Proposta de um modelo tátil para o ensino de Química Orgânica para deficientes visuais
Proposal of a tactile model for teaching Organic Chemistry for visually impaired people
Propuesta de un modelo táctil para el enseñanza de Química Orgánica para personas con discapacidad visual
Ingrid Nunes Derossi (ingrid.derossi@uftm.edu.br)
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-0283-3968
Leila Kátia Silva Gonçalves (leilakatiasg78@gmail.com)
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Brasil
https://orcid.org/0009-0001-3946-6495
Resumo
Esta proposta tem como objetivo discorrer sobre a elaboração de um modelo didático que facilite o ensino de Química Orgânica para estudantes com deficiência visual e passível de aplicação para outras estruturas químicas. O ensino de Química muitas vezes se mostra de difícil compreensão por trabalhar conteúdos abstratos, o que ocasiona muitas dificuldades de aprendizagem para os estudantes da educação básica e superior, além de gerar visões equivocadas sobre essa ciência. Desta forma, destacamos a importância do uso de modelos didáticos táteis que possibilitam a percepção de estruturas moleculares na dimensão macroscópica, seja para alunos com deficiência visual ou normovisuais na área de química orgânica. Partimos de um sobrevôo pela literatura da área para mostrar a importância da educação inclusiva e as dificuldades de se compreender o ensino de Química, principalmente pela complexidade e constante uso de modelos teóricos apresentados apenas oralmente pelos docentes. O modelo didático tátil proposto aponta um caminho que contribui para o ensino de Química Orgânica, especificamente o conteúdo de hidrocarbonetos e com o rol de pesquisas que se dedicam a um ensino de Química mais inclusivo e produção de materiais didáticos.
Palavras-chave: Modelo didático; Inclusão; Ensino de Ciências.
Abstract
This proposal aims to discuss the development of a didactic model that facilitates the teaching of organic chemistry for visually impaired students, and that can be applied to other chemical structures. The teaching of chemistry is often difficult to understand, because it works with abstract contents, which causes many learning difficulties for students of basic and higher education, in addition to generating mistaken views about this science. In this way, we highlight the importance of using tactile didactic models that allow the perception of molecular structures in the macroscopic dimension, whether for visually impaired or visually impaired students, in the area of organic chemistry. We begin with a review of the literature in the field to highlight the importance of inclusive education and the challenges of understanding chemistry teaching, particularly due to the complexity and constant use of theoretical models presented only orally by teachers. The proposed tactile didactic model points out a path that contributes to the teaching of organic chemistry, specifically the content of hydrocarbons and with the list of researches that are dedicated to a more inclusive teaching of chemistry and production of didactic materials.
Keywords: Didactic model; Inclusion; Science Teaching.
Resumen
Esta propuesta tiene como objetivo discutir el desarrollo de un modelo didáctico que facilite la enseñanza de Química Orgánica para estudiantes con discapacidad visual y que pueda aplicarse a otras estructuras químicas. La enseñanza de Química a menudo se muestra de difícil comprensión, ya que trabaja con contenidos abstractos, lo que ocasiona muchas dificultades de aprendizaje para los estudiantes de educación básica y superior, además de generar visiones equivocadas sobre esta ciencia. De esta forma, destacamos la importancia del uso de modelos didácticos táctiles que posibiliten la percepción de estructuras moleculares en la dimensión macroscópica, ya sea para alumnos con discapacidad visual o normovisuales en el área de Química Orgánica. Comenzamos con un vuelo por la literatura del campo para destacar la importancia de la educación inclusiva y las dificultades de comprender la enseñanza de Química, especialmente debido a la complejidad y el uso constante de modelos teóricos presentados solo oralmente por los docentes. El modelo didáctico táctil propuesto apunta un camino que contribuye a la enseñanza de Química Orgánica, específicamente el contenido de hidrocarburos y con el conjunto de investigaciones que se dedican a una enseñanza de Química más inclusiva y a la producción de materiales didácticos.
Palabras-clave: Modelo didáctico; Inclusión; Enseñanza de las Ciencias.
INTRODUÇÃO
A aprendizagem de conceitos científicos de Química pode ser considerada complexa devido ao alto nível de abstração dos mesmos que são apresentados em vários casos através de modelos. Desta forma, os modelos didáticos se constituem como ferramentas facilitadoras para que pessoas com deficiência visual ou sem percebam os fenômenos envolvidos no mundo em que estamos inseridos da perspectiva microscópica, principalmente na Química Orgânica, contribuindo para assimilação dos conteúdos apresentados em salas de aula no ambiente escolar (Lima et al., 2022).
A inclusão é muito além do que matricular pessoas com Necessidades Educativas Especiais (NEE) na escola regular. As práticas alternativas em conjunto com as metodologias, professores e a intercessão de alunos com ou sem deficiência visual são muito importantes, uma vez que buscam o desenvolvimento de um ensino mais adequado, ampliando as várias formas de ensinar, contribuindo com a compreensão das temáticas abordadas e promovendo uma melhor convivência social. (Michelotti; Loreto, 2019).
De acordo com Nascimento e colaboradores (2020), a inclusão escolar está se configurando em um importante movimento que impulsiona a educação, ressignificando-a. Isso permitiu a abertura de diferentes caminhos para novas demandas nos sistemas de ensino. A escola já passou e ainda está sujeita a novas mudanças no modelo educacional. A inclusão escolar promoveu rupturas que nos fizeram repensar a educação como um todo, educação esta que possibilita que os alunos com diferentes deficiências se sintam parte fundamental em seu processo de aprendizagem.
A sociedade é o principal impulsionador dos apontamentos das diferenças, por isso a inclusão de pessoas com deficiência no contexto educacional é tão importante, pois desde o ensino fundamental, com aplicações e atendimentos direcionados, o cidadão começa a lidar com as diferenças, fundamentando assim a sociedade como um todo: incluir o aluno com deficiência em salas anexas ou mesmo na mesma sala com professores preparados, incluindo-os na sociedade é necessário (Nascimento et al., 2020).
O movimento de inclusão escolar tem ganhado espaço nas escolas, mesmo assim, há muito o que fazer. As escolas necessitam ajudar e atender às próprias demandas, evoluindo à uma escola capaz de permitir o desenvolvimento de uma sociedade justa. Há inúmeras demandas na educação inclusiva. O professor tem seu papel indispensável na sala de aula de mediador do conteúdo, e, quando possível precisa utilizar de materiais didáticos e tecnológicos que sejam usados por todos na sala de aula, permitindo que haja uma maior interação social entre os estudantes, o que, de acordo com Vygotsky, facilita a formação de conceitos além de despertar o interesse dos estudantes (Nascimento et al., 2020; Souza; Messeder, 2020; Borges et al., 2022).
Sendo assim, a inclusão ainda permanece em um processo de construção. Mesmo amparada por lei muitos professores não estão preparados para lidar com essas especificidades e carecem de recursos que contribuam para o processo de ensino e aprendizagem. Assim, a presente proposta é resultado de um trabalho de conclusão de curso para o curso de Licenciatura em Química e teve como um dos objetivos desenvolver um modelo didático para o ensino de Química Orgânica, especificamente no conteúdo de Hidrocarbonetos que permita a visualização das representações das moléculas não em um formato rígido, mas considerando os movimentos vibracionais.
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O ENSINO DE CIÊNCIAS
Todos os cidadãos, sem restrição de raça, religião, classe social ou pessoas com algum tipo de deficiência têm direito à educação garantida por lei. No entanto, mesmo sendo um direito, no âmbito educacional, ainda nos deparamos com inúmeras dificuldades para adaptar os conteúdos acadêmicos à inclusão nas escolas, principalmente nas escolas públicas.
Apesar de as mudanças que já ocorreram para um ensino mais inclusivo no âmbito legislativo, as transformações perceptíveis, na cultura e no contexto pedagógico, demoram um tempo maior para serem concretizadas (Fernandes et al., 2017). São raros os profissionais que atuam na área de ensino de Química que realmente estão preparados para potencializar o processo de ensino e aprendizagem que instigue a percepção das pessoas com deficiência. Outro fator importante é que nas escolas públicas quase não se fornece uma capacitação para os professores que acabam deparando-se com grandes dificuldades na hora de ensinar os conteúdos para esse público. Como pode ser visto no trabalho de Neto et al. (2013):
O processo de ensino-aprendizagem é complexo e exige a interação de diversos fatores para ser realizado de forma adequada. Requer desde um corpo docente qualificado até condições de infraestrutura escolar favorável, o que inclui materiais didáticos, equipamentos, e estruturas físicas apropriadas. Sem o suporte suficiente para o desenvolvimento do seu trabalho, a atuação do professor fica prejudicada, ou seja, o suporte institucional é fundamental para que o professor possa desenvolver um bom trabalho educacional (Neto et al., 2013, p. 377).
É preciso que se invista mais em capacitação profissional para os professores, melhoria na qualidade da infraestrutura das escolas e suporte para tornar as aulas mais atrativas. Pensando nisso, diversos recursos pedagógicos estão sendo desenvolvidos para ajudar no processo de ensino e aprendizagem dos alunos com deficiência (Duarte; Rossi, 2021), como, por exemplo, a construção de modelos didáticos para o ensino de Química Orgânica. Por isso, a capacitação dos professores é muito importante, especialmente no que refere à inclusão a fim de garantir um ensino que atenda às necessidades da sociedade (Santos; Tonezer, 2023)
A educação inclusiva é um tema muito explorado na área educacional gerando debates sobre a inclusão de alunos que necessitam de uma educação especial. O ensino de Química muitas vezes é dado como complexo e por isso necessita de atenção e cuidado em trabalhar no cenário inclusivo (Almeida, 2015). Contudo, diante de todas essas informações, decerto que se necessita de uma preparação adequada tanto para os alunos quanto para os professores, a fim de garantir um ensino de qualidade que proporcione um aprendizado com excelência. O ensino de Química Orgânica para deficientes visuais através de métodos artesanais, como proposto neste trabalho, almeja englobar diversos sentidos para facilitar a aprendizagem.
Então, podemos caracterizar como pessoas com deficiência visual, aquela que possui perda parcial, total ou limitações na visão:
A cegueira é uma deficiência visual caracterizada pela impossibilidade de apreensão de informações do mundo pela visão. Existem dois tipos de deficiência visual: cegueira e baixa visão. As duas formas mais comuns de avaliação da capacidade visual são pela acuidade (discriminação de formas) e pelo campo visual (capacidade de percepção da amplitude dos estímulos). Cego é o indivíduo com acuidade menor que 0,1 ou campo visual com menos de 20 graus. Já a baixa visão é definida por uma acuidade de 6/60 e 18/60 e/ou um campo visual entre 20 e 50 graus. A capacidade visual é avaliada por essas medidas com todas as correções ópticas possíveis (óculos, lentes etc.). A perda da visão antes dos cinco anos de idade é chamada cegueira congênita. Já os cegos que perdem a visão a partir dessa idade são considerados cegos adventícios (Nunes; Lomônaco, 2008, p.120).
A deficiência visual pode ocorrer por diversos fatores. A pessoa pode nascer com deficiência ou adquirir no decorrer de sua existência. De acordo com Gil (2000, p. 5), “Muitos consideram que a palavra ‘deficiente’ tem um significado muito forte, carregado de valores morais, contrapondo-se a ‘eficiente’. Levaria a supor que a pessoa deficiente não é capaz; e, sendo assim, seria preguiçosa, incompetente e sem inteligência”. No entanto, Gil (2000) ressalta que na verdade o que realmente acontece é que os deficientes, apesar de terem dificuldades de realizar algumas atividades, no geral, possuem algumas habilidades extremas às outras pessoas. Por esse motivo precisamos valorizar essas habilidades a fim de potencializar o processo de ensino e aprendizagem.
Ainda de acordo com a autora, Gil (2000), a visão e a audição são os canais mais importantes de comunicação e relacionamento. O impacto da deficiência visual pode variar nos indivíduos. Cada um terá sua forma de aprender, interagir e de como realizar suas atividades, por exemplo, com o amparo de instrumentos de apoio que possam auxiliar no dia a dia, como a bengala.
Com relação à Química alguns autores criticam a forma como a disciplina é abordada, por vezes, trazendo diversos temas e questões difíceis de serem entendidas por alunos com deficiência visual, gerando um desafio tendo em vista que a Química usa modelos e símbolos diversos, conforme o trecho seguinte:
Na complexidade de ensinar Química a estudantes com deficiência visual relaciona-se com a dificuldade de comunicação estabelecida já que modelos mentais necessários para acessar o nível microscópico não são exclusivos dos alunos sem deficiência visual e o Braille pode tornar acessível o nível representacional, mas o nível macroscópico é desafiador porque o apelo visual é recorrente na abordagem de muitos conceitos chave (Duarte; Rossi, 2021 p.399).
Sendo assim, o professor precisa refletir sobre alguns aspectos para abordar a Química para alunos com ou sem deficiência visual que podem ser classificados como macroscópico, que seria aquilo que podemos ver, perceptível; microscópico que seria aquilo que “se imagina, sendo necessário um grande apelo à abstração daquele que aprende” (Razuck; Neto, 2015, p.477) e representacional que envolve as equações e fórmulas químicas (Razuck; Neto, 2015). A partir da adequação das metodologias de ensino, utilizando esses aspectos, o processo de ensino e aprendizagem pode ser facilitado. (Duarte; Rossi, 2021).
A limitação de recursos didáticos tem sido um grande problema para atender e apoiar estudantes com deficiência visual e outras deficiências. Acaba refletindo nos professores uma maior responsabilidade de adotar ou criar estratégias para produzir os recursos didáticos para o planejamento de suas aulas, em especial, aos profissionais de Química. (Duarte; Rossi, 2021).
Com todas as conquistas sociais obtidas como a implantação de políticas e de busca de outros recursos, os profissionais, especialmente os professores da área de Química, ainda encontram obstáculos para implementar a inclusão em suas salas de aula; o ideal seria o suporte no espaço escolar com materiais didáticos adequados para deficientes visuais, adaptações necessárias para a locomoção dos mesmos e a capacitação dos professores, além da preocupação com as ferramentas de linguagem e modelos didáticos que completam a compreensão do aluno. Sendo assim, para proporcionar a inclusão de alunos com deficiência visual é fundamental que o professor de Química sempre esteja atualizado, seja criativo para usar os materiais e planejar as aulas que atendam às necessidades de todos os alunos (Vellosa; Morais, 2018).
De acordo com Michelotti e Loreto (2019), a inclusão facilita a relação e a interação entre pessoas, alunos, professores e funcionários da escola, fazendo com que os alunos com deficiência visual tenham uma forma de interagir com os obstáculos que irão enfrentar, mas que nem imaginavam que seria possível vivenciar aquele momento:
No que se refere ao desenvolvimento de atividades comuns aos alunos com e sem deficiência visual, os pesquisadores compreendem que é possível e fundamental tornar o ambiente de sala de aula acessível aos alunos cegos, com baixa visão, e normovisuais (pessoas sem deficiência visual), propiciando, assim, um meio em que esses alunos possam dialogar sobre o mesmo assunto (Paula et al., 2017, p. 869).
Usando os modelos tridimensionais táteis nas atividades metodológicas pode-se incluir alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) como os alunos com deficiência visual, numa tentativa de facilitar o aprendizado. A utilização de materiais táteis tridimensionais pode auxiliar alunos com ou sem deficiência visual no aprendizado básico das ciências.
No ensino de Química uma das maiores dificuldades apresentada pelos alunos se dá pela falta de entendimento dos conceitos científicos, como por exemplo, conteúdos extraídos da mecânica quântica e utilizados na compreensão de ligações químicas e estruturas moleculares que apresentam uma alta complexidade, sendo uma temática de difícil compreensão devido à necessidade de maior capacidade de abstração (Duarte; Rossi, 2021).
O conhecimento químico com suas leis, teorias e modelos é apresentado como destaque da realidade, ressaltando os resultados dessa Ciência. Diversas pesquisas mostram a importância da utilização de recursos didáticos diferentes que causam melhorias no processo de aprendizagem, tornando o ensino mais leve, dinâmico e considerável para os alunos, sendo uma alternativa de substituir os métodos monótonos de ensino (Duarte; Rossi, 2021).
Os modelos no ensino de Química tornam-se importantes para a compreensão dessa Ciência, possibilitando aos alunos uma visão palpável sobre a sua natureza. Portanto, é necessário auxiliá-los na avaliação dos modelos científicos, estimulando-os a criarem, manifestarem e testarem seus próprios modelos (Gama, 2019).
Tradicionalmente os modelos para o ensino de Química Orgânica são compostos por esferas coloridas representando os elementos e por barras de diferentes materiais que representam as ligações químicas (Lima; Silva, 2014). Esse tipo de modelo não é adequado para pessoas com deficiência visual já que a sua estrutura não permite a diferenciação através do tato dos elementos, podendo levar o estudante a interpretar como algo único. Em alguns casos há a alteração das texturas das esferas, o que permite identificar os elementos diferentes, no entanto, esses modelos são rígidos e não permitem o entendimento de que as moléculas estão em constante movimento, por isso este trabalho possui relevância para o ensino de Química.
O ensino de Química muitas vezes mostra-se complexo para os alunos e um dos recursos utilizados pelos professores são os modelos didáticos. O que seria esse modelo? De acordo com Silva e Catelli (2020), a palavra modelo surgiu ainda na idade média que em latim era modulus, passou por diversas traduções aparecendo no período Renascentista Italiano, entre artesãos, pedreiros e arquitetos como modelo. Seu significado foi definido por um engenheiro Jean-Louis Le Moigne como:
Assim um modelo no ensino de Química tem por finalidade representar a realidade observada ou imaginada de uma teoria, no intuito de facilitar a compreensão dos alunos de maneira mais dinâmica e perceptiva. Também, de acordo com Rios (2012,):
[...] a utilização dos modelos moleculares no ensino da Química Orgânica é importante para tentar aproximar o conhecimento químico da realidade dos alunos, proporcionando uma melhor visualização tridimensional, de modo a favorecer o processo de ensino e aprendizagem. (Rios, 2012, p. 7)
Diante do que foi exposto neste texto e considerando os modelos possibilitadores de aproximação da Química e dos estudantes, buscou-se a construção de um modelo didático perceptivo para o ensino do conteúdo específico de hidrocarbonetos que são moléculas compostas exclusivamente de carbono e hidrogênio.
ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
Almejando contribuir com o ensino de Química para pessoas com deficiência visual elaboramos um material didático tátil para representar as estruturas de compostos orgânicos. De acordo com Bandeira (2009, p.14), fundamentada nos documentos oficiais, material didático pode ser considerado “produtos pedagógicos utilizados na educação e, especificamente, como o material instrucional que se elabora com finalidade didática”.
A idealização do produto se deu a partir do uso de uma técnica japonesa para confeccionar bonecos de crochê ou tricô, chamada amigurumi. Atualmente é possível encontrar vários cientistas e algumas moléculas construídas com a técnica, no entanto, não foram identificados kits de modelos para a elaboração de moléculas orgânicas pelas autoras em trabalhos acadêmicos.
Os modelos mencionados nos inspiraram a criar um material didático que se ligue e forme estruturas moleculares, especialmente hidrocarbonetos. Para a elaboração dos elementos de carbono e hidrogênio foram feitas esferas (bolinhas) de amigurumi de tamanhos diferentes para a sua identificação.
O nosso modelo traz como diferencial a representação das ligações através de molas de espirais de encadernação para garantir a representação dos movimentos vibracionais da molécula, facilitando a compreensão de que a molécula e suas ligações químicas não são estáticas e nem acontece em apenas um ponto específico do átomo, podendo ser colocada em qualquer parte do amigurumi.
Para diferenciar as ligações simples, duplas e triplas, testamos duas possibilidades: em uma as molas serão todas da mesma largura, modificando o comprimento e quantidade de molas para representar as ligações; em outra iremos utilizar apenas molas de largura e comprimento variados.
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO MODELO
O primeiro protótipo confeccionado apresentado na imagem abaixo apresentou fragilidades como bolinhas muito pequenas e os pontos do amigurumi muito apertados, o que dificultava a inserção da mola. O material das molas selecionado inicialmente também não foi adequado por ter uma estrutura um pouco mole. O peso das bolinhas não permitia que a mola ficasse fixada como apresentado na figura 1.
Fonte: Acervo digital das autoras, 2022.
Figura 1 - Primeiro protótipo do modelo de representação de hidrocarbonetos com bolas de amigurumi e espiral de encadernação
Um segundo protótipo foi elaborado, aumentando o tamanho das bolinhas, dos pontos e testando um outro modelo de mola. Desta forma, selecionamos molas da mesma largura, modificando o comprimento, material e quantidade de molas para representar as ligações, uma vez que molas de larguras variadas para representar as ligações, além de dar trabalho para encaixar, tinham menos mobilidade (figura 2). As cores de todos os protótipos foram aleatórias.
Fonte: Acervo digital das autoras, 2022
Figura 2 - Segundo Protótipo do modelo de representação de hidrocarbonetos com bolas de amigurumi e espiral de encadernação
Já com o primeiro protótipo, pessoas normovisuais (pesquisadoras e servidores aleatórios do Campus) conseguiram identificar sem dificuldades as moléculas montadas. O segundo protótipo apenas reforçou essa constatação. Para a validação do modelo com pessoas com deficiência visual não foram encontrados estudantes do Ensino Médio com deficiência visual na cidade.
Sendo assim, o modelo final considerou a diferença de tamanho sem considerar a proporção numérica do raio atômico do hidrogênio e do carbono, apenas diferenciando por bolas maiores (rosa) que representam os carbonos das cadeias e pelas bolas menores (verde) para a representação dos hidrogênios (figura 3).
Fonte: Acervo digital das autoras, 2022
Figura 3 - Protótipo final do modelo de representação de hidrocarbonetos com bolas de amigurumi e espiral de encadernação
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com este trabalho foi possível desenvolver um modelo didático que esteja mais próximo das características teóricas das ligações químicas, sendo um material ainda não idealizado pela comunidade acadêmica e que poderá ser registrada a patente como um dispositivo didático.
Como
futura professora de Química, desenvolver esse material e vivenciar essa
experiência possibilitou a compreensão de que os materiais didáticos se mostram
como um grande meio para facilitar as percepções dos alunos com
deficiência visual. Através do protótipo desenvolvido foi possível perceber as
potencialidades do modelo didático para ajudar alunos com deficiência visual e
normovisuais na percepção dos fenômenos trabalhados em sala de aula. Os modelos
didáticos são uma eficaz ferramenta para abordar hidrocarbonetos de maneira
dinâmica e perceptiva.
O modelo mostrou-se de fácil manipulação e armazenamento, podendo ser montado e desmontado com facilidade tanto pelo professor quanto pelo aluno. No entanto, pode ser aperfeiçoado para que traga as representações dos átomos de forma proporcional ao que está descrito na literatura, além de uma melhor apresentação das ligações pi. Assim, este trabalho traz uma contribuição relevante e fundamentos para pesquisas futuras que busquem o modelo didático como ferramenta para possibilitar a contextualização, percepção e aprendizagem de pessoas com deficiência visual.
Recebido em: 18/06/2024
Aceito em: 11/12/2024
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