Análise comparativa do conteúdo Ácidos Carboxílicos nos livros didáticos de Química e de Ciências da Natureza adotados no Instituto Federal do Paraná — campus Palmas

Comparative analysis of Carboxylic Acids content in Chemistry and Natural Sciences textbooks adopted at the Federal Institute of Paraná — Palmas campus

Análisis comparativo del contenido de Ácidos Carboxílicos en libros didácticos de Química y Ciencias Naturales adoptados en el Instituto Federal de Paraná — campus Palmas

 

 

Aline Valquiria da Silva Maciel (alinedasilva2808@gmail.com)

Instituto Federal do Paraná – campus Palmas – IFPR, Brasil

https://orcid.org/0009-0001-1079-8381

 

Sandra Inês Adams Angnes Gomes (sandra.angnes@ifpr.edu.br)

Instituto Federal do Paraná – campus Palmas – IFPR, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-5379-3946

 

João Paulo Stadler (joao.stadler@ifpr.edu.br)

Instituto Federal do Paraná – campus Palmas – IFPR, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-9106-7942

 

 

Resumo

Este estudo apresenta uma análise comparativa do conteúdo de ácidos carboxílicos e temáticas, por meio da análise de conteúdo categorial de Bardin, entre os dois livros didáticos de Química selecionado pelos cursos Técnicos Integrados de Ensino Médio do Instituto Federal do Paraná — campus Palmas. O objetivo do trabalho foi comparar as duas obras em relação aos conceitos de ácidos carboxílicos e suas possibilidades de contextualização temática. Durante a análise, observaram-se diferenças entre os conceitos abordados e a sua distribuição em relação aos volumes que compõem cada coleção. Destaca-se que os dois livros didáticos contemplam temáticas semelhantes em relação ao meio ambiente, saúde, alimentação e indústria química. Entretanto, estas são apresentadas por meio de exemplos, principalmente relacionados à motivação, sem explorar a potencialidade da contextualização em discutir a resolução de problemas atuais.

Palavras-chave: Análise de Conteúdo; Ácidos Graxos; Gorduras; Recursos Didáticos.

                                                                                    

Abstract: This study presents a comparative analysis of the content of carboxylic acids and themes, using Bardin's categorical content analysis, between the two Chemistry textbooks selected by the Integrated Technical High School curses at the Federal Institute of Paraná - Palmas campus. The aim of the work was to compare the two books in relation to the concepts of carboxylic acids and their possibilities for thematic contextualization. During the analysis, differences were observed between the concepts covered and their distribution in relation to the volumes that make up each subject. It should be noted that the two textbooks cover similar topics in relation to the environment, health, food, and the chemical industry. However, they are presented through examples, mainly related to motivation, without exploring the potential of contextualization in discussing the resolution of current problems.

Keywords: Content analysis; Fatty Acids; Fats; Didactic resources.

 

Resumen: Este estudio presenta un análisis comparativo del contenido de ácidos carboxílicos y temas, utilizando el análisis categorial de contenido de Bardin, entre los dos libros de química seleccionados por los cursos de la Enseñanza Media Técnica Integrada del Instituto Federal de Paraná - campus Palmas. El objetivo del trabajo fue comparar los dos libros en relación con los conceptos de ácidos carboxílicos y sus posibilidades de contextualización temática. Durante el análisis, se observaron diferencias entre los conceptos abordados y su distribución con relación a los volúmenes que componen cada materia. Cabe señalar que los dos libros de texto tratan temas similares en relación con el medio ambiente, la salud, la alimentación y la industria química. Sin embargo, se presentan utilizando ejemplos, principalmente relacionados con la motivación, sin explorar el potencial de la contextualización en la discusión de la resolución de problemas actuales.

Palabras-clave: Análisis de contenido; Ácidos Grasos; Grasas; Materiales didácticos.

 

 

 

INTRODUÇÃO

A Química estuda conceitos científicos relacionados à composição, propriedades e transformações da matéria (Milaré; Alves Filho, 2010). A Química Orgânica, como uma das áreas dessa ciência, dedica-se ao estudo das características e relações de compostos distribuídos em várias classes funcionais, que apresentam um amplo espectro de aplicações práticas na atualidade: medicamentos, alimentos, plásticos, combustíveis, tintas, adesivos, vernizes, aditivos de alimentos, dentre outras. Essa enorme quantidade de substâncias orgânicas se relaciona por meio de propriedades químicas e físicas (Silva; Lima, 2019). Dentre os grupos funcionais estudados no Ensino Médio, destaca-se a importância dos ácidos orgânicos como substâncias que estão presentes no cotidiano e na indústria alimentícia, apresentando aspectos históricos e socioculturais, cuja descoberta corrobora para o próprio desenvolvimento da Química (Fiorucci; Soares; Cavalheiro, 2002).

Esses conhecimentos do campo científico devem ser apropriados pelo ensino de Química como componente essencial da atividade pedagógica (Dominguini; Ortigara, 2010). Nesse processo, é essencial que esses conteúdos sejam discutidos com os estudantes de forma organizada, sistematizada e articulada com temáticas relevantes para mobilizar tal apropriação (Watanabe, Kawamura, 2017; Varago, Souza, 2022).

Para Wartha, Silva e Berjano (2013), a busca de relação com o cotidiano tem se tornado um recurso pedagógico para a articulação de conhecimentos com temas de situações reais. Nesse âmbito, Santana, Nascimento e Wharta (2014) perceberam duas concepções diferentes para o termo cotidiano abordado no ensino de Química. Uma delas aponta para relações com o cotidiano vivido, percebido e concebido pelos estudantes para buscar e interpretar problemas, propondo soluções a níveis socioeconômicos, culturais, regionais, climáticos e ambientais.

De acordo com Wartha, Silva e Bejarano (2013) e Santana, Nascimento e Wharta (2014), o estudo de temáticas cotidianas pode ser empregado como estratégia para o ensino de Química, desde que não fique reduzido a exemplificação de aspectos do dia a dia dos estudantes ou usado apenas para motivar os alunos a aprenderem conteúdos científicos e, muito menos, camuflar fatos e fenômenos cotidianos para justificar este ou aquele conteúdo.

Portanto, a contextualização não deve se limitar a citar exemplos do dia a dia, mas deve ser o princípio norteador para o ensino de Ciências e também de outras áreas, com o potencial de promover interdisciplinaridade e reflexões políticas, sociais e ambientais que, de fato, provoque a busca de entendimentos sobre os temas e conceitos de estudo (Wharta; Silva; Bejarano, 2013).

Neste sentido, autores como Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) e Halmenschlager e Delizoicov (2017) defendem o uso de temáticas do cotidiano que abarcam, além de elementos oriundos do conhecimento produzido pelas Ciências da Natureza, aspectos contextuais, sociais, ambientais e/ou políticos. Diante disso, de acordo com Halmenschlager e Delizoicov (2017), considera-se pertinente aprofundar as compreensões acerca dos encaminhamentos necessários para o desenvolvimento de propostas temáticas que tenham como objetivo a reorganização curricular a partir de temas significativos para a comunidade escolar.

Dessa maneira, o ensino de Química pode ser caracterizado pela articulação entre conceitos químicos e temáticas que podem ser relevantes para os estudantes com potencial para despertar o interesse de aprofundamento dos estudos e, principalmente, contribuir para a compreensão dos conteúdos e reflexões para soluções de problemas (Delizoicov, Angotti, Pernambuco, 2002; Wartha, Silva, Berjano, 2013; Santana, Nascimento, Wartha, 2014).

Além da contextualização como estratégia de ensino, os livros didáticos desempenham um papel fundamental, pois figuram como fonte de informações e atividades que podem ser utilizadas pelos professores para promover o processo de ensino e aprendizagem (Dominguini, Ortigara, 2010; Penha, Maciel, 2020). Santos e Archanjo (2019) consideram o livro didático um recurso importante para a prática pedagógica por conter textos e atividades estruturados de modo a possibilitar que os alunos discutam e interpretem os conteúdos, auxiliando na concretização do ensino e aprendizagem e constituindo-se, assim, como um relevante mediador na relação entre professor e aluno. Ainda em relação a essa importância, Varago e Souza (2022) notaram que a maioria dos livros didáticos apresenta os conceitos químicos em relação a uma temática com aplicabilidade à sociedade.

Conforme os apontamentos anteriores, referentes a importância dos livros didáticos e da contextualização para o processo de ensino e aprendizagem de Química, é importante lançar atenção à escolha desse material, especialmente no âmbito do Programa Nacional do Livro Didático do Ensino Médio (PNLD). E, pelo fato de não ser uma atividade rotineira, muitos professores não se sentem preparados para analisar e selecionar tais obras (Dominguine; Ortigara, 2010). Assim, Dominguine e Ortigara (2010) recomendam a análise de conteúdo categorial de Bardin (2011) como metodologia para seleção de livros didáticos.

Nessa perspectiva, para Santos (2021) e Santos e Ecar (2022), quando os professores escolhem o livro didático criteriosamente, elegendo o que mais se aproxima da realidade na qual a escola está inserida, esse material se torna ferramenta norteadora para a prática pedagógica, possibilitando aos envolvidos neste processo de ensino, momentos e organizações metodológicas que promovam a formação dos estudantes. Contudo, Souza e Salvatierra (2022) indicam que as temáticas relacionadas a conceitos químicos são tratadas, geralmente, separadamente no início ou ao final de cada unidade de ensino ou capítulo dos livros didáticos, de modo que há poucas correlações diretas com o conteúdo ou propostas para reflexões e soluções de problemas.

Assim, este artigo visa apresentar, a partir das discussões anteriores, um estudo comparativo do conceito de ácidos carboxílicos e as temáticas a ele articuladas, realizado por meio da Análise de Conteúdo Categorial (ACC) de Bardin (2011) nos livros didáticos de Química, que foram escolhidos para o Ensino Médio do Instituto Federal do Paraná (IFPR) — campus Palmas, nas duas últimas edições do PNLD (Reis, 2016; Moderna Plus, 2020).

 

ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo se caracteriza como uma pesquisa de caráter qualitativo baseada na Análise Categorial de Conteúdo (Bardin, 2011), segundo a organização apresentada no Quadro 1. Conforme sistematizado neste quadro, o corpus do estudo foi constituído pelos livros digitais de Reis (2016) e da Moderna Plus (2021), indicados, respectivamente, como LD1 e LD2.

Optou-se por esses livros didáticos, uma vez que foram selecionados pelos professores de Química do Ensino Médio Técnico Integrado em Alimentos e do Ensino Médio Técnico Integrado de Serviços Jurídicos do IFPR – campus Palmas, nos anos de 2018 e 2021.

O LD1 é organizado em três volumes, contendo um volume para cada ano letivo do Ensino Médio, enquanto o LD2 é composto de seis volumes, que abordam conteúdos básicos das três disciplinas, Biologia, Física e Química, da área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias.

 

Quadro 1 – Organização das etapas para análise de conteúdo comparativa

Etapa

Descrição

Organização deste estudo

1.Pré-análise

Essa fase compreende: leitura flutuante para elencar os termos de análise; escolha dos documentos; formulação de hipóteses e objetivos; elaboração de indicadores.

Estabelecimento dos elementos da ACC:

- Corpus: LD1: Livros digitais de Reis (2016) e LD2: Moderna plus (2020);

- Unidade de análise: parágrafo;

- Unidades de contexto: capítulo;

- Critério da categorização: semântico;

- Regra de enumeração: presença;

- Indicadores: elementos essenciais do conceito e temáticas relacionadas ao conceito a partir da literatura;

- Categorias: elemento essencial do conceito e temática relacionada ao conceito.

2.Exploração do material

Nesta etapa, constroem-se as codificações, sendo considerados os recortes dos textos em unidades de registro, a definição das regras de contagem e a classificação e agregação de informações em categorias.

- Análise aprofundada dos livros escolhidos e sistematização dos dados por meio da proposição de questões norteadoras guiadas pela busca dos termos “graxo” e “carboxílico” nos LD1 e LD2;

- Esta etapa deu origem às categorias, que foram organizadas por temáticas.

3. Tratamento de resultados: Inferência e Interpretação

Na fase de inferência e interpretação, deve-se voltar o olhar ao referencial teórico que envolve o estudo para embasar a análise dos dados.

- Sistematização dos resultados, possibilitando a análise reflexiva e crítica sobre o conteúdo ácido carboxílicos nos livros didáticos analisados;

- Análise comparativa entre as obras.

Fonte: adaptado de Mozzato e Grzybovski (2011) e Gaspi, Maron e Magalhães Junior (2023).

 

Além disso, considerando que as obras são organizadas de maneira distinta, foi necessário estabelecer indicadores para guiar a categorização dos trechos dos materiais relacionados ao conceito de ácidos carboxílicos. Nesse sentido, o Quadro 2 sistematiza aspectos importantes do conceito ácidos carboxílicos de acordo com autores clássicos de Química Orgânica, abordando definição, formulações, nomenclatura e propriedades de natureza física e química desses compostos.

 

Quadro 2 – Aspectos essenciais do conceito ácidos carboxílicos no contexto

Critérios

Aspectos

Definição e exemplos

Definições de ácidos carboxílicos e ácidos graxos e exemplos de substâncias destas classes.

Nomenclatura

Regras oficiais de nomenclatura estabelecidas pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC).

Fórmulas

Representação dos ácidos carboxílicos por meio de tipos diferentes de fórmulas.

Propriedades físicas

Ponto de fusão, ponto de ebulição, densidade, solubilidade e relações com massa molar, polaridade e ligações e forças intermoleculares.

Propriedades químicas e reatividade

Ionização. Efeito eletrônico de grupos substituintes ligados ao carbono saturado, efeitos de ressonância e hibridização sobre a acidez. Reações para a obtenção. Reações com bases para formação de sais de ácidos carboxílicos. Reações de substituição nucleofílica acíclica para obtenção de diversos compostos orgânicos. Reações de hidrogenação e isomerização. Isomeria.

Fonte: Barbosa (2011), McMurry (2011) e Solomons e Fryhle (2013).

 

Além disso, para orientar a identificação das temáticas e a articulação dos conceitos de ácidos carboxílicos, foram estabelecidos indicadores a partir de exemplos de artigos (Quadro 3).

 

Quadro 3 – Temáticas relacionadas ao conteúdo ácido carboxílicos

Temáticas

Abordagens

Alimentação e Saúde

1.      Quintino e Ribeiro (2010) exploram doenças causadas pelo acúmulo de ácidos graxos de cadeias longas em tecidos corporais.

2.      Albuquerque, Barroso e Batista (2017) empregam rótulos dos alimentos industrializados observando como estão descritos os ácidos graxos nas embalagens.

3.      Merçon (2010) aborda a temática gordura trans em alimentos e sua rotulagem nutricional.

Meio Ambiente e Poluição

1.      Cavalheiro et al. (2023) propõem uma abordagem problematizadora sobre a Química Verde e a produção do sabão ecológico.

2.      Silva et al. (2022) realizaram a produção de sabões ecológicos com graxas e óleos residuais e possibilidades de reciclagem por meio da produção de sabões e relações com os princípios da Química Verde.

 

A partir desses indicadores (Quadros 2 e 3) foi empreendida a segunda etapa de análise, a fim de realizar a categorização com base nas questões norteadoras apresentadas no Quadro 4.

 

Quadro 4 – Questões norteadoras para análise do conteúdo de ácidos carboxílicos

Questões norteadoras

Objetivos

1. Há presença do conceito ácidos carboxílicos nos livros didáticos?

Evidenciar a ocorrência do conteúdo ácido carboxílico nos livros didáticos: conceitos, regras de nomenclatura oficial e usual, propriedades físicas e propriedades químicas.

2. Com quais temáticas o conceito químico está relacionado?

Evidenciar quais são as temáticas relacionadas ao conteúdo de ácidos carboxílicos.

 

O registro da análise das questões norteadoras foi realizado com uma rápida descrição de cada fragmento, seguida da identificação da presença dos elementos necessários para respondê-los. Por fim, a terceira etapa de análise possibilitou a análise reflexiva e crítica sobre a forma que o conteúdo carboxílico é apresentado nos livros didáticos do PNLD 2018 e 2021 e sua articulação com temáticas contextualizadoras.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Presença do conceito ácidos carboxílicos nos livros didáticos

A primeira questão norteadora (Quadro 4), permitiu evidenciar a presença do conteúdo ácidos carboxílicos nos LD1 e LD2, que foi realizada pela busca dos termos “carboxílico” e “graxo” nas versões digitais dos documentos que compuseram o corpus de análise (Quadro 5).

 

Quadro 5 – Número de páginas nos termos carboxílico e graxo nos livros didáticos

            Corpus

Termos

LD1

LD2

V1

V2

V3

V1

V2

V3

V4

V5

V6

Carboxílico

0

0

30

0

1

0

7

0

8

Graxo

0

0

15

 

1

1

0

0

3

 

 

Por meio do Quadro 5, percebe-se que no LD1 a ocorrência dos termos “carboxílico” e “graxo” está restrita ao terceiro volume, destinado à Química Orgânica, ocorrendo em 45 páginas. No LD2, esses termos estão mais dispersos e em menor ocorrência, aparecendo, principalmente, nos volumes 4 e 6. Isso permite inferir que poderá haver necessidade de o professor utilizar diferentes recursos didáticos como complemento no planejamento de suas aulas, assim como defende Queiroz (2021).

A partir da identificação da ocorrência dos conhecimentos de interesse, foi realizada a leitura das páginas indicadas com base nos indicadores previamente definidos (Quadro 2), em busca da presença desses elementos (Quadro 6).

 

Quadro 6 – Critérios/indicadores avaliados nos livros didáticos

        Corpus

Indicador

LD1

LD2

V3

V2

V4

V6

I. Definição e exemplos

P

P

P

P

II. Fórmulas

P

A

P

P

III. Regras de nomenclatura

P

A

A

P

IV. Propriedades físicas

P

A

A

A

V. Propriedades químicas/Reatividade

P

A

P

P

Nota: (P) Presente e (A) Ausente.

 

Ao analisar o indicador I (Quadro 6), o primeiro indicador está presenta em todos os casos, nos quais os livros apresentam a definição de ácidos carboxílicos como compostos orgânicos que apresentam o grupo funcional carboxila e ácidos graxos como óleos e gorduras animais ou vegetais.

Quanto ao indicador II (Quadro 6), em LD1 é evidenciada a presença de um número maior de fórmulas estruturais condensadas em relação às fórmulas em traços, moleculares e com emprego de bolas e varetas. No LD2 (V4 e V6), além das fórmulas mencionadas no LD1, observa-se a presença de fórmulas de linha.

Em relação ao indicador III (Quadro 6), o LD1 apresenta as regras de nomenclatura da IUPAC para ácidos carboxílicos de cadeia normal e cadeia ramificada. Além disso, ao fazer a busca pelo termo “carboxila” e “graxo”, percebe-se que a autora propõe o estudo da nomenclatura de ácidos carboxílicos insaturados, com destaque a isomeria geométrica. Também é evidenciada a presença de ácidos dicarboxílicos e ácidos carboxílicos com isomeria óptica. Quanto aos ácidos graxos saturados e insaturados, a autora dá destaque, em uma tabela, a vários exemplos com atribuições do nome comum (usual/trivial), sistemático (oficial) e alimentos em que são encontrados. O LD2, V4 e V6, apresentam exemplos de ácidos carboxílicos com nomenclatura sistemática e comum.

Ao analisar o indicador IV (Quadro 6), foi possível perceber que, em LD1, há exemplos que exploram as propriedades físicas como a polaridade, ligações e forças intermoleculares, ponto de fusão e ponto de ebulição. Notam-se relações entre massa molar e a força intermolecular de hidrogênio e sua influência no ponto de fusão e ebulição, densidade, estado de agregação e solubilidade de ácidos carboxílicos em água e outros solventes como éter etílico, benzeno e etanol. No LD2 (V6), os autores relacionam o estado físico sólido dos ácidos graxos saturados com a linearidade da estrutura e o estado líquido dos ácidos graxos insaturados com a estrutura recurvada, informando que, em consequência dessas estruturas, os primeiros se solidificam mais facilmente e apresentam temperaturas de fusão e ebulição mais altas. 

Por fim, em relação ao Indicador V (Quadro 6), o LD1 explora as reações de obtenção de ácidos carboxílicos por meio da oxidação enérgica de alcenos, reações de oxidação de álcoois primários, esterificação, transesterificação, saponificação, obtenção de sais de ácido carboxílico, desidratação de ácidos carboxílicos, redução parcial e total de ácidos carboxílicos, reações de substituição de ácidos carboxílicos para produção de amidas. Já no LD2 (V4), os autores mostram transferência de prótons de ácidos carboxílicos para aminas objetivando sinalizar o caráter básico das aminas. Também exploram a constante de ionização do ácido etanoico e meio aquoso e compara a força dos ácidos carboxílicos com outros ácidos, classificando em ordem decrescente de acidez o ácido sulfônico, ácido acético, fenol, água e etanol com suas respectivas constantes de ionização. Nesse volume, os autores também mostram o caráter ácido dos ácidos carboxílicos por meio de reações com base forte (hidróxido de sódio) e base fraca (bicarbonato de sódio) e correlações com o pH. Também são apontados fatores eletrônicos de grupos substituintes que podem influenciar na força de acidez dos ácidos orgânicos. No V6, são exploradas as reações de esterificação.

Ao avaliar os conceitos de ácidos carboxílicos nos LD1 e LD2 com base nos indicadores estabelecidos (Quadro 6), notou-se, em ambos, uma grande quantidade de exemplos para o reconhecimento funcional do grupo carboxila, a representação de diferentes fórmulas estruturais, nomenclatura, exemplos e relações com propriedades físicas, síntese de ácidos carboxílicos. Porém, o LD1 não explora a constante de acidez dos ácidos carboxílicos e os efeitos eletrônicos que afetam diretamente a acidez desses compostos (Solomons; Fryhle, 2013). No LD2, encontramos lacunas sobre propriedades físicas dos compostos orgânicos, especialmente ponto de fusão, ponto de ebulição, densidade e solubilidade e interrelações com as propriedades moleculares como a massa molar, polaridade e forças intermoleculares com outros solventes e reações químicas (Barbosa, 2011), o que seria uma limitação, pois as propriedades físicas e a reatividade assumem enorme importância nas diversas aplicações práticas das substâncias orgânicas (Silva; Lima, 2019).

Os autores dos LD1 e LD2 também não detalham e não diversificam as regras de nomenclatura para ácidos carboxílicos cíclicos, saturados, insaturados e ácidos dicarboxílicos (Barbosa, 2011; Solomons, Fryhle, 2013). Entretanto, o LD1 apresenta exemplos de ácidos carboxílicos envolvendo isômeros espaciais (geométrico e ópticos). Todavia, sem explorar especificamente as regras de nomenclatura da IUPAC.

Neste seguimento, consideramos importante inferir que a presença dos conceitos químicos sobre ácido carboxílicos nos livros didáticos, mesmo que de difícil compreensão,  por se concentrarem nos níveis representacional e submicroscópico, são importantes para uma formação sólida para tomada de decisões, principalmente frente ao desafio de articulação desses conceitos, de forma aprofundada e  contextualizada, com temáticas cotidianas, sem que haja fragmentações entre o conceito e a realidade atual (Silva, Souza, Moraes, 2019; Souza, Salvatierra, 2022).

Articulação entre temáticas e conceitos químicos sobre ácidos carboxílicos

A segunda questão norteadora (Quadro 5) orientou para a categorização das temáticas relacionadas ao conceito químico de ácidos carboxílicos. Ao analisar a temática Alimentação e Saúde nota-se que o LD1 apresenta a diferença entre gorduras animais e vegetais, envolvendo os benefícios de óleos como ômegas 3, 6 e 9 e ácido araquidônico para diminuir o risco de doenças coronárias; as diferença e impactos à saúde das gorduras cis e trans; o processo de fabricação de margarinas e a formação de ácidos graxos trans durante o processo de hidrogenação catalítica; e a rotulagem de alimentos, diferenciando a gordura hidrogenada de margarina de um creme vegetal. O LD2, no V6, relaciona os ácidos graxos com sua função na saúde humana, em especial com o exemplo do colesterol.

Quanto à temática Meio Ambiente e Poluição, o LD1 contextualiza o estudo dos conceitos a partir de exemplos da produção de sabões e detergentes e seu poder de limpeza, relacionado à polaridade e formação de micelas. Além disso, aponta as desvantagens dos sabões na presença de água dura, as vantagens dos sabões quanto à biodegradabilidade no meio ambiente, quando comparados com os detergentes e problemas ambientais. Também explora a produção de biodiesel a partir da caracterização das matérias-primas necessárias e possibilidades do uso de óleos e graxas residuais de frituras para este fim. Enquanto o LD2, no V2, explora a diferença entre as substâncias anfifílicas, sabões e detergentes, e o seu poder de limpeza a partir da tensão superficial da água.

Por fim, foi possível caracterizar uma temática não presente nos indicadores: indústria cosmética, alimentícia e farmacêutica. Com esse contexto, o LD1, V3, cita a presença de ácidos graxos superiores utilizados como lubrificantes em fármacos e cosméticos e a presença de ésteres na indústria alimentícia, farmacêutica, cosmética e de perfumes. Enquanto o LD2, no V2, aborda os constituintes dos desodorantes e sua relação com a transpiração e, no V6, mostra a reação de obtenção e aplicação de ésteres paraimitar artificialmente o aroma de frutas em balas, doces e até em xampus e outros produtos de higiene.

Deste movimento de análise, observam-se similaridades no tratamento dado às temáticas entre os dois livros didáticos analisados. Entretanto, ainda assim, identificou-se que o LD1 apresenta maiores detalhes nas informações, quando comparado aos clássicos da literatura como Solomons e Fryhle (2013), McMurry (2011) e Barbosa (2011). Nesse sentido, assim como verificam Varago e Souza (2022), a maioria dos textos analisados apresentam uma concepção cotidiana de forma ingênua, como meio de exemplificação para atrair a atenção do estudante, do que de fato um princípio norteador para resolução de problemas, conforme defendem Wartha, Silva e Berjano (2013).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas discussões apresentadas até aqui, este estudo permitiu verificar a ausência de alguns conceitos básicos sobre regras de nomenclatura mais detalhadas conforme a IUPAC nos materiais. Também perceberam-se lacunas e poucos exemplos que relacionam as propriedades físicas dos ácidos no LD2.

De forma geral, ambos os livros apontam exemplificações ingênuas relacionadas ao cotidiano quando tratam, por exemplo, dos usos dos ácidos carboxílicos e seus derivados na indústria alimentícia, cosmética e farmacêutica, provavelmente com vistas a despertar o interesse dos estudantes. Apesar disso, as leituras recomendadas, para a temática Meio Ambiente e Poluição, os materiais possibilitam ao professor pensar em abordagens problematizadoras ou experimentais para a produção de biodiesel (LD1) e sabões (LD1, LD2) com óleo residual de frituras, permitindo resgate de conceitos químicos relacionados às propriedades físicas e reativas dos ácidos carboxílicos.

Assim, acreditamos que uma visão menos fragmentada nos livros didáticos entre conceitos sobre ácidos carboxílicos e articulações com suas temáticas e outras áreas da Ciência, por meio de abordagens metodológicas diferenciadas de ensino com vistas para a solução de problemas sociais, poderiam conduzir os estudantes a reflexões sobre seus hábitos, promovendo sensibilização para uma alimentação saudável e alguns cuidados essenciais para a preservação do meio ambiente, por exemplo.

 

Recebido em: 15/03/2024

Aceito em: 20/05/2024

 

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