Quintais urbanos e a valorização dos saberes populares: um estudo etnobotânico

Urban backyards and the valorization of popular knowledge: an ethnobotanical study

Los pátios urbanos y la valorización del saber popular: um estudio etnobotânico

 

Maraysa Cristina Ribeiro Albuquerque (maraysa.albuquerque@prof.ce.gov.br)

Secretária de Educação do Ceará (SEDUC - CE), Brasil

https://orcid.org/0000-0002-8135-9722

 

Maria Pessoa da Silva (mariapessoa@pcs.uespi.br)

Universidade Estadual do Piauí (UESPI) - Campus Heróis do Jenipapo - Campo Maior, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-1065-015X

 

Kelly Polyana Pereira dos Santos (kellypolyana@cte.uespi.br)

Universidade Estadual do Piauí (UESPI) - Campus Jesualdo Cavalcanti Barros – Corrente, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-2830-1935

 

 

 

Resumo 

A botânica no ensino médio geralmente carece de atratividade devido às aulas teóricas e distante do ambiente natural, desmotivando os alunos. Com o intuito de conhecer as plantas domiciliarese promover uma abordagem interdisciplinarno ensino da botânica, valorizando a interação entre os saberes científicos e populares, a pesquisa foi desenvolvida com 20 alunos do 2º ano do ensino médio de uma escola pública no município de Tianguá, Ceará. Utilizaram-se métodos investigativos e participativos para estudar as plantas domiciliares. Os discentes demonstraram conhecer uma diversidade de plantas ao relatar 78 espécies diferentes, sendo que 35% dos vegetais mencionados são encontrados nos domicílios. A abordagem investigativa, aliada à interação dos alunos com seus familiares e ao uso do quintal domiciliar como laboratório,teve impacto positivo na construção do conhecimento botânico, tornando-o mais significativo e relevantepara realidade dos estudantes.

Palavras-chave:Ambientes de aprendizagem; Ensino de ciências por investigação; Etnobotânica.

 

Abstract

Botany in secondary schools generally lacks attractiveness due to its theoretical lessons and its distance from the natural environment, which demotivates students. With the aim of learning about houseplants and promoting na interdisciplinary approach to teaching botany, valuing the interaction between scientific and popular knowledge, the research was carried out with 20 second-year high school students from a public school in the municipality of Tianguá, Ceará. Investigative and participatory methods were used to study houseplants. The students demonstrated their knowledge of a wide range of plants by reporting 78 different species, 35% of which are found in the home. The investigative approach, combined with the interaction between the students and their families and the use of the backyard as a laboratory, had a positive impact on the construction of botanical knowledge, making it more meaningful and relevant to the students' reality.

Keywords: Learning environments; Science teaching through investigation; Ethnobotany.

 

Resumen

La botânica en las escuelas secundarias generalmente carece de atractivo debido a lecciones teóricas alejadas del entorno natural, lo que desalienta a los estudiantes. Com el objetivo de conocer las plantas de interior y promover um abordaje interdisciplinario de la enseñanza de la botánica, valorizando la interacción entre el conocimiento científico y el popular, la investigación se realizo con 20 alumnos de segundo año de enseñanza media de una escuela pública del municipio de Tianguá, Ceará. Se utilizaron métodos investigativos y participativos para estudiar las plantas domésticas. Los alumnos demostraron su conocimiento de una diversidad de plantas al informar sobre 78 especies diferentes, el 35% de lãs cuales se encuentran em el hogar. El enfoque investigativo, combinado com la interacción entre los alumnos y sus familias y el uso del patio como laboratorio, tuvo un impacto positivo em la construcción del conocimiento botánico, haciéndolo más significativo y relevante para la realidad de los alumnos. 

Palabras-clave: Entornos de aprendizaje; Enseñanza de las ciencias mediante la indagación; Etnobotánica.

 

 

 

INTRODUÇÃO

O primeiro artigo da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB - (Lei 9.394/96) afirma que a educação engloba os processos de formação que ocorrem na vida familiar, nas interações, nos ambientes de trabalho, nas escolas, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas expressões culturais (Brasil, 1996). A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017 elencou como a primeira competência da educação básica o reconhecimento e a aplicação dos saberes construídos ao longo da história, a fim de compreender e contribuir na construção de uma sociedade “justa, democrática e inclusiva” (Brasil, 2017, p.9).

Apesar desses embasamentos legais, que preconizam a inclusão e valorização dos saberes populares no ensino de ciências, o Brasil ainda não incorporou significativamente um elo entre as diferentes culturas e o conhecimento científico. Baptista (2007) destaca que o docente ao promover um diálogo entre os saberes, proporcionará ao aluno momentos de reflexão, desenvolvimento da criticidade e argumentação, além de fazê-lo perceber que existem outros caminhos para construção do conhecimento que vão além do científico.   

Portanto, o processo de ensino e aprendizagem precisam ser contextualizados a partir das vivências, do ambiente social e cultural dos discentes. Festas (2015) complementa que, atualmente, na educação, a contextualização ocupa um espaço de grande relevância, defendendo que as instituições de ensino sejam centradas nos diversos saberes.

Para Siqueira (2011) quando os estudantes têm as suas vivências pessoais, sociais e culturais valorizadas conseguem aprender e apreender melhor os conhecimentos científicos, mas, para alcançar este objetivo os docentes precisam lançar mão de metodologias que viabilizem essa transposição didática, contemplando os saberes populares e científicos.

Nesse contexto, visando a “humanização” do ambiente escolar, o rompimento da passividade presente no ensino tradicional, a ampliação do ambiente educativo para além dos muros das instituições de ensino e a valorização dos saberes populares, os quintais urbanos, um espaço não formal, quando bem explorados, revelam-se excelentes laboratórios vivos para desenvolvimento de estudos, resgate e valorização dos saberes populares.          

Dentre o leque de aprendizagens que a utilização dos quintais pode proporcionar, destaca-se o estudo das plantas, estas que são frequentemente rotuladas pelos discentes como enfadonha e difícil, em que o livro didático figura como o principal recurso pedagógico e as aulas se resumem à memorização de conceitos, nomenclaturas e classificações, visando obter créditos nas atividades avaliativas. Ursi et al. (2018) complementam que as abordagens didáticas utilizadas no ensino de botânica são desconexas, faltam atividades práticas e o uso limitado de tecnologias são obstáculos quem pode justificar o desinteresse e dificuldade de aprendizagem dos alunos.

Matos et al. (2021) destacam que a dificuldade em integrar os conhecimentos sobre as espécies vegetais locais no ensino de ciências pode resultar no desconhecimento não apenas entre os estudantes, mas também na comunidade em geral. Essa lacuna, segundo os autores, pode contribuir para a perda de espécies vegetais nativas, decorrente da ausência de conhecimento e da falta de valorização dessas plantas.

Portanto, a etnobotânica na escola apresenta-se como uma promissora ferramenta metodológica para a valorização dos saberes populares, a cognição botânica dos alunos e sua integração aos conhecimentos científicos. Promove tanto o conhecimento científico quanto o saber popular, posicionando o aluno como protagonista de seu aprendizado e apresentando a Ciência como uma construção social e cultural (Sganzerla, Coutinho, Marzari, 2021).

Esta abordagem pode ser desenvolvida por meio de metodologias participativas, em que os integrantes da pesquisa se tornam coautores do conhecimento. Segundo Sieber e Albuquerque (2010), as técnicas participativas são utilizadas para a troca de experiências entre os envolvidos, a valorização cultural e a coleta de dados, não se limitando apenas aos resultados, mas também ao processo de aprendizado. Os autores acrescentam que entrevistas, reuniões, oficinas, mapeamento comunitário, linha do tempo, gráfico histórico e exercícios de pontuações são métodos que podem ser empregados na realização das atividades participativas.

Diante do exposto, a presente pesquisa teve como objetivo conhecer as plantas domiciliares dos estudantes do ensino médio e promover uma abordagem interdisciplinar, no ensino da botânica, valorizando a interação entre os saberes científicos e populares. 

PERCURSO METODOLÓGICO

A presente pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí – UFPI, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros, e foi aprovada por meio de parecer consubstanciado de número 4.414.696. Foi desenvolvida entre os meses de março a outubro de 2021, em uma escola pública estadual de nível médio localizada no município de Tianguá, microrregião da Ibiapaba e mesorregião do Noroeste Cearense tendo uma extensão de 908,9 km2 (Figura 1), situado a 775,92 m de altitude e com as seguintes coordenadas geográficas: Latitude: 3° 43' 56'' Sul, Longitude: 40° 59' 30'' Oeste (IPECE, 2009).

Figura 1 - Localização da escola pública estadual de nível médio no município de Tianguá, Ceará, Brasil.

 

Os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram os alunos matriculados no 2º ano da referida escola e ser discente da autora, o que correspondeu a 45 participantes aptos. Por se tratar de um espaço amostral pequeno (N ≤ 50) foi selecionado todo o universo amostral (Bernard, 1988). Destes, 20 alunos mostraram interesse em participar do estudo, assinando os termos de consentimento. Esse espaço amostral está dividido em 14 alunos do gênero feminino e 06 do gênero masculino, com faixa etária entre 15 e 17 anos.

Em virtude do período pandêmico, a pesquisa aconteceu de forma remota por meio de encontros virtuais utilizando o aplicativo Google Meet, em que foi elaborado e aplicado uma Sequência Didática (SD) intitulada “CSI Botânico: quem invadiu o meu quintal?”. Esta aplicação uniu a etnobotânica e a abordagem investigativa nos conteúdos referentes a botânica. No que tange à etnobotânica, os dados foram coletados por meio das metodologias participativas, conforme Sieber e Albuquerque (2010) afirmam: “é um instrumento que possibilita um processo natural de coleta de dados, gerando informações interessantes sobre a realidade pesquisada, com maior crítica e envolvimento dos participantes.” Nesse contexto de pesquisa participativa,Martinéz e Chevéz (1996) complementam que naturalmente surgem os protagonistas durante a aplicação dos procedimentos dialógicos. É importante salientar que, devido à pandemia, o Ministério da Saúde (MS) adotou o isolamento social como uma das medidas para contenção do vírus. Diante dessa situação, a pesquisa participativa foi construída no núcleo familiar de cada discente.

A SD foi desenvolvida em dez aulas distribuídas de forma igualitária, sendo que cinco corresponderam aos encontros síncronos e as outras cincos foram destinadas ao desenvolvimento de atividades assincronamente. A temática abordada contemplou a etnobotânica e a morfologia vegetal. Foram propostas e executadas atividades investigativas, onde os discentes agiriam como detetives e desvendariam o mistério sobre quem invadiu o quintal deles.Nesse contexto de ludicidade, percorreram alguns caminhos para conhecer o “invasor”. É válido ressaltar que nos momentos síncronos, os alunos apresentavam as suas descobertas e eram instruídos quanto à realização da nova missão; já nos momentos assíncronos, realizavam suas pesquisas conforme orientação e disponibilizavam suas produções no Google Classroom.

No primeiro encontro virtualfoi utilizada a técnica da lista livre,na qual foi solicitado aos discentes que listassem plantas e, posteriormente, justificassem a escolha e a sequência pela qual estas foram citadas. A lista livre é uma metodologia muito comum,na qual é possível levantar informações e “identificar especialistas locais em um determinado domínio cultural ou até mesmo examinar a variação intracultural nesse domínio” (Sieber;Albuquerque, 2010).                                   

Posteriormente, os alunos foram orientados quanto à criação e importância do diário de bordo como ferramenta metodológica na alfabetização científica. Com o aumento do uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC`s), os discentes tiveram a liberdade de realizar adaptações na construção dos seus diários de bordo, podendo assim optar entre a construção em um caderno ou utilizando os recursos digitais. Falkembach (1987) orienta que este instrumento seja de uso individual,descrevendo suas observações e reflexões constando data, hora e lugar de onde fizeram as investigações.

Após a construção dos diários de bordo, os alunos foram a campo e transformaram seus quintais em laboratório vivo.Nesse primeiro contato, foi instruído que fotografassem as plantas e registrassem a data completa, horário, local, partes visíveis da planta, características do ambiente em que estavam inseridas e possível tamanho. Com ajuda dos cuidadores do quintal, nomearam as plantas fotografadas. 

Em seguida, entrevistaram os familiares sobre a história do quintal, constando o seu início, as primeiras plantas cultivadas, as suas utilidades e após o levantamento de todas as informações construiu-se a linha do tempo. A técnica da linha do tempo é uma importante ferramenta em que partindo da análise do passado dos envolvidos na pesquisa é possível ponderar sobre o presente, sobretudo na utilização dos recursos naturais. Na medida em que os participantes recordarem os eventos, uma linha vertical é desenhada para representar a linha do tempo. Todas as informações são devidamente anotadas em um formulário pré-elaborado (Geilfus,2002; Sheilet al., 2004).

Após realizarem os levantamentos de dados etnobotânicos, os discentes receberam uma planilha a ser preenchida com informações sobre morfologia botânica. Nesta nova etapa, eles selecionaram cinco plantas da lista livre e que estavam presentes em seus domicílios. Em seguida, realizaram pesquisas em livros e na internet para cumprir esta nova missão.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A Botânica, no desenvolvimento desta pesquisa, foi aliada à etnobotânica e ao ensino investigativo por meio da aplicação de uma SD intitulada “CSI botânico: quem invadiu o meu quintal?”           

Com o propósito de problematizar, envolver os alunos no desenvolvimento da aula e verificar os seus conhecimentos botânicos foi solicitado que criassem uma lista com nomes de plantas. Esta etapa contou com a participação de 20 discentes e após análise obteve-se 170 citações com 78 espécies diferentes. As plantas mais referenciadas foram: samambaia com 14 citações, seguida de orquídea com 7 e boldo, cacto, babosa e roseira, com 6 citações cada (Figura 2).       

Fonte: Alunos do 2º ano de uma escola pública do município de Tianguá-CE.

Figura 2 - Plantas mais citadas e fotografadas pelos discentes do 2º ano do ensino médio de uma escola pública de Tianguá – CE. A= Samambaia; B= Orquídea; C= Boldo; D= Cacto E = Babosa F= Rosas

 

A quantidade significativa de espécies mencionadas demonstra que os discentes conhecem bastante plantas sendo um dado bem expressivo ao se comparar com os estudos realizados por Oliveira et al. (2020) que solicitaram aos alunos do fundamental II que listassem duas plantas do seu cotidiano e estes citaram 38 espécies. Assim como na pesquisa de Schneider (2021) em que os discentes listaram apenas 43 espécies.   

Dentre as plantas mais citadas na lista livre, as ornamentais lideraram com 67% e destas, a samambaia, uma pteridófita bastante comum na decoração das residências, foi a mais referenciada. Após análise, constatou -se que foi um dado bastante relevante e, ao mesmo tempo inesperado, pois, em algumas pesquisas outras categorias de uso são mais recorrentes, como no trabalho de Bonfim et al. (2015) cujas plantas alimentícias estiveram presente em que 47,8% das citações corroborando com a pesquisa de Oliveira et al. (2020) em que 66% das listas constavam as alimentícias e em apenas 10% contemplavam as ornamentais. Em contrapartida Silva, Oliveira e Abreu (2017) ao realizarem uma turnê-guiada nos quintais da zona rural do semiárido piauiense constataram que cerca de 41% das plantas cultivadas são ornamentais.  

Em relação à justificativa da escolha das plantas na lista livre, 35% dos alunos afirmaram que elas estão presentes no domicílio e apenas 5% relataram dificuldade em criar a lista e que precisaram da ajuda de um familiar na execução da atividade proposta (Figura 3). É importante ressaltar que este último dado se torna inválido à coleta de informações etnobotânica, pois, a técnica da lista livre visa fazer um levantamento do domínio cultural do participante sem interferência de terceiros. Entretanto, nesta pesquisa optou-se por mantê-lo, pois, ele também expõe as fragilidades e dificuldades que alguns alunos apresentam, fazendo-se necessário ao docente recorrer à estratégia metodológicas diferenciadas que permitam a inserção destes, no desenvolvimento da aula.

 

Fonte: Alunos do 2º ano de uma escola pública do município de Tianguá-CE.

Figura 3 - Critérios utilizados pelos discentes do 2º ano do ensino médio de uma escola pública de Tianguá – CE para listagem das plantas

 

Os dados supracitados permitem algumas reflexões, a primeira é que os discentes não são alheios ao ambiente inserido, eles observam e apreciam as plantas, pois, as ornamentais foram mencionadas prioritariamente. Segundo, as espécies mais citadas são bastantes comuns e estão presentes no cotidiano dos estudantes demonstrando um potencial recurso para as aulas de botânica, especialmente no que se referem aos grupos das pteridófitas e angiospermas.                                                                                   

Diante destas assertivas, é perceptível que os discentes levam consigo vivências e experiências botânicas, ao mesmo tempo que os docentes ao valorizar estes saberes e viabilizar a interação destes com os conhecimentos científicos, possibilitará a construção de uma aprendizagem significativa.

A segunda etapa da pesquisa contou com a participação de oito estudantes, nesse momento foi apresentado e orientado quanto a construção do diário de bordo, um instrumento que auxilia no desenvolvimento da alfabetização científica, além de ser um suporte no ensino investigativo, corroborando com Oliveira, Gerevini e Strohschoen (2017) que utilizaram o potencial metodológico desta ferramenta para integrar seus discentes no processo investigativo, pois, estes observaram, registraram as descobertas e as refletiram.                                                                                                                                 Após as instruções, solicitou-se aos alunos que elaborassem os seus diários. Em vista disso, 62,5% optaram por utilizar as tecnologias digitais nas suas construções (Figura 4) e 37,5% o fizeram manualmente (Figura 5). É importante ressaltar, que nos materiais produzidos pelos alunos constavam informações detalhadas das plantas domiciliares tais como: o registro fotográfico, nome popular, estruturas visíveis, tamanho, características do ambiente em que ela estava localizada, data e horário das observações.

Visando um ensino alicerçado na investigação utilizou-se este recurso no desenvolvimento do estudo. A prática da pesquisa, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica, desenvolve atitudes científicas e que estas potencializam, no decorrer da vida do aluno, a análise, interpretação, reflexão, criticidade, busca de soluções e proposição de alternativas (Brasil, 2013).

Fonte: Alunos do 2º ano de uma escola pública do município de Tianguá-CE.

Figura 4 -Diários de bordo elaborados digitalmente pelos discentes do 2º ano do ensino médio de umaescola pública de Tianguá – CE.

 

 

Fonte: Alunos do 2º ano de uma escola pública do município de Tianguá-CE.

Figura 5 - Diários de bordo elaborados manualmente pelos discentes do 2º ano do ensino médio de uma escola pública de Tianguá – CE.

 

Um novo desafio foi lançado aos detetives botânicos, a realização de uma entrevista com os cuidadores do quintal sobre a história deste espaço, relatando o seu início, as plantas existentes e as suas utilidades. Na execução desta atividade participaram quatro alunos. Após análise, construiu-se a linha do tempo de cada quintal (Figura6), apresentando os principais eventos referenciados.   

Fonte: Alunos do 2º ano de uma escola pública do município de Tianguá-CE.

Figura 6 - Linhas do tempo produzidas pelos discentes do 2º ano do ensino médio de uma escola pública de Tianguá – CE. A1 = Aluno 1; A2 = Aluno 2; A3 = Aluno; A4= Aluno 4

 

Observando-se as histórias dos quintais domiciliares, constatou-se uma característica em comum sobre o início destes espaços, é que as primeiras espécies plantadas e manejadas foram em função de prover a necessidade alimentícia e/ou medicinal da família, já as ornamentais ocuparam o terceiro nível de importância. Ratificando com a pesquisa de Carnielloet al. (2010) e Lobato et al. (2017), cujos quintais também estão associados às necessidades populacionais. Nos estudos de Siviero et al. (2011), sobre as plantas cultivadas nos quintais urbanos em Rio Branco, registraram uma riqueza de plantas alimentares, com setenta e sete espécies diferentes.

No primeiro momento da pesquisa, a construção da lista livre, os alunos destacaram as ornamentais, mas, ao observar a história dos quintais estas não foram, inicialmente, prioridade. Contudo, ao aliar o ano de construção e estruturação do espaço, antes mesmo do nascimento dos estudantes, com a sequência dos cultivos, informados pelos cuidadores, justificam as ornamentais estarem no topo da lista, pois, estas foram as últimas plantadas adequando-se com o momento atual dos alunos.

Em relação ao tamanho dos quintais, as linhas do tempo do aluno 1 (A1) e do aluno 2 (A2) demonstram ter um espaço amplo, pois, as primeiras plantas cultivadas foram do estrato arbóreo, como coqueiro e jaqueira, respectivamente. As linhas do tempo dos alunos 3 (A3) e 4 (A4) ao se concatenar com os respectivos cultivos, apontam para um espaço territorial menor, fundamentando-se com os dados da pesquisa de Carnielloet al. (2010), em que 75% dos domicílios pesquisados mediam entre 200 a 500 m2, predominando espécies herbáceas. Em contrapartida, Ranieri e Zanirato (2021) se depararam com quintais variando de 6 m2 a 1.600 m2. Amaral e Guarim Neto (2008) ao unificarem o domicilio com o quintal encontraram uma média de 622 m2 e com formato retangular. Nesse aspecto, a variação da área territorial reflete a localização das residências, a grande maioria na zona urbana, e as espécies cultivadas estão intimamente ligadas às necessidades dos proprietários e cuidadores que aliam o porte das plantas com o espaço disponível.

Na linha do tempo do aluno 3 (A3) fica implícito as aptidões religiosas da cuidadora, ao relatar que se utiliza das flores do seu quintal para ornamentar a igreja. Este dado corrobora com a pesquisa de Carnielloet al. (2010) que reconheceram como uma especialidade das mulheres os cultivos de espéciesornamentais, assim como Siviero et al. (2014) que também verificaram uma maior participação feminina nos cuidados com esta categoria de planta. Lobato et al. (2017) ao traçarem o perfil dos informantes constataram que 84% dos quintais são mantidos por mulheres. De acordo com Winklerprins e Oliveira (2010), a presença deste gênero nos quintais está diretamente relacionada com a finalidade e tamanho da área, elas costumeiramente zelam espaços menores e sem fins lucrativos, em contrapartida, os homens cuidam de espaços maiores e com finalidades comerciais.

É notório também, na linha do tempo A3, que este espaço tem bastante representatividade na vida familiar promovendo qualidade de vida e bem estar mental, pois, o mesmo é utilizado nos momentos de lazer, diálogo e descontração mostrando assim ser um ambiente terapêutico. Nesta linha é perceptível outras formas de uso do quintal domiciliar e os benefícios que estes espaços proporcionam. Spanholi e Barreto (2018) elucidaram que para 71% dos participantes entrevistados, as plantas proporcionam qualidade de vida, em que destacam como um hobby o momento destinado aos cuidados com as mesmas, ajudando a passar o tempo e trazendo satisfação. Winklerprins e Oliveira (2010) complementam que os quintais urbanos são áreas de lazer e/ou produção em que as pessoas, prazerosamente, cuidam deste espaço expressando a vida agrícola rural no ambiente urbano.

Ao observar a linha do tempo do aluno 4 (A4) o cuidador retrata que o amor pelas plantas foi desabrochado ainda na infância ao observar os seus genitores cuidando dos vegetais da casa. Esta criança cresceu, organizou o seu próprio quintal, realizou seus primeiros cultivos ancorado nos saberes repassados pelos seus pais e hoje todos os membros da sua família estão envolvidos nos cuidados das plantas. Silva et al. (2019) reforçam que o manuseio das plantas nos quintais ativa lembranças e experiências anteriores que foram transmitidas entre as gerações.

Nesse contexto, admite-se que os quintais são espaços de conservação e transmissão de conhecimentos ao longo das gerações. Ferreira, Rodrigues e Costa (2017) destacam nos seus estudos que 57% das pessoas entrevistadas referenciaram os pais, como responsáveis por ensinar sobre formas de uso e cultivo das plantas medicinais. Assim como 93% afirmaram que repassam estes conhecimentos. Liporacchi e Simão (2013) complementaram que os conhecimentos são transmitidos, na maioria das vezes, pelas mães e avós, independentemente do nível de instrução escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento desta pesquisa ocorreu em um período atípico, pois o mundo estava enfrentando uma pandemia.Diante dessa nova realidade, a educação teve que se reinventar e adaptar-se ao ensino à distância, à ausência de contato físico e a todas as dificuldades enfrentadas por docentes e alunos.Especialmente em relação ao acesso e àpermanência nas aulas remotas, observou-se durante a aplicação da sequência didática uma variação no número de alunos participantes.                   

Como a sequência didática foi aplicada remotamente, tornou-se inviável a análise dos episódios de ensino. Em que os momentos síncronos aconteciam por meio da plataforma Google meet, mas, também muitos conceitos, habilidades e competências os alunos construíram e desenvolveram assincronamente, no diálogo com os familiares, ao desbravar os quintais, nas análises das plantas, bem como nas pesquisas realizadas nos livros didáticos e em sites educativos disponíveis na internet.

Perante tantos problemas e necessitando de estratégias pedagógicas que colocassem o discente como protagonista e viabilizassem a construção de uma aprendizagem significativa, neste trabalho, utilizou-se o ensino de ciências por investigação tornando assim as aulas mais atrativas, relevantes e promovendo efetivamente o ensino da botânica para além do enfoque memorístico de nomenclaturas e classificações.

Com a aplicação da sequência de ensino investigativa foi possível coletar dados etnobiológicos. O processo investigativo aconteceu por meio da ludicidade, na figura do detetive com suas missões, em que nos primeiros desafios a etnobotânica foi uma forte aliada, mostrando-se uma ferramenta metodológica bastante eficaz, visto que os estudantes interagiram com os familiares, trocaram experiências e conhecimentos, valorizando assim os saberes populares.                                          

Durante o desenvolvimento da SD, percebeu-se que nos quintais domiciliares são cultivados uma infinidade de espécies vegetais cujos fins são: alimentícios, medicinais e ornamentais. Nesse contexto, os estudantes ao analisarem as plantas que fazem parte do seu cotidiano torna o processo de aprendizagem mais prazeroso.

A utilização dos quintais, como laboratório vivo, também oportunizou aos alunos a vivência do método científico na prática, permitindo assim a ressignificação dos conteúdos abordados nos livros didáticos, aproximando a botânica da sua realidade e construindo assim seus conhecimentos empiricamente.

 

Recebido em: 03/05/2024

Aceito em: 08/04/2025

 

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