Integração institucional: análise de um modelo sociológico para perseverança em licenciaturas nas Ciências da Natureza

Institutional integration: analysis of a sociological model for perseverance in teacher education programs in Natural Sciences

Integración institucional: análisis de un modelo sociológico para la perseverancia en los programas de licenciatura en Ciencias Naturales

 

Paulo Eduardo Bueno (Paulo.ed.bueno@uel.br)

Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

https://orcid.org/0009-0000-9420-9099

 

Irinéa de Lourdes Batista (Irinea@uel.br)

Universidade Estadual de Londrina (UEL), Brasil

 https://orcid.org/0000-0001-8690-2344

 

Resumo

Motivados pela crescente preocupação atual com o chamado “apagão de professores” no Brasil, decidimos direcionar o foco deste trabalho às tendências investigativas mais recentes utilizadas para pesquisar fenômenos de evasão e persistência nas licenciaturas em ciências da natureza de instituições brasileiras de ensino superior. Naturalmente, a evasão no ensino de ciências motiva numerosos artigos ao longo dos anos, portanto, para que possamos discutir com alguma profundidade a respeito do tema, optamos por uma delimitação que consiste na análise de resultados de investigações publicadas nos últimos cinco anos, em revistas Qualis A1, e que orientassem suas pesquisas por meio de uma perspectiva social, de acordo com as definições que discutimos ao longo do trabalho. Orientamos nossas discussões em etapas referentes às fases de formação acadêmica propostas na modelagem adotada, sendo elas: entrada, integração e decisão. Entre os resultados discutidos, destacam-se as propostas de mudança nas grades curriculares, trazendo disciplinas do núcleo de didática para os semestres iniciais dos cursos, e as metodologias ativas de ensino, tais com o ensino por investigação, que possibilitam maior interação entre pares e, consequentemente, potencial atenuação das consequências trazidas pela disparidade de formação inicial.        

Palavras-chave: Evasão e Persistência; Ensino de Ciências; Formação de Professores.

 

Abstract

Motivated by the ongoing increasing concern about the so-called "teacher shortage" in Brazil, we decided to focus this work on the most recent research trends to investigate the phenomena of dropout and persistence in undergraduate courses in the natural sciences at Brazilian higher education institutions. Naturally, dropout in science education has motivated numerous articles over the years. Therefore, in order to discuss the topic in some depth, we opted for a delimitation consisting of analyzing the results of investigations published in the last five years in Qualis A1 journals, and which oriented their research from a social perspective, according to the definitions we discuss throughout the paper. We guided our discussions in stages referring to the phases of academic development proposed in the framework adopted, which are admission, integration, and decision. Among the results discussed are proposals for changes in the curriculum, bringing didactic subjects forward to the initial semesters of the courses, and active teaching methodologies, such as inquiry-based learning which would allow greater interaction between peers and, consequently, possible mitigation of the consequences of the disparity in initial undergraduate education.

Keywords: Evasion and Persistence; Science Teaching; Teacher Education.

 

Resumen

Motivados por la creciente preocupación actual sobre la llamada "escasez de profesores" en Brasil, decidimos centrar este trabajo en las tendencias más recientes de investigación para pesquisar los fenómenos de deserción y persistencia en las licenciaturas en ciencias naturales en instituciones de enseñanza superior brasileñas. Naturalmente, el abandono en la enseñanza de las ciencias ha motivado numerosos artículos a lo largo de los años, por lo que, para que pudiéramos discutir el tema con cierta profundidad, optamos por una delimitación consistente en analizar los resultados de investigaciones publicadas en los últimos cinco años en revistas Qualis A1 y que orientaran sus investigaciones desde una perspectiva social, de acuerdo con las definiciones que discutimos a lo largo del texto. Orientamos nuestras discusiones en torno a las etapas de la formación académica propuestas en la modelización adoptada, a saber, ingreso, integración y decisión. Entre los resultados discutidos se encuentran propuestas de cambios en el currículo, trayendo materias de didáctica para los semestres iniciales de los cursos, y metodologías activas de enseñanza, como la enseñanza por indagación, que permitirían una mayor interacción entre pares y, consecuentemente, una posible mitigación de las consecuencias de la disparidad en la formación inicial.

Palabras-clave: Evasión y persistencia; Enseñanza de las ciencias; Formación del profesorado.

 

 

INTRODUÇÃO

A evasão estudantil no ensino superior tem motivado numerosas investigações ao longo das décadas, sobretudo no que se refere aos cursos de ciências da natureza (Física, Química e Biologia), para os quais a baixa procura e elevada evasão caracterizam preocupações de longa data.

Diante do exposto, decidimos por realizar uma abordagem bibliográfica, com objetivo de estabelecer um panorama das investigações dos processos de evasão e persistência, que possibilitasse ao leitor um aprofundamento neste referencial e pôr-se a par das discussões mais recentes de pesquisas em formação de professores no ensino de ciências por intermédio da modelagem proposta no referido modelo da integração.

Ao nos dedicarmos em investigações bibliográficas a respeito de evasão estudantil, nos preparamos para encontrar numerosos resultados; portanto, entendemos a necessidade de se delimitar uma perspectiva para a qual direcionar nossa atenção no decorrer deste trabalho.

Diante desse desafio, buscamos auxílio no referencial de Hugh Lacey, que por meio de seu livro Valores e Atividade Científica (2010), nos permitiu compreender sua conceituação dos conceitos de ideal e de valor social, por meio da qual delimitamos nossa perspectiva de interesse. Segundo o autor, sustentar um valor enquanto valor social pressupõe:

(a)           Uma maior manifestação do valor contribui para a realização mais completa do ideal;

(b)           Uma maior manifestação do valor, e a ação para realizá-lo, não inibe manifestações maiores de outros valores sociais sustentados;

(c)            Não existe outra caraterística, que não possa manifestar-se em grau elevado nas mesmas estruturas que o valor, cuja manifestação em grau superior contribuiria mais para a realização do ideal.

(d)           É possível que o valor tenha uma manifestação maior (ou que sua manifestação em grau elevado se mantenha) na sociedade em questão;

(e)          Estão disponíveis (ou podem ser criadas) na sociedade condições que assegurem a disponibilidade de objetos de valor social, que são então objetos em virtude de sua contribuição causal para a maior manifestação (ou manutenção) do valor (Lacey, 2010, p. 275).

Diante do exposto, ainda segundo Lacey, podemos engendrar na qualidade de ideal ou justificativa fundamental para a sociedade, ao proporcionar estruturas suficientes para que as pessoas vivam normalmente e manifestem valores que, quando integrados a uma vida inteira, geram uma experiência positiva. Esse ideal, por sua vez, precisa ser complementado por uma caracterização do benefício humano, e pelo processo que o mesmo se entrelaça com ideais morais.

Dessa forma, para os fins desta investigação, consideramos, a partir de uma perspectiva social, os trabalhos que proponham a investigação de fatores que impedem o ideal da conclusão de cursos de licenciatura em ciências da natureza, por meio da análise de elementos preditores na forma de fatores sociais como, por exemplo, integração social ou acadêmica, autoeficácia, surgimento de vínculos e criação de identidades docente ou científica.

Nesse contexto, buscamos realizar um levantamento bibliográfico das tendências investigativas mais recentes nas pesquisas em ensino de ciências. Para isso, delimitamos revistas de fator Qualis (da área de Ensino da CAPES) mais elevado e buscamos por publicações dos últimos cinco anos. Durante a referida busca, evidenciamos a recorrência de publicações que adotavam em seus referenciais, para abordar os processos de evasão e persistência, o modelo de integração acadêmica de Vincent Tinto (1975, 199, 2012 e 2017).

Decidimos, portanto, que além de analisar as publicações que adotassem uma perspectiva social, guiaríamos nossas discussões por intermédio das fases da formação acadêmica descritas pelo modelo de Tinto (Entrada, Integração e Decisão), buscando a compreensão da forma como os elementos preditores estabelecidos pelo autor são evidenciados nos resultados de pesquisas nacionais.

Entendemos que a busca por elementos preditivos da decisão por evasão, nos permitiria, enquanto docentes, ajustar certos elementos institucionais com objetivo de favorecer a perseverança estudantil. Pensamos que para essa finalidade, as discussões a respeito do modelo de integração social e acadêmica possibilitam prever decisões por meio de dados confiáveis, que não descrevem elementos que determinam rigidamente os comportamentos, mas atuam enquanto condicionantes das interações e preditores do desempenho acadêmico.

A respeito da estrutura do modelo para integração acadêmica do autor Vincent Tinto (Figura 1), é possível, por intermédio dele, caracterizar as diferentes etapas da formação de um estudante, em termos de suas metas, expectativas e compromissos institucionais. Ao analisarmos os condicionantes envolvidos em cada uma dessas etapas separadamente, poderemos discutir com maior facilidade o que as investigações mais recentes têm evidenciado quanto à influência do surgimento de vínculos institucionais para perseverança dos estudantes de ciências da natureza.

 

Diagrama

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Massi; Villani (2015)

Figura 1 – Estrutura do modelo de integração de Vincent Tinto.

 

Os constructos dessa modelagem indicam que o estudante ingressa no curso de licenciatura com suas metas e expectativas que, de forma geral, são condicionadas por elementos de sua origem social (educação de base, experiências familiares, vínculos sociais externos etc.) e uma vez iniciada a formação acadêmica, sua continuidade estaria condicionada ao surgimento e consolidação de vínculos de natureza social e institucional.

Destacamos, portanto, a necessidade de estabelecer elementos que sirvam como preditores da efetiva integração acadêmica ou social do estudante para que, por meio destes fatores, possamos evidenciar o sucesso ou falha de condições institucionais enquanto condicionantes de persistência.

 

METODOLOGIA

Para esta investigação adotamos o modelo de integração acadêmica de Vincent Tinto em adição à perspectiva do conceito de social descrito por Hugh Lacey. Trazemos a proposta de discutir os resultados de pesquisas nacionais recentes a respeito de evasão estudantil, por intermédio desses referenciais.

Tendo em vista essa finalidade, realizamos um estudo bibliográfico que consiste em um levantamento seguido da leitura e discussão dos resultados publicados. Para o levantamento inicial, utilizamos as palavras-chave “Evasão”; “Persistência”; “Ciências da Natureza”; “Licenciatura” e “Formação de Professor” de forma alternada e combinada. Como comentado anteriormente, levantamentos que consideram evasão apresentam numerosos resultados, portanto, são necessárias delimitações adicionais.

Por essa razão, adicionamos as seguintes delimitações para que o artigo levantado fosse considerado para etapa de análise: ter sido publicado em periódico com fator Qualis A1; investigue os processos de evasão e/ou persistência em curso de licenciatura em áreas das ciências da natureza (Física, Química e Biologia); utilize para sua investigação uma perspectiva social que, como definimos anteriormente, aborde os obstáculos para conclusão do curso por meio de condicionantes de natureza social.

Durante a leitura flutuante dos títulos, resumos e resultados, foram desconsideradas versões de trabalhos publicados em idiomas alternativos que não o português, trabalhos cujo tema evasão atue apenas como justificativa ou motivação para sua intervenção, mas não configura a temática central do artigo. Em adição, foram desconsiderados trabalhos que não apresentassem uma perspectiva social, e aqueles que, ainda que tivessem uma perspectiva investigativa social, não focassem sua pesquisa em cursos de licenciatura, ou não especificamente licenciatura em curso de ciências da natureza.

Para delimitar os periódicos dos quais retiramos os trabalhos para análise, consideramos os que possuíssem fator Qualis mais recentemente atribuído com A1 e tivessem como foco principal as investigações no ensino de ciências. Sendo elas: Ciência & Educação; Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências; Investigações em Ensino de Ciências; Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências; e a Revista Brasileira de Ensino de Física ­– totalizando cinco revistas.

Para a fase de análise, realizamos a leitura completa dos artigos que passaram pelos critérios de exclusão anteriormente descritos, dando atenção especial para os resultados e as conclusões propositivas apresentadas. A sistematização dos resultados foi realizada guiada pelo modelo de Vincent Tinto. Assim, pudemos realizar as discussões deste artigo segundo as três fases da formação acadêmica: o ingresso estudantil, as possibilidades de integração e, por fim, os condicionantes de evasão. Em todas as etapas descrevemos as formas como elas são trabalhadas nos artigos levantados e destacamos as principais propostas atribuídas a cada uma delas.

Em conclusão, os artigos levantados foram sistematizados segundo as etapas previstas pelo modelo de integração acadêmica do autor Vincent Tinto (entrada, integração e decisão) e tiveram suas propostas de intervenção discutidas em termos de condicionantes sociais que são evidenciados durante a pesquisa.

Apresentamos no capítulo seguinte os resultados obtidos por meio dos procedimentos metodológicos descritos anteriormente, juntamente com a discussão das propostas de intervenção e algumas perspectivas dos próprios autores.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

No total, trabalhamos com a leitura de 15 artigos publicados dos últimos cinco anos, dos quais destacamos os autores Lima Junior, Andrade et al. (2020); Lima Junior, Fraga Junior, et al. (2020); Moraes et al. (2020); Pigosso et al. (2020); Silva (2019). Os referidos trabalhos foram os que, segundo nossa perspectiva, obtiveram resultados cuja relação com o modelo adotado nesta investigação forneceram as mais ricas discussões.

Destacamos os trabalhos de Chiesa, Ventura (2021) e Sobarzo, Larez (2021) que, assim como diversas outras publicações, possuem interessantes discussões que vão ao encontro das tendências evidenciadas nas demais propostas analisadas. No entanto, por conta dos critérios de exclusão adotados para este estudo, os referidos trabalhos não foram analisados adiante.

Na sequência, descrevemos os resultados coletados a partir da leitura dos artigos que passaram por todos os critérios de exclusão. Considerando a proposta de realizar a análise guiados pelo modelo de integração e suas fases, não vemos motivo para ordenar as discussões de outra forma que não a cronológica. 

Não por acaso, alguns dos trabalhos que chegaram até a fase de análise adotam justamente o referencial de Vincent Tinto. Esse referencial em comum torna consideravelmente mais simples articular essa exposição de resultados guiados pelo modelo de integração estudantil.  Portanto, descreveremos quais aspectos são atribuídos a cada etapa segundo a literatura científica presente no levantamento. Ao decorrer da exposição dos resultados, destacamos as intervenções propositivas evidenciadas.

As investigações recentes descrevem a fase de ingresso do estudante como marcada pelas expectativas e motivações para a decisão de entrada no curso. Esses elementos formam uma dimensão individual de características do estudante que precedem suas interações institucionais, segundo Franco (2022):

A dimensão individual contempla o conjunto de fatores relacionados aos construtos internos ao estudante (ex: dados psicométricos originados de questionários de autorrelato) (ex: Nostrand & Pohlenz, 2017), as crenças e fatores motivacionais e atitudinais (ex: Jeno et al., 2018), bem como a experiência de escolarização pregressa do estudante (ex: Daltoé & Machado, 2020). Dessa forma, artigos com diferentes perspectivas teóricas destacam fatores que podem ser entendidos a partir da dimensão individual, como o caso da qualidade de escolha pelo curso (ex:, Almeida & Schimiguel, 2011); opção pela mobilidade estudantil, também caracterizada pela ideia de evasão vocacional (ex:, Rangel et al., 2019); e formação antecedente deficitária (ex:, Silva, 2019).

Segundo a autora, a baixa qualidade na escolha constitui um fator relevante, especialmente para o cenário nacional, por evidenciar uma condição de ingresso sem comprometimento relevante por parte do estudante. Em adição, Franco (2022) argumenta a possibilidade de compreendermos a dimensão individual e a escolha de curso segundo dois aspectos.

O primeiro, quanto à decisão insuficientemente planejada ou refletida quanto ao que esperar do curso (corroborada por Arruda et al., 2006; Lima Junior, Fraga Junior et al., 2020); o segundo, quanto à dinâmica de ingresso por meio de processo de seleção, passível de implicarem em uma decisão pautada na conveniência como notas de corte ou concorrência (corroborada em Rangel et al., 2019).

No que se refere à fase de integração, naturalmente estudantes distintos estarão mais ou menos inclinados a interagirem no ambiente universitário e participarem de diferentes atividades institucionais. Em investigações como as de Lima Junior (2020a; 2020b) e Fernandes (2020), é discutida a percepção estudantil das formas de integração social na universidade enquanto deletérias para o processo de conclusão do curso.

Apesar dessa perspectiva costumar ser incomum para o quadro universitário mais geral, para cursos de ciências da natureza encontramos indícios na literatura da área que apontam para a tendência de atribuição de valor negativo às atividades que não sejam diretamente formativas, ou nas palavras do autor:

De fato, é usual que alguns atores da universidade considerem que a integração social pode funcionar como um obstáculo para o desempenho acadêmico do estudante. Faz parte do imaginário comum que o estudante mais bem-sucedido no curso de Física seja justamente aquele que se integra menos às situações de convivência e diversão com os colegas, dedicando-se exclusiva e diligentemente às atividades formativas. Portanto, ainda que as duas formas de integração favoreçam a permanência, a relação entre integração social e acadêmica precisa ser resolvida empiricamente (Lima Junior et al. 2020, p. 5).

A formação de vínculos acadêmicos, sejam eles de ordem social ou institucional, é um processo frequentemente atribuído como condicionante de persistência, principalmente em investigações pautadas pelo modelo de Vincent Tinto ou diretamente referenciadas na forma como Durkheim pensa a influência dos vínculos sociais nas decisões individuais.

As formas nas quais o surgimento de vínculos atua enquanto condicionante de persistência estudantil estão geralmente relacionadas a três fatores nas ciências da natureza: crença de autoeficácia; senso de pertencimento; e identidade científica.

No cenário nacional, a tendência investigativa é considerar o senso de pertencimento por meio de discussões das identidades estudantis (de pesquisador ou docente) e a necessidade de suporte estudantil que, por muitas vezes, vem por meio da participação em programas de iniciação científica ou projetos de extensão (ex: Lima Junior, 2019, 2020. Moura e Mandarino 2020. Pigosso 2020. Silva 2019).

Pesquisas recentes sugerem que o senso de pertencimento a um contexto acadêmico influencia as pessoas de pelo menos três maneiras: motivação acadêmica, realização acadêmica e bem-estar. Em um estudo examinando o sentido de pertencer a uma sala de aula universitária entre estudantes universitários do primeiro ano […] os pesquisadores constataram que a percepção de uma atividade acadêmica, enquanto valiosa, útil, ou importante, foi fortemente associada ao sentimento de pertencimento (Trujillo e Tanner, 2014, p. 7-10, tradução nossa).

Quanto à terceira fase, a decisão, cabe compreendermos que em casos de influências de força maior (perdas severas de natureza material ou familiar por exemplo), o próprio conceito de uma decisão por evadir ou persistir perde seu sentido. Visto que ao ser confrontado com situações fora de seu controle, o estudante interrompe sua formação por conta de fatores que não possuem relação alguma com suas interações socioinstitucionais.

No microcosmo composto pelas numerosas interações entre os atores que participam das relações sociais no ambiente universitário, o surgimento de vínculos por parte dos estudantes é visto como fator determinante para a persistência em seus cursos. De forma que, segundo o autor Vincent Tinto, a evasão é marcada pela ausência de vínculos sociais ou formação deficitária desses vínculos.

[...] As ações de estudantes, docentes e técnicos que configuram regularidades da vida diária da instituição (seja em seu sistema acadêmico ou seu sistema social) são sempre mediados por disposições para agir e para crer que não correspondem somente a posições na estrutura das relações de classe nem ao patrimônio individual de disposições deste ou daquele sujeito. Pelo contrário, é possível apontar disposições que caracterizam a vida no interior de cada instituição [...] Segundo Tinto, naquilo que compete à interação estudante-instituição, a evasão ocorre quando o aluno falha em se integrar aos sistemas acadêmico e social da instituição (ou quando a instituição falha em proporcionar aos alunos as melhores condições para sua integração) (Lima Junior, 2020a, p.33-34).

Diante do exposto, alguns autores, como Pigosso (2020), buscam em suas investigações três fatores condicionantes de motivação estudantil e que, segundo o modelo de Tinto, estão diretamente relacionados à construção de metas institucionais e eventual persistência. A autora conclui, por meio de suas investigações, que os três constructos preditores do modelo de Tinto (senso de pertencimento, percepção do currículo e crenças de autoeficácia), se retroalimentam, de maneira que a percepção de um constructo desfavorável pode tornar todos desfavoráveis.

Em especial quando nos referimos a investigações nas licenciaturas, a percepção desfavorável do currículo dos cursos costuma estar associada a perda de identificação com a identidade docente. Essa correlação é evidenciada em investigações nacionais nas quais se conclui que estudantes nos anos iniciais relatam com maior frequência percepções desfavoráveis do currículo de seus cursos e consequente perda da identificação com a identidade docente. (ex: Lima Junior 2020ª, 2020b; Fernandes, 2020; Pigosso, 2020; Sasseron, 2019; Nascimento, 2019; Fraga Junior, 2021).

[...] é importante analisarmos o que poderia ter estimulado a motivação dos estudantes, em especial para que possamos proporcionar isso aos alunos que estão ingressando no curso, e, assim, fomentar a persistência deles. São identificados como elementos importantes que poderiam fomentar a persistência dos estudantes [...] o principal fator identificado entre os participantes como elemento para fomentar a persistência está a introdução de disciplinas de Ensino [...] nos primeiros semestres do curso. É praticamente unânime a opinião entre os formandos de que as disciplinas de Ensino são as mais proveitosas e importantes dos currículos das Licenciaturas, e são elas que motivam muitos alunos a seguirem no curso e na profissão (Pigosso, 2020, p 15).

Nesse sentido, entre as propostas evidenciadas em trabalhos nacionais, destacam-se as propostas grades curriculares que propiciem o contato antecipado com disciplinas da área de ensino nas licenciaturas (ex: Pigosso, 2020; Nascimento, 2019; Oliveira, 2020).

Além disso, há propostas de elaboração de metodologias ativas de ensino, nas quais haveria mais espaço para interação e exposição de ideias e a tentativa de suavizar as diferenças entre as formações de base em busca de uma formação mais equânime (ex: Moraes, 2020; Lima Junior, 2020, 2021).

Na sequência apresentamos nossas considerações finais a respeito da realização deste trabalho e comentamos as conclusões de forma geral, destacando as principais intervenções propositivas de investigações recentes a nível nacional.

 

 CONCLUSÕES

Neste artigo descrevemos a pesquisa realizada a partir de um levantamento bibliográfico, no qual constatamos uma recorrência do referencial em obras do autor Vincent Tinto entre publicações em periódicos focados no ensino de ciência e que optaram por investigar a evasão nas licenciaturas em ciências da natureza por meio de uma perspectiva social, geralmente pautada em referenciais da sociologia clássica e contemporânea associada a referenciais da psicologia da educação.

Ao decorrer da análise dos artigos levantados tivemos acesso às tendências investigativas dessa categoria de pesquisa em particular. Evidenciamos percepção unânime entre os autores de que o estudo de caso aparenta ser a forma mais eficiente de intervenção investigativa no que se refere à evasão estudantil. Concluímos nesta investigação que esta tendência se justifica devido à natureza social da educação que não permite soluções generalizantes e definitivas, portanto, havendo a necessidade de tratarmos localmente os processos de evasão.

Nortear a discussão dos resultados por meio do modelo de Vincent Tinto nos permitiu a visualização processual das problematizações que as investigações mais recentes nos trazem. Dessa forma, ao dividirmos as tendências para discussão de acordo com as fases da trajetória estudantil, pudemos observar qual o foco de cada investigação presente no levantamento e buscar por autores que melhor se adequam ao interesse investigativo do leitor. Portanto, acreditamos ter conseguido construir por meio da modelagem adotada uma discussão que possa favorecer pesquisas futuras que procurem se manter atualizadas das discussões mais recentes na literatura científica da área.

Acreditamos que, mais importante do que a busca por regularidades preditivas, a investigação por condicionantes que levam às decisões por evadir ou perseverar nas licenciaturas em ensino de ciências deve buscar por dados confiáveis, de forma a gradualmente construirmos a compreensão a respeito das propostas de intervenção que possuem maior influência nesses grupos estudantis.

Como destacado por Lima Junior (2020, 2021), em numerosos casos a evasão é decorrência de uma escolha de curso mal planejada por parte de estudantes, em muitos casos motivada por conveniência da nota de corte no processo seletivo. No entanto, isso nos abre espaço para pensar nos casos de uma escolha mal fundamentada devido ao desconhecimento do cotidiano acadêmico. Para superar esse obstáculo. os projetos de extensão e iniciação de docência mostram-se como importantes instrumentos para influenciar a escolha assertiva da próxima geração de estudantes.

As diversas mudanças institucionais decorrentes de alterações nas políticas públicas nacionais dos últimos anos favoreceram a mudança das grades e o fortalecimento dos projetos de extensão. Como evidencia Pigosso (2020), a proximidade com disciplinas de didática pedagógica e prática docente nos momentos iniciais dos cursos de licenciatura contribui para criação de uma identidade profissional, e tem sido tendência destacada, quase que por unanimidade entre os estudantes, como fator necessário para persistência

Concluímos que mudanças expressivas nas grades curriculares ainda levarão algum tempo para surtir efeitos perceptíveis por meio de estudos de caso, mas aparenta ser uma das grandes tendências propositivas que favorecem a perseverança nas licenciaturas em ciências da natureza. Da mesma forma, as metodologias ativas de ensino, como evidenciado por Moraes (2020), nos apresentam ricas contribuições propositivas, seja com investigação favorecendo a autonomia, ou interação para a aprendizagem entre colegas oferecendo a coletividade.

Por fim, acreditamos ter conseguido construir um panorama geral das pesquisas mais recentes a respeito da evasão e persistência nas licenciaturas em ciências da natureza, que busquem entender a influência de condicionantes sociais, tais como senso de pertencimento, autoeficácia e reconhecimento. Finalizamos com a gratidão de ter contribuído para esse domínio de pesquisa e com o intuito de poder influenciar e motivar investigações futuras no ensino de ciências.

 

Recebido em: 15/02/2024

Aceito em: 09/08/2024

 

REFERÊNCIAS

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