Os morcegos e o ensino de ciências: representação nos livros de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental
Bats and science teaching: representation in 6th and 7th grade books of Elementary School
Murciélagos y enseñanza de las ciencias: representación en los libros de 6º y 7º de Educación Primaria
Crislaine Maria da Silva (crislaine.maria@ufrpe.br)
Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7594-9614
Luiz Augustinho Menezes da Silva (luiz.augustinho@ufpe.br)
Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-3776-5202
Resumo
O livro didático é um dos instrumentos de ensino mais utilizado em sala de aula, às vezes, o único que auxilia os docentes e os estudantes durante o ano letivo. O professor, em sua formação, precisa de elementos que possibilitem reflexões a respeito das limitações desse recurso. Este trabalho tem como objetivo avaliar como o tema morcego é abordado nos livros didáticos de Ciências do 6º e dos 7º anos. A metodologia tem uma abordagem qualitativa do tipo descritiva realizada a coleta nos livros didáticos e leitura do tema morcegos, para saber quais os assuntos abordados, o conteúdo teórico, os recursos visuais e as atividades propostas. Estes foram analisados de acordo com a Análise Hermenêutica Dialética. Quanto aos resultados, destacaram-se os seguintes aspectos: importância, dieta, morfologia, abrigo, riqueza, ecolocalização, doenças e comportamento. Em 27 livros, apresentaram-se 45 ilustrações (30 fotografias e 15 desenhos esquemáticos). Foram identificadas 26 espécies - nove com representantes no Brasil e 17 são exóticas. Alguns equívocos taxonômicos foram apontados quanto à identificação. Observaram-se poucos erros conceituais ou informações distorcidas nos livros. Portanto, é preciso fazer ajustes nos conteúdos teóricos, como nos tópicos de suma importância e que são pouco trabalhados (ameaça, comportamento, extinção e percepção).
Palavras-chave: livro didático; quirópteros; ensino de Ciências.
Abstract
The didactic book is one of the most used instruments in classroom and sometimes it is the only that helps the instructor and the students during the academic year. During his formation, the professor needs elements that make possible reflections about the resource’s limitations. This assignment’s main objective is to evaluate how the bat is approached in the sixth and seventh grades Science’s didactic books. The methodology has a qualitative approach of the descriptive type that initially was carried out the collection of textbooks and reading of the theme bats in the textbooks, to know which subjects were addressed, the theoretical content, the visual resources and the proposed activities and these were analyzed according to the Dialectical Hermeneutic Analysis As for the results, contents, The following aspects were highlighted: importance, diet, morphology, shelter, wealth, echolocation, diseases and behavior. In 27 books, 45 illustrations were presented (30 photographs and 15 schematic drawings). 26 species were identified - nine with representatives in Brazil and 17 are exotic. Some taxonomic mistakes have been pointed out regarding identification. In this study, few conceptual errors or distorted information were observed in the books. Thus, it is important to mention that they need to make some changes in the theoric contents, like at the very important topics that are not sowelllabored (threat, behavior, extinction and perception).
Keywords: didactic books; bats; science’s teaching.
Resumen
El libro de texto es uno de los instrumentos didácticos más utilizados en el aula, en ocasiones el único que ayuda a profesores y alumnos durante el curso académico. El docente, em su formación, necesita elementos que permitan reflexionar sobre las limitaciones de este recurso. El objetivo principal de este trabajo es evaluar cómo se aborda el tema de los murciélagos en los libros de texto de Ciencias de 6º y 7º año. La metodología tiene un enfoque cualitativo del tipo descriptivo que inicialmente se llevó a cabo la recolección de libros de texto y lectura de los murciélagos temáticos en los libros de texto, para conocer cuáles temas se abordaban, los contenidos teóricos, los recursos visuales y las actividades propuestas y estos fueron analizados según el Análisis Hermenéutico Dialéctico En cuanto a los resultados, contenidos, Se destacaron los siguientes aspectos: importancia, dieta, morfología, refugio, riqueza, ecolocalización, enfermedades y comportamiento. En 27 libros se presentaron 45 ilustraciones (30 fotografías y 15 dibujos esquemáticos). Se identificaron 26 especies, nueve con representantes en Brasil y 17 son exóticas. Se han señalado algunos errores taxonómicos en cuanto a la identificación. En este estudio se observaron pocos errores conceptuales o información distorsionada en los libros.Por lo tanto, es necesario hacer ajustes en los contenidos teóricos, como temas de suma importancia y poço estudiados (amenaza, comportamiento, extinción y percepción).
Palabras-clave: libros didácticos; murciélagos; la enseñanza de la ciencia.
INTRODUÇÃO
A educação tem passado por muitos desafios nos últimos anos e apesar do crescente desenvolvimento de estratégias didáticas que envolvem recursos tecnológicos aplicados em sala de aula, da criação de diferentes estratégias e ferramentas didáticas para o ensino de diferentes disciplinas e conteúdos, os livros didáticos continuam sendo o principal recurso didático ou até mesmo, o único, amplamente distribuído em diferentes escolas no país (Queiroz; Silva, 2015; Barreiro; Ortêncio Filho, 2016).
É notório que, na maioria das escolas, o processo de ensino é auxiliado por livros didáticos, cujo conteúdo é tão relevante que os professores utilizam esse recurso como base teórica das aulas, com a mesma frequência que os próprios discentes (Molina,1987), expondo informações para todas as camadas da sociedade escolar (Sandrin; Puorto; Nardi, 2005). De acordo com o Ministério da Educação, os livros didáticos escolhidos em seu Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) devem servir de subsídio para a Educação Básica. Nesse contexto, os livros didáticos podem auxiliar na formação continuada e permite que os professores ampliem seus conhecimentos disciplinares, aprimorem suas habilidades de ensino e reflitam sobre a prática docente, buscando melhores estratégias que favoreçam a aprendizagem (Alonço et al., 2024).
Diante do que foi apresentado, algumas pesquisas têm sido realizadas acerca dos livros didáticos. Assim, Vasconcelos e Souto (2003) explicam que os livros de Ciências têm uma função que os diferencia dos demais. Neles os estudantes começam a entender bem mais o meio em que vivem, através da observação, e tiram suas conclusões. Esses livros devem proporcionar uma compreensão correta, como suporte na formação dos cidadãos. De acordo com Campos e Lima (2008), não basta adotar uma linguagem clara e objetiva nos livros. É imprescindível relacioná-la ao cotidiano dos estudantes, caso contrário, isso aumenta as dificuldades de compreenderem o que é ensinado.
Pode-se afirmar que os mitos e os preconceitos associados aos morcegos, tais como, sua semelhança morfológica com os ratos, os hábitos noturnos, o fato de algumas espécies se alimentarem de sangue e a falta de conhecimento sobre esses animais fazem com que a população tenha medo deles. Reforçando essa assertiva, Caparros e Magalhães Júnior (2015) afirmam que é notório que os morcegos são alvo de preconceitos, de mitos, de falta de informações e, muitas vezes, de medo e outros sentimentos negativos, portanto são considerados animais perigosos, feios e associados a coisas ruins, negativas e demoníacas pela população em geral. Paiva (2010) confirma esse fato ao demonstrar que os morcegos são mamíferos que provocam medo e são considerados pouco carismáticos para a população em geral, especialmente para as crianças.
Com base no exposto, este trabalho teve como objetivo avaliar como o assunto ‘morcegos’ está chegando ao Ensino Fundamental a partir do livro didático adotado nas escolas. Para isso, analisou como o tema é trabalhado nos livros didáticos de Ciências do 6° e do 7° anos, a partir das imagens, os conteúdos abordados, a contextualização e a regionalização das informações.
Abordagem e tipo de pesquisa
A abordagem qualitativa em uma pesquisa segundo Oliveira (2016) traz clareza quanto a necessidade de se aprofundar a realidade do estudo. O tipo de pesquisa é descritiva que é relacionada no observar fenômenos, descrever e interpretá-los.
Área de estudo
A fim de direcionar os esforços de coleta e de propor soluções locais, a seleção dos livros foi direcionada aos utilizados nos municípios de Vitória de Santo Antão e Cumaru. Porém, as obras analisadas são utilizadas amplamente no país. O município de Vitória de Santo Antão localiza-se na Zona da Mata de Pernambuco a 49 km da capital Recife. Dispõe de seis escolas privadas, que atendem da Pré-escola ao Ensino Médio; 58 escolas municipais, que são responsáveis pelo Pré-escolar e pelo Ensino Fundamental I e II, distribuídas nas áreas urbana e rural. Já o município de Cumaru, localizado no Agreste de Pernambuco a uma distância de 122,8 km da capital – Recife – dispõe de 16 escolas municipais, que oferecem o Pré-escolar e o Ensino Fundamental I e II, nas áreas urbana e rural.
Critérios empregados para selecionar os livros didáticos: Foram selecionados os livros publicados entre 2006 e 2016 utilizados pelas escolas municipais de Vitória de Santo Antão e Cumaru ou por seus professores para planejar as aulas. A coleta foi realizada em escolas que trabalhavam com 6° e 7° anos, com a autorização das Secretarias de Educação e da gestão da escola. Os volumes de edições diferentes não foram contabilizados, para evitar repetição.
Análise do tema ‘Morcegos’ nos livros didáticos: Os critérios de análise tiveram como base Vasconcelos e Souto (2003), com modificações, e abordaram o conteúdo teórico, os recursos visuais, as atividades práticas e as informações adicionais.
✔ Assuntos abordados – Trata-se dos assuntos do capítulo e a relação do conteúdo sobre o tema de interesse.
✔ Conteúdo teórico – Foi realizada uma análise geral dos textos que trazem informações sobre os morcegos, a fim de verificar se estavam adequadas ao conteúdo científico. O texto era considerado fraco quando trazia poucas informações e não tinha conexões; regular, quando apresentava poucas informações e de forma superficial; bom, quando o conteúdo era abordado com clareza, e excelente, quando o conhecimento científico contribuía para o universo cognitivo do aluno. No item ‘Regionalização’, verificou-se se os textos estavam voltados para uma área ou região específica (mundial, Brasil, regional ou local). Também se verificou se havia textos complementares e/ou erros conceituais.
✔ Atividades propostas – Observou-se se as atividades eram utilizadas para elucidar algum conteúdo relacionado a esses mamíferos, se eram interativas, se estavam diretamente relacionadas ao conteúdo trabalhado e se exigiam outras fontes de consulta.
Análise dos dados
Nesta pesquisa utilizamos alguns pontos da Análise Hermenêutica Dialética nos proporciona analisar por meio de três possibilidades na pesquisa qualitativa: a análise de conteúdo, a análise do discurso e a hermenêutica-dialética. Dessa forma, o método hermenêutico-dialético “[...] é o mais capaz de dar conta de uma interpretação aproximada da realidade. Essa metodologia coloca a fala em seu contexto a partir do seu interior e no campo da especificidade histórica e totalizante, em que é produzida” (Minayo, 1996, p. 231).
Para que tal análise seja realizada, de acordo com Minayo (1996) faz-se necessário a vivência destas etapas: Nível das determinações fundamentais; Nível de encontro com os fatos empíricos: baseia-se no encontro com os fatos surgidos durante a pesquisa de campo; Ordenação dos dados: compreende a sistematização de todos os dados recolhidos. Classificação dos dados; Análise final.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram consultados 40 livros - 20 para cada ano pesquisado (6° ou 7° anos). Apenas sete do 6° ano apresentaram o conteúdo ‘morcegos’, e todos os do 7° ano continham (Quadro 1). Dos livros, 22 apresentaram conteúdo teórico em forma de textos, 27 apresentaram imagens e/ou desenhos, e cinco representaram os morcegos somente em imagens.
A ocorrência e a distribuição do conteúdo nos livros analisados por série são direcionadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) do Ensino Fundamental, que contemplam para o 6° e o 7° anos a relevância de explorar diferentes adaptações dos grandes grupos de seres vivos, quando os estudantes exploram alguns padrões biológicos e ressaltam a existência de relações de parentesco entre suas espécies (Brasil, 1998). Essas temáticas são trabalhadas, principalmente, no 7º ano (seres vivos), o que justifica ter encontrado uma abordagem maior sobre morcegos. Nos livros, em geral, privilegiam-se os enfoques ambiental e evolutivo, que podem estar contemplados em um único tema de trabalho ou tratados separadamente, buscando-se aprofundar os conhecimentos. E quando o tema ‘morcego’ é contemplado, está ligado a esses enfoques, como aqui diagnosticado.
Quadro 1. Relação de livros consultados que apresentam o conteúdo morcegos do 6° e no 7° anos
Código |
Livro |
6LC01 |
APEC. Construindo Consciências: Ciências. 5ª série (6°ano) / Apec – Ação e Pesquisa em Educação em Ciências. 1ª ed. Spicione. São Paulo, 2006. |
6LC02 |
BARROS, C.; PAULINO, W. R. Ciências: o meio ambiente. 6° Ano. 5ª ed. Ática. São Paulo, 2012. |
6LC03 |
CARNEVALLE, M. R. Jornadas. Cie. 6° ano, 2ª ed. Saraiva. São Paulo, 2012. |
6LC04 |
SANTANA, O.; FONSECA, A. Ciências Naturais. 5ª série. Saraiva, 2007. |
6LC05 |
GEWANDSZNAJDER, F. Projeto Teláris: Ciências. 6° ano. 1ª ed. Ática. São Paulo, 2012. |
6LC06 |
GOWDAK, D.; MARTINS, E. Ciências: novo pensar. 5ª série (6º ano). FDT. São Paulo, 2006. |
6LC07 |
JÚNIOR, J.T.; TRIVELLATO, S.L.F.; MOTOKANE, M.T.; LISBOA, J.C.F.; KANTOR, C.A. Ciências. 6° ano. 1 ed. Quinteto. São Paulo, 2015. |
7LC01 |
PEREIRA, A. M.; SANTANA, M.; WALDHELM, M. Perspectiva Ciências. 7° ano. Editora do Brasil. 2ª ed. São Paulo, 2012. |
7LC02 |
JAKIEVICIUS, M.; HERMANSON, A. P. Ciências Naturais - Investigando a Natureza. 6ª série. 1ª ed. IBEP. São Paulo, 2006. |
7LC03 |
AGUILAR, J. B. Para viver juntos: Ciências. 7° ano. 3ª ed. SM. São Paulo, 2012. |
7LC04 |
BARROS, C.; PAULINO, W. R. Ciências: o meio ambiente. 7° ano. 4ª ed. 2ª impressão. Ática. São Paulo, 2006. |
7LC05 |
SHIMABUKURO, V.; Projeto Araribá Ciências. 7º ano. 3ª ed. Moderna. São Paulo, 2010. |
7LC06 |
BIZZO, N.; JORDÂO, M. Ciências Bj. 6 ª série. 1ª ed. Brasil. São Paulo, 2006. |
7LC07 |
GOWDAK, D.; MARTINS, E. Ciências: Novos Pensamentos: Seres Vivos. 7° ano. Edição Renovada. FDT. São Paulo, 2012. |
7LC08 |
MORETTI, R. Ciências nos dias de hoje. 7° ano. Leya. São Paulo. 1ª ed., 2012. |
7LC09 |
CANTO, E. L. Ciências Naturais: aprendendo com o cotidiano. 7° ano. 4ª ed. Moderna. São Paulo, 2012. |
7LC10 |
COSTA, A. Ciências e interações. 6ª série. 1ª ed. Positiva. São Paulo, 2006. |
7LC11 |
GEWANDSZNAJDER, F. Projeto Teláris: Ciências - vida na terra. 7° ano. 1ª ed. Ática. São Paulo, 2012. |
7LC12 |
GODOY, L.; OGO, M. Vontade de Saber Ciências. 7° ano. 1ª ed. FDT. São Paulo, 2012. |
7LC13 |
BROCKELMANN, R. H. Observação de Ciências. 7° ano.1ª ed. Moderna. São Paulo, 2011. |
7LC14 |
FAVALLI, L. D.; SILVA, K. A. P.; ANGELO, E. A. Projeto Radix. Raiz do conhecimento - Ciências. 7° ano. 2ª ed. Spicione. São Paulo, 2012. |
7LC15 |
MOISES, H. N. Ciências da Natureza - seres vivos: a vida maravilhosa na terra. 7° ano. 3 ed. IBEP. São Paulo, 2012. |
7LC16 |
CARVALHO, W.; GUIMARRAES, M. Ciências para nosso tempo. 7° ano. Editora Positivo. Curitiba, 2011. |
7LC17 |
LOPES, S. Investigar e conhecer: Ciências da Natureza. 7° ano. 1 ed. Editora Saraiva. São Paulo, 2015. |
7LC18 |
USBERCO, J.; MARTINS, J. M.; SCHECHTMANN. E.; FERRER, L.C.; VELLOSO, H. M. Companhia das Ciências. 7° ano. 4 ed. Editora Saraiva. São Paulo,2015. |
7LC19 |
GOWDAK, D.O.; MARTINS, E. L. Ciências: novo pensar. 7° ano. 2 ed. Editora FDT. São Paulo, 2015. |
7LC20 |
JÚNIOR, J. T.; TRIVELLATO, S. L. F.; MOTOKANE, M.T.; LISBOA, J.C.F.; KANTOR, C.A. Ciências. 7° ano. 1 ed. Editora Quinteto. São Paulo, 2015. |
Fonte: Autores
Conteúdos abordados nos livros sobre o tema ‘morcegos’
Nos livros do 6° ano, o conteúdo ‘morcegos’ é apresentado em capítulos bem diversos, como, Modos de ser e de viver dos vertebrados; Energia e matéria em um ecossistema; A dinâmica da atmosfera; A teia alimentar; Os seres vivos; e O ar e o voo. Já no 7° ano, é abordado, principalmente, no capítulo sobre os Mamíferos e a Classificação dos seres vivos. Alguns também são relacionados às plantas. Nesse caso, destacam-se as interações ecológicas entre morcegos e plantas (dispersão de sementes e polinização).
Quanto ao grau de coerência entre as informações apresentadas, 23 dos livros foram considerados bons, e os demais, regulares. Essa carência de informações também é levantada por Barreiros e Ortêncio Filho (2016), quando afirmam que a qualidade informativa relacionada aos quirópteros foi considerada insatisfatória devido à tímida exploração dos conceitos e dos discursos, superficiais pela pobreza do conteúdo científico. Vale salientar que os livros analisados por esses autores são diferentes dos abordados nesta pesquisa.
Conteúdo sobre morcegos nos livros didáticos
Foram encontrados 11 conteúdos referentes ao tema nos livros didáticos. Os que se destacaram foram importância, dieta e morfologia. Vale salientar a falta de tópicos importantes, como conservação, espécies ameaçadas, cuidados na manipulação e o bom convívio com esses animais no ambiente urbano, que são importantes para a conservação das espécies. Conteúdos como morfofisiologia, biologia e ecologia são frequentes em trabalhos que analisaram diferentes táxons nos livros didáticos (miriápodes, molusca, serpentes, aves) (Santos et al., 2007; Romão, Boccardo; Souza, 2008; Santos; Silva, 2012; Bergmann; Dominguini, 2015).
É importante ressaltar que, no ensino da Zoologia, no ensino fundamental ou no médio, devem-se abordar, mais profundamente, os táxons que sofrem preconceitos para desconstruir a percepção equivocada, apropriando os alunos de um conhecimento pouco difundido e tornando-os possíveis multiplicadores dessa informação. Nesse contexto, trabalhos como o de Ling et al. (2024) explicam sobre a ética de Projetos Integradores de um livro didático de ciências do Ensino Médio, visando compreender como a ética se incorpora ao ensino de ciências em materiais curriculares.
A implementação de ações de Educação Ambiental pode ser mais bem vista pela população quando direcionada a esses grupos. É mais fácil sensibilizar a população sobre a importância de grupos taxonômicos considerados carismáticos, como baleias, golfinhos, macacos, tartarugas, entre outros grupos não tão bem visualizados, como sapos, serpentes, morcegos, roedores, insetos etc. Assim, preservamos o que conhecemos ou sobre que mantemos uma percepção carismática, o que denota ainda mais a importância dessa abordagem e a diversificação dos conteúdos nas escolas.
Descrição dos assuntos abordados
Importância
Os morcegos são considerados mamíferos de grande importância ecológica (Silva et al., 2013), porque contribuem para que haja a polinização e a dispersão das sementes de diversas plantas, no caso dos frugívoros, e como controladores da população de insetos (Lima, 1994; Uieda, 2001), como os insetívoros, além de uma série de outros serviços ecossistêmicos (Reis et al., 2017; Oliveira et al., 2018). Entretanto, interações negativas também são evidenciadas, como a transmissão de zoonoses (Ramos, 2009) e problemas nas áreas urbanas (Pacheco; Marques, 2006). Apesar de a importância dos morcegos ser um assunto frequente nos livros didáticos, pouco desse conteúdo é abordado. Nos livros analisados nesta pesquisa, foram encontradas abordagens relacionadas à polinização, à dispersão de sementes, à formação de florestas, ao controle de insetos e de ratos, à manutenção de ambientes cavernícolas e à cadeia/teia trófica, importâncias atribuídas aos morcegos, mas nenhuma das outras importâncias do grupo foi comentada, além de alguns desses temas serem tratados de forma superficial e não contextualizada.
A interação com as plantas (polinização e dispersão) pode ser verificada nos seguintes trechos: “[...] são responsáveis pela reprodução de mais de 500 espécies de plantas, 6000 sementes espalhadas em uma noite” (6LC04); “Recomposição das matas e florestas, responsáveis pelo reflorestamento, espalham sementes por meio de fezes” (7LC01); “Um mamífero polinizador, afirma que, em geral, os quirópteros possuem o olfato bastante desenvolvido, focinho alongado, língua comprida e hábito noturno” (7LC20); e o controle populacional e a manutenção das cavernas em: “Controle de insetos (600 insetos por noite) e na manutenção de ecossistemas cavernícola, e o controle de população de ratos” (6LC01 e 7LC01).
O livro 7LC19 traz, na p. 251, um texto complementar sobre morcegos polinizadores, que explica:
[...] na polinização, os morcegos visitam flores para consumir néctar, e acabam por transportar o pólen de uma flor a outra da mesma espécie, ajudando assim na reprodução das plantas visitadas. A polinização dos morcegos é feita praticamente no contato dos pelos com a flor. Eles localizam suas fontes de alimento principalmente no contato dos pelos com a flor, e se dirigindo até outra flor. Eles localizam suas fontes de alimento principalmente através do olfato e ecolocalização. Embora a maioria dos morcegos do mundo seja insetívora, florestas tropicais tem uma elevada percentagem de comedores de frutas e néctar. Os morcegos nectarívoros muitas vezes dependem de lugares que tem eco para localizar suas presas e possuem uma língua longa e fina chegando a 8,5 cm para atingir o néctar, como os beija-flores (7LC19, p. 251).
No trabalho de Barreiro e Ortêncio Filho (2016), esses conteúdos foram contemplados, só que de forma subdividida (ecolocalização, dispersão de sementes, cadeia alimentar). Outro aspecto a salientar foi fato de que, mesmo no ambiente urbano, esses animais continuam fazendo seus serviços ambientais, como controladores das populações de insetos, dispersores de sementes e polinizadores (Pacheco; Marques, 2006). Entretanto, essa importância não foi evidenciada para sua presença no ambiente urbano, e esse fato é relevante, porque os morcegos são uma fauna rica no ambiente urbano, já que existem mais de 40 espécies no Brasil ocupando esse espaço, e devido à percepção negativa e à falta de conhecimento da população sobre eles, são frequentemente perseguidos e mortos nas áreas urbanas.
Dieta
Dentre os mamíferos, os morcegos apresentam uma grande amplitude de hábitos alimentares. Eles consomem itens de origem vegetal e/ou animal e são classificados como frugívoros, nectarívoros, hematófagos, piscívoros, carnívoros e insetívoros (Silva, 1996). Esse assunto foi encontrado tanto nos livros do 6° ano (6LC01; 6LC02; 6LC04; 6LC05) quanto nos do 7° (7LC01; 7LC02; 7LC05; 7LC06; 7LC07; 7LC11; 7LC15; 7LC16; 7LC19; 7LC20), que classificam os morcegos nas categorias alimentares e citam os itens que eles consumem. Em seu trabalho, Barreiro e Ortêncio Filho (2016) afirmam que, em alguns livros, aparecem imagens de morcegos visitando as flores e consumindo frutos ou néctar.
Neste trabalho, os hábitos frugívoros e os insetívoros apareceram 13 vezes; os hematófagos, 11 vezes; os nectarívoros, nove vezes, e os carnívoros, uma vez. Diferentes itens alimentares foram citados, como lagartos, pássaros, ratos, peixes, morcegos, frutos, insetos, sangue e flores, portanto, uma dieta bem variada. Evidenciar a diversidade dos padrões alimentares dos morcegos é sobremaneira importante, porque a maior parte da população acredita que esses animais só consomem sangue ou têm esse recurso como base de sua alimentação e complementa com outros itens (Silva et al.,2013). Além disso, a importância ecológica dos morcegos está intimamente relacionada à diversidade dos seus padrões alimentares, como, por exemplo, os nectarívoros, que efetuam a polinização; os frugívoros, a dispersão de sementes; e os insetívoros, o controle populacional de insetos (Reis et al., 2007; Reis et al., 2017; Oliveira et al., 2018).
Morfologia
Esse conteúdo é apresentado nos seguintes livros: 6LC01; 7LC03; 7LC05; 7LC06; 7LC07; 7LC10; 7LC11; 7LC12; 7LC14; 7LC16 e 7LC20. Quanto aos aspectos morfológicos dos morcegos, houve um destaque para as adaptações ao voo, evidenciando as modificações dos membros anteriores em asas. No livro 6LC01, consta que “os morcegos possuem asas formadas por membrana”, e no 7LC07, que “Os dedos e os ossos dos membros anteriores sustentam uma larga membrana denominada patágio, que se liga aos membros posteriores e ao lado do corpo”. Do ponto de vista morfológico, o destaque para essa modificação era esperado, porque é uma adaptação morfológica exclusiva dos morcegos que dá nome à ordem Chiroptera (mão modificada em asa) e é associada a outras modificações que possibilitam que o animal voe. Assim, os morcegos são os únicos mamíferos verdadeiramente voadores (Reis et al., 2007; Reis et al., 2017; Oliveira et al., 2018). Essa adaptação também é mencionada ao explicar os termos homologia e analogia nos livros didáticos, dando mais ênfase a essa característica. Entretanto, inúmeras outras adaptações dos morcegos poderiam ser tratadas, como as modificações que possibilitam o voo, mudanças para ficarem pendurados, a forma do corpo e as estruturas morfológicas, como orelhas e cauda.
Concordamos com Barreiro e Ortêncio Filho (2016), os quais referem que os livros didáticos abordam o conteúdo morfologia com pouco destaque e apresentaram conceitos gerais bastante superficiais e explicações simplistas.
Abrigo
Esses animais se abrigam em lugares onde se sentem protegidos e possam ter suas interações comportamentais, como a digestão dos alimentos, a reprodução e o cuidado com a prole. Esses abrigos podem ser de origem vegetal (copa das árvores, ocos dos troncos), mineral (cavernas, fendas em rochas) ou antrópica (telhados, dilatações de prédios) (Lima, 2008, Pacheco et al., 2016; Vilar et al., 2016). O tema esteve presente nos livros 6LC01; 6LC02; 6LC03; 7LC03; 7LC06; 7LC07; 7LC16; 7LC19, mas de forma superficial e não abrangeu a diversidade de abrigos que podem ser ocupados.
O destaque foi para cavernas (seis vezes), árvores (quatro vezes), casas abandonadas (três vezes), e os demais apenas uma vez (grutas, regiões urbanizadas, beiras de casas, bueiros, tocas, buracos, telhados, tetos de igreja, poços de elevadores), além de se abrigar em ambientes escuros. Como esses animais utilizam muito os abrigos nos ambientes urbanos (Costa; Pereira, 2018), seria importante trabalhar esse tema, porque é possível que, nas residências dos estudantes ou na própria escola existam colônias de morcegos estabelecidas. Além disso, seria importante abordar os cuidados com o manejo desses animais nos abrigos antrópicos, principalmente quando utilizam residências habitadas, o que favorece um bom convívio entre eles e os humanos.
Diversidade/riqueza
Poucos livros abordaram a diversidade e a riqueza mundial ou nacional. Os livros 6LC01, 6LC02, 6LC04, 7LC06, 7LC07, 7LC13 e 7LC20 apresentam a riqueza no Brasil. Esse é um conteúdo que deve ser destacado, pois, atualmente, os morcegos têm 21 famílias, 207 gêneros e 1.412 espécies catalogadas, o que representa um dos grupos mais ricos dentre os mamíferos (Simmons; Cirranello, 2020). Logo, evidenciar a riqueza dos morcegos nas diferentes estâncias mundial – nas Américas, no Brasil, em biomas e nas regiões - ajuda a entender sua contribuição com a Biodiversidade. Como exemplo, o Brasil é o segundo país mais diversos em relação à fauna de morcegos, com 182 espécies em 68 gêneros e 9 famílias (Reis et al., 2017; Abreu et al., 2020).
Ecolocalização
A ecolocalização é um sistema que consiste em emitir sons de alta frequência, captar e analisar os "ecos" retornados, o que ajuda a mapear o entorno do animal no ar ou na água (Costa, 2018), ou seja, é um recurso utilizado pelos morcegos para que se localizem no ambiente e encontrem suas presas. Isso também ocorre com outros grupos animais, como as baleias e os golfinhos. Para determinar a distância ou a posição de obstáculos e animais, os morcegos utilizam esse sistema. Em um livro afirma que “eles emitem um som muito agudo, que não podemos escutar (...)”. Esse dispositivo é baseado na emissão de ondas ultrassônicas, seguida da reflexão dessa onda quando chega ao alvo e retorna em forma de eco (Coelho et al., 2012).
Esses animais voam no escuro sem esbarrar em nada porque utilizam uma orientação especial. Emitem sons superagudos que alcançam os objetos e voltam, avisando-os da sua presença. É o princípio dos radares e sonares utilizados por aviões e navios. Com isso, os morcegos localizam suas presas e conseguem evitar choques durante o voo, que poderiam causar ferimentos (6LC01, p. 176).
Como são animais noturnos, os morcegos têm poucos cones na retina, uma estrutura relacionada à percepção das cores. Porém, não são cegos e dispõem desse sistema de ecolocalização, que é bastante eficiente para que possam se deslocar e localizar e capturar insetos (Costa, 2018) e foi utilizada como modelo para se construírem sonares em navios e submarinos e é um conteúdo também abordado pela Física.
Doenças
Diferentes patógenos estão associados aos morcegos, dos quais se destacam três zoonoses: histoplasmose, criptococose e raiva (Corrêa et al., 2013), que acometem os humanos. Nos livros analisados, só foi citada a raiva como doença vinculada aos morcegos, provavelmente pelo fato de ser a mais difundida e apresentar ampla distribuição e elevada letalidade. Outro fator que pode justificar são as campanhas anuais de vacinação da raiva e o fato de, dentre as zoonoses existentes, a raiva ser considerada uma das mais importantes quando se trata de Saúde Pública (Acha, 1967). Entretanto vale destacar que a raiva e as demais zoonoses aqui destacadas não apresentam unicamente os morcegos como veículo de transmissão ou propagação (Costa; Pereira, 2018).
Ainda sobre a raiva, devido ao hábito de consumir sangue, os morcegos hematófagos transmitem a doença (Costa; Pereira, 2018) e causam grandes prejuízos à economia, principalmente à pecuária (Queiroz et al., 2009). Por essa razão, destacam-se nos livros. O livro 7LC06 nos diz que os morcegos hematófagos são encontrados desde o México até o norte da Argentina e que eles atacam o gado e sugam 20 milímetros de sangue por noite. São considerados os principais causadores de mortes no campo. Já no livro 7LC19, consta que os morcegos podem transmitir a raiva para bois e cavalos.
Comportamento
O livro 6LC05 explica que os morcegos hematófagos ajudam outros que não se alimentaram regurgitando um pouco de alimento. Segundo Ferreira (2013), os morcegos-vampiros são muito cooperativos entre si, e essa característica é bem observada na forma altruística de partilha de alimentos. O autor ressalta que, quando um morcego não é bem sucedido na caça, solicita ao vizinho alimento, e ele regurgita sangue para alimentá-lo. É importante explicar outros aspectos desses animais, como, por exemplo, ficar pendurado, a comunicação entre eles e o cuidado com a prole.
Ameaças
É importante salientar que diversos fatores ameaçam a sobrevivência e a conservação dos morcegos, e a influência humana é apontada como o mais alarmante, ligado diretamente às mudanças climáticas, à perda e à alteração de habitat, à urbanização, à industrialização, à agricultura e à pecuária descontroladas, à introdução de espécies exóticas, a doenças e à exposição a contaminantes químicos no meio ambiente (Urbieta; Novaes, 2018). Apesar dessa grande diversidade de impactos que os morcegos estão sofrendo, esse tema só foi abordado em dois livros, dos 40 analisados. Em relação às ameaças citadas, o livro 7LC13 comenta sobre a perda de ecossistemas, destruição de refúgios, preconceito, inseticidas, energia eólica e espécies exóticas. E complementa que, devido ao medo, as pessoas exterminam os animais e seus refúgios, neste caso, os morcegos. O livro 6LC01 explica que, com a grande derrubada de árvores, muitas espécies desaparecem, e algumas delas podem ser extintas.
No ambiente urbano, os quirópteros são ameaçados por diversas atividades humanas e são vítimas constantes de agressões físicas, de queima de pneus dentro dos abrigos, da utilização de pomadas venenosas que causam sua morte, do uso de inseticidas, do manejo inadequado de suas colônias e da poluição química, sonora e luminosa (Urbieta; Novaes, 2018). Esses fatores fizeram com que algumas espécies de morcegos fossem incluídas nas listas de ameaçadas de extinção (Martins; Oliveira, 2018). Entretanto, nada é comentado nos livros sobre isso.
Hibernação
No livro 6LC03, há uma informação de que os quirópteros são menos ativos, caem no sono profundo e dormem, portanto, suas atividades vitais diminuem. Todavia, pesquisas esclarecem que essa tática de sobrevivência não é utilizada por morcegos que vivem em climas tropicais, como o do Brasil (Barreiro; Ortêncio Filho, 2016). Essa é uma estratégia adotada por morcegos de climas temperados para superar a escassez de alimentos e as exigências energéticas elevadas devido às temperaturas reduzidas (Augusto, 2008), quando a temperatura corporal e a taxa metabólica do animal são reduzidas para economizar temperatura e água (Stawski, Willis; Geiser, 2014). Um fato importante é que, para definir hibernação, os morcegos servem bem como modelos, diferentemente dos ursos, que não hibernam e são usados nos exemplos (Schmidt-Nielsen, 2002).
Mito
Por mais que a quiropterofauna apresente muitos benefícios para a natureza e para o homem, os morcegos ainda são animais cercados de mitos, lendas e estereótipos que fazem com que sejam percebidos como inimigos da população humana. Esses fatores relacionados ao estigma que os morcegos carregam por não serem animais belos fazem com que a população sinta medo e os considere pouco carismáticos. Além disso, o destaque dado à hematofagia de algumas espécies bem como a transmissão de patógenos, juntamente com os conceitos inautênticos sobre esse grupo também têm dificultado os métodos de conservação e deturpado a percepção da sociedade acerca dos quirópteros (Silva et al., 2013).
Apesar de os mitos relacionados aos morcegos estarem bem difundidos na população (Novaes et al., 2008; Marques; Filho; Magalhães Junior, 2011; Ribeiro; Magalhães Júnior, 2015), como “os morcegos são ratos velhos”, “todos os morcegos se alimentam de sangue”, “as lendas dos vampiros”, “morcegos são insetos” dentre outras, em apenas um livro o tema foi abordado. O livro 6LC01 explica que as pessoas associam os morcegos às lendas sobre vampiros. Porém, em nenhum momento, os livros abordaram a percepção que se tem sobre esses animais, a fim de trabalhar a desmistificação.
Atividades propostas
Dez livros propuseram atividades com morcegos (dois do 6° ano e oito do 7°), todas relacionadas a responder perguntas, usando ou não um texto complementar. Tais atividades estavam relacionadas diretamente aos conteúdos trabalhados. Elas não exigiam do leitor a busca de informações em outras fontes para elucidá-las nem relacionavam ao cotidiano dos estudantes. Concordamos com Barreiro e Ortêncio Filho (2016) que as atividades trabalhavam a interpretação de textos e o entendimento dos temas abordados nos capítulos dos livros. Poucos ofereciam subsídios para desenvolver questionamentos profundos.
Equívocos
Os livros didáticos são capazes de acrescentar ou reforçar alguns equívocos, estereótipos e mitificações sobre o conhecimento científico, ambiental e outros relacionados ao ensino de Ciências da Natureza (Megid Neto; Fracalanza, 2003) quando alguns erros passam despercebidos em suas revisões. Em diversos trabalhos realizados com a análise de conteúdos sobre diversos grupos da Zoologia, também foram encontrados equívocos ou generalizações acerca dos assuntos abordados (Santos et al., 2007; Romão; Boccardo; Souza, 2008; Santos; Silva, 2012; Bergmann; Dominguini, 2015), como a necessidade, apesar de o livro ter sido revisado, de manter um olhar crítico sobre ele.
Neste trabalho, os erros encontrados nos livros foram referentes à identificação taxonômica das imagens. No livro 7LC05, a legenda indicava a espécie Vampyrum sprectrum, porém o correto é Macroderma gigas. Na legenda do livro 7LC07, consta que “espécies hematófagas de morcego podem transmitir raiva”, mas a imagem em que está contida é de Artibeus lituratus, que é frugívoro. Já no livro 7LC10, há um erro na legenda, porque menciona o morcego nectarívoro, e a figura mostra um Myotis lucifugus, que é insetívoro. E no livro 7LC12, a legenda diz que é do gênero Artibeus, só que é Platyrrhinus lineatus.
No livro 7LC19, há um equívoco sobre os quirópteros. Afirma-se que “os morcegos não enxergam bem”. No entanto, é notória a existência de uma crença de que os morcegos não enxergam, provavelmente por serem animais noturnos. Só que, na realidade, eles enxergam e usam a ecolocalização. Esse sistema é importante para que consigam viver em florestas fechadas, pois usam a ecolocalização para não esbarrar na vegetação. Além de se orientar, eles usam essa estratégia para caçar e se socializar, ou seja, para se comunicar (Costa, 2018).
Alguns aspectos negativos relacionados aos quirópteros também são evidenciados em outros trabalhos realizados nas escolas com crianças (Scavroni; Paleari; Uieda, 2008; Simõeset al., 2012; Silva et al., 2013), adolescentes (Silva; Gentili, 2014) ou a população em geral (Novaes et al., 2008; Marques; Filho; Magalhães Junior, 2011; Ribeiro; Magalhães Junior, 2015), como no trabalho de Silva et al. (2013), que afirmam que crianças do ensino fundamental estão sempre associando os morcegos a uma série de mitos, como: são venenosos, transformam-se em vampiros, transformam pessoas em zumbis, matam as árvores, todos transmitem raiva, e sua urina pode transmitir doenças. Também ressaltam que a má interpretação influencia a conservação dos morcegos visto que as lendas e os mitos acabam contradizendo a verdadeira função deles no meio ambiente. Esse tipo de associação também foi mencionado independentemente de as crianças viverem em ambiente urbano ou rural (Scavroni; Paleari; Uieda, 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados indicaram que há uma abordagem qualitativa dos conteúdos dos livros didáticos utilizados na pesquisa a partir dos critérios de análise tiveram como base Vasconcelos e Souto (2003) e da Análise Hermenêutica Dialética de Minayo (1996). O destaque foi para a importância, a dieta e a morfologia. Quanto à composição de fauna descrita nos livros, é preciso incluir, nos recursos visuais, mais espécies nativas, porque identificamos uma riqueza de 26 espécies, a maioria exótica. Por essa razão, consideramos importante mostrar as espécies locais, para que os estudantes compreendam bem mais o assunto.
Encontramos algumas atividades relacionadas ligadas diretamente aos conteúdos trabalhados, mas que não exigiam que o leitor buscasse informações em outras fontes para elucidá-las nem contextualizá-las com o cotidiano dos estudantes. Foi possível observar poucos erros conceituais ou informações distorcidas presentes nos livros, porém a qualidade das informações sobre os quirópteros foi considerada insatisfatória devido à pouca exploração dos conceitos e aos discursos superficiais do conteúdo científico.
Recebido em: 11/06/2024
Aceito em: 13/12/2024
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