarta coluna da Tabela 3, verifica-se que 14 estão voltados a propor melhorias em experimentos didáticos, predominantemente para o ensino superior. As propostas se dividiram em procedimentos de Química Orgânica (6) — que propuseram sínteses mais verdes usando catalisadores alternativos [A101, A60], uso de biomassa [A46] ou substituição de solventes e reagentes [A66; A67]; Química Analítica, com aplicação de métodos gravimétricos [A32; A104] ou eletroquímicos [A68; A94] mais verdes e; Química Geral, com uso de microescala [A21] e obtenção de bioplástico a partir do leite [A57].

Três propostas (PD) foram destinadas aavaliar experimentos por meio de métricas da QV [A24; A68; A7]. Dois desses trabalhos abordam métricas holísticas [A24; A7], tais como Matriz Verde e Estrela Verde, sendo que o último aborda o ensino de Análise de Ciclo de Vida [A68].Por fim, duas propostas didáticas (PD) apresentam materiais didáticos com potencial para abordar a QV em diferentes níveis de ensino. A42 propõe sequências didáticas que integram a QV e a educação ambiental e A19 apresenta um ambiente virtual temático sobre QV, o qual permite avaliar diferente procedimentos químicos, comparando-os por meio de estrelas verdes.

Quanto aos trabalhos de revisão da literatura (RV) — coluna cinco da Tabela 3 —, o objetivo dos 13 artigos foi o de analisar a QV em produções científicas de diferentes naturezas (teses, dissertações, artigos, anais de eventos etc). Dentre esses artigos constam trabalhos que fizeram a análise das publicações em QV ou Ensino de QV em âmbito nacional e internacional. Destacam-se artigos correspondentes a revisões sobre o ensino de QV em importantes periódicos – Journal Chemical Education e Green Chemistry– com um significativo número de artigos [A48 e A80], permitindo fazer inferências sobre as tendências do ensino da QV na literatura internacional. Já Marques e Machado (2021), discutem a evolução ao longo da QV “...desde seu surgimento até 2016 (25º aniversário), visando uma visão integrada do seu progresso ao longo as três fases do seu desenvolvimento: surgimento, divulgação e consolidação[A17, p. 299]. Zuin et al. (2020), por sua vez, buscaram avaliar as publicações de QV na América Latina (AL), num período de 10 anos, identificando o crescimento das publicações e a expressividade do Brasil no número de publicações (62%). Ao analisar detalhadamente as publicações de 2018 a 2020, identificaram as subáreas da Química com mais publicações em QV na AL – química dos materiais e química orgânica – e dentre elas verificaram que a da educação química é a menos representada, com apenas 6 publicações. Em âmbito nacional, Zuin e colaboradores avaliaram as publicações sobre QV e seu ensino a partir de periódicos e anais da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) [A76] no período de 2004 a 2014, sendo que Rollof e Marques (2020), aprofundam essa análise sobre os trabalhos voltados ao ensino de QV [A62]. Outros trabalhos realizaram revisões para avaliar os discursos sobre QV nas revistas Química Nova [A50], a relação da QV com a abordagem CTS [A72] ou para compreender o crescimento da QV ou seu ensino ao longo dos anos [A37; A78].

A sexta coluna da Tabela 3 apresenta os nove artigos de Tipo ensaio teórico (ET). Cinco desses artigos [A11; A30; A38; A39; A84] almejam investigar ou promover a inserção da QV em currículos. Outros trêsartigos objetivaram discutir a natureza da QV e fazer apontamentos para a educação [A65; A73; A74]. Esses artigos apontam limites da QV, argumentando sobre a necessidade de que o ensino de QV incorpore perspectivas sócio-críticas [A65], bem como estabelecendo críticas à QV quanto ao seu otimismo tecnológico [A73] (desafiado pelos limites termodinâmicos)10 e ao seu caráter de slogan ou “greenwashing.” Mas A73 também aponta as possibilidades da educação em QV para aprofundar o entendimento de questões ambientais, aproximando a QV dos fundamentos teórico-metodológicos da Educação Ambiental Crítica, discutindo também dissensos e consensos entre a Educação Ambiental e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Finalmente, A47 teve como objetivo promover a difusão da Educação em Química Verde, mostrando seus princípios e aplicações na indústria, no ensino e na pesquisa em Química.

Três textos se configuram como artigos de opinião (OP), na sétima coluna da Tabela 3. Dois desses artigos objetivam funcionar como material de divulgação da QV [A14]oucomo editorial que apresenta um número especial no Current Opinion in Green andSustainableChemistry[A4].O último texto, A5, pretende promover a difusão da Educação em Química Verde, divulgando o Ano Internacional da Química e a Escola Brasileira de Química Verde.

Terminada a análise das categorias Tipo e Objetivos dos Artigos, fazemos uma síntese sobre a importância da experimentação no ensino de QV na seção seguinte.

A Centralidade da Experimentação no Ensino de Química Verde

Os resultados identificados nessa pesquisa, de predominância da experimentação no ensino de QV vão ao encontro de outros trabalhos, como o realizado por Costa, Ribeiro, Machado (2008) e Costa (2012), em revisões realizadas na literatura internacional (a partir de Periódicos Journal Chemical Education e Green Chemistry), na qual constataram que cerca de 82% dos artigos analisados propunha a realização de demonstrações e atividades experimentais em QV. Entretanto, ao ampliarem a revisão (incluindo a revista Educación Química), Machado e Marques (2018), se depararam com a redução de (46%) de trabalhos vinculados a experimentação, o que consideraram um indício de amadurecimento da comunidade da QV.

Dentre os 27 trabalhos que objetivaram propor melhoria e/ou novos experimentos, aqui identificados, alguns até mencionam a comparação entre rotas sintéticas verdes e as tradicionais, mas não deixam claro em seus objetivos quais são os critérios de comparação. Esse é um ponto que nos levou a considerar esses trabalhos à parte da subcategoria “Avaliar experimentos por meio de métricas da QV”, representada por 7 trabalhos. Dentre esses últimos são registrados o uso de métricas de massa (Fator e Eficiência de massa) associadas a métricas holísticas como a matriz verde (MV ) e estrela verde (EV) [A7] ou apenas métricas holísticas (EV ou MV) [A24, A29, A91, A96, A102]. Um dos trabalhos, entretanto, associou a análise dos cumprimentos dos princípios e o ciclo de vida para avaliar o EDTA e possíveis substituintes a esse quelante [A68].

Os resultados aqui apresentados são concordantes com outros trabalhos que apontam a baixa aplicação das métricas quando da proposição de procedimentos ditos mais verdes (Costa, Ribeiro, Machado, 2008; Costa, 2012; Marques, Machado, 2018; Marques et al, 2020). Machado (2014, p. 15), porém, afirma que “é fundamental avaliar até que ponto os processos químicos (em seu sentido amplo) são comprovadamente verdes” e defende que a avaliação seja feita de maneira sistematizada, ou seja, empregando as métricas adequadas, pois não basta fazer substituições ou reduções aleatórias, ou puramente qualitativas, sem avaliar também aspectos quantitativos e as implicações dessas alterações na verdura global do processo químico.

 

CONCLUSÃO

A investigação aqui apresentada, conduzida a partir de um considerável número de artigos, obtidos de três bases de dados diferentes, permitiu construir um panorama qualitativo das publicações sobre o ensino de QV realizada por pesquisadores brasileiros, identificando similaridades e diferenças em relação ao contexto internacional e possibilitando encontrar elementos que podem contribuir para o amadurecimento e consolidação da QV no ensino de Química brasileiro.

Assim, o que se verificou a partir dos dados, foi o aumento das publicações em ensino de QV a partir do ano de 2012, com crescimento mais significativo nos trabalhos do tipo relato de experiência e proposta didática, mostrando o interesse de pesquisadores e professores em tornar esse tema parte dos conteúdos de ensino e incentivar o conhecimento e a prática de seus princípios. Entretanto, verifica-se que esses esforços estão concentrados predominantemente no ensino superior e ainda pouco presentes na educação básica, indicando que esse nível de ensino ainda carece de propostas de ensino de QV e requer mais atenção para a ampla difusão da QV.

Verificou-se ainda que propor melhorias ou novos experimentação é o principal objetivo quando busca-se promover o ensino da QV, sendo a Química Orgânica a subárea da Química mais relacionada aos princípios da QV, seguindo a tendência do que se verifica em outros estudos de revisão feitos em âmbito internacional (Marques, Machado, 2018; Marques et al, 2020; Zuinet al, 2020).Outro objetivo importante que se destacou foi o de investigar e promover a inserção curricular da QV, apontando que os pesquisadores compreendem que o currículo é o espaço a ser conquistado para que a QV se um conhecimento permanente e não esporádico na formação de futuros profissionais.

Dessa maneira, espera-se que essa investigação tenha colaborado para identificar as potencialidades e pontos de fragilidade do ensino de QV no contexto nacional e possa contribuir para que pesquisadores e professores brasileiros se dediquem a superá-los.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq (Projeto 420046/2022-4) pelo auxílio financeiro.

 

Recebido em: 17/09/2024

Aceito em: 06/05/2025

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Queli Aparecida Rodrigueset al. Química Verde nos cursos de Licenciatura em Química do Brasil: Mapeamento e importância na prática docente. Amazônia. Revista de Educação em Ciências e Matemática. v.15, n. 34, jul-dez 2019. p.178-187.http://dx.doi.org/10.18542/amazrecm.v15i34.6971

ANASTAS, Paul.; WARNER, Jhon. Green Chemistry: theory and practice. New York: Oxford University Press, 1998.  

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo(2a ed.). Lisboa, Portugal: Edições, 2011.      

BRANDÃO, Juliana Barrretoet al. Mapeamento de publicações sobre o ensino da química verde no Brasil a partir de redes sociais. Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemática, v.14, n.30, p. 59-76, 2018. http://dx.doi.org/10.18542/amazrecm.v14i30.5338

CHAMIZO, José Antônio. La imagen pública de la química. Educ. Quím. 22(4), 320–331, 2011.

DIAS, Érica Daiane Souza. A Cortina de Fumaça no Discurso Verde da Química: Um olhar sobre produções científicas na 37a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química. 2016. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. 

LEAL, Adriana Lopes; MARQUES, Carlos Alberto. O Conhecimento Químico e a Questão Ambiental na Formação Docente. QNEsc.,n° 29, p. 30-33, ago./ 2008.

LONGO, Gabriele Rodrigues.; BONOTTO, Dalva Maria Bianchini. Educação Ambiental e o trabalho com valores: a importância de uma formação baseada no diálogo. Revista Insignare Scientia - RIS, v. 6, n. 4, p. 1-21, 10 jul. 2023. https://doi.org/10.36661/2595-4520.2023v6n4.13074

MARCELINO, Leonardo Victor.; MARQUES, Carlos Alberto. A pesquisa em Ensino de Química Verde: temas e tipologias de estudos. Amazônia: Revista de Educação em Ciências e Matemáticas, v. 19, n. 42, p. 232–254, 11 ago. 2023. 

MARCELINO, Leonardo Victor; PINTO, Adilson Luiz; MARQUES, Carlos Alberto..Scientific specialties in Green Chemistry. Iberoamerican Journal of Science Measurement and Communication, v. 1, n. 1, p. 005, 21 jun. 2020. 

MARQUES, Carlos Alberto; MACHADO, Adélio.An Integrated Vision of the Green Chemistry Evolution along 25 Years. Foundations of Chemistry, v. 23, p. 299–328, 18 jun. 2021.

MARQUES, Carlos Alberto; MACHADO, Adélio. Environmental Sustainability: Implications and Limitations to Green Chemistry. Foundations of Chemistry, v. 16, n. 2, p. 125–147, 1 jul. 2014.  https://link.springer.com/article/10.1007/s10698-013-9189-x

MARQUES, Carlos Albertoet al. Green Chemistry Teaching for Sustainability in Papers Published by the Journal of Chemical Education. Química Nova, v. 43, n. 10, p. 1510–1521, 2020.http://dx.doi.org/10.21577/0100-4042.20170612

MARQUES, Carlos Albertoet al.Ensino de Química Verde: Um Panorama a Partir de Autores Brasileiros. ACTIO: Docência em Ciências, v. 8, n. 3, p. 1–27, 19 dez. 2023. http://dx.doi.org/10.3895/actio.v8n3.17573

MATLIN, Stephenet al. Chemistry must respond to the crisis to transgression of planetary boundaries. Chem. Sci. 13, 11710, 2022.

ROLOFF, Franciani Becker; MARQUES, Carlos Alberto. Contribuições de produções acadêmicas nacionais sobre Química Verde e seu ensino. Amazônia - Revista de Educação em Ciências e Matemáticas, vol. 14, n.32, 78-91, 2018.http://dx.doi.org/10.18542/amazrecm.v14i32.6175.

SILVEIRA, Dieison Prestes.; LORENZETTI, Leonir. Uma análise das atividades práticas presentes nas atas do Encontro Pesquisa em Educação Ambiental (EPEA) no período 2001-2019. Revista Insignare Scientia - RIS, v. 4, n. 6, p. 316-335, 8 out. 2021.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a Pesquisa Qualitativa em Educação – O Positivismo, A Fenomenologia, O Marxismo. 5a ed. 18a reimp. São Paulo: Atlas, 2009.

UNEP. United Nations Environment Programme. Specialized Manual on Green and Sustainable Chemistry Education and Learning: Advancing Green andSustainable Chemistry Education and Learning in All Segments of Society. Geneva: UNEP, 2023.

UNESCO. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. UNESCO and Sustainable Development Goals. Disponívelem: <https://en.unesco.org/sustainabledevelopmentgoals>. Acessoem: 19 jul. 2020.

WCED (World Commission on Environmental and Development): Our Common Future. Oxford University Press, Oxford (1987)

ZUIN, Vânia Gomes.; MAMMINO, Liliana. Worldwide trends in green chemistry education. Cambridge: Royal Society of Chemistry, 2015.

ZUIN, Vânia Gomes.; MARQUES, Carlos Alberto. Green Chemistry Education in Brazil: Contemporary Tendencies and Reflections at Secondary School Level. In: ZUIN, V.G; MAMMINO, L. Orgs. Worldwide Trends in Green Chemistry Education. 2015. http://pubs.rsc.org | doi:10.1039/9781782621942-00027

ZUIN, Vânia Gomeset al.Green and sustainable chemistry in Latin America: which type of research is going on? And for what? Current Opinion in Green and Sustainable Chemistry, 25, 2020.

ZUIN, Vânia Gomeset al. Education in green chemistry and in sustainable chemistry: perspectives towards sustainability. Green Chem., 2021, 23, 1594–1608. DOI: 10.1039/d0gc03313h