A pesquisa na educação básica: um olhar docente a partir das feiras de ciências em Mato Grosso do Sul
Research in basic education: a teaching perspective from science fairs in Mato Grosso do Sul
Investigacióneneducación básica: una perspectiva docente desde lasferias de ciencias de Mato Grosso do Sul
Joshua Augusto Alves Gonçalves (joshua.alves@acad.ufsm.br)
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil
https://orcid.org/0000-0002-1023-9416
Tiana de Paula Assis (tianaweinmann@gmail.com)
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil
https://orcid.org/0000-0003-4398-2537
Estela Maris Giordani (estela.giordani@ufsm.br)
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil
https://orcid.org/0000-0002-7907-6125
Ivo Leite Filho (ivojedaleite@uol.com.br)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Brasil
https://orcid.org/0000-0003-4686-2389
Resumo
Este estudo investiga os impactos da pesquisa científica no processo de aprendizagem de alunos da educação básica (EB) e o papel dos órgãos públicos. São explorados aspectos relacionados à experiência dos professores como orientadores de projetos de pesquisa, seus desafios, o papel das autoridades e como o desenvolvimento de pesquisas e a participação em feiras de ciências contribuem para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com professores orientadores de projetos de pesquisa no ensino fundamental, médio e técnico de instituições públicas e privadas do estado do Mato Grosso do Sul. Os resultados indicam uma percepção positiva do envolvimento dos alunos em iniciativas de pesquisa, com sinais claros de amadurecimento científico e desenvolvimento de habilidades profissionais que os destacam em relação aos seus pares. No entanto, foi identificado um baixo apoio financeiro e institucional por parte das escolas e do governo para fomentar os projetos de pesquisa, apesar de as instituições utilizarem trabalhos premiados como vitrine para a comunidade. De forma geral, destaca-se a necessidade de criar um ambiente de incentivos e recompensas, apoiado pelo governo e pelas instituições de ensino, para promover a pesquisa na educação básica.
Palavras-chave: Iniciação científica; Educação básica; Instituições de ensino; Governo; Feira de Ciências.
Abstract
This study investigates the impacts of scientific research on the learning process of basic education (BE) students and the role of public agencies. Aspects related to the experience of teachers as research project advisors, their challenges, the role of authorities, and how the development of research and participation in science fairs contribute to the teaching-learning process of students are explored. Data collection was carried out through interviews with teachers who supervise research projects in elementary, middle, and technical education in public and private institutions in the state of Mato Grosso do Sul. The results indicate a positive perception of student involvement in research initiatives, with clear signs of scientific maturity and the development of professional skills that set them apart from their peers. However, low financial and institutional support from schools and the government for fostering research projects was identified, despite institutions using award-winning works as showcases for the community. Overall, the need to create an environment of incentives and rewards, supported by the government and educational institutions, to promote research in basic education is highlighted.
Keywords: Scientific research; Basic education; Educational institutions; Government; Science fair.
Resumen
Este estudio investiga los impactos de lainvestigación científica enelproceso de aprendizaje de losestudiantes de educación básica (EB) y el papel de los organismos públicos. Se exploran aspectos relacionados conla experiencia de losprofesores como orientadores de proyectos de investigación, sus desafíos, el papel de las autoridades y cómoeldesarrollo de investigaciones y laparticipaciónenferias de cienciascontribuyen al proceso de enseñanza-aprendizaje de losestudiantes. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas conprofesores que supervisanproyectos de investigaciónenlaeducación primaria, secundaria y técnica eninstituciones públicas y privadas del estado de Mato Grosso do Sul. Los resultados indican una percepción positiva delinvolucramiento de losestudiantesen iniciativas de investigación, con signos claros de madurez científica y desarrollo de habilidades profesionales que losdestacanenrelacióncon sus pares. Sin embargo, se identificóun bajo apoyofinanciero e institucional por parte de lasescuelas y elgobierno para fomentar losproyectos de investigación, a pesar de que lasinstitucionesutilizantrabajos premiados como vitrinas para lacomunidad. En general, se destaca lanecesidad de crearun ambiente de incentivos y recompensas, apoyado por elgobierno y lasinstituciones educativas, para promover lainvestigaciónenlaeducación básica.
Palabras-clave: Iniciación Científica; Educación básica; Instituciones de enseñanza; Gobierno; Feria de Ciencias.
INTRODUÇÃO
As análises apresentadas neste artigo têm como ponto de partida a premissa de que a pesquisa de iniciação científica tem se sedimentado como uma estratégia eficaz para promoção do interesse científico nas salas de aula e geração de ganhos na dinâmica de aprendizagem professor-aluno (Tytler, 1992; Gomez, 2007). A pesquisa na educação básica (EB) baseia-se na relação escola, professor e aluno. Nesse arranjo, o professor orienta e direciona os alunos para o seu primeiro contato com o processo de produção de conhecimento. Além da docência em sala de aula, a participação do professor da educação básica na pesquisa em meio ao ambiente escolar tem crescido e gerado estudos e discussões. Silva (2008) destaca a importância que a pesquisa desempenha no âmbito da função docente, cujo mero acúmulo de informações não comporta a formação multifacetada esperada dos indivíduos, sendo também necessária a reconstrução de conhecimento.
Para Demo (2021), a escola precisa ser mais que um espaço de disciplinas; ela deve ser um lugar de trabalho coletivo, com um ambiente positivo, capaz de conseguir a participação ativa do aluno. Segundo Lopes (2017), os objetivos da educação incluem a promoção do desenvolvimento intelectual e pessoal do aluno. A autora questiona a falta da importância que é dada aos esforços para projetos e ações educativas, dado a relevância da preparação do jovem para uma atuação mais criativa e crítica na sociedade.
Portilho e Almeida (2008, p. 469) compreendem que a pesquisa pode gerar “construções de aprendizagem significativa” para os alunos, pois implica em formar uma atitude que busca compreender os fenômenos sociais e naturais. No processo de pesquisa, o aluno transforma-se em parceiro de trabalho do professor e deixa de ser apenas objeto de ensino (Demo, 2021). Das diferentes formas de motivar um aluno, a principal é que o professor seja um modelo de pessoa motivada (Oliveira; Boruchovitch; Santos, 2009; Lourenço; De Paiva, 2010). Nesse sentido, é importante a figura do professor para o aluno, pois acaba se tornando um espelho para o sucesso ou fracasso do estudante.
A condição essencial para educar pela pesquisa é que o professor a tenha como atitude cotidiana e entenda a pesquisa como um princípio científico e educativo – ainda que na educação básica não exista essa cultura em si –, utilizando a pesquisa como instrumento principal do processo educativo (Demo, 2021). Pesquisar na educação básica é considerado importante para professores e formadores, mas nem sempre é visto como imprescindível para o seu trabalho, sobretudo em função das condições impostas para a sua realização e divulgação (Lüdke; Cruz, 2005; Lüdke; Cruz, Boing, 2009).
As pesquisas realizadas dentro da escola – ou, mais especificamente, no ambiente escolar – devem, como parte do processo, ser apresentadas para a comunidade escolar e sociedade como resultados dessa aprendizagem desenvolvida pelos alunos. Nesse âmbito, as feiras escolares, de ciências e culturais trazem uma aproximação entre a comunidade escolar, na medida em que existe essa interação na construção do conhecimento. Para Pavão e Lima (2019), a feira de ciências é responsável por estimular, organizar e divulgar a produção científica dentro das escolas, envolvendo a participação de alunos e familiares, professores e a comunidade.
Uma feira de ciências é caracterizada na literatura como a “exposição pública de trabalhos científicos realizados por jovens, na qual estes oferecem explicações, respondem perguntas sobre seus métodos e conclusões” (UNESCO, 1985, p. 10). Segundo Pavão e Lima (2019), se bem encaminhadas e inseridas no currículo, as feiras de ciências causam impacto social significativo nas comunidades onde os estudantes estão inseridos. Logo, a realização de tais ações no espaço escolar é capaz de estimular o desenvolvimento da cultura científica, ao mesmo tempo em que desenvolve novas competências do estudante da educação básica, à medida que este realiza e expõe seu projeto de pesquisa científica (Dos Santos, 2012).
Dessa forma, este estudo busca compreender e demonstrar a importância da pesquisa no processo aprendizagem dos alunos da educação básica, partindo dos relatos de professores orientadores de projetos que ingressaram nas feiras de ciências do estado do Mato Grosso do Sul. Foram definidos os seguintes objetivos específicos: i) levantamento dos professores participantes da feira estadual de Mato Grosso do Sul, utilizando informações publicadas oficialmente através dos anais desses eventos; ii) compreensão dos aspectos que compõem a experiência e os desafios enfrentados pelo professor orientador de projetos de pesquisa na educação básica e do papel atribuído às autoridades nesse processo; iii) análise da forma com que o desenvolvimento de pesquisa e participação na Feira de Ciências pode contribuir no processo ensino aprendizagem; iv) discussão do papel do Estado e das instituições de ensino no fomento à pesquisa na educação básica.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A abordagem metodológica adotada neste estudo é quantitativa-descritiva, pois analisa dados de participação das feiras de ciências do Estado de Mato Grosso do Sul, e qualitativa, uma vez que busca, através de entrevistas, trabalhar com problemas sociais e fornecer descrições detalhadas do caso (Bloor, 2011). Na avaliação de cunho qualitativo, é utilizada a técnica de entrevista, a qual procura obter dados subjetivos a respeito dos valores, atitudes e opiniões dos sujeitos entrevistados (Boni, 2005). Segundo Ludke e André (2004), a entrevista desempenha um papel importante não apenas nas atividades científicas, mas também em muitas outras atividades humanas. As entrevistas foram realizadas de forma semiestruturadas. Segundo Boni (2005), nesse tipo de entrevista, o pesquisador deve seguir um conjunto de questões definidas previamente, as quais são realizadas de forma muito semelhante a uma conversa informal.
No que se refere aos objetivos metodológicos, a pesquisa classifica-se como pesquisa exploratória. De acordo com Richardson et al. (1989, p. 281), “a pesquisa exploratória procura conhecer as características de um fenômeno para procurar explicações das causas e consequências de determinado fenômeno”. Logo, o principal propósito dessa técnica é obter insights através da escuta de um grupo de pessoas selecionadas a respeito de questões de interesse do pesquisador, buscando estabelecer paralelos com a teoria acerca dos temas trabalhados (Révillion, 2003). O estudo foi conduzido, em sua fase de análise dos dados, adotando a técnica de análise de conteúdo de Bardin, a qual consiste na interpretação inferencial por meio da análise reflexiva e crítica (Bardin, 1977).
O trabalho foi conduzido por meio de uma pesquisa documental, na qual procurou-se identificar como se deu a participação de professores na feira estadual de Mato Grosso do Sul, reunindo os anais de eventos publicados durante o período de 2011 (ano de início da feira) até o ano de 2023. Logo, essas informações dispersas podem ser organizadas de forma a possibilitar o estudo dessas fontes de dados (Raupp; Beuren, 2006). Esses dados foram coletados, organizados e analisados utilizando as ferramentas Excel e Power Bi, da Microsoft, pois possibilitam a criação de dashboards interativos que facilitam a visualização de vários dados simultaneamente.
Após o levantamento, uma pequena amostra desses professores foi convidada para participar das entrevistas. Esses convidados são especificamente professores com curso superior que orientaram projetos da educação básica em alguma edição estudada da Feira de Tecnologias, Engenharias e Ciências do Estado de Mato Grosso do Sul (FETECMS). Estes ainda são professores de escolas municipais, estaduais, federais ou particulares, lecionando e orientando estudantes da educação básica (ensino fundamental, médio ou técnico). O convite e escolha desses professores foram realizados de forma aleatória, obedecendo somente ao critério de terem sido participantes da FETECMS nesse período.
A escolha da FETECMS deu-se por esta ser a principal feira estudantil de Mato Grosso do Sul. Além disso, é a maior feira científica estudantil do Centro-Oeste e a quarta maior feira de ciência do Brasil. Acontece anualmente e é promovida pelo Grupo Arandú de Tecnologia e Ensino de Ciências do Instituto de Química da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). A feira é realizada mediante o fomento e recursos do edital de feiras, oriundos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), de editais específicos de extensão da UFMS e de financiamento de empresas privadas parceiras.
Ao todo, foram convidados 10 professores, que receberam um formulário do Google Docs contendo as possíveis datas para os encontros das entrevistas. Desses, sete professores responderam ao formulário e apenas seis participaram das interações e foram identificados por P1, P2, P3, P4, P5 e P6 (conforme Tabela 1). Para maior aproveitamento das experiências, foram organizados três encontros, sendo que cada momento teve a participação de dois professores.
Tabela 1 - Caracterização dos professores participantes
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Identificação |
Formação |
Grau de formação |
Instituição |
Tempo de Docência |
Projetos orientados |
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P1 |
Química |
Mestre |
Pública Estadual |
5 anos |
3 |
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P2 |
Química |
Doutora |
Pública Federal |
8 anos e meio |
22 |
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P3 |
Química |
Mestranda |
Pública Estadual |
4 anos |
10 |
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P4 |
Biologia |
Doutora |
Pública Federal |
5 anos |
10 |
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P5 |
Biologia |
Especialista |
Pública Municipal |
13 anos |
13 |
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P6 |
Biologia |
Especialista |
Particular |
12 anos |
3 |
Fonte: Elaborado pelos autores
De forma prévia, foi elaborado um roteiro de perguntas para direcionar as especificidades do tema abordado durante as conversas. As perguntas foram realizadas com o objetivo de identificar as experiências do professor como orientador de projetos de pesquisa da educação básica, compreender a importância que os professores atribuem para a Feira de Ciências para o processo ensino aprendizagem, além de verificar os desafios enfrentados pelos docentes no processo de pesquisa (Quadro 1).
Quadro 1 - Roteiro de perguntas das entrevistas realizadas com professores
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Objetivos |
Temas |
Perguntas |
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Identificação dos entrevistados |
Nome, formação, instituição, primeiro contato com a pesquisa. |
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Discutir aspectos que compõem a experiência do professor como orientador de projetos nas feiras de ciências |
Experiência do professor como orientador de projetos de pesquisa da educação básica |
1) Quais as motivações que o levaram a começar a orientar projetos de pesquisa na educação básica? 2) O que você avalia ser relevante para ser orientador de projetos da feira de ciências (habilidades, características pessoais, experiências anteriores)? 3) Perguntar como faz para realizar as orientações (Técnicas e Materiais utilizados - instrumentos etc.). Organização através do WhatsApp e outras tecnologias (Drive, Meet)? 4) Os professores se sentem mais motivados com a docência por participarem de orientações de projetos de pesquisa? 5) Defina em um termo (palavra) o que significa orientar projetos de pesquisa na orientação básica? |
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Compreender os desafios enfrentados pelo professor na pesquisa do ensino básico e o papel atribuído às autoridades nesse processo |
Desafios para a pesquisa na educação básica |
6) Quais as dificuldades encontradas no processo de orientação do trabalho do professor (ex.: tempo - indisponibilidade de carga horária necessária para acompanhar mais projetos) e dos alunos (ex.: intrigas entre componentes do grupo, imaturidade) e recursos (falta de materiais e equipamentos). 7) Qual o papel e importância da escola e do governo para a pesquisa na educação básica? |
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Compreender de que forma o processo de pesquisa e participação na feira de ciências pode atuar como instrumento no processo ensino e aprendizagem |
Feira de ciências como instrumento no processo ensino e aprendizagem |
8) Para você, a participação em uma feira de ciências pode ser utilizada como instrumento no processo ensino e aprendizagem, por quê? 9) Elencar vantagens e ganhos para você como orientador e vantagens e ganhos para os alunos orientados (benefícios). Quais as vantagens e os ganhos (frutos) que colheu com esse seu trabalho, em que impactou para você e para os alunos? (Se o professor percebe a diferença entre alunos que participaram e não participam da feira). 10) Quais os principais reconhecimentos que você recebeu, através da orientação desses projetos (prêmios)? |
Fonte: Elaborado pelos autores
O primeiro encontro da entrevista teve um tempo de duração de uma hora e 37 minutos (com a participação de P1 e P2), o segundo durou duas horas e três minutos (com a participação de P3 e P4), e, por fim, o último encontro durou cerca de uma hora e 56 minutos (com a participação de P5 e P6). Mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os encontros foram gravados para que, juntamente com as notas tomadas pelos pesquisadores, os dados coletados pudessem ser retomados durante a fase de análise. Todos os diálogos foram transcritos e examinados em busca de se fazer a identificação e categorização dos principais temas e pontos que emergiram.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Levantamento dos anais publicados
No painel a seguir, são analisados os perfis dos professores que participaram da FETECMS no período de 2011 a 2023, orientando projetos no Ensino Fundamental, Ensino Médio e Técnico. De modo geral, os professores podem orientar os projetos ou coorientá-los, não havendo limite para a participação desses profissionais; ou seja, um professor pode orientar ou coorientar vários projetos ao mesmo tempo.

Fonte: Elaborada pelos autores (2024).
Figura 1 -Perfil dos professores participantes da FETECMS no Período de 2011 a 2023
Nesses 13 anos de evento, a feira já recebeu cerca de 2.147 projetos, orientados por 1.358 professores; destes, 49% são do sexo feminino e 51% do sexo masculino. Conforme pode ser observado na Figura 1, cerca de 43,23% desses professores são do município de Campo Grande (capital de MS). Ao se considerar que a feira ocorre presencialmente nesse município, podemos considerar que mais de 55% desses professores fazem o deslocamento para participarem do evento, junto com seus orientandos. As áreas de ciências humanas, sociais aplicadas e linguística possuem juntas cerca de 30,46% dos projetos orientados pelos professores analisados.
Esses professores estão concentrados em instituições de ensino público estaduais e federais. Podemos inferir que estes não estão “presos” a instituições, pois há aqueles que orientam projetos em mais de uma instituição, como podemos observar na Figura 1. Existem professores que já orientaram projetos em até sete instituições diferentes ao longo do período estudado, não somente orientando esses projetos, mas também os coorientando, ou seja, se envolvendo de alguma forma com a orientação desses projetos.
Após fazer o levantamento dos professores que participaram da FETECMS, vamos para as percepções desses docentes em relação ao ato de orientar projetos.
Experiência como orientador de projetos de pesquisa da educação básica
Considerando as informações reveladas pelos participantes da pesquisa, as motivações que levam os docentes a iniciarem a orientação de projetos de pesquisa incluem o desejo de oferecer oportunidade aos alunos, produzir ganhos no aprendizado e aumentar o interesse dos alunos no aprendizado proporcionado pela pesquisa. Luckesi (2014) afirma que conceitos são aprendidos em artigos, livros, conferências e debates, enquanto a prática ocorre no cotidiano escolar do estudante, experimentando, investigando e buscando novas possibilidades.
Os docentes observam, junto aos alunos, uma diferença notável entre o cumprimento de uma ementa em sala (uma obrigação) e o desenvolvimento de um projeto de pesquisa. Nesse último, há o despertar da curiosidade dos alunos, ensinando o conteúdo de outras formas, tornando a aprendizagem mais significativa. Os docentes afirmam ainda que há casos em que os alunos tomam a iniciativa para o envolvimento no projeto, o que, segundo Falcão Sobrinho, Da Costa e De Almeida (2014), representa uma participação voluntária do estudante de grande importância, originada a partir da sua curiosidade.
Os professores descrevem a empatia, paciência, disposição e capacidade de estimular o aluno como características docentes relevantes para orientação de projetos de pesquisa. Para eles, o significado pessoal de orientar projetos de pesquisa na educação básica inclui conceitos como gratidão, oportunidade, desafio, satisfação, dedicação e esperança.
Os docentes reconhecem ainda que o interesse dos alunos pelo projeto varia ao longo do processo, sendo necessária a busca e conversa por parte do orientador. Essa aprendizagem não se faz de um dia para o outro, exigindo tempo e atenção específica, a fim de torná-la um hábito automático (Luckesi, 2014). A relação interpessoal estabelecida entre aluno e orientador também é vista como de extrema importância. A empatia e flexibilidade diante das situações vivenciadas pelos alunos devem ser colocadas em prática em prol do seguimento do projeto. O docente P3 destaca:
Eu penso que toda orientação parte dessa relação interpessoal que a gente tem como professor e aluno. [Nos projetos] você acaba fazendo com que os alunos façam o trabalho de pesquisa, mas eles não fazem, não desenvolvem, se eles não tiverem essa afinidade com o professor, admiração (Relato de P3).
Sobre as técnicas e materiais utilizados nas orientações dos projetos de pesquisa, alguns docentes optam pelo desenvolvimento da parte prática do estudo primeiramente, como forma de trazer maior envolvimento do aluno, enquanto outros buscam trabalhar a teoria, antes de iniciar a experimentação. No caso destes últimos, os docentes esclarecem que é comum que o processo de pesquisa se origine através de uma problemática. A partir desta, há discussão junto aos alunos das formas de se abordar o problema, das soluções possíveis e dos ganhos esperados. Essa fase é destacada como um momento de troca, cujos objetivos do docente são estimular o aluno no processo de pesquisa e gerar maior interesse do aluno ao identificar temas de maior afinidade.
Por exemplo, a aluna chegou e queria fazer uma pesquisa, mas não sabia o que iria pesquisar. Ela foi para uma viagem na casa da avó e voltou com uma foto que [tempos] atrás a avó escrevia com tinta de amora, nas fotos antigas. E aí eu falei pra ela: ‘olha, você sabia que a tinta que a gente usa tem muita química?’ Falei quais eram os prejuízos para o meio ambiente e aí a pesquisa dela surgiu desse toque. Ela não sabia o que pesquisar e aí ela começou a produzir tinta para caneta. Era coisa que a avó dela usava, ela teve a ideia de colocar a tinta de amora no cartucho da impressora e aí deu para imprimir com a tinta de amora, né? Aí estava o diferencial da pesquisa dela, onde ela conseguiu evoluir. Então eu sempre procuro ver qual o estímulo, às vezes de dar esses starts(Relato de P4).
O contato com artigos científicos também é parte do processo de pesquisa, e o docente delega ao aluno as leituras pertinentes ao tema pesquisado. Os professores destacam que esse processo é fundamental para que os alunos desenvolvam a capacidade de diferenciar conteúdos responsáveis, alcançando um nível de maturidade que lhes permite questionar os artigos dos colegas. Este senso crítico revela-se então crucial para as fases posteriores da pesquisa, como a coleta de dados e análise.
Os docentes relataram o uso do diário de bordo para anotações relacionadas à pesquisa, bem como, mesmo que de forma simplificada, de programas e softwares como Excel e SISVAR no auxílio dos experimentos. A relevância das tecnologias para a condução do processo de pesquisa também foi relatada pelos docentes, especialmente durante a pandemia de Covid 19, quando houve maior adoção de aplicativos de mensagens, ferramentas de sala de aula virtual e plataformas de reunião em vídeo.
Ao discutir a relação entre a motivação gerada pela docência e a orientação de projetos de pesquisa, os docentes reconhecem uma conexão direta entre essas duas atividades. Para eles, a realização de pesquisas com os alunos torna a escola um ambiente mais prazeroso, elevando a expectativa em relação às atividades desenvolvidas no contexto escolar.
E hoje estou na docência porque eu gosto, mas quando você está com um projeto engrenado na escola, você fica ansioso para ir para lá porque você já sabe que você tem que ter aquele contato com os alunos e que tem alguma coisa acontecendo por trás dos bastidores (Relato de P6).
Contudo, é importante destacar que, para alguns docentes, é preciso ter condições para a plena execução do trabalho de pesquisa. Eles argumentam acerca da necessidade de carga horária compatível para o desenvolvimento do trabalho de pesquisa em sala, bem como maior valorização do profissional na prática da docência. Há também a desigualdade enfrentada por orientadores das redes municipal e estadual, se comparadas às redes particular e federal, como falta de infraestrutura (laboratórios equipados, biblioteca com acervos restritos, Internet instável), baixos salários, carga horária, entre outros (Oliveira, 2015).
Participação na Feira de Ciências como processo ensino e aprendizagem
Quando questionados se a participação em feiras de ciências pode ser utilizada como instrumento no processo ensino e aprendizagem, todos os docentes concordam, trazendo relatos como os de P1 e P5:
Eu acho que toda vez que o aluno consegue culminar [...], eles terminam e apresentam aquilo e conseguem oralizar, falar, explicar, significar o que ele aprendeu.
É um material muito rico que a gente tem nas feiras, tanto nas virtuais como nas presenciais. Esses anais são materiais excelentes para você demonstrar para os alunos as inúmeras possibilidades que tem (Relatos de P1 e P5).
O relato de P5 vai ao encontro do trabalho de Kubo e Botomé (2001). Segundos os autores, “a mudança na alteração da interação dos alunos com seus respectivos meio, como resultado do trabalho de um professor, é o que indica que houve aprendizagem produzida por um ensino” (Kubo; Botomé, 2001). Em seu relato, P5 aponta a importância da participação e interação dos alunos dentro de uma feira de ciências e, posteriormente, das aprendizagens da experiência vivida:
Uma coisa interessante, me lembro de os alunos irem para a feira com os caderninhos, e os professores [falavam] ‘olha agora vocês vão escolher um projeto que mais gostaram e vão anotar sobre esse projeto’. Teve uma vez que eu pude participar da culminância disso aqui na escola, teve um dia que os alunos foram até a feira e fizeram anotações sobre os projetos e eu pude participar dos comentários depois das discussões. Nossa, é muito bacana porque eles conseguem enxergar o que estava sendo feito ali, você consegue discutir como a ciência é feita, é enriquecedor (Relato do P5).
Apesar de P4 concordar com a contribuição da feira de ciências no processo de ensino e aprendizagem, ressalta que a apresentação em feiras não é a única finalidade da pesquisa. Ele argumenta que a apresentação e divulgação desses trabalhos podem ocorrer dentro da própria escola, para os colegas de turma, afirmando: “[...] porque eles crescem nesse momento em que mostram o que produziram”.
É importante também salientar a interdisciplinaridade desses projetos apresentados em feiras, conforme informado por P2:
Acredito que sim. Mas é um processo de ensino próprio. Por quê? É a partir de um projeto que a gente desenvolve várias habilidades, várias competências. Até chegar nessa feira ocorreu esses vários processos. Então acho que é uma maneira, [porque] dependendo do projeto envolve vários assuntos. Seja porque em alguns casos os projetos envolvem sociedade, ideologia, sustentabilidade, tem programação no meio, tem matemática, cálculos; então até chegar à feira, vai ser um processo de ensino e aprendizagem (Relato de P2).
Segundo Thiesen (2008, p. 550-551), “Um processo educativo desenvolvido na perspectiva interdisciplinar possibilita o aprofundamento da compreensão da relação entre teoria e prática, contribui para uma formação mais crítica, criativa e responsável”. Mais que uma única disciplina, o aluno desenvolve habilidades e comportamentos conforme o processo de pesquisa e a apresentação, seja na feira ou na escola.
Como ganhos para o aluno, os docentes comentam sobre a evolução desses alunos a partir do desenvolvimento do projeto, tanto na vida escolar como pessoal. P5 afirma que a “bagagem [com] que eles saem é muito grande para um aluno. A parte de conhecimento que eles ganham, tanto na questão de aprendizagem como conhecimento de pessoas, isso é muito importante”. Essa fala vai de encontro à afirmação de P4:
[...] mas essa evolução que eles tiveram fazendo o projeto, eles carregam para vida deles, eles sabem qual é o papel da ciência [...] eu acrescento é a questão da ética, que como eles aprendem [que] o processo da pesquisa tem que ser algo ético, que não pode ser burlado dados.
Essa aprendizagem é percebida tanto no desenvolvimento da pesquisa quanto na atividade de outras disciplinas dentro da escola, conforme P3:
[...] é nítido um aluno que desenvolve, como que um aluno desabrocha desenvolvendo uma pesquisa. A preocupação de não copiar e colar coisas da Internet, de pensar como que vai estruturar um trabalho, como que vai projetar isso daqui pra frente. É notório, eles se destacam em todos os outros trabalhos, de todas as outras disciplinas, porque quando chegam um trabalho para eles, eles estruturam, organizam, planejam, pensam para depois começar a fazer o trabalho (Relato P3).
Os docentes percebem, com grande satisfação, que, ao terminar o ensino básico, esses alunos que receberam orientação e desenvolveram pesquisa, em sua maioria, entram para as universidades com maior facilidade. Após adentrar no ensino superior, eles possuem maior amadurecimento científico em relação aos outros acadêmicos, conforme apresentado nos relatos:
[...] ao entrar na universidade, ele já tem essa percepção e ele já corre atrás de uma bolsa, de participar de uma iniciação científica dentro da universidade. Então eles já têm essa vivência, que outros que não tem só vão entender como funciona o processo quando já está terminando a sua graduação (Relato P1).
Como ganhos e satisfação por parte dos orientadores, os entrevistados destacam que o principal reconhecimento é “o próprio dia a dia com o aluno” (P1), “participar desse processo com o aluno” (P5) e o “respeito diferente em sala de aula” (P1). P3 enfatiza uma realização profissional, afirmando: “Quanto a mim, professor, eu acho que é satisfação. Eu acho que quando a gente se sente realizado profissionalmente é quando a gente começa a ver que o aluno não aprende apenas o conteúdo com você”. Os professores consideraram como ganhos não apenas as premiações recebidas, mas também demonstraram grande satisfação pelas conquistas alcançadas por seus orientados.
A gente vê um aluno que entra na universidade preparado, ele está com o brilho no olhar, ou se não quando a gente vê um aluno se dando bem em uma feira, ou tendo aquela comemoração por simplesmente ser finalista em uma feira, de poder mostrar o trabalho dele pra alguém, eu acho que é essa a conquista maior que eu tenho é ver isso, é ver a felicidade, é ver a vitória do aluno (Relato P6).
Entre os prêmios e reconhecimentos já recebidos pelos professores devido à orientação de projetos de pesquisa de seus alunos da educação básica, estão medalhas de classificação em primeiro, segundo e terceiro lugares nas feiras municipais de suas cidades promovidas pelo Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), medalhas na FETECMS, promovida pela UFMS, na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE), promovida pela Universidade de São Paulo (USP) e na Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (MOSTRATEC), promovida pela Fundação Liberato no Rio Grande do Sul. Além dessas conquistas, os pesquisados somam credenciais para a principal feira mundial, a International Science andEngineering Fair (ISEF) que acontece nos Estados Unidos e para a International Center for Young Scientists (ICYS)que acontece na Sérvia[1].
Essas premiações podem indicar a relevância e o papel da pesquisa na vida desses jovens, uma vez que proporcionam experiências que talvez nunca vivenciassem se não fosse por essas conquistas. Além disso, as premiações também impulsionam e motivam os estudantes a qualificarem cada vez mais suas participações nas edições futuras.
Desafios para a pesquisa na educação básica
Os docentes elencam as dificuldades financeiras como recorrentes ao longo do processo de pesquisa. Os grupos de pesquisa enfrentam escassez de recursos, desde o material de pesquisa, como livros, laboratórios para experimentação e impressão de banners, até o custo de deslocamento e estadia dos estudantes – e docentes, por vezes –para eventos científicos onde os projetos foram aprovados. É comum então que os docentes e alunos assumam para si a responsabilidade de captação dos recursos necessários para a continuidade do projeto e sua divulgação. Eventos de arrecadação, como rifas e venda de pastéis, além de pedidos de doação junto a amigos e professores, são algumas das estratégias às quais os grupos de pesquisa recorrem. Já em casos em que os alunos recebem bolsa, é comum que tenham de destinar valor de seu benefício para compra de materiais para realização da pesquisa.
A postura das instituições de ensino também é fortemente criticada pelos docentes. Mesmo diante da falta de apoio financeiro e institucional ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa junto aos alunos, as escolas cobram um alto desempenho dos trabalhos nas feiras de ciências, sendo que, no caso de trabalhos premiados, a instituição acaba utilizando-os apenas como vitrine para sua autopromoção diante da comunidade.
[...] eu tenho um aluno que vai para [feira internacional]. [...] Ele ganhou credencial [...] e ele está indo porque o pessoal que credenciou ele já está pagando a passagem, alimentação e estadia. Ele vai lá representar o Brasil nesta feira e o restinho de caixa que nós tínhamos na iniciação científica vai tudo para ele, para ele poder ter o mínimo de conforto lá. Então, assim, essa parte financeira é sempre complicada. Até mesmo na rede particular, eu vejo que o pessoal quer só colher os frutos, eles não querem participar ativamente do processo, ninguém vê os bastidores da coisa acontecendo (Relato de P6).
Ainda é observado pelos docentes que a forma como o aluno não premiado é recepcionada em sua instituição de origem pode servir de desestímulo para que ele – e outros potenciais alunos pesquisadores – continue a desenvolver seu trabalho. De acordo com o relato de P3, há casos em que essa postura de exclusão se torna evidente:
Então existe essa sensação de que só tem merecimento, valorização, se eu tiver alguma premiação. Isso não é legal. É porque como disse [P2], a gente não entra numa feira pra ganhar medalha. A gente entra pra melhorar. Então os alunos sentem falta desse tipo de valorização. E de um momento de fala também. Percebi que a maioria dos alunos que participavam da mostra, das feiras, gostariam de apresentar para a escola, para a comunidade escolar, aqueles trabalhos deles. Eles gostariam que os colegas que tinham convivência com eles, de estimulá-los a poder participar também (Relato de P3).
A carga horária destinada ao desenvolvimento dos projetos também é apontada como um fator prejudicial ao esforço de pesquisa nas escolas. Os docentes argumentam que a orientação de projetos é sinônimo de doação de tempo pessoal, já que as horas semanais formalmente destinadas ao planejamento e à execução dos trabalhos não são suficientes. O docente P3 informou que possui apenas uma hora semanal para orientar os projetos de pesquisa. A disponibilidade de tempo por parte dos alunos também é destaque, dado que, muitas vezes, a realidade do aluno dentro de casa não permite que se dedique exclusivamente aos estudos e pesquisas, principalmente na rede pública.
Dessa forma, é compreensível que os docentes apontem o papel do governo e da escola como necessário nas áreas de financiamento e gestão. Diante de tantas limitações enfrentadas pelos docentes no desenvolvimento dos projetos, os participantes entendem que cabe ao governo o repasse de recursos para que as instituições públicas possam realizar a pesquisa de forma eficiente, fomentando tanto os profissionais e os alunos quanto o processo de inscrição em eventos. Fica claro que a ausência de suporte das autoridades pode levar à desmotivação dos docentes em alguma das etapas dos projetos, bem como ao próprio desincentivo ao ingresso na pesquisa. O papel do governo é então o de entender que a ciência é um investimento e promover ações que a suportem.
O próprio evento [FETECMS] já é um incentivo muito grande. Mas é preciso incentivo para os profissionais e meios de capacitação. Não só de capacitação, mas também de inserir novos profissionais nessa temática. Quando você está iniciando, se você não tem um apoio, é uma iniciativa própria. Não é algo que você tem algo para recorrer, não tem um material específico para recorrer. Ou seja, não é uma disciplina específica para você trabalhar. Então é algo por espontânea vontade (Relato P3).
Nas escolas, a organização curricular não contempla a pesquisa como eixo integrador, mas poderia fazer a conexão com as feiras de ciências para difundir essas práticas. Os docentes apontam que é preciso que seja compreendido no que consiste um processo de pesquisa, o método científico, planejamento e execução envolvidos em um projeto. Os docentes ainda chamam atenção para o fato de que, na escola, para se ter iniciação científica, é necessário ter uma equipe de professores que trabalha com a pesquisa. O papel da escola deve ser, dessa forma, o de facilitação do trabalho dos professores e de divulgação dos eventos científicos.
Essas preocupações e apontamentos feitos pelos entrevistados são objeto de estudo do livro Os desafios da educação no Brasil de Simon Schwartzman e Colin Brock. De acordo com os autores:
Parece haver três condições necessárias para que se dê esse comprometimento. A primeira é que professores e acadêmicos devem receber salários dignos e trabalhar com recursos adequados, dentro de um sistema apropriado de incentivos e recompensas. A segunda é que eles percebam que as autoridades educacionais e os governos estão trabalhando em favor deles e não contra. A terceira é que eles sejam competentes e comprometidos com suas tarefas acadêmicas e intelectuais. Além disso, as instituições de ensino, das escolas locais às universidades, precisam ter autonomia de decisão, e funcionar dentro de um sistema de incentivos que valorize e recompense as boas práticas(Schwartzman; Brock, 2005, p. 30).
A educação e a pesquisa não se fazem sozinhas, deve haver um comprometimento por parte dos gestores e das instituições governamentais de educação para que sejam proporcionadas as condições necessárias para que o professor se sinta apoiado para desenvolver essas atividades com seus orientandos dentro das escolas. Trata-se de pensar em políticas públicas no desenvolvimento da formação na educação básica, visando à melhoria das capacidades de aprendizagem dos acadêmicos no ensino superior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta investigação buscou discutir a importância da pesquisa no processo de aprendizagem no contexto da educação básica a partir da experiência das feiras de ciências do estado do Mato Grosso do Sul. Optou-se por uma abordagem qualitativa realizando entrevistas com seis professores que já orientaram projetos de pesquisa na educação básica para participação em feiras de ciências.
As análises dos dados coletados apontam para a relevante importância da pesquisa na educação básica, tanto para os alunos quanto para os professores, a escola e a sociedade. A motivação do professor orientador está associada à possibilidade de proporcionar experiências práticas de aprendizagem aos orientandos, que se diferenciam das práticas tradicionais adotadas em sala de aula (currículo escolar). A aprendizagem por meio da pesquisa transforma o aluno de maneira duradoura, com impactos observáveis mesmo após o término de sua trajetória na educação básica. Esses impactos incluem amadurecimento científico e o desenvolvimento de habilidades profissionais que os destacam em relação aos colegas que não participaram de projetos de pesquisa. O ensino e a aprendizagem por meio da pesquisa promovem o desenvolvimento de competências, possibilitando ao aluno adquirir uma visão mais crítica, criativa e responsável. Simultaneamente, exige competências específicas do professor, que deve ser capaz de estimular, motivar e direcionar os alunos no desenvolvimento de seus projetos.
A apresentação da pesquisa em feiras de ciências é considerada como parte do processo de ensino aprendizado, pois é nesse momento que o aluno explica e expõe seu aprendizado construído durante sua pesquisa e faz a divulgação para a sociedade dos reais resultados obtidos em seu trabalho. A feira possibilita a interação com outras pesquisas e pesquisadores e até mesmo permite a avaliação pontuada da pesquisa, na qual é reconhecida com base em premiações. Contudo, é importante destacar que a feira não é responsável por avaliar o processo de desenvolvimento do aluno, mas a pesquisa realizada.
Os dados deste estudo revelaram que o desenvolvimento e a orientação de projetos de pesquisa na educação básica é iniciativa principal dos professores, que atuam como principais articuladores dessas ações, mesmo diante de casos em que é observada a ausência de qualquer apoio financeiro ou institucional por parte de escolas e governo. Destaca-se que, por vezes, é de iniciativa dos docentes e alunos ações de fomento à pesquisa e doação de tempo pessoal para que esta possa ser realizada. Ambos os atores precisam demonstrar forte resiliência diante das múltiplas adversidades que surgem ao longo do processo. O governo e as escolas não reconhecem e valorizam devidamente esses esforços, porém são diretamente beneficiadas a partir do momento em que os projetos recebem destaque, principalmente mediante as premiações em feiras já consolidadas, como a FETECMS no estado de Mato Grosso do Sul.
Entende-se que o Estado e as instituições de fomento desempenham um papel fundamental na regulamentação de políticas e na criação de ambientes favoráveis à pesquisa. Evidencia-se a necessidade de garantir incentivos à formação de gestores capacitados para oferecer suporte às iniciativas de pesquisa dentro das instituições de ensino, bem como a valorização financeira e o reconhecimento profissional dos docentes envolvidos na condução de projetos de pesquisa.
Recebido em: 27/04/2024
Aceito em: 11/02/2025
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[1]Foram mencionadas apenas algumas das mais importantes premiações recebidas pelos participantes, porém há outros reconhecimentos, credenciamentos e participações em feiras e outros eventos que não foram mencionadas nas entrevistas.