A utilização de cartoons para investigar as concepções dos licenciandos em Ciências Biológicas sobre processos evolutivos

The use of cartoons to investigate the conceptions of the Biological Sciences on evolutionary processes

El uso de dibujos animados para investigar las concepciones de las Ciencias Biológicas en los procesos evolutivos

 

Larissa Lunardi (larissalunardi18@gmail.com)

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3434-3397

Keiciane Canabarro Drehmer Marques (keicibio@gmail.com)

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5338-8534

Maria Rosa Chitolina Schetinger (mariachitolina@gmail.com)

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5240-8935

 

 

Resumo

Apesar de a evolução biológica significar e integrar a Biologia, são identificadas lacunas e dificuldades conceituais relacionados a essa temática. Assim, o objetivo desta pesquisa foi verificar concepções equivocadas de licenciandos em Ciências Biológicas sobre processos evolutivos por meio de situações ilustradas em cartoons. Os dados foram coletados por meio de questionários online com todas as turmas de professores em formação inicial em Ciências Biológicas de uma Instituição de Ensino Superior do Noroeste do Rio Grande do Sul durante uma aula inaugural do curso em 2022. O questionário tinha 14 questões e as perguntas foram apresentadas em forma de cartoons, os quais abordavam determinadas situações e personagens que opinavam sobre as mesmas, sendo que os acadêmicos escolhiam a fala mais adequada para a situação. Foram selecionadas as duas questões com maior divergência para serem analisadas neste estudo. Treze licenciandos responderam ao questionário, sendo que apenas quatro acertaram a primeira questão, que tratava de eventos aleatórios da evolução, e três, a segunda, que abordava a adaptação. Embora este trabalho apresente limitações, identificam-se dificuldades na compreensão de conceitos evolutivos, o que pode dificultar o processo de ensino e aprendizagem de evolução biológica em sala de aula, e expor lacunas na formação.

                                                                                    

Palavras-chave: Biologia Evolutiva; Evolução Biológica; Ensino de Evolução.

 

Abstract

Although biological evolution means and integrate biology, gaps and conceptual difficulties related to this theme are identified. Thus, the objective of this research was to verify misunderstandings of Biological Sciences graduates on evolutionary processes through illustrated situations in cartoons. The data were collected through online questionnaires with all classes of teachers in initial formation in Biological Sciences of an institution of higher education in northwestern Rio Grande do Sul during an inaugural class of the course in 2022. The questionnaire had 14 questions and the questions They were presented in the form of cartoons, who addressed certain situations and characters who opined about them, and the academics chose the most appropriate speech for the situation. The two questions with the most divergence to be analyzed in this study were selected. Thirteen undergraduates answered the questionnaire, and only four hit the first question, which dealt with random events of evolution, and three, the second, which addressed the adaptation. Although this work has limitations, difficulties in understanding evolutionary concepts are identified, which can make the process of teaching and learning biological evolution difficult in the classroom, and expose gaps in formation.

 

Keywords: Evolutionary Biology; Biological Evolution; Teaching Evolution.

 

Resumen

Aunque la evolución biológica significa e integran la biología, se identifican las brechas y las dificultades conceptuales relacionadas con este tema. Por lo tanto, el objetivo de esta investigación fue verificar malentendidos de ciencias biológicas ciencias biológicas en procesos evolutivos a través de situaciones ilustradas en los dibujos animados. Los datos se recopilaron a través de cuestionarios en línea con todas las clases de maestros en la capacitación inicial en ciencias biológicas de una institución de educación superior en el noroeste de Río Grande do Sul durante una clase inaugural del curso en 2022. El cuestionario tenía 14 preguntas y las preguntas que fueron Presentado en forma de dibujos animados, que abordaron ciertas situaciones y personajes que los opinaban, y los académicos eligieron el discurso más apropiado para la situación. Se seleccionaron las dos preguntas con la mayor divergencia que se analizará en este estudio. Trece estudiantes universitarios respondieron al cuestionario, y solo cuatro llegaron a la primera pregunta, que trató con eventos aleatorios de evolución, y tres, el segundo, que abordó la adaptación. Aunque este trabajo tiene limitaciones, se identifican las dificultades para comprender los conceptos evolutivos, lo que puede dificultar el proceso de enseñanza y aprendizaje de la evolución biológica en el aula y exponer brechas en la capacitación.

 

Palabras clave: Biología evolucionaria; Evolución Biológica; Enseñanza de la evolución.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A evolução biológica é o eixo central da Biologia, abordando a dimensão histórica, facilitando a organização do pensamento biológico e unificando as áreas das Ciências Biológicas (Araújo; Vieira, 2021). Entretanto, o ensino de evolução biológica ainda não é integrado em todos os conteúdos biológicos e, dentre as razões, estão as dificuldades conceituais e lacunas na formação de professores, originando concepções equivocadas de professores e alunos (Araújo, 2020; Coimbra; Silva, 2007; Oleques, 2014).

As concepções equivocadas constituem os conhecimentos dos estudantes e são caracterizadas pela sua resistência a mudanças, sendo um obstáculo para a construção do conhecimento científico escolar (Arruda; Villani, 1994). Assim, devem ser debatidas e compreendidas em sala de aula para evitar a perpetuação de ideias errôneas que dificultam o ensino e a aprendizagem de conceitos e fenômenos científicos.

Quanto aos processos evolutivos, além dos equívocos relacionados aos conceitos de evolução biológica, mutação, adaptação e seleção natural, são identificadas dificuldades na interpretação de árvores filogenéticas, noções de escala do tempo geológico e registros fósseis (Araújo, 2020; Campos et al., 2013; Paesi; Fiedler; Paes Neto, 2021). Essas percepções são comuns e estão presentes tanto nos discursos dos alunos e professores da Educação Básica quanto nas concepções dos professores de Biologia em formação inicial (Bizzo; Almeida; Falcão, 2007; Oleques, 2014).

Para identificar possíveis equívocos dos sujeitos desta pesquisa, foram utilizados cartoons que ilustram diversas concepções. Cada cartoon contém um desenho e uma pergunta, bem como personagens que representam diferentes respostas. Esses recursos servem como ferramenta diagnóstica (Santos, 2017) e permitem um cenário para cada situação, contextualizando as temáticas relacionadas à evolução biológica.

Dessa maneira, esta pesquisa objetiva verificar concepções equivocadas de licenciandos em Ciências Biológicas sobre processos evolutivos por meio de situações ilustradas em cartoons. As respostas do questionário foram obtidas em uma palestra da aula inaugural do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas em 2022. 

 

REFERENCIAL TEÓRICO

As concepções equivocadas, também chamadas de preconcepções, concepções alternativas, espontâneas ou prévias, são “ideias intuitivas relativamente estáveis, parcialmente consistentes, úteis para a interpretação dos fenômenos cotidianos e que constituem o ‘conhecimento do senso comum’” (Arruda; Villani, 1994, p. 88). Em resumo, são ideias que divergem “das aceitas pela comunidade científica, sendo persistentes entre estudantes de diferentes níveis de formação” (Araújo; Paesi, 2021, p. 269) e podem continuar sendo perpetuadas após a conclusão da Educação Básica.

Na área da Biologia, a evolução biológica é uma das temáticas mais polêmicas e que levanta discussão em diferentes meios, como na mídia, ocasionando concepções equivocadas que são observadas em sala de aula. Montalvão Neto, Miguel e Justina (2021) destacam que “há muitas dificuldades em relação à compreensão das questões evolutivas, principalmente no âmbito do ensino” (p. 5). Araújo e Paesi (2021) elencam equívocos presentes no ensino de evolução biológica, relacionados à natureza da ciência e aos processos evolutivos. Dentre os últimos estão: a seleção natural produz organismos perfeitamente adaptados aos seus ambientes; os organismos individuais evoluem; a seleção natural dá aos organismos e às espécies o que elas necessitam; toda a mudança evolutiva é causada por seleção natural; e evolução resulta em progresso (ARAÚJO; PAESI, 2021).

Tidon e Lewontin (2004) observaram que professores do ensino médio do Distrito Federal apresentaram concepções alternativas relacionadas a conceitos evolutivos e demonstraram dificuldade na construção de concepções científicas de evolução. Em pesquisa empírica, Oleques, Bartholomei-Santos e Boer (2011) também perceberam “concepções equivocadas a respeito da noção de evolução como processo causal, finalista e diretivo, bem como, um processo progressivo que abarca o melhoramento e complexidade dos seres” (p. 260) a partir das respostas de professores de Biologia. De acordo com as autoras “o processo ensino-aprendizagem da evolução biológica fica prejudicado, já que os professores não dominam adequadamente alguns conceitos evolutivos” (Oleques; Bartholomei-Santos; Boer, 2011, p. 260) e sugerem a necessidade de um aprofundamento histórico da teoria evolutiva para melhor compreensão de seus processos.

Lunardi, Marques e Schetinger (2023) identificaram diversos trabalhos sobre tais concepções e ainda relacionam tais compreensões com outras questões como a influência das crenças religiosas e a complexidade dos conceitos evolutivos. Considerando a centralidade e integração dos conhecimentos biológicos possibilitados pela evolução biológica, compreendê-la é fundamental para entender a Biologia como um todo (Meyer; El-Hani, 2005).

Uma alternativa para discutir esses temas é o uso de imagens com ilustrações que representam tais situações. Vasconcelos e Cunha (2021, p. 40) expõem que as Histórias em Quadrinhos (HQs) combinam “em sua narrativa, a linguagem descrita por imagens, denominada não-verbal, e a linguagem escrita, verbal, associando formas linguísticas que podem vir empregadas em um determinado texto”. Os autores também abordam que o gênero ao qual pertencem as HQs também engloba as charges, cartoons e tirinhas, que, além de informar, entretêm e podem gerar humor, criticar ou satirizar determinada situação ou conceito (Vasconcelos; Cunha, 2021). O termo “cartoon” foi designado pelas autoras das imagens utilizadas neste artigo, por isso foi mantida a mesma denominação.

Ainda sobre essas representações, Costa e Silva (2014, p. 57) descrevem que “as histórias são desenvolvidas de modo cômico e crítico numa linguagem simples e descrevem fenômenos biológicos, avanços científicos, questões éticas e elucubrações filosóficas”. Os autores consideram que as tirinhas auxiliam no ensino e na reflexão sobre a evolução biológica e podem facilitar a abordagem da teoria evolutiva. A apresentação de uma narrativa pode facilitar a construção do raciocínio e permitir um debate guiado sobre a temática. Tais recursos podem evidenciar concepções alternativas que podem ser exploradas para a compreensão de conceitos científicos (Luz; Nixdorf; Trevisan, 2023). Nesse sentido, utilizou-se esse recurso como instrumento de construção de dados de pesquisa e de discussão neste estudo.

 

ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Os dados foram coletados por meio de questionários online com as turmas de licenciandos em Ciências Biológicas de uma Instituição de Ensino Superior do Noroeste do Rio Grande do Sul. As respostas do questionário foram obtidas em uma palestra sobre “Concepções equivocadas presentes no ensino de Evolução Biológica” na aula inaugural do curso em 2022. Esta pesquisa contou com a autorização dos sujeitos participantes para coleta e análise dos dados por meio do questionário online, respeitando os princípios éticos e mantendo o anonimato dos acadêmicos.

O questionário era composto de 14 questões e as perguntas eram apresentadas em forma de cartoons[1] que abordavam determinadas situações e personagens que opinavam sobre as mesmas (Figura 1). O objetivo era que os acadêmicos escolhessem a alternativa que apresentava o personagem com a fala mais adequada para a situação.

 

Palestra IFFar Ensino de Evolução

Fonte: Anderson e Fisher (2002), traduzido por Bartholomei-Santos (2014)

Figura 1- Exemplo de questão

 

As alternativas foram disponibilizadas aos licenciandos pelo Google Forms e, conforme os cartoons eram apresentados nos slides, eles marcavam no formulário em seus smartphones. Após o envio das respostas, analisou-se e discutiu-se cada uma das questões para identificar as dúvidas e as concepções equivocadas em cada um dos cartoons. As perguntas abordavam vários processos evolutivos e questões relacionadas à evolução biológica, como adaptação, seleção natural, competição, mutação, semelhança no DNA de espécies, uso e desuso, antibióticos. No presente estudo serão analisadas duas questões (Figura 2).

 

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Fonte: As autoras (2023). Adaptado de Anderson e Fisher (2002), traduzido por Bartholomei-Santos (2014).

Figura 2- Questões selecionadas para análise

 

As duas questões selecionadas foram as que apresentaram maior divergência nas respostas. Os dados serão apresentados e discutidos na próxima sessão; para as análises, foi utilizada a estatística descritiva que organiza, descreve e auxilia na compreensão inicial dos dados obtidos (Diehl; Souza; Domingos, 2007).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As questões foram respondidas por 13 acadêmicos do 2º, 4º, 6º e 8º semestres do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Quanto à primeira pergunta “Qual é a parte aleatória da evolução?”, os dados podem ser observados na Figura 3.

 

Fonte: As autoras (2023).

Figura 3- Respostas dos licenciandos a questão “Qual a parte aleatória da evolução?”

 

Conforme a Figura 3, pode-se verificar que a maior parte dos licenciandos, 53,8%, ou seja, 7:13, marcaram a alternativa A “Seleção natural é sempre ao acaso. Você nunca sabe quem vai morrer”, 15,4% (2:13) selecionaram a B “Predadores pegam suas presas aleatoriamente”; e 30,8% (4:13) acertaram marcando a C “A ocorrência de alterações no DNA é o evento mais aleatório” e nenhum acadêmico escolheu a opção D “Todas as partes da evolução são ao acaso”.

As mutações são alterações no DNA que ocorrem espontaneamente e que podem ocorrer nas células somáticas ou nas linhagens germinativas, sendo que, nessas últimas, são transmitidas à prole (Snustad; Simmons, 2017). Dessa forma, os personagens A e B negam que os indivíduos possam ter uma maior chance de sobrevivência com base nas características que possuem. Uma pesquisa semelhante a essa, realizada por Santos (2017), utilizou os mesmos cartoons, porém com estudantes do Ensino Médio. Nessa investigação, 50% dos discentes acertaram a opção, cabendo ressaltar que eles responderam aos cartoons logo após estudar o conteúdo de evolução. Isto pode indicar que os licenciandos, sujeitos desta pesquisa, podem ter estudado, mas não recordam ou ainda não terem trabalhado sobre isso durante a graduação ou Educação Básica.

Analisando a questão, pode-se discutir os eventos que constituem a evolução biológica:

A evolução biológica (ou orgânica) ocorre como consequência de vários processos fundamentais. Esses processos são tanto aleatórios como não-aleatórios. A variação nas características dos organismos de uma população surge por meio de mutação aleatória de sequências de DNA (genes) que afetam aquelas características. Aqui, “aleatório” significa que as mutações ocorrem sem levar em conta suas possíveis consequências na sobrevivência ou na reprodução (Futuyma, 2002b, p. 9).

Mayr (2009, p. 126) complementa que “as mutações gênicas se devem a erros de replicação durante a divisão celular. Embora a replicação das moléculas de DNA durante a divisão celular e a formação de gametas seja um tanto confiável, ocorrem alguns erros de vez em quando”. Além disso, existem alterações mais drásticas, como no arranjo de cromossomos, ou nos mecanismos de síntese de proteínas, ou ainda elementos transponíveis nos cromossomos. “Qualquer mutação que provoque modificações no fenótipo pode ser favorecida ou discriminada negativamente pela seleção natural” (Mayr, 2009, p. 126).

Determinando que as mutações são processos aleatórios que possibilitam a variação genética, pode ser construído um dos principais conceitos da teoria evolutiva: seleção natural. Diferentemente das mutações, a seleção natural não é aleatória, uma vez que a variabilidade genética existe, populações que possuem determinados alelos, genótipos e fenótipos podem apresentar taxas de sobrevivência e reprodução diferentes de outras populações (Futuyma, 2002b).

Na maioria dos casos, há circunstâncias ambientais que influem na determinação de qual variante terá maior valor adaptativo. A relevância das circunstâncias ambientais depende grandemente do tipo de vida de cada organismo, sendo que elas não incluem apenas fatores físicos tais como a temperatura, mas também outras espécies, bem como outros membros da mesma espécie, com os quais o organismo compete, cruza ou mantém outras interações sociais (Futuyma, 2002b, p. 10).

Nesse contexto, “a seleção natural é um processo de eliminação” (Mayr, 2009, p. 148), em que os mais aptos, isto é, aqueles com características que são favoráveis à sobrevivência no ambiente em que vivem, irão sobreviver e se reproduzir, enquanto que os que não possuem esses atributos não vão. Diante dos recursos limitados, há competição entre os indivíduos, evidenciando essas características que, se herdáveis, serão transmitidas à prole (Meyer; El-Hani, 2005). Tais caracteres estão distribuídos de maneira desigual na população, por isso nem todos os indivíduos têm a mesma probabilidade de sobrevivência (Mayr, 2009).

Esse conceito é complexo e levanta diversas concepções equivocadas, como: a seleção natural fornece às espécies o que eles precisam; ela atua para beneficiar os organismos; ela produz organismos perfeitamente adaptados aos seus ambientes; é a origem de toda e qualquer mudança evolutiva (Araújo; Paesi, 2021). Portanto, o debate em sala de aula é essencial para romper com a ideia de “progresso” e “perfeição” que possa estar associada aos fenômenos evolutivos.

Ademais, o cartoon permite o debate sobre outros papeis do acaso em processos evolutivos além das mutações. A teoria neutra da evolução molecular, por exemplo, propõe que “a maior parte das variantes genéticas que são constantemente criadas pelo processo de mutação persiste ou não numa população por acaso, e não por um efeito da seleção natural favorável ou contrária a tais variantes” (Meyer; El-Hani, 2005, p. 67-68). Marroquín (2013, p. 20) também ressalta que:

[...] o acaso tem um papel fundamental na origem da variação genética mas também interfere noutros processos de variação individual; por exemplo, os de desenvolvimento. Desde a alimentação dos pais até as relações iniciais com outras espécies, os estímulos externos que influenciam a formação de um embrião ou as primeiras etapas da vida de um organismo são tão variados como frequentes. A forma como o genoma do organismo irá responder a esses estímulos não é completamente previsível e, mesmo em situações semelhantes, pode ter resultados distintos.

A deriva genética também resulta do acaso e ocorre quando há mudanças na constituição genética de uma população de forma aleatória (Meyer; El-Hani, 2005). Esse processo pode acontecer em qualquer população, mas é mais rápido nas menores. Considerando que “quase todas as espécies são distribuídas em populações semi-isoladas que são, frequentemente, menores do que parecem, algumas das mudanças genéticas são provavelmente aleatórias na maioria das espécies” (Futuyma, 2002a, p. 155). Dessa forma, ensinar e aprender sobre processos evolutivos aleatórios e não aleatórios facilita a compreensão da história da vida e da biodiversidade do planeta.

Quanto à segunda situação sobre “A invasão das formigas”, 3:13 acertaram marcando a alternativa B e 10:13 escolheram a C. A fala do personagem B é a correta, dado que há variação nas grandes populações de insetos e as poucas formigas que conseguirem sobreviver ao inseticida irão reproduzir e formar a próxima geração. A resposta A nega a variação na população e a resposta C é reflexo de um erro muito comum, que organismos individuais desenvolvem resistência a produtos químicos quando estes são aplicados.

Santos (2017) utilizou o cartoon da invasão das formigas em sua investigação de mestrado com uma turma do Ensino Médio e apenas 35,7% dos estudantes acertaram a alternativa, mesmo sendo esse utilizado após a abordagem do conteúdo de evolução. Na presente pesquisa com licenciandos, a taxa de acerto foi de 23,1%, um dado que merece atenção.

Este cartoon evidencia outro conceito evolutivo fundamental: o de adaptação. No caso, as formigas sobreviventes tinham uma característica que as favoreciam, ou seja, evitavam a morte pelo veneno. Segundo Mayr (2009, p. 181), “uma adaptação é uma propriedade de um organismo, quer seja uma estrutura, um traço fisiológico, um comportamento ou qualquer outro atributo cuja existência favorece o indivíduo na luta pela sobrevivência”. Além disso, “acreditamos que esses traços tenham sido adquiridos pela seleção natural ou, caso tenham surgido por acaso, sua manutenção tenha sido favorecida pela seleção” (Mayr, 2009, p. 181). Assim, percebe-se a relação direta entre adaptação e seleção natural.

Há a concepção equivocada de que a necessidade induz os organismos a desenvolverem características para sobreviverem, “e a palavra ‘adaptação’ é usada para se referir a indivíduos que mudam em resposta ao ambiente” (Tidon; Lewontin, 2004, p. 126, tradução nossa).  Entretanto, “a seleção natural não tem qualquer intenção, nem envolve esfor­ços, tentativas ou vontades” (Araújo; Paesi, 2021, p. 282) e não promove nenhum comportamento que favoreça as espécies.

O conceito epistemológico envolvido nesse tipo de concepção é a teleologia. De acordo com Ceschim, Oliveira e Caldeira (2015, p. 2), a teleologia:

[...] é uma ferramenta explicativa que dispõe de finalidades ou propósitos para justificar os fenômenos naturais. Explicar elementos biológicos em termos teleológicos consiste na afirmação de que um item - seja morfológico, funcional ou comportamental - tem direcionamento para um fim.

As autoras ainda argumentam que esses discursos podem comprometer a aprendizagem dos estudantes tanto da Educação Básica quanto do Ensino Superior. Ressaltam que “a origem de uma estrutura, uma função ou um comportamento não tem relação com a finalidade, portanto, no discurso dos professores é preciso que sejam evitadas ou eliminadas as expressões que proporcionam uma interpretação de teleologia equivocada” (Ceschim; Oliveira; Caldeira, 2015, p. 8).

A partir dessas respostas percebe-se que os licenciandos não compreenderam alguns conceitos evolutivos, o que pode dificultar o processo de ensino e compreensão da evolução biológica em sala de aula. Lunardi, Marques e Schetinger (2023) identificaram, em trabalhos científicos da área, a forte presença de dificuldades e equívocos com relação aos processos evolutivos. As autoras elencam dois fatores que podem afetar essas concepções: “a falta de preparo devido à formação inicial e continuada fragmentada e a influência das crenças religiosas no ensino e na aprendizagem desses conteúdos” (Lunardi; Marques; Schetinger, 2023, p. 1486).

 

CONCLUSÃO

A utilização dos cartoons para a discussão de processos evolutivos possibilitou a identificação de concepções equivocadas relacionadas a pelo menos três principais conceitos: mutação, seleção natural e adaptação. Apesar de este ser um estudo inicial e com limitações, como poucos participantes, percebe-se que há lacunas na formação quanto à evolução biológica no contexto estudado. Essa investigação pode ser expandida para outras instituições e com maior número de participantes verificando se os resultados se aproximam ou distanciam dos encontrados nesta pesquisa. O uso dos cartoons para abordagem do ensino de evolução tem potencial de ser explanado em diferentes níveis de ensino, buscando trabalhar concepções equivocadas e auxiliando na construção de concepções cientificamente adequadas, discutindo as alternativas uma a uma com os estudantes.

A abordagem do ensino de evolução biológica na formação docente é de suma importância, uma vez que os futuros professores trabalharão na Educação Básica e a temática em questão é de grande relevância no ensino de Biologia, visto que possibilita superar fragmentações do componente curricular. O papel da formação de professores voltado ao ensino de evolução deve auxiliar na superação das concepções equivocadas e incorretas dos estudantes dos diversos níveis de ensino desde a Educação Básica até o Superior.  Salientamos que essa mudança de concepção não é algo trivial nem objetiva de fato, mas há necessidade de seguir trabalhando na formação dos professores buscando essa superação ao longo do desenvolvimento profissional docente.

Desse modo, é iminente repensar sobre o processo de formação inicial e continuada de professores quanto ao ensino de evolução. Salienta-se ainda que, com base nesta investigação e demais citadas no trabalho, essa é uma temática que carece de mais pesquisas e possibilidades formativas que busquem auxiliar nos equívocos sobre evolução biológica.

 

Recebido em: 15/02/2024

Aceito em: 05/08/2024

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[1] Os quadros foram criados por Dianne Anderson e Kathleen Fisher (San Diego StateUniversity, 2002), disponíveis em https://www.slideserve.com/pembroke/evolution-concept-cartoons-with-s-decide-who-is-correct e acessados em 2014, e traduzidos pela professora Marlise Ladvocat Bartholomei-Santos da Universidade Federal de Santa Maria. Tais cartoons foram utilizados na pesquisa de Pâmela Mello dos Santos (2017), que foi orientada pela professora Marlise.