As narrativas como instrumento na reflexão da prática docente
Narratives as an instrument in reflecting teaching practice
Las narrativas como instrumento de reflexión sobre la práctica docente
Raquel Furtado Soares Trindade (raquel.furtado@ufms.br)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
https://orcid.org/0009-0001-1161-0176
Daniele Correia (d.correia@ufms.br)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-7068-7755
Resumo
O objetivo deste estudo é investigar como as narrativas vêm sendo utilizadas em pesquisas qualitativas desenvolvidas no escopo da formação de professores de Ciências da Natureza. A abordagem desta pesquisa é qualitativa, caracterizando-se como pesquisa bibliográfica, com seleção e análise de produção científica abordando o objeto de investigação deste estudo. Para tanto, foram consultadas duas bases de dados, o portal de Periódicos da Capes e as atas de Anais do Encontro Nacional de Pesquisa em Ciências – ENPEC. Para a interpretação dos dados, utilizamos a Análise Textual Discursiva – ATD. Como resultados, constatamos que é crescente a utilização de narrativas orais e/ou escritas como instrumento de coleta de dados em estudos que investigam a formação de professores na esfera inicial e contínua. Os resultados também revelam que o uso de narrativas é mais recorrente em pesquisas envolvendo professores em formação inicial se comparados àquelas realizadas com professores em exercício da docência.
Palavras-chave: Narrativas; Formação de Professores; Ensino de Ciências.
Abstract
This study aimed to investigate the use of narratives in qualitative research in the scope of the training of Natural Sciences teachers. This is qualitative bibliographical research selecting and analyzing scientific production addressing the investigation object of this study. To this end, we consulted two databases: Capes Periodicals Portal and the Proceedings of the National Science Research Meeting – ENPEC. Data was interpreted through the Discursive Textual Analysis – ATD. Our results found the increasing use of oral and/or written narratives as a data collection instrument in studies investigating teacher training in the initial and ongoing sphere. The results also revealed that using narratives is more recurrent in research involving teachers at initial training compared with those carried out with teachers in teaching practice.
Keywords: Narratives; Teacher Training; Science Teaching.
Resumen
El objetivo de este estudio es investigar cómo las narrativas han sido utilizadas en investigaciones cualitativas desarrolladas en el ámbito de la formación de docentes de Ciencias Naturales. El enfoque de esta investigación es cualitativo, caracterizado como investigación bibliográfica, con selección y análisis de la producción científica abordando el objeto de investigación de este estudio. Para ello, se consultaron dos bases de datos, el portal de Periódicos Capes y las actas de las Actas del Encuentro Nacional de Investigación Científica – ENPEC. Para interpretar los datos se utilizó el Análisis Textual Discursivo – ATD. Como resultado, encontramos que está aumentando el uso de narrativas orales y/o escritas como instrumento de recolección de datos en estudios que investigan la formación docente en el ámbito inicial y permanente. Los resultados también revelan que el uso de narrativas es más recurrente en investigaciones que involucran a docentes en formación inicial en comparación con las realizadas con docentes en la práctica docente.
Palabras-clave: Narrativas; Formación de Profesores; Enseñanza de las Ciencias.
INTRODUÇÃO
Os desafios do mundo contemporâneo mudaram o cotidiano da sociedade, exigindo que os modelos educacionais e de formação de professores se ressignificassem, o que, por sua vez, levou muitos pesquisadores a voltarem seus olhares para a formação de professor. Diante disso, há um aumento crescente de debates sobre a formação docente entre pesquisadores e grupos de pesquisa com produção científica consolidada nas áreas de educação e ensino de ciências, em âmbito tanto nacional quanto internacional. Nesse contexto, Tardif, Pimenta, Nóvoa e Freire são exemplos de referenciais que contribuem para ampliar novos debates e fomentar o desenvolvimento de novas teorias no campo da formação inicial e continuada de professores.
Nessa direção, com o avanço das pesquisas de abordagem qualitativa no âmbito da formação de professores, alguns pesquisadores tais como Person et al. (2019), Paniago et al. (2020), Araújo e Gonçalves (2022), Figueiredo (2023), entre outros, passaram a apresentar investigações com uso de narrativas como método adotado para registrar relatos e histórias de vida de docentes em processos formativos.
É importante destacar que as narrativas permitem a expressão por meio da linguagem e podem ser utilizadas em pesquisas que utilizam relatos tais como: histórias de vida, história oral, narrativas de formação, entre outras parecendo haver um consenso entre os pesquisadores de que as narrativas se mostram como um instrumento de investigação e de formação contínua. Haja vista que os relatos de docentes em formação inicial ou em formação continuada manifestam a vida humana dos professores, seus sucessos, suas dificuldades, sua identidade e seus saberes.
Certamente o uso de narrativas são relevantes em pesquisas com investigação na formação docente, porém Connelly e Clandini (2000) destacam que para uma compreensão mais profunda, é essencial realizar uma análise e isso requer uma abordagem metodológica específica. Assim, as narrativas podem ser tanto o fenômeno quanto o método.
Nesta direção, com a valorização das pesquisas qualitativas, em particular, as de cunho narrativo passaram a ser adotadas por pesquisadores da área das ciências humanas, pois por meio delas é possível capturar nuances que os dados quantitativos não demonstram como emoções, desafios pessoais e contextos socioculturais. Isto é defendido por Josso (2004, p. 39) ao nos remeter à ideia de que “A situação da construção da narrativa exige uma atividade psicossomática em vários níveis, pois pressupõe a narração de si mesmo, sob o ângulo da sua formação, por meio do recurso a recordações-referências, que balizam a duração de uma vida.”
Freitas e Ghedin (2015) destacam que a pouco mais de 30 anos o movimento de pesquisa formação com narrativas tem se propagado e acumulado uma produção significativa. Os autores discutem que essas pesquisas podem receber diferentes terminologias, tais como, “história de vida”, “narrativas de formação”, “pesquisa narrativa”, “biografias” e “autobiografias”. Ainda, segundo os autores, essa heterogeneidade de nomenclatura está relacionada aos diferentes campos e influências que as pesquisas foram constituídas.
Xavier (2014, p.75) pondera que “histórias de vida e estudos (auto) biográficos como metodologia de pesquisa” passaram a ser historicamente utilizados e valorizados na pesquisa de abordagem qualitativa no Brasil a partir da década de 90.
Nesse sentido, Nóvoa e Finger (2010) ressaltam que o método autobiográfico não é apenas um instrumento de investigação, mais do que isso, é um instrumento de formação contínua. Assim, ao narrarem ou escreverem sobre suas experiências formativas e profissionais, os professores passam por um processo de reflexão e (re)construção de seus próprios saberes, que pode provocar modificações tanto na forma como compreendem a si mesmos e aos outros, quanto na transformação da ação docente.
Diante do exposto, o objetivo geral do estudo é investigar como as narrativas vêm sendo utilizadas em pesquisas qualitativas desenvolvidas no escopo da formação de professores de Ciências da Natureza. Para cumpri-lo nos baseamos na seguinte questão norteadora: Como as narrativas vêm sendo utilizadas nos estudos de formação docente da área de ensino de ciências da natureza? Para tanto, selecionamos e analisamos trabalhos que discutem a temática em questão, os quais foram localizados na base de dados do Portal de Periódicos da Capes e nos Anais dos quatro últimos eventos do ENPEC. Além da introdução, este artigo está organizado em três sessões. No primeiro apresentamos o percurso metodológico, no segundo realizamos a análise dos resultados e discussões e no terceiro pontuamos as considerações finais.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
A pesquisa se caracteriza como abordagem qualitativa (Bogdan; Biklen, 1996) do tipo pesquisa bibliográfica (Amaral, 2007), envolvendo a busca e seleção de artigos publicados no Portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, além de trabalhos apresentados em Anais do ENPEC que utilizaram narrativas em estudos sobre a formação de professores das áreas de Ciências da Natureza.
No portal de periódicos da CAPES, obtivemos 54 artigos em busca por assunto avançada, inserindo as palavras “formação de professores” AND “narrativas” AND “ensino de ciências” e filtrando os últimos 10 anos com intervalo de 2012 a 2022, revisados por pares.
A seleção dos trabalhos teve como base critérios de inclusão e de exclusão. Os seguintes critérios de inclusão foram adotados: C1– trabalhos de pesquisa científica da área de ensino da CAPES, com foco no ensino de ciências, C2 – estudos envolvendo a formação de professores na área de ensino de ciências da natureza, C3 – trabalhos publicados de 2012 a 2022, C4 – trabalhos de acesso gratuito e disponível para download, C5 – trabalhos disponíveis em português, inglês e espanhol, C6 – trabalhos cujos títulos e/ou palavras-chaves e/ou metodologia continham os termos “formação de professores”, “narrativas” e “ensino de ciências” .
Já os critérios para exclusão foram C1 – trabalhos com pesquisa em ensino de ciências humanas ou linguagens e matemática, C2 – estudos publicados antes de 2012 e a partir de janeiro de 2023, C4 – estudos indisponíveis para download ou leitura online. Após análise criteriosa adotando os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 09 trabalhos para análise aprofundada.
Quadro 1 – Quantidade de artigos por periódico.
Periódico |
Qualis Capes |
Quantidade de Artigo(s) |
Educação em Ciências e Matemática |
A2 |
02 |
Ensaio |
A2 |
01 |
Revista Brasileira de Extensão Universitária |
A3 |
01 |
Ciência e Educação |
A1 |
04 |
Revista Brasileira de Educação |
A1 |
01 |
Total |
---- |
09 |
Fonte: Autoras, 2024.
Com relação aos trabalhos do ENPEC (edições XI, XII, XIII e XIV), foram encontrados 826 trabalhos completos enquadrados na linha de pesquisa de formação de professores. Destes, selecionamos 22 cujos títulos e/ou palavras-chaves e/ou metodologia continham os termos “formação de professores”, “narrativas” e “ensino de ciências.
Quadro 2 – Quantidade de trabalhados localizados nos últimos ENPECs.
Edição |
Ano de Realização |
Quantidade de trabalhos |
Quantidade de trabalhos selecionados |
XI ENPEC |
2017 |
267 |
06 |
XII ENPEC |
2019 |
219 |
04 |
XIII ENPEC |
2021 |
132 |
05 |
XIV ENPEC |
2023 |
208 |
07 |
Total |
---- |
826 |
22 |
Fonte: Autoras, 2024.
Após selecionarmos os trabalhos que compuseram o corpus deste estudo, passamos para a etapa de classificação por códigos. Para os artigos coletados no Portal de Periódicos Capes, utilizamos a letra (A), inicial da palavra artigo, seguida do numeral, por exemplo, A1. Já os trabalhos oriundos das atas dos ENPECs receberam a legenda de identificação iniciando com o número romano da edição do evento, seguido da sigla e posterior numeral, por exemplo, XIENPEC1 (XI – edição do evento, ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Ensino de Ciências, 1 – número que identifica o trabalho selecionado dessa edição).
Para a análise do corpus, utilizamos a Análise Textual Discursiva (ATD), proposta por Moraes e Galiazzi (2011), a qual envolve as etapas descritas a seguir. A primeira etapa é denominada (a) desconstrução e unitarização, abrangendo a leitura atenta e aprofundada do corpus, seguida da fragmentação em unidades significativas a partir da interpretação dos autores. Na etapa de unitarização, procuramos por indícios que revelassem a importância do papel das narrativas como um espaço de resgate de memórias da trajetória profissional, (auto)reflexão e (res)significação de ação docente, além de relações entre as unidades de significado de forma a categorizá-las por semelhança.
A segunda etapa diz respeito à (b) categorização, que envolve o agrupamento de unidades significativas a partir de seus significados explícitos e implícitos. Esse processo de (re)leituras das unidades de significado levou à formação das categorias iniciais, as quais foram agrupadas em categorias intermediárias até se chegar às categorias finais, em que uma unidade de significado pode estar presente em mais de uma categoria. Por fim, temos o (c) metatexto, que apresenta as novas compreensões produzidas como resultado das etapas anteriores. Nessa última etapa do ciclo, procuramos validar as categorias emergentes, com base nos argumentos que permitiram a formação das categorias.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Foram realizadas leituras na íntegra dos trabalhos selecionados, buscando encontrar as similaridades e as especificidades do caminho metodológico adotado pelos autores, assim como compreender as contribuições das pesquisas selecionadas para debates sobre o uso de narrativas na formação de professores da área de ciências da natureza.
Quanto aos objetivos (implícitos ou explícitos) dos trabalhos analisados no escopo da formação continuada, destacamos os seguintes: a) compreender os elementos apontados pelos professores que os fazem permanecer na profissão, b) compreender os movimentos formativos realizados no sentido da formação de professores, c) compreender os sentidos que professores de ciências atribuem aos processos de formação.
Já no âmbito da formação inicial, destacamos os seguintes objetivos: a) apreender as histórias, as lembranças e as memórias de escolarização em forma de narrativas; b) reflexões e discussões sobre a importância e o papel do estágio curricular na formação inicial de professores e c) compreender o papel das narrativas autobiográficas como metodologia de investigação e de formação. Assim, por meio da análise das narrativas orais e escritas, os pesquisadores buscaram resgatar e analisar as memórias, a história de vida, a identidade e os saberes pedagógicos dos professores em exercício e dos professores em formação.
Segundo Josso (2007), as narrativas autobiográficas possuem um papel reflexivo na formação dos sujeitos em que o indivíduo olha para si para “evidenciar e questionar as heranças, a continuidade e a ruptura, os projetos de vida, os múltiplos recursos ligados às aquisições de experiências” (Josso, 2007, p. 414).
Com relação ao público-alvo das pesquisas, identificamos que 9 trabalhos foram desenvolvidos com professores em formação continuada na educação superior (A8, A9, XIENPEC2, XIENPEC4, XIIENPEC2, XIIIENPEC3, XIVENPEC3, XIVENPEC5 e XIVENPE7), 8 em formação continuada na educação básica (A7, A6, XIENPEC1, XIENPEC5, XIENPEC6, XIIIENPEC1, XIIIENPEC2 (misto), XIVENPEC4 ) e 15 com professores em formação inicial, (A1, A2, A3, A4, A5, XIENPEC3, XIIENPEC1, XIIENPEC3, XIIENPEC4 XIIIENPEC2 (misto), XIIIENPEC4, XIIIENPEC5, XIVENPEC1, XIVENPEC2, XIVENPEC6). A maioria dos participantes desses estudos era composta por licenciados ou licenciandos em ciências biológicas/biologia.
Portanto, apenas 8 estudos foram desenvolvidos com professores em formação continuada da educação básica. Dessa forma, sinalizamos a necessidade de novos estudos nesse contexto formativo, já que as narrativas geram reflexões para a (res)significação da ação docente na educação básica. Nesse contexto, os professores podem compartilhar suas histórias, trajetórias, relatos e experiências, promovendo trocas de conhecimentos e autoconhecimento, construindo e (re) construindo significados e contribuindo assim para o desenvolvimento profissional.
Em contrapartida, o uso de narrativas está mais presente em estudos desenvolvidos no contexto da formação inicial, com pesquisas que investigam o docente em formação analisando as experiências relevantes, de acordo com os licenciandos, para a escolha da profissão. Dessa maneira, promovem-se reflexões por parte dos estudantes a respeito de ações didáticas, analisando narrativas sobre as memórias de ensino e aprendizagens apresentadas pelos licenciandos da educação básica. Essas pesquisas foram desenvolvidas abrangendo disciplinas de estágio curricular, metodologia de ensino de biologia e por grupos de pesquisa.
Souza, Silva e Bedin (2020), destacam que o graduando por meio de observações promovem a prática reflexiva podem perceber que assim como em outras profissões na docência existem professores com diferentes perfis os quais são fundamentados nas características pessoais e valores de cada um.
Com relação à metodologia de análise, constatamos que a análise textual discursiva foi empregada em 11 trabalhos (total de 31 analisados). A ATD abrange o encontro entre a fenomenologia, a pesquisa naturalística, o existencialismo e a hermenêutica existencial. Moraes (2023) acrescenta que esse método busca se desprender do reducionismo epistêmico característico das ciências naturais. Nesse sentido, pesquisadores que buscam analisar narrativas de professores em formação e em formação inicial têm optado pela ATD para compreenderem os fenômenos em conteúdo do discurso por meio dos significados gerados em cartas, entrevistas, depoimentos, histórias e relatos.
Com base na análise dos trabalhos, verificamos que o uso das narrativas em pesquisas na formação docente tem se revelado um instrumento formativo valioso, em que os docentes são convidados a (re)visitarem, refletirem e (re)analisarem suas escolhas e atitudes ao longo dos caminhos percorridos até a docência. Nesse sentido, corroboramos com Souza, Costa e Silva, (2023, p.2) ao considerarem que as narrativas “(...) servem como uma lente através da qual podemos reconhecer o significado das experiências individuais, observando como elas funcionam como partes de um todo”.
Assim como Passos (2010, p. 152) ao afirmar que “as narrativas expressam experiências, memórias e reflexões vividas e, no caso dos futuros professores, tornam-se importante instrumento para que possam difundir o conhecimento produzido”. Assim, podemos considerar que em pesquisas cujo objetivo é analisar os processos formativos de um docente e a sua formação identitária, as narrativas se apresentam como um instrumento de potencial significativo.
COMPREENDENDO O FENÔMENO
Pelo viés fenomenológico e seguindo os princípios da ATD, os resultados foram interpretados a partir da desconstrução do corpus de pesquisa. Nesse processo, originaram-se 140 unidades de significado, as quais foram selecionadas para compreendermos como as narrativas têm sido utilizadas em pesquisas abordando a formação de professores de ciências da natureza. O Quadro 3 representa o movimento de construção das categorias a partir das unidades de significado, com quatro categorias iniciais agrupadas em duas categorias intermediárias, as quais, por sua vez, foram reagrupadas em uma categoria final. Na construção do metatexto, apresentamos os argumentos aglutinadores que permitiram a formação das categorias, as quais, por sua vez, foram organizadas em torno da temática central desta pesquisa, denotando aspectos emergentes do processo de análise.
Quadro 3 – Categorias emergentes dos processos de análise do trabalho.
Trabalhos analisados |
Unidades de Significado Exemplos |
Categorias Iniciais |
Categorias intermediárias |
Categoria Final Emergente |
Presente em todos os trabalhos |
Havia me formado uma profissional ciente da minha responsabilidade como cientista, mas apática quanto a minha responsabilidade como professora. (docente P1, extraído do artigo A2) |
Compreensão dos Movimentos Formativos
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Narrativas como espaços de reflexões e sistematização das experiências
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Narrativas como espaços reflexivos e de autoconhe-cimento
|
A1, A3, A4, A5, A6, A7, A8, A9, XIENPEC2, XIENPEC3, XIENPEC4, XIENPEC5 e XIENPEC6, XIIENPEC2 XIIENPEC3, XIIENPEC4, XIIENPEC5 e XIIENPEC6, XIIIENPEC1, XIIIENPEC2, XIIIENPEC3 e XIIIENPEC5, XIVENPEC1; XIVENPEC2; XIVENPEC4; XIVENPEC5 e XIVENPEC6 |
Assim, o meu desenvolvimento profissional passará, cada vez mais, por pôr o foco no aluno, devendo fazer uma análise aturada sobre os processos do seu desenvolvimento cognitivo e as melhores formas de impulsionar as suas aprendizagens. (docente P2, extraído do artigo A8) |
Reflexões da Prática Pedagógica
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XIENPEC5, XIENPEC6, XIIENPEC3, XIIIENPEC1 e XIIIENPEC 4 XIVENPEC2, XIVENPEC3, XIVENPEC4 e XIVENPEC6
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Meu pai era professor de Física, e a minha mãe era professora de Biologia. [...] Eu ia à escola com eles com frequência. Eu os via dando aula e então [...]. Então, eu escolhi este caminho. (docente P3 extraído do artigo A7) |
Memórias e histórias de Vida |
Memórias e histórias de vida na construção da identidade docente. |
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A3, A7, XIENPEC1, XIENPEC2, XIENPEC3, XIENPEC4 e XIENPEC6, XIIENPEC1, XIIENPEC2, XIIENPEC3 e XIIENPEC5, XIIIENPEC4, XIVENPEC1, XIVENPEC2, XIVENPEC3 e XIVENPEC4 |
Me lembro até hoje do sorriso da professora Mara Rúbia entrando na sala, tão empolgada que me deixou curiosa para entender o que tanto a motivava[...]. (docente P4, extraído do XIVENPEC6) |
Memórias do Processo de Ensino e Aprendiza-gem |
Fonte: autoras, 2024.
A produção da categoria final evidencia as novas compreensões advindas da análise, em um processo de argumentação que apresenta as defesas e proposições emergentes (Moraes, Galiazzi, 2011). Assim, a categoria final Narrativas como espaços reflexivos e de autoconhecimento nos possibilitou desenvolver o metatexto, o qual, por sua vez, apresenta a seguinte defesa: o uso de narrativas no contexto da formação docente como instrumento de coleta de relatos, memórias e histórias de vida apresenta um potencial valioso nos processos reflexivos e de autoconhecimento em procedimentos formativos envolvendo a carreira docente.
A categoria intermediária, intitulada Narrativas como espaços de reflexões e sistematização de experiências, é composta por 90 unidades de significado, elaborada a partir do agrupamento das seguintes categorias iniciais: Compreensão dos movimentos formativos e Reflexão da prática pedagógica. Com isso, defendemos que o uso das narrativas trouxe discussões sobre os aspectos formativos da trajetória docente que perpassam a reflexão sobre a prática pedagógica docente em sala de aula. Sendo assim, a reflexão sobre a própria carreira do docente é um processo contínuo, pois “[...] a formação do educador deve instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através da reflexão sobre o seu cotidiano” (Freire, 1991, p. 80).
A possibilidade de aglutinar as duas categorias iniciais ficará mais evidente no diálogo que se segue entre as categorias iniciais e os referenciais teóricos. A categoria inicial, denominada Compreensão dos movimentos formativos, é composta por 60 unidades de significado e foi encontrada em todos os trabalhos analisados.
Nessa categoria, evidencia-se que os autores dos trabalhos analisados utilizaram as narrativas para resgatar memórias da trajetória formativa dos docentes investigados, como ilustra o excerto a seguir: “Eu estava na minha zona total de conforto antes de me decepcionar com a avaliação que fiz sobre o aprendizado dos meus alunos em Botânica... e, por isso, para ter paz, tive que me reinventar e, assim, descubro que a grande ajuda é para mim mesma. Eu me achava excelente! [...] (docente P5, extraído artigo A9). Ainda nesse escopo, temos o seguinte relato, “Talvez por ser nova e não ter muito ritmo para dar aulas e prepará-las anteriormente, senti que essas 40 horas de regência foram bem puxadas. Muitas vezes me coloquei no lugar de uma professora e pensava “eu estou morta com 40 horas de regência divididas com minha dupla ainda por cima, imagina a vida mesmo de um professor que fica 40 horas por semana durante o ano inteiro.” (docente em formação P6, extraído do artigo A2).
Ambos os relatos são de professoras em diferentes níveis de formação. No primeiro, a professora trabalha no nível superior e forma professores de biologia, já o segundo é de uma professora em formação inicial, identificando os desafios da exaustiva carreira do docente na educação básica. Ambas fazem reflexões de aspectos das suas trajetórias profissionais. Dessa forma, ressaltamos, por um lado, o potencial das narrativas como instrumento para acessar memórias e, a partir dessa retrospectiva, provocar processos de reconhecimento das próprias aprendizagens ao longo da carreira docente.
Por outro lado, fomenta novos debates sobre a importância da valorização da formação contínua do professor. Nóvoa e Finger (1988, p. 117) afirmam que esses relatos devem ser entendidos como “[...] uma tentativa de encontrar uma estratégia que permita o indivíduo-sujeito tornar-se autor do seu processo de formação, através da apropriação retrospectiva do seu percurso de vida”. Sendo assim, ao narrar suas experiências, o professor pode fazer uma revisão teórica dos processos formativos.
Conforme destacado anteriormente, a categoria Movimentos formativos foi encontrada em todos os trabalhos analisados, comprovando que investigar e compreender os aspectos formativos dos docentes em formação e em exercício têm se configurado como uma tendência de pesquisa relevante na área de ensino de ciências.
A categoria intermediária Narrativas como espaços de reflexões e sistematização de experiências também compreende a categoria inicial, intitulada Reflexões da prática pedagógica, que retrata 30 unidades de significado. Nesse âmbito, constatamos que os autores dos trabalhos analisados utilizaram as narrativas como instrumento para promover a reflexão e o autoconhecimento sobre a própria ação docente, em que os professores pesquisados apresentam relatos que refletem sua construção diária como docentes, bem como os fazeres e desafios de realizar as práticas pedagógicas em sala de aula. Tais reflexões são exemplificadas nos trechos a seguir: “A docência demanda um contínuo aprimoramento profissional. E agora é o momento de refletir criticamente sobre as nossas práticas pedagógicas. Devemos romper com o costume regional de usar o livro didático. “Hoje tive a constatação de que já ensinei errado. Não é muito agradável essa sensação”. [...] (docente P3, extraído do artigo A6). Ainda nesse escopo, temos o seguinte relato: Para mim foi um ano cheio e em cheio! Ser professor é isto, é focar-nos nos nossos alunos e preparar as nossas aulas pensando neles, é continuar a apostar na nossa formação em prol de melhorarmos as nossas aulas, é querer sempre fazer melhor (docente P7, extraído do artigo A8).
A análise das unidades de significado deixa claro que os professores promovem uma reflexão crítica sobre as práticas pedagógicas já executadas, bem como a importância dos processos formativos. Schön (2000) destaca que a pesquisa narrativa vai ao encontro da proposta da docência reflexiva, pois exige que os professores executem a prática do exercício reflexivo, já que ao refletirem sobre sua própria prática, tomam consciência de sua aprendizagem. Complementando essa ideia, Martins e Santos (2023, p.2) ponderam que “ser docente é fruto de vivências, experiências compartilhadas, acertos e erros de suas práticas, mas está sujeito à construção e à ressignificação de si por meio das reflexões de sua trajetória sob a ótica de estudante, educador e formador”.
Fica evidente nas narrativas supracitadas dos docentes investigados que a reflexão sobre a ação docente é valiosíssima para o permanente debate sobre a importância da formação contínua. Nesse sentido, apresentam novas possibilidades para a pesquisa na formação de professores por meio das narrativas, além de fomentarem um novo olhar para a importância e necessidade de melhoria na qualidade da capacitação profissional docente, reverberando no aprimoramento da qualidade do processo de ensino e de aprendizagem. Assim, a análise reflexiva ocupa um importante papel na formação do professor, de acordo com Alarcão (2018, p. 34),
Para não se sentirem ultrapassados, os professores precisam urgentemente de se recontextualizarem na sua identidade e responsabilidades profissionais. Na mesma lógica das capacidades e das atitudes que pretende ajudar a desenvolver nos seus alunos, o professor tem, também ele, de se considerar num constante processo de autoformação e identificação profissional. Costumo dizer que tem de ser um professor reflexivo numa comunidade profissional reflexiva.
Por outro lado, entende-se que ao refletir rotineiramente sobre o seu fazer pedagógico, o docente, subsidiado ou não em aportes teóricos, desenvolve um posicionamento crítico sobre a importância de refletir sobre a sua ação docente em sala de aula. Esse aspecto é evidenciado na seguinte narrativa de uma das professoras participantes no estudo: “Ainda não estamos preparados para uma reflexão mais profunda, embasada em teóricos renomados, mas fazemos nossas reflexões diárias, mentais. Talvez a diferença está na escrita, ou falta dela” (docente P8, extraído do artigo A6).
A segunda categoria intermediária, denominada Memórias e histórias de vida na construção da identidade docente, compreende 50 unidades de significado. A categoria foi construída a partir do agrupamento das seguintes categorias iniciais: Memórias e histórias de vida e Memórias do Processo de Ensino e Aprendizagem. O movimento de aglutinação dessas categorias demonstra que as narrativas foram utilizadas pelos autores dos trabalhos analisados a fim de compreenderem o processo de construção da identidade docente. Essas narrativas escritas e/ou orais manifestam momentos marcantes e balizadores na carreira do docente, explicitando suas escolhas, os desafios e seus saberes da docência. Nesse sentido, Souza, Costa e Silva (2023) consideram autobiografias que relembram imaginários da sala de aula podem ajudar a reconhecer as inúmeras variáveis que influenciam e remodelam a construção da identidade docente.
A categoria inicial Memórias e histórias de vida compreende 15 unidades de significado e demonstra a tendência de como as narrativas são essenciais em movimentos para ativar e resgatar as memórias dos docentes investigados. Nesse sentido, funcionam como elemento valioso para que o docente reflita sobre os fatores que o influenciaram a se tornar professor, o que se evidencia na seguinte narrativa: “Meu pai era professor de Física, e a minha mãe era professora de Biologia. [...] Eu ia à escola com eles com frequência. Eu os via dando aula e então me apaixonei pela profissão. Eu achava muito bonito aquele negócio de ficar lá na frente, ensinando as pessoas. Então, eu escolhi este caminho” (docente P3, extraído do artigo A7). Esse relato nos mostra como as experiências de vida contribuem para a construção da sua identidade docente. Segundo Tardif (2014), “os saberes dos professores não são individuais e estão implicados nas relações com outros professores, alunos, pais, etc. e ancorado no trabalho de ensinar em uma escola e na sala de aula enraizado na sociedade”. Dessa forma, cabe destacar que a identidade de um professor se configura conforme as relações sociais que estabelece no cotidiano.
Dessa forma, destacamos que as narrativas contribuem /influenciam no processo de constituição da identidade do ser professor, e isso fica claro ao observarmos os seguintes excertos de relatos de professores: “hoje me inspiro em você para ser um bom professor, com toda sua maneira de ensinar, suas metodologias alternativas e com o seu amor pela profissão. Desejo sinceramente ser como você, não só na profissão, mas na vida. (docente P10, extraído do XIVENPEC2).
Me lembro até hoje do sorriso da professora Mara Rúbia entrando na sala, tão empolgada que me deixou curiosa para entender o que tanto a motivava. Não demorou muito para percebermos o brilho nos olhos dela quando falava da docência e da sua experiência na educação básica e superior. Tão jovem e cheia de energia. Fui picada pelo mosquito da docência ali, naquele momento. (docente P4, extraído do XIVENPEC7).
As narrativas acima manifestam como os fatores “humanos” e o “fazer pedagógico dos” professores formadores inspiraram o encantamento dos professores investigados pela profissão docente. Araújo, Barros e Barros (2018, p. 5) “discutem que a identidade docente não é construída em um momento ou local”. E sim ao longo do percurso da vida do sujeito desde o momento da escolha da profissão, na sua formação inicial e nos diferentes espaços que desenvolve sua profissão.
Para Schön (2000), a pesquisa narrativa vai ao encontro da proposta da docência reflexiva, pois exige que os professores executem a prática do exercício reflexivo, já que ao refletirem sobre a própria prática, tomam consciência de sua aprendizagem. Nesse sentido, é importante destacarmos que o ato reflexivo acompanha a carreira do professor, sendo que não é possível ser um professor sem reflexão ou retomada de consciência. Portanto, tais posturas devem acompanhar fazer pedagógico a fim de que se estabeleça uma revisão de caminhos, métodos de ensino, práticas pedagógicas, além de que sejam delineadas novas metas para construir uma carreira pedagógica mais significativa.
A categoria intermediária Memórias e histórias de vida na construção da identidade docente também compreende a categoria inicial, denominada, a qual, por sua vez, compreende 35 unidades de significado, sendo encontradas em 19 dos trabalhos analisados. Constatamos que os autores dos trabalhos analisados utilizaram as narrativas como instrumento para desencadear processos de (auto)crítica sobre os processos de ensino e aprendizagem vivenciados a partir das interações entre os professores investigados e os professores formadores e/ou com discentes. Verificamos esse movimento crítico reflexivo sobre o “saber ensinar” e o “saber aprender” na fala do professor em formação, conforme a observação da aula do professor regente:
“[…] enquanto os alunos estavam lá em cima apresentando seus trabalhos, os demais estavam prestando atenção neles, certo? Claro que não, os outros estavam muito mais preocupados em estudarem/decorarem o trabalho deles a ouvirem o trabalho dos outros. Na verdade, isso me fez pensar como certas coisas não mudam, da sétima série, do ensino médio ou da faculdade. Sim, até hoje fazemos isso (e claro que me incluo muitas vezes no time, infelizmente) […]”. (docente em formação P7, extraído do artigo A2).
Nessa direção, Tardif (2014) esclarece que o professor utiliza sua cultura e sua história de vida escolar na construção do seu ser docente, fazendo com que muitos licenciandos, antes mesmo de se formarem, “já saibam” o que é ensinar pela experiência que tiveram como alunos ao observarem seus professores. Assim, por meio de uma rede de interações, o professor vai construindo sua identidade a partir de um processo de significações e ressignificações.
Diante do exposto, defendemos a proposição da categoria final, Narrativas como espaços reflexivos e de autoconhecimento que expressa as compreensões atingidas durante o desenvolvimento da pesquisa. O argumento aglutinador que permitiu a formação dessa categoria final a partir das intermediárias que emergiram das iniciais apresentadas está no fato que ao longo da análise para a produção de resultados, fomos guiados pela questão norteadora da pesquisa: Como as narrativas vêm sendo utilizadas nos estudos de formação docente das áreas de ensino de ciências da natureza? A partir do movimento de imersão na compreensão do fenômeno, verificamos que as narrativas orais e escritas (coletadas de diferentes formas, tais como diários de formação, cartas e gravações de entrevistas semiestruturadas) são instrumentos valiosíssimos para pesquisas no campo de formação de professores, abrangendo o inventivo a novos debates sobre os fatores que contribuem/influenciam na constituição do ser professor, os saberes docentes, dentre outros.
Observamos por meio das relações estabelecidas nas categorias iniciais: Compreensão dos movimentos formativos e Memórias e histórias de vida, a apresentação de modo geral de mais trechos que fortalecem as pesquisas narrativas com formação de professores, visto que nessas categorias foram pontuadas questões de formação, anseios que acompanham a profissão, saberes adquiridos durante os períodos de formações e memórias vinculadas a escola.
Dessa forma, as pesquisas por meio de narrativas desenvolvidas na formação inicial e/ou em formação continuada é apresentada como um espaço em que os docentes ao participarem das pesquisas vivenciaram experiências de reflexões sobre suas histórias de vida e formação profissional, as quais foram materializadas em diários e cartas ou narradas em entrevistas, além de realizarem uma (re)análise sobre como se veem e se constituem professores de ciências naturais.
Nesse sentido, as memórias dos professores investigados os ajudaram a identificar valores, culturas, saberes, conhecimentos que os acompanharam na construção da sua identidade docente. Assim, por meio das relações sociais, na escola, nas interações e trocas de experiências com outros professores e com os estudantes, o professor vai se reconstruindo a fim de acompanhar as demandas exigidas para a sua profissão. Como defendido por Pimenta (2012) a identidade docente:
[...] constrói-se também ao significado que cada professor enquanto autor e ator conferem à atividade docente do seu cotidiano a partir de seus valores do modo de situar-se no mundo, de suas histórias de vida, de suas representações de seus saberes, de suas angústias, de seus anseios do sentido que confere a sua vida de professor (Pimenta, p. 19, 2012).
Portanto, por meio de suas memórias e histórias de vida, o professor pode se reconhecer como um sujeito em formação e transformação, sendo que “[...] a formação do educador deve instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através da reflexão sobre o seu cotidiano” (Freire, 1991, p. 80). Nesse sentido, as narrativas são instrumentos que vêm ao encontro das perspectivas de Freire, pois são dispositivos que dão voz ao professor, permitindo rever experiências de vida e executar a prática da reflexividade.
Adensando a compreensão dos fenômenos percebemos que a categoria inicial Memórias dos processos de ensino e de aprendizagem confirmou que por meio de narrativas desenvolvem-se processos reflexivos pelos quais professores podem realizar uma análise crítica dos processos de ensino e aprendizagem oferecendo um meio rico e contextualizado para compreender as experiências e perspectivas dos educadores podendo colaborar para processos de transformações nos professores investigados.
Por fim, a análise do recorte da produção científica no campo de formação de professores de ciências demonstrou que as narrativas como instrumento de coleta de dados são uma tendência promissora para o uso em novas pesquisas dedicadas a compreender os processos constitutivos da identidade do professor que leciona ciências naturais. Dessa maneira, as narrativas constituem valiosos materiais promovem o desenvolvimento profissional, pois ao fazer uma retrospectiva de sua trajetória profissional, o docente reflete sobre sua formação acadêmica e atuação em sala de aula, em um movimento reflexivo e de autoconhecimento que pode potencializar a transformação da prática pedagógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O foco desta pesquisa foi de investigar como as narrativas vêm sendo utilizadas em pesquisas desenvolvidas na formação de professores de Ciências da Natureza. Para isso, realizamos uma pesquisa bibliográfica na base de dados do Portal de Periódicos da CAPES e nos anais dos quatro últimos ENPECs. Dessa forma, constatamos que as narrativas como instrumento de coleta de dados são uma tendência promissora para pesquisas envolvendo professores de ciências da natureza, em formação tanto inicial quanto contínua. Assim, podemos inferir que o uso de narrativas revelou ser um instrumento investigativo comumente utilizado em pesquisas qualitativas que visam analisar e refletir sobre a formação docente.
É importante destacar que as narrativas desencadeiam processos reflexivos, em um movimento no qual o professor tem a oportunidade de escrever ou falar, compartilhando suas histórias e momentos vividos, revendo os aspectos de sua trajetória profissional e seu exercício da prática pedagógica, suas experiências cotidianas e seus desafios diários. Outro ponto relevante sobre as narrativas está no autoconhecimento, pois por meio de suas reflexões, o professor retoma seus saberes, valores, culturas, emoções e identidade, colaborando para o desenvolvimento da prática profissional e agindo como uma lente por meio da qual o docente pode rever os significados de cada experiência vivida e compartilhada.
Por meio dessa pesquisa também foi possível observar que as narrativas podem ser coletadas de diferentes formas cartas, diários de formação, diário de campo e entrevistas gravadas. E as análises dos resultados pode seguir diferentes métodos, sendo que a escolha pelo melhor método depende dos critérios e objetivos do pesquisador. Nesse sentido, as narrativas permitem que pesquisadores na área de formação de professores coletem resultados significativos em pesquisas com docentes na formação inicial e formação continuada.
Os resultados desmontaram que as narrativas ainda são pouco utilizadas na formação continuada de professores de ciências, uma vez que dos 31 trabalhos, analisados apenas 8 abordaram tal público. Assim, sinalizamos um ponto a ser investigado mais profundamente: pesquisas no campo da formação continuada com o uso de narrativas podem contribuir para o (re)conhecimento e (res)significação de novos saberes e identidades de professores de ciências no ensino fundamental de escolas públicas. Consequentemente, podem desencadear novos debates na área de pesquisa em ensino de ciências, os quais poderão mobilizar reflexões e transformações, na prática de sala de aula do docente da área de ciências da natureza.
Recebido em: 05/03/2024
Aceito em: 14/08/2024
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