A configuração da indisciplina escolar na concepção de professores de Ciências e Biologia
The configuration of school indiscipline in the conception of Science and Biology teachers
La configuración de la indisciplina escolar en la concepción de los profesores de Ciencias y Biología
Diego Machado Ozelame (diegoozelame@utfpr.edu.br)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil
https://orcid.org/0000-0001-5202-3261
Antonio Augusto Ignacio (ignacio@alunos.utfpr.edu.br)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil
https://orcid.org/0000-0002-4556-4649
Anderleia Sotoriva Damke (anderleiadamke@utfpr.edu.br)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil
https://orcid.org/0000-0002-8074-7627
Eduarda Maria Schneider (emschneider@utfpr.edu.br)
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Brasil
https://orcid.org/0000-0001-5142-6608
Resumo
Este texto objetivou compreender a concepção de um grupo de professores sobre o desinteresse escolar dos alunos e suas relações com a indisciplina. Para coleta de dados da pesquisa, foi aplicado um questionário para professores de Ciências e Biologia da Educação Básica de um município no Oeste do Paraná. Os dados foram analisados mediante Análise Textual Discursiva (ATD). Da análise dos resultados emergiram quatro categorias, das quais elegemos a categoria “Geração Digital” para a produção do metatexto. Constatamos que os meios digitais emergem como um fator significativo, dos quais estabelecem estreitas relações com os indicativos do desinteresse escolar, bem como a falta de compreensão sobre os objetivos da educação científica e também a falta do conhecimento das regras disciplinares são fatores que levam a manifestação da indisciplina. Ponderamos que para minimizar as situações de indisciplina e do desinteresse escolar é preciso considerar uma diversidade de concepções e contextos envolvidos, e para isso é necessário estabelecer uma diretriz disciplinar consistente, que promova uma cultura de respeito e diálogo, bem como buscar constantemente estratégias pedagógicas inovadoras que promovam o engajamento e a motivação dos professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: Disciplina escolar; Formação de professores; Geração Digital.
Abstract
This text aimed to understand the conception of a group of teachers about the students' lack of interest in school and its relations with indiscipline. To collect data from the research, a questionnaire was applied to teachers of Science and Biology of Basic Education in a municipality in the West of Paraná. Data were analyzed using Discursive Textual Analysis (DTA). From the analysis of the results, four categories emerged, from which we chose the category "Digital Generation" to produce the metatext. We found that the digital media emerge as a significant factor, of which they establish close relations with the indicators of school disinterest, as well as the lack of understanding about the objectives of scientific education and the lack of knowledge of disciplinary rules are factors that lead to the manifestation of indiscipline. We consider that in order to minimize situations of indiscipline and lack of interest in school, it is necessary to consider a diversity of conceptions and contexts involved, and for this it is necessary to establish a consistent disciplinary guideline, which promotes a culture of respect and dialogue, as well as constantly seeking innovative pedagogical strategies that promote the engagement and motivation of teachers and students in the teaching and learning process.
Keywords: School discipline; Teacher training; Digital Generation.
Resumen
Este texto tuvo como objetivo comprender la concepción de un grupo de docentes sobre la falta de interés de los estudiantes por la escuela y su relación con la indisciplina. Para la recolección de datos de la investigación, se aplicó un cuestionario a docentes de Ciencias y Biología de la Educación Básica de un municipio del Oeste de Paraná. Los datos se analizaron mediante el Análisis Textual Discursivo (DTA). Del análisis de los resultados surgieron cuatro categorías, de las cuales se eligió la categoría "Generación Digital" para la producción del metatexto. Encontramos que los medios digitales emergen como un factor significativo, de los cuales establecen estrechas relaciones con los indicadores de desinterés escolar, así como la falta de comprensión sobre los objetivos de la educación científica y también el desconocimiento de las normas disciplinarias son factores que conducen a la manifestación de la indisciplina. Consideramos que para minimizar las situaciones de indisciplina y falta de interés en la escuela, es necesario considerar una diversidad de concepciones y contextos involucrados, y para ello es necesario establecer una directriz disciplinar consistente, que promueva una cultura de respeto y diálogo, así como buscar constantemente estrategias pedagógicas innovadoras que promuevan el compromiso y la motivación de docentes y estudiantes en el proceso de enseñanza y aprendizaje.
Palabras clave: Disciplina escolar; Formación del profesorado; Generación Digital.
INTRODUÇÃO
A indisciplina no ambiente escolar é um tema de intensas e necessárias discussões. Suas expressões vêm aumentando e ganhando um espaço cada vez maior no âmbito educacional, principalmente a partir da década de 90, observou-se uma tendência diversificada e complexa das situações de indisciplina. Tais circunstâncias sinalizaram a existência de obstáculos, mas também demonstram a necessidade de um olhar atento às teorias e práticas educacionais em consonância com as transformações ocorridas no contexto social (Garcia, 2009), visto que este espaço é permeado pela heterogeneidade de culturas, crenças e pensamentos em um mesmo espaço de convivência.
A efetivação do direito à educação no Brasil, um país diverso e de dimensões continentais, tem sido um desafio constante ao longo dos anos. Um marco importante foi a obrigatoriedade dos oito anos de ensino para todas as crianças nas décadas de 70 e 80 (Brasil, 1971), que permitiu ampliar o acesso à educação escolar para camadas da sociedade antes excluídas. No entanto, essa expansão trouxe consigo uma série de demandas complexas a serem enfrentadas, tais como, aprimorar a gestão do sistema de ensino, ampliar e melhorar os ambientes educacionais, e, uma das prioridades, a qualificação dos profissionais da educação para a melhoria do processo de ensino e aprendizagem e formação para lidar com a indisciplina, o desinteresse entre outros desafios educacionais (Vasconcelos, 2022).
Segundo Rego (1996), o conceito de indisciplina é flexível, variando de acordo com os valores, expectativas e culturas ao longo da história da humanidade. Até mesmo em nível individual, o termo pode adquirir significados distintos dependendo das vivências de cada pessoa. Essa diversidade constante nos padrões de disciplina e critérios para identificar comportamentos indisciplinados demanda uma reflexão contínua sobre o tema, buscando abordagens pedagógicas mais efetivas.
Vale lembrar que de algumas décadas para cá, a indisciplina vem assumindo diferentes características, como menciona Garcia (2001, p. 375), “[...] mesmo a análise histórica das últimas décadas, apenas, revela um cenário no qual o ambiente das escolas está abrigando uma diversidade criativa de expressões de indisciplina”. Compreendemos que a indisciplina não ocorre de forma isolada como um evento específico, mas geralmente de forma coletiva, envolvendo várias situações ao mesmo tempo.
A noção de indisciplina se destaca por ser uma atribuição recorrente, que tenta explicar o comportamento dos alunos e o contexto em que estão inseridos. Através da atribuição, os professores tentam entender e explicar as atitudes dos alunos, o que os mobiliza na construção de uma possível teoria que justifica as situações de indisciplina na escola (Damke, 2007). Ainda de acordo com a autora, em sua análise, há uma percepção comunicada nos exemplos utilizados pelos professores, os quais se referem à indisciplina como decorrente do fato de os alunos também reproduzirem em sala os problemas de casa e, assim, tumultuarem as aulas.
A percepção sobre indisciplina poderia nos dizer sobre os valores, crenças, saberes e referências culturais dos professores, uma vez que na escola, os professores aprendem a perceber os alunos, o que sinaliza a indisciplina como uma atribuição ao significar contextos e sujeitos (Damke, 2007). Na reflexão da autora, a indisciplina revelaria um atravessamento das fronteiras de valores e das habilidades e saberes do professor, além de estar expondo os limites da sua formação.
Diante disso, convém mencionar que entre os professores é recorrente a noção de indisciplina como negação da disciplina, por isso, buscamos em Estrela (1992, p. 17), uma das definições como, “desordem proveniente da quebra das regras estabelecidas pelo grupo". Mas de onde derivam tais regras? Na reflexão da autora, o professor produz e comunica normas sociais, das quais julga necessárias para exercer sua prática pedagógica e, assim, prescreve regras a serem aceitas, muitas vezes sem discussão com os alunos e sem que elas atendam suas expectativas e necessidades.
Conforme (Gotzens, 2003), a disciplina, ou seja, conjunto de normas e regras tem um valor instrumental para o bom funcionamento da sala de aula e, ainda, para garantir a qualidade no processo de ensino e aprendizagem. Situações de indisciplina, como a quebra de regras, o desrespeito aos professores e o comportamento agressivo, podem criar um ambiente desafiador para o professor. Dessa forma, suas consequências ultrapassam questões comportamentais, afetando diretamente o rendimento, o interesse e o bem-estar emocional dos estudantes (Garcia; Halmenschlager; Brick, 2021).
O desinteresse dos alunos é considerado uma das principais consequências da indisciplina. Esse desinteresse pode ser reflexo do descontentamento com o ambiente escolar ou até mesmo da falta de identificação dos estudantes com o conteúdo abordado (Aquino, 1998). Quando ocorre indisciplina, os estudantes podem sentir-se desmotivados e desconectados do processo de aprendizagem, o que pode refletir em baixo rendimento acadêmico e desinteresse em participar das atividades escolares (López; Galdino, 2020).
Nesse contexto, torna-se fundamental compreender as manifestações de indisciplina quanto as implicações no desinteresse dos alunos, buscando estratégias pedagógicas eficazes que resgatem o interesse e a motivação para aprender. O presente trabalho se propõe a refletir sobre as situações de indisciplina e suas relações com o desinteresse escolar.
Ao analisar as concepções de um grupo de professores de Ciências e Biologia acerca do desinteresse escolar, buscamos contribuir para um maior entendimento dos desafios enfrentados pelos docentes no âmbito educacional atual. Além disso, a continuidade dessa investigação permitirá uma visão, cuja intenção será aprofundar questões que permeiam o desinteresse escolar, auxiliando na proposição de abordagens pedagógicas que atendam às necessidades dos estudantes.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada nesta pesquisa, de caráter qualitativo, consistiu na análise de um questionário integrado às atividades propostas na disciplina de Psicologia da Educação do curso de graduação de licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Santa Helena, no primeiro semestre de 2022. O questionário, composto por três questões dissertativas sobre o tema da indisciplina escolar foi aplicado com oito professores de Ciências e Biologia da Educação Básica, e para este estudo, selecionamos apenas a seguinte pergunta: “Para você, quais as causas do desinteresse escolar atual?”
A ferramenta metodológica adotada para a análise das respostas foi a Análise Textual Discursiva (ATD) proposta por Moraes e Galiazzi (2013). De acordo com essa abordagem, o corpus de análise passou por uma leitura intensa e cuidadosa, denominada impregnação, a fim de compreender profundamente o conteúdo das respostas. Em seguida, no processo de unitarização, as ideias foram fragmentadas em unidades de sentido, às quais foram atribuídas uma codificação em forma de letra alfabética, representando as ideias de cada participante da pesquisa.
Posteriormente, as unidades de sentido foram agrupadas por semelhança de conteúdo, das quais emergiram quatro categorias:
1) Geração Digital;
2) Contexto social e ambiente familiar;
3) Falta de significado prático dos conteúdos;
4) Desvalorização da Educação.
Essa categorização pode ocorrer a partir de categorias pré-determinadas pelo pesquisador (categorias a priori) ou, como no caso aqui, de categorias que emergem dos dados analisados. Ao final desse processo, delimitou-se para este artigo a categoria, “geração digital” para ser analisada e estruturar o metatexto. Esta última etapa consiste no processo de reflexão, argumentação e interpretações que emergiram ao longo do estudo, embasado em autores e direcionamentos teóricos. Essa etapa busca ir além do que foi expresso ou encontrado no corpus de análise, conforme descrito por Moraes e Galiazzi (2013, p. 215) como “a emergência do novo.”
Neste estudo, optamos por apresentar as falas dos participantes na íntegra, visando facilitar a compreensão das ideias pelos leitores. É importante ressaltar que a ATD adota uma abordagem fenomenológica, não buscando estabelecer a verdade do discurso dos entrevistados, mas sim possibilitar a problematização do tema a partir das perspectivas dos autores enquanto pesquisadores (Galiazzi; Sousa, 2022).
Também destacamos que os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos foram seguidos, uma vez que preservamos o anonimato dos entrevistados, os quais foram identificados por letras maiúsculas ao longo do texto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As análises dos dados obtidos foram cuidadosamente estruturadas com base na pergunta respondida pelos entrevistados: "Para você, quais as causas do desinteresse escolar atual?" Optamos, neste escrito por realizar a análise aprofundada de uma categoria emergente específica "Geração Digital". A seguir, procederemos a uma descrição minuciosa do conteúdo abordado por essa categoria.
Geração Digital
As respostas dadas a questão, "Quais as causas do desinteresse escolar atual?", revelaram uma categoria emergente: a "Geração Digital". Esse título foi dado devido a sete dos oito professores entrevistados associarem o desinteresse dos alunos às tecnologias e mídias sociais. Eles observaram que os estudantes estão cada vez mais imersos no mundo digital, o que influencia seu desinteresse pelas atividades tradicionais de aprendizagem.
A geração digital é caracterizada pelo acesso fácil e constante às tecnologias, como smartphones, tablet e computadores. Esses dispositivos oferecem um mundo de informações e entretenimento instantâneo, o que pode levar os alunos a sentirem-se menos atraídos pelo ambiente escolar, visto como menos estimulante em comparação com a rapidez e a interatividade proporcionadas pela tecnologia. Essa situação levanta questionamentos sobre a capacidade da escola em acompanhar o ritmo acelerado da sociedade contemporânea (Campeiz et al., 2017).
Além disso, a categoria emergente da geração digital destaca a tendência dos alunos em utilizar as redes sociais e plataformas digitais para construir suas identidades e obter reconhecimento. Muitos jovens aspiram a se tornarem influenciadores digitais, buscando monetizar sua presença online e alcançar o sucesso através da exposição nas mídias sociais. Essa busca por fama e reconhecimento na esfera digital pode desviar o interesse dos alunos das aulas convencionais, conforme observamos nas respostas dos entrevistados A e E).
Em sua grande maioria, os alunos não enxergam a escola como o caminho para alcançar seus sonhos, acham que o conhecimento e a aprendizagem se tornam desnecessárias, pois essas informações estão disponíveis nos sites de busca e sites de respostas escolares. É muito difícil você ensinar algo para alguém que não vê nesse aprendizado algo que seja necessário ser aprendido de fato. A mídia faz tudo parecer fácil, dúzias de alunos estão mais interessados em construir perfis monetizados como Influenciadores digitais, do que aprender algo de fato importante. (Entrevistado A).
Não que sejam desinteressados, mas com os meios digitais conseguem informações e aprendizados tão rápidos que na escola com ensino por métodos tradicionais é muito chato. (Entrevistado E).
Em suas respostas estes professores também destacaram a facilidade de acesso a informações e respostas prontas disponíveis na internet. Os alunos muitas vezes veem a escola como desnecessária, ao considerarem que podem encontrar o conhecimento necessário nos sites de busca e plataformas educacionais. Essa percepção pode levar à falta de motivação para aprender dentro do ambiente escolar.
A questão do desinteresse dos alunos também está relacionada à percepção de que o que é ensinado na escola não é relevante para suas vidas e futuro. Alguns entrevistados mencionaram que os estudantes veem o ensino como algo distante de suas aspirações e não conseguem estabelecer uma conexão direta entre o conhecimento adquirido na escola e suas perspectivas futuras (Entrevistados B, D, F).
De acordo com as teorias, nem o professor nem ninguém mais consegue ensinar algo que o aluno não esteja disposto a aprender. Então aí reside a grande dúvida. Aprender não é interessante, nem fácil e nem prazeroso, mas necessário, então como despertar o aluno para isso? Essa é a grande questão a ser respondida. (Entrevistado B).
Muitas vezes o desinteresse é resultado do achismo de que o que é introduzido na escola não serve para algo no futuro. (Entrevistado D).
Sim, como eu disse, eles usam o tempo de aula para fazerem de tudo, menos o que é necessário, não se interessam em aprender o conteúdo, só pensam em ir para ganhar presença. (Entrevistado F).
Outro ponto relevante é a falta de atualização e adaptação da escola diante das mudanças tecnológicas e sociais. A sociedade passou por transformações aceleradas nas últimas décadas, impulsionadas pelo avanço da tecnologia. No entanto, a estrutura e os métodos de ensino da escola ainda são, em grande parte, baseados em um modelo tradicional que não acompanhou essas mudanças. Isso gera um descompasso entre as expectativas e habilidades dos alunos e o que é oferecido pelo ambiente escolar, resultando em desinteresse e falta de engajamento (Entrevistado G).
Sim, a evolução tecnológica nos últimos anos foi muito rápida, a escola não acompanhou tais mudanças, dito o que vimos durante a pandemia o abismo social com alunos sem acesso às ferramentas tecnológicas. Até a década de 80 a infância era parecida por gerações, a minha infância não foi muito diferente da infância dos meus pais, já hoje com tanta tecnologia a infância é diferente (dinâmica), vejo pelos meus filhos, a minha filha de 30 anos já teve uma infância diferente da de 20 anos. É comum vermos álbuns de fotos de crianças da década de 80, as poses eram combinadas até os sorrisos eram tímidos, hoje em dia não, as crianças sorriem nas fotos, são espontâneas. Todas essas mudanças não foram acompanhadas pela escola que continua no modelo tradicional gerando falta de interesse nos alunos. (Entrevistado G).
Nesse sentido, autores como Bauman (1998), Gentili (2002), Veiga-Neto (2005) e Silva e Correa (2014) já apontavam para a necessidade de repensar a escola diante dos desafios impostos pela sociedade em constante transformação. Gentili (2002) argumentava que a escola enfrenta uma crise ao se encontrar incapaz de responder aos desafios impostos pelos novos tempos. Souza e Anic (2024) destaca o conflito entre a modernidade e a tradição, ressaltando a busca constante pela substituição da antiga ordem por algo novo e melhor, desenvolvendo-se um cenário propício à aprendizagem.
A adaptação da escola ao contexto pós-moderno e às demandas da geração digital requer uma revisão do currículo, levando em consideração as singularidades dos alunos e suas habilidades condizentes com o mundo atual (Costa, 1997; Green & Bigum, 1995). Além disso, estudos já comentavam ser fundamental flexibilizar o tempo e o espaço pedagógico, proporcionando uma maior abertura ao diálogo entre alunos e professores (Barbieri et. Al, 2023). Essas transformações visam criar um ambiente educacional mais atrativo e relevante, capaz de despertar o interesse e engajamento dos alunos em suas jornadas de aprendizagem.
A compreensão do desinteresse escolar como indisciplina
A partir dos relatos apresentados, é possível relacionar as ideias dos entrevistados com as reflexões de Morin (2001) sobre a falta de interesse dos alunos na escola e a necessidade de repensar a educação. O Entrevistado A menciona que muitos alunos não enxergam a escola como um caminho para alcançar seus sonhos, pois acreditam que o conhecimento está disponível nos sites de busca e em plataformas de respostas escolares.
Vale destacar que o principal objetivo da educação científica é a compressão e o uso funcional do conhecimento, não limitando a aprendizagem de conteúdos conceituais como um fim em si (Pozo; Crespo, 2009). A educação formal não tem como objetivo ficar no nível da instrução como modelos a serem imitados, mas na passagem das informações e conhecimentos para o nível da produção de valores (Paro, 2014).
No contexto da pesquisa, a compreensão do entrevistado reflete a percepção de que o aprendizado na escola se tornou desnecessário, pois as informações podem ser obtidas de maneira rápida e acessível. Isso nos parece verdade em um ponto e um equívoco em outro. No primeiro ponto, sim, as informações podem ser obtidas de maneira rápida e acessível nas plataformas virtuais, mas o equívoco está no segundo ponto, porque o ensino vai além da informação ou do “infoentretenimento” (Byung-Chul, 2022, p. 28), que reduz a ação racional Essa visão destaca a importância de uma abordagem educacional que vá além da simples acumulação de informações, promovendo uma compreensão mais profunda e significativa, como também defendido por Morin (2001).
O Entrevistado B ressalta a dificuldade de despertar o interesse dos alunos pela aprendizagem, afirmando que aprender não é fácil, interessante ou prazeroso, mas necessário. Essa colocação está alinhada com a necessidade de repensar o ensino, desde sua base, com políticas públicas que subsidiem uma boa formação docente para criar condições objetivas e subjetivas para pensar em abordagens que despertem o engajamento dos estudantes e tornem o processo de aprendizagem mais envolvente e significativo. Morin (2000) argumenta que o pensamento complexo considera o contexto e a complexidade do conhecimento, por isso pode contribuir para superar o desinteresse e promover uma educação mais integrada.
O Entrevistado C sugere que os alunos podem até se interessar pelo aprendizado, mas estão mais preocupados com os acontecimentos de sala de aula. Essa observação pode estar relacionada à falta de conexão entre os conteúdos escolares e a realidade dos estudantes, como propõe Freire (2015) em sua pedagogia libertadora. Valorizar a contextualização e a aplicabilidade dos conhecimentos por parte de metodologias de ensino apoiadas por condições e políticas públicas pensadas para uma reestruturação das formas e condições de ensino pode despertar o interesse dos alunos e tornar a aprendizagem mais significativa para eles.
O Entrevistado D menciona que o desinteresse dos alunos é resultado de o achismo em relação ao conteúdo ensinado na escola não ter utilidade no futuro. Essa percepção pode ser combatida por uma abordagem educacional que mostre a relevância dos conhecimentos para a formação integral dos alunos e sua capacidade de lidar com os desafios futuros. O pensamento complexo de Morin (2000), ao considerar esse contexto, pode contribuir para essa compreensão mais ampla da educação como alertado em sua obra:
A educação deve favorecer a aptidão natural da mente em formular e resolver problemas essenciais e, de forma correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este uso total pede o livre exercício da curiosidade, a faculdade mais expandida e a mais viva durante a infância e a adolescência, que com frequência a instrução extingue e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja adormecida, de despertar" (Morin, 2000, p. 39).
O Entrevistado E destaca que os alunos utilizam os meios digitais para obter informações e aprendizados de forma rápida, tornando o ensino tradicional da escola entediante em comparação. Essa constatação ressalta mais uma vez a importância de uma abordagem educacional que seja capaz de acompanhar as transformações tecnológicas e oferecer métodos de ensino mais dinâmicos e atrativos para os alunos. A ideia de transdisciplinaridade de Nicolescu (2013) pode ser relevante ao buscar a compreensão global e integrada do conhecimento que vá além das fronteiras disciplinares.
A transdisciplinaridade é uma abordagem que ultrapassa as fronteiras das disciplinas tradicionais, buscando a integração de conhecimentos e perspectivas diversas para compreender a complexidade da realidade. Diferente da interdisciplinaridade, que ainda mantém certas barreiras entre os campos do saber, a transdisciplinaridade promove uma visão holística e integrada, permitindo uma análise profunda e abrangente dos fenômenos estudados. Essa postura aberta e flexível dos pesquisadores e educadores possibilita a conexão de ideias de diferentes campos, tornando-a uma ferramenta poderosa para enfrentar os desafios complexos da sociedade contemporânea e promover uma educação mais significativa e transformadora.
O Entrevistado G relaciona a falta de interesse dos alunos com a falta de atualização da escola diante das rápidas mudanças tecnológicas e sociais. Ele menciona que a infância atual é dinâmica e diferente das gerações passadas, e a escola, que ainda segue um modelo tradicional, não acompanhou essas transformações. Esse relato evidencia a importância de repensar a escola de forma ressignificada, levando em consideração as mudanças sociais, tecnológicas e culturais.
A análise dos relatos demonstra conforme Brito (2023, s/p) que:
Com efeito, docentes que utilizam abordagem metodológicas de maneira negligente, que não realizam adaptações para a realidade das turmas e que não constroem relação com o cotidiano dos alunos podem provocar a falta de interesse nos discentes – um dos fatores que levam à indisciplina. Sendo assim, alguns elementos da prática pedagógica dos professores podem ser geradores da indisciplina, tais como: propostas curriculares problemáticas e metodologias que subestimam a capacidade dos alunos, seja por apresentarem assuntos muito fáceis, seja por serem de pouco interesse; inadequação do tempo para a realização de atividades; centralização em excesso na figura do professor; pouco incentivo à autonomia e às interações entre os alunos; e uso frequente de sanções e ameaças visando ao silêncio da classe.
Assim, podemos perceber que os relatos dos entrevistados dialogam com as reflexões dos autores mencionados, evidenciando a necessidade de uma abordagem educacional que promova o pensamento complexo, considere a realidade dos alunos, valorize a diversidade cultural, supere as barreiras disciplinares e acompanhe as transformações sociais e tecnológicas. Essa visão mais ampla e complexa da educação busca formar indivíduos críticos, criativos e capazes de lidar com a complexidade do mundo contemporâneo.
Diante dos desafios das situações de indisciplina e do desinteresse escolar, os educadores poderiam considerar as múltiplas dimensões envolvidas no processo educacional, buscando abordagens inovadoras que permitam uma compreensão mais completa e significativa do conhecimento, tornando a aprendizagem uma experiência enriquecedora e relevante para os estudantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões realizadas, compreendemos que as expressões de indisciplina e o desinteresse escolar são questões complexas, interligadas e que coexistem com outros contextos, o que exige uma análise para o desenvolvimento de estratégias pedagógicas eficazes.
A expansão da educação no Brasil, embora represente um avanço no acesso à escolarização, também trouxe consigo uma série de demandas, dentre elas formações de práticas pedagógicas que atendam as diversas implicações dos desafios com a indisciplina e o desinteresse dos alunos. A educação contemporânea precisa estar em constante sintonia com as mudanças sociais e tecnológicas, possibilitando a implementação de um ambiente atrativo e comprometido com o processo formativo, conforme as reais necessidades dos educandos.
A concepção dos professores pesquisados sobre o desinteresse escolar e suas relações com a indisciplina configurou a geração digital como uma das categorias, o que faz emergir como um fator significativo para os desafios de sala de aula. A facilidade de acesso às tecnologias e às mídias sociais tem levado os alunos a se sentirem mais atraídos por essa realidade digital do que pelo ambiente escolar. A escola necessita compreender e explorar os interesses dos alunos, contextualizando o conhecimento e tornando-o mais significativo e conectado à sua realidade. Além disso, a atualização constante dos métodos de ensino e a incorporação de ferramentas tecnológicas podem contribuir para despertar o interesse e a motivação dos estudantes.
A falta de compreensão das regras e diretrizes disciplinares também pode levar à manifestação da indisciplina. Nesse sentido, é fundamental estabelecer uma diretriz disciplinar consistente, promovendo uma cultura de respeito, diálogo e cooperação, onde os conflitos possam ser resolvidos de maneira construtiva e educativa. A interação entre professores, alunos e a comunidade escolar desempenha um papel vital nesse processo, permitindo o desenvolvimento de uma abordagem pedagógica mais inclusiva e participativa.
Nossa análise também nos faz pensar em futuras pesquisas, entre elas, as quais buscariam entender em que medida os professores estão inseridos em ações para estas mudanças necessárias no ensino da geração digital e qual seria as melhores formas e condições para que estas ações aconteçam.
Recebido em: 27/02/2024
Aceito em: 13/12/2024
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