O Ensino de Química a partir de problemas: um Estudo de Caso abordando a temática consumo de água em uma turma de 1° Ano do Ensino Médio

Teaching Chemistry Through Problem Solving: A Case Study Addressing the Theme of Water Consumption in a 1st Grade High School Class

La Enseñanza de la Química a través de la Resolución de Problemas: Un Estudio de Caso que Aborda el Tema del Consumo de Agua en una Clase de 1er Grado de Secundaria

 

Marcos Roberto Gomes da Silva (marcosgomes.dh@gmail.com)

Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Brasil

https://orcid.org/0009-0000-3118-9991

 

Eduardo Gomes Onofre (eonofre@servidor.uepb.edu.br)

Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Brasil

https://orcid.org/0000-0002-0773-5080

 

Antônio Inácio Diniz Júnior (antonio.dinizjunior@ufrpe.br)

Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Brasil

https://orcid.org/0000-0002-2207-9376

 

 

 

Resumo:

O presente trabalho trata-se de um estudo de caso intitulado “O poço de Seu José” aplicado em uma turma de 1° Ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual localizada no município de Aparecida/PB. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e exploratória que tem como objetivo avaliar a eficácia do estudo de caso como proposta de um ensino de Química inovador e provocativo para o estudante e aplicada durante a fase de avaliação das temáticas: substâncias, misturas e separação de misturas. Para aplicação do estudo de caso foi elaborada uma sequência didática organizada em quatro momentos, cada um correspondente a 90 minutos de hora/aula. Neste estudo foram exploradas as potencialidades da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) abordadas a partir da temática “consumo de água”. Os resultados mostraram que a exploração da temática no Ensino de Química a partir do estudo de caso possibilitou maior engajamento e motivação dos estudantes para a aprendizagem de conceitos químicos. O trabalho em grupo e a postura dos estudantes através da apresentação dos argumentos elaborados por eles foram alguns dos aspectos que confirmam a potencialidade do ensino de Química através do estudo de caso.

                                                                                    

Palavras-chave: Metodologias ativas; Aprendizagem em Química; Conceitos químicos; Estratégias de ensino

Abstract:

The present work is a case study titled "Seu José's Well" applied to a 1st-grade class of High School in a state public school located in the municipality of Aparecida/PB. It is a qualitative and exploratory research that aims to evaluate the effectiveness of the case study as a proposal for innovative and provocative Chemistry teaching for students, applied during the evaluation phase of the themes: substances, mixtures, and separation of mixtures. To apply the case study, a didactic sequence was developed, organized into four moments, each corresponding to 90 minutes of class time. In this study, the potentialities of Problem-Based Learning (PBL) were explored, addressed from the theme "water consumption." The results showed that exploring the theme in Chemistry Education through the case study led to greater student engagement and motivation for learning chemical concepts. Group work and the students' presentation of their arguments were some of the aspects confirming the potential of teaching Chemistry through the case study.

 

Keywords: Active methodologies; Chemistry learning; Chemical concepts; Teaching strategies.

 

Resumen:

El presente trabajo es un estudio de caso titulado "El pozo de Seu José" aplicado a una clase de 1er grado de la Escuela Secundaria en una escuela pública estatal ubicada en el municipio de Aparecida/PB. Es una investigación cualitativa y exploratoria que tiene como objetivo evaluar la eficacia del estudio de caso como propuesta para la enseñanza innovadora y provocativa de la Química para los estudiantes, aplicada durante la fase de evaluación de los temas: sustancias, mezclas y separación de mezclas. Para aplicar el estudio de caso, se desarrolló una secuencia didáctica, organizada en cuatro momentos, cada uno correspondiente a 90 minutos de clase. En este estudio, se exploraron las potencialidades del Aprendizaje Basado en Problemas (ABP), abordado desde el tema "consumo de agua". Los resultados mostraron que explorar el tema en la Educación Química a través del estudio de caso llevó a un mayor compromiso y motivación de los estudiantes para aprender conceptos químicos. El trabajo en grupo y la presentación de los argumentos por parte de los estudiantes fueron algunos de los aspectos que confirman el potencial de la enseñanza de Química a través del estudio de caso.

 

Palabras-clave: Metodologías activas; Aprendizaje de química; Conceptos quimicos; Estrategias de enseñanza.

 

INTRODUÇÃO

Compreendemos que o Ensino de Química tem sido interpretado pela maioria dos estudantes como desmotivador e de pouco significado. Isso tem ocorrido por diversos motivos, a citar: a insistência por parte de muitos professores em um ensino tradicional tendo como base o trabalho com fórmulas e equações químicas, bem como a resolução de exercícios baseados apenas na fixação e memorização de conceitos químicos, muitas vezes alheios a realidade dos estudantes. Como afirma Lima (2012, p. 98), “é preciso que o conhecimento químico seja apresentado ao aluno de uma forma que o possibilite interagir ativa e profundamente com o seu ambiente, entendendo que este faz parte de um mundo do qual ele também é ator e corresponsável.”

Neste trabalho é discutido o estudo de caso intitulado “O poço de Seu José” como estratégia para um Ensino de Química inovador e provocativo para os estudantes, tendo como abordagem a temática consumo de água. A escolha da temática teve como objetivo avaliar a eficácia da metodologia de estudo de casos tendo como base a Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) numa turma do 1° Ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual do município de Aparecida, Paraíba. A escolha da referida turma se deu em função dos estudantes passarem da etapa do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, cujas concepções acerca da Química geram expectativas e percepções sobre a disciplina, além de mudanças de atitudes em função dos novos métodos de ensino e implementação de novas abordagens. Em relação à escolha da temática “consumo de água”, se deu em virtude de fazer parte do componente curricular da etapa escolar e sua grande relevância no contexto social dos estudantes participantes da presente pesquisa.

O método de estudo de caso é uma variante da ABP e tem como objetivo a solução de problemas baseados no contexto dos estudantes através da participação coletiva por meio de discussões e proposição de hipóteses. Sá e Queiroz (2010) destacam a metodologia de estudo de caso como possibilitadora do aprimoramento de habilidades de resolução de problemas capaz de estimular o senso crítico do aluno a respeito das situações vivenciadas. O estudo de caso, quando aplicado nos espaços escolares, tem possibilitado uma gama de habilidades levando a motivação dos estudantes envolvidos na solução de problemas contidos na narrativa do caso em análise (Queiroz; Sotério, 2023).

Tendo em vista a discussão acerca de um Ensino de Química motivador e que tenha o aluno como centro da aprendizagem, as discussões sobre as habilidades e desempenhos dos estudantes diante do caso analisado poderão contribuir para o aprofundamento do debate acerca da metodologia da ABP nas aulas de Química. Essa compreensão poderá possibilitar maior enfoque e engajamento de pesquisadores na temática desse estudo.

REFERENCIAL TEÓRICO

A Química é uma Ciência de interesse para a humanidade. Seja na indústria, na agricultura, ou na tecnologia de um modo geral, é impossível pensar em algo em que a Química não esteja presente. Apesar de ser uma Ciência importante, muitos estudantes têm demonstrado falta de interesse e desmotivação nessa área do conhecimento. Para Benedetti Filho, Cavagis e Benedetti (2021), diversos conteúdos de Química, os quais exigem a compreensão de muitas regras e símbolos, podem acarretar o desinteresse e rejeição por parte dos estudantes.

Como afirma Bernardi e Pazinato, (2022),

A pouca conexão entre os conceitos químicos e a vida real é considerada um entrave no ensino de Química.  Isso porque a contextualização tem impacto positivo na motivação e na aprendizagem, uma vez que permite que os estudantes criem relação entre o conhecimento conceitual e suas experiências prévias (Bernardi; Pazinato, 2022, p.223).

Apesar da Química ser compreendida por muitos como algo abstrato, haja vista suas investigações fazerem parte, na maioria das vezes, do mundo microscópico, cabe ao professor apropriar-se de metodologias que tornem o ensino prazeroso e que provoque descobertas ao estudante. Um exemplo é o método de estudo de caso que se trata de uma variante da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP) em que o aluno é o protagonista da própria aprendizagem. “O estudo de caso se baseia em uma problemática e na busca do ‘como’ e ‘porque’ dos problemas de uma narrativa possibilitando que as habilidades de pesquisa e de investigação dos alunos sejam trabalhadas” (Benjamin; Sousa, 2021, p. 158). Assim, o estudo de caso consiste numa narrativa real ou hipotética com personagens envolvidas numa situação-problema capaz de prender a atenção do aluno a ponto de despertar nele a motivação para resolver tal problemática.

A construção de um caso pode ser feita levando-se em consideração aspectos reais ou fictícios onde o professor cria uma narrativa com personagens envolvidas numa situação em torno de um problema. Acerca disso, Herreid (1998) destaca que um bom caso deve apresentar como principais características: narrar uma história, despertar o interesse pela questão, ser pontual, atual, produzir empatia, incluir diálogos, ser relevante, ter uma utilidade pedagógica, provocar conflito, forçar uma decisão.

De acordo com Queiroz e Sachci (2020), no estudo de caso, o estudante é incentivado a se familiarizar com os personagens e as circunstâncias mencionadas na narrativa, de modo a compreender os fatos, valores e contextos nele presentes a fim de solucioná-los. Os autores supracitados ainda destacam que o método de estudo de casos apoia-se na abordagem de narrativas que trazem, em seu bojo, dilemas vivenciados por indivíduos que necessitam solucionar os problemas que enfrentam. “O ato de pensar pode ser equivalente ao de resolver problemas, já que, os sujeitos em reflexão precisam reconhecê-lo e solucioná-lo” (Campos; Batinga, 2022, p. 15).

No contexto do Ensino de Química, o estudo de caso possibilita ao estudante a compreensão de conceitos químicos, uma vez que ele passa a lidar com observações, hipóteses e avaliação de um problema pelo qual busca construir uma solução que melhor se enquadre na situação presenciada. O estudante toma o problema como seu à medida que tenta buscar uma resposta para os questionamentos abordados. “O estudante na ABP entra na situação-problema e se apropria dela” (Lopes; Silva Filho; Alves, 2019, p. 59). Essa apropriação é fundamental para a construção do conhecimento, pois promove um engajamento ativo e significativo onde o aluno se sente parte do processo de aprendizagem e desenvolvimento de soluções práticas. “A ABP é uma estratégia de ensino e aprendizagem que envolve a identificação do problema em situações complexas, baseadas na vida real, e a busca de suas possíveis soluções” (Lopes; Silva Filho; Alves, 2019, p. 49).

Referente à busca por soluções de problemas, dentro da linha de pensamento que enfatiza a ABP e o estudo de casos, Queiroz e Sotério (2023) destacam que:

A busca por soluções de problemas autênticos, que são aqueles que trazem em seu bojo situações da vida cotidiana e requisitam a consideração de explicações alternativas, tendo como fundamento o uso de pensamento crítico, favorece o entendimento de conceitos científicos e o desenvolvimento de habilidades cada vez mais necessárias na atualidade, como a capacidade de argumentação e de tomada de decisão, especialmente diante de questões relacionadas à ciência e à tecnologia. (Queiroz; Sotério, 2023, p. 12).

Uma vantagem de se trabalhar com a ABP nas aulas de Química é que tal estratégia torna os alunos mais participativos na aula e aproxima mais os estudantes da Ciência. “Os problemas são um estímulo para a aprendizagem e para o desenvolvimento das habilidades de resolução” (Souza; Dourado, 2015, p. 185). Outro aspecto é que a ideia de resolver um problema não implica apenas em se chegar a uma solução, mas dar vida aos personagens envolvidos nas narrativas. “Um caso pode despertar nos alunos a empatia para com o personagem principal, além de possibilitar a reflexão sobre situações usuais do seu próprio cotidiano” (Queiroz; Sacchi, 2020, p. 46).

De acordo com Goi e Santos (2019), quando vista como algo a ser pesquisado e discutido, a Resolução de Problemas pode levar o aluno a uma descoberta. Isso porque um problema não possui respostas imediatas, ao contrário, o aluno busca a partir de hipóteses construir uma solução. “O indivíduo que pesquisa, que encontra regularidades e relações na solução de um problema precisa estar com a expectativa de que há algo para ser investigado” (Goi; Santos, 2019, p. 99). Como já destacado, um problema desperta o interesse no aluno e força uma tomada de decisão. “Os estudantes são geralmente receptores passivos e não ‘aprendem a aprender’” (Lopes; Silva Filho; Alves, 2019, p. 22).

Outro aspecto importante envolvendo a ABP é que os estudantes aprendem de maneira colaborativa, uma vez que, ao buscarem solucionar um problema eles coletam e compartilham informações o que permite a construção coletiva do conhecimento. De acordo com Lopes, Silva Filho e Alves (2019) o trabalho colaborativo permite a aquisição de habilidades importantes para os estudantes, uma vez que, após saírem da escola, os mesmos encontrarão no cotidiano, situações nas quais eles precisam partilhar informações e trabalhar produtivamente com os outros. No trabalho colaborativo, os integrantes do grupo oferecem suporte mútuo, com o objetivo de alcançar metas comuns acordadas pelo coletivo, desenvolvem-se relações caracterizadas pela ausência de hierarquia, liderança compartilhada, confiança recíproca e responsabilidade conjunta pela condução das atividades (Damiani, 2008).

Nessa ótica, a reflexão acerca de um Ensino de Química que tenha sentido e que esteja no contexto dos estudantes passa pela compreensão de que a ABP pode ser uma estratégia para desmistificar o pensamento descrente que muitos têm acerca dessa Ciência, além de possibilitar o desenvolvimento do trabalho coletivo e satisfatório no âmbito educacional.

METODOLOGIA

A referida pesquisa foi realizada numa turma de 1° Ano do Ensino Médio de uma escola pública estadual localizada no município de Aparecida, Sertão da Paraíba, composta por 24 estudantes com idades de 15 a 17 anos. A escolha da turma se deu em virtude de se tratar de uma turma ingressante no Ensino Médio (1° Ano) e que tem, entre outros desafios, o ensino do componente de Química no currículo escolar, já em relação a escolha da temática “consumo de água”, explorada nessa pesquisa, consideramos por fazer parte do currículo da disciplina nesta etapa escolar e sua relevância no contexto social dos estudantes.

Levando em conta de que o objetivo da pesquisa é avaliar a eficácia do estudo de caso como proposta de um ensino de Química inovador e provocativo para o estudante, optamos pela utilização do método qualitativo e de caráter exploratório.

Acerca da pesquisa qualitativa, Yin (2016), destaca sua importância por várias razões. Primeiramente ela estuda o significado da vida das pessoas em suas condições reais, permitindo uma compreensão profunda e autêntica de suas experiências cotidianas. Em segundo lugar, a pesquisa qualitativa valoriza as opiniões e perspectivas dos participantes, capturando os significados atribuídos por eles aos eventos da vida real. Além disso, essa abordagem abrange as condições contextuais – sociais, institucionais e ambientais – em que a vida das pessoas se desenrolam, oferecendo uma visão abrangente e detalhada das influências contextuais. A pesquisa qualitativa também contribui para a explicação dos comportamentos sociais humanos através de conceitos existentes ou emergentes, e se esforça por usar múltiplas fontes de evidência, enriquecendo a análise e interpretação dos dados.

Para a análise dos dados obtidos dos questionários aplicados, utilizamos uma abordagem qualitativa. Inicialmente os dados foram transcritos e organizados em categorias temáticas. Em seguida, aplicamos a técnica de análise de conteúdo de Bardin (2011), que consiste em identificar, codificar e categorizar padrões nos dados qualitativos. Essa técnica permitiu uma interpretação mais detalhada e contextualizada das respostas dos estudantes. Os questionários foram avaliados em três critérios principais:

1. Compreensão conceitual: Analisamos se os estudantes conseguiram identificar corretamente os conceitos de substâncias e misturas, e se demonstram entendimento das características desses conceitos.

2. Aplicação prática: Verificamos se os estudantes foram capazes de aplicar os conceitos aprendidos em situações práticas do cotidiano, como mencionado nos exemplos de misturas do dia a dia.

3. Engajamento e reflexão: Observamos o nível de engajamento dos estudantes e a profundidade de suas reflexões sobre a importância dos conceitos químicos em sua vida cotidiana.

Para realização da pesquisa, os participantes assinaram um termo de consentimento e como forma de organizar os dados e preservar a identidade dos mesmos, optamos por reuni-los em grupos denominados, respectivamente, de G1, G2, G3, G4 e G5, sendo quatro grupos compostos por cinco e um grupo por quatro estudantes.

A aplicação do estudo de caso detalhado neste trabalho ocorreu na fase de avaliação das temáticas: substâncias, misturas e separação de misturas de acordo com proposta de uma sequência didática organizada em quatro momentos, cada um correspondente a 90 minutos de hora/aula.

Primeiro momento: uma lista de materiais foi exposta aos estudantes onde eles teriam que dizer quais são substâncias e quais não são. Em seguida, o professor questionou sobre o que são substâncias e quais as características que um material deve ter para ser considerado uma substância. O objetivo desse momento foi avaliar o conhecimento prévio dos estudantes sobre substâncias no campo do ensino da Química e conscientizá-lo da importância dos conceitos em Química. Em seguida foi introduzido o conceito de substância como sendo uma porção de matéria que possui composição química definida e propriedades específicas, citado exemplos como água destilada, açúcar (sacarose), gás oxigênio e ferro, bem como a classificação em simples e compostas.

Segundo momento: levando em conta de que os estudantes já compreendiam o conceito de substância, foram apresentados dois exemplos de substâncias: água e açúcar (sacarose). Os estudantes foram questionados sobre como poderíamos chamar a união dessas substâncias quando adicionadas a um mesmo recipiente. O objetivo desse momento foi levá-los ao entendimento de que as misturas são reuniões de duas ou mais substâncias. Em seguida, foi solicitado aos estudantes que citassem exemplos do cotidiano que constituem misturas e se essas misturas apresentam as mesmas características ou distinguem uma das outras. Alguns dos exemplos mencionados foram: água do mar, ar, água com areia e sangue. Logo após, foi explicado que mistura é a combinação de duas ou mais substâncias, onde cada uma mantém suas propriedades químicas individuais, e que podem ser classificadas em homogênea e heterogênea.

Terceiro momento: uma amostra de água suja (mistura de água e argila) foi colocada diante dos estudantes e eles foram questionados se aquela água seria própria para o consumo humano. Diante das concepções, os estudantes foram indagados sobre quais características a água apropriada para o consumo deveria apresentar e de que forma a água suja mostrada poderia se tornar apropriada para o consumo. Nesse momento, os estudantes foram lembrados de que a água antes de ser utilizada no consumo doméstico deveria passar por processos de purificação como decantação, floculação e filtração. O objetivo desse momento foi mostrar que a maioria das substâncias que utilizamos não se encontram isoladas na natureza, mas misturadas a outras, e para serem obtidas precisam passar por etapas de separação como é o caso do sal que é obtido da água do mar por evaporação, entre outros. 

Quarto momento: aplicação do estudo de caso “O poço de Seu José”. O estudo de caso detalhado no Quadro 1 apresenta em seu enredo a história de “Seu José”, um agricultor que reside na cidade de Aparecida/PB, que perfurou um poço artesiano no quintal de casa. Sem o conhecimento de que precisaria fazer a análise química e biológica da água, “Seu José” começou a consumi-la e dias depois ele e os demais membros da sua família começaram a se sentir mal. Ao receber a visita de um amigo, “Seu José” foi orientado da importância da análise da água e que os problemas de saúde deles poderiam estar relacionados à impureza da água consumida. O amigo se prontificou a buscar uma solução para o caso.

Quadro 1 – Estudo de caso detalhado.

CASO: O poço de Seu José

Seu José é agricultor e mora na cidade de Aparecida, Sertão da Paraíba, onde vive com sua esposa, Dona Odete, e seis dos seus oito filhos. Um dia ao receber a visita da filha mais velha, Odília, que mora na cidade de Campina Grande/PB, Seu José mencionou a dificuldade que estava passando para pagar a conta de água mensal, já que a família é muito grande e há muito consumo. Odília aconselhou o pai a perfurar um poço artesiano no quintal de casa, pois dessa maneira poderia consumir água sem precisar pagar mensalmente. Seu José gostou da ideia e resolveu compartilhar com seus outros filhos que logo conseguiram fazer uma “vaquinha” e juntar o dinheiro para a perfuração do poço.

Uma empresa foi contratada e logo iniciou a perfuração. Após escavar 30 metros de profundidade muita água começou a jorrar e cinco dias depois o poço estava pronto. Muito contente, Seu José experimentou a água e viu que era “docinha” e cristalina.

— Água bem limpinha, ótima para beber, cozinhar e tomar banho, disse ele!

Depois do poço perfurado Seu José não precisou mais pagar água ao Departamento de Abastecimento do município, já que o poço dava cerca de 20 mil litros de água por hora que passou a ser consumida nas diversas finalidades.

Meses depois Seu José começou a sentir dores abdominais, acompanhadas de vômito e diarreia. Além dele, a esposa e os outros filhos também apresentaram os mesmos sintomas. A família resolveu procurar um médico que desconfiou ser uma virose e passou algumas medicações. Após tomar as medicações, os sintomas diminuíram, mas dias depois tornaram a se repetir.

Preocupado, Seu José ligou para um dos filhos que mora em São Paulo e relatou o problema.

Rildo, já faz dias que estamos doentes, muita dor de barriga e vômito.

— O senhor já foi ao médico?

— Sim, mas ele disse que podia ser uma virose e passou uns remédios, porém o problema continua.

Preocupado com a saúde dos pais e dos irmãos, Rildo comentou, por telefone, o caso com o amigo, Nelson, que é estudante de Química. Nelson mora na mesma cidade de Seu José e se prontificou a ir visitá-lo. Ao conversar com ele ficou sabendo do poço que havia sido perfurado e perguntou:

— O senhor fez a análise da água desse poço?

— E precisa fazer?

— É importante para saber se a água é própria para o consumo.

— Mas é tão limpinha!

— O critério de pureza da água não depende somente de ela ser “limpinha”.

— E agora Nelson, como vou fazer isso?

— Não se preocupe Seu José, vou buscar uma forma de resolver o problema.

 Proponha sugestões para investigar o problema de Seu José e analisar se realmente a água do poço é própria para o consumo humano. Caso a água não seja própria para o consumo, proponha, a partir dos seus conhecimentos químicos, uma maneira de torná-la consumível. Descreva os materiais e procedimentos utilizados na análise da água de um poço. Considere que a cidade onde Seu José reside não tem saneamento básico e que a casa onde ele mora fica próxima a um rio onde deságua esgotos residenciais e industriais.

Fonte: Os autores, 2023.

O estudo de caso envolveu as temáticas discutidas nos três momentos anteriores da sequência didática. As questões levantadas tiveram como principal objetivo ajudar Seu José a resolver o problema da água do poço. Para isso, os estudantes foram divididos em cinco grupos a fim de que, sob a orientação do professor, cada grupo pudesse levantar hipóteses com o intuito de contribuir com a solução do problema. Por fim, os argumentos levantados pelos estudantes de cada grupo foram socializados com os demais e debatidos sob a mediação do professor a fim de alcançar as melhores soluções para o problema.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As concepções e o desempenho dos estudantes participantes da pesquisa acerca da ABP a partir do estudo de caso proposto foram analisadas por meio de observações feitas em sala de aula e da coleta de dados obtida através do questionário aplicado contendo as indagações do caso em tela.

Acerca das observações foi possível notar que os discentes se mostraram bastante empenhados em buscar uma solução para o caso. A reunião dos estudantes em grupos possibilitou maior engajamento e discussões acerca da problemática do caso e cada grupo deu sua contribuição tanto de forma escrita como discursiva. Os estudantes fizeram uso de fontes diversas, tais como: livros, computadores e aparelhos celulares. Nestas consultas, os estudantes buscaram soluções para resolver o problema proposto. Dessa forma, eles aprenderam também sobre estratégias de pesquisa em fontes confiáveis e relevantes.

Com relação aos questionários que propunham buscar soluções para o estudo de caso, cada grupo de estudantes escolheu um relator que, após o grupo chegar a um consenso acerca das possíveis soluções, o relator apresentou as respostas através de um relatório fazendo uma breve explanação oral acerca do que o grupo havia decidido.

O primeiro questionamento (P1) solicitava aos estudantes que propusessem sugestões para investigar o problema de “Seu José” e analisar se realmente a água do poço seria apropriada para o consumo humano. Acerca desse questionamento, as respostas elaboradas pelos grupos foram praticamente unânimes. O Quadro 2 apresenta um comparativo das respostas dos grupos.

Quadro 2 – Respostas elaboradas pelos grupos de estudantes sobre a problemática P1.

Proponha sugestões para investigar o problema de Seu José e analisar se realmente a água do poço é própria para o consumo humano.

Grupos

Respostas elaboradas pelos grupos de estudantes

Grupo 1

“Seu José deve buscar ajuda de um profissional especializado em análise de água.” 

Grupo 2

“Ele deve procurar saber se na cidade onde ele mora existe laboratório para análise de água de poço e levar uma amostra da água para ser analisada.”

Grupo 3

“Deve procurar um técnico especializado para fazer a análise físico-química da água do poço pra saber se na água há impurezas.”

Grupo 4

“Seu José pode pedir a Nelson que leve uma amostra de água para ser analisado por um químico especializado.”

Grupo 5

“Ele deve pesquisar se na região onde ele mora existe um técnico que analise a água pra saber se ela contém impureza.”

Fonte: Arquivos da pesquisa, 2023.

Os argumentos dos estudantes mostram a habilidade adquirida por eles na resolução do problema. Ao propor que o personagem busque auxílio de um profissional especializado na análise de água ou pesquisar a existência de um laboratório de análises, os estudantes demonstram conhecimento de que é necessária uma pessoa especializada no assunto para resolver o problema. Acerca disso, Silva, Ferraz e Bedin (2023) afirmam que o desenvolvimento do conteúdo por meio da pesquisa e do entretenimento intensifica o interesse dos sujeitos pelos objetos de conhecimento da química, despertando a curiosidade e o desejo dos estudantes em aprender, fazendo-os estudar com maior rigor o que é analisado e entendido em sala de aula.

O segundo questionamento (P2) propunha que os estudantes façam uso de seus conhecimentos químicos, construídos em aulas anteriores a aplicação do caso, para tornar água imprópria em consumível. Em relação aos argumentos elaborados pelos grupos, houveram algumas divergências quanto a forma de tratamento que a água deveria receber, contudo, os estudantes mostraram conhecimento sobre diversas formas de tratamento de água a fim de torna-la própria para o consumo humano. O Quadro 3 cita as respostas elaboradas por eles.

Quadro 3 – Respostas elaboradas pelos grupos de estudantes sobre a problemática P2.

Caso a água não seja, proponha, a partir dos seus conhecimentos químicos, uma maneira de torná-la consumível.

Grupos

Respostas elaboradas pelos grupos de estudantes

Grupo 1

“Ele pode adicionar hipoclorito de sódio na água que irá ficar pura.”

Grupo 2

“A água poderá ser filtrada antes de beber.”

Grupo 3

“Depende das impurezas que a água apresenta, ela irá receber o tratamento adequado.”

Grupo 4

“O tratamento da água pode ser feito com adição de substâncias químicas que eliminem as impurezas.”

Grupo 5

“Se a água tiver bactérias ela pode ser fervida porque a alta temperatura mata as bactérias.”

Fonte: Arquivos da pesquisa, 2023.

A partir dos argumentos dos grupos foi possível compreender que os estudantes demonstram ter conhecimentos de diversos métodos de purificação da água, no entanto, alguns não assimilam que o uso de um método depende das características e das impurezas que a água apresenta. Em relação a isso, o Grupo 3 foi o que apresentou uma resposta mais coerente em relação ao tratamento da água. Segundo Piaget (2002, p. 8), o conhecimento é um processo contínuo oriundo de “[…] interações que se produzem a meio caminho entre sujeito e objeto, e que dependem dos dois ao mesmo tempo”, ou seja, é fruto das interações construídas entre o sujeito e o objeto, mediadas pelos atos do próprio sujeito.

O terceiro questionamento (P1) solicitava aos estudantes que descrevessem materiais e procedimentos utilizados para a análise da água de um poço. O Quadro 4 apresenta as respostas elaboradas pelos grupos.

Quadro 4 – Respostas elaboradas pelos grupos de estudantes sobre a problemática P3.

Descreva os materiais e procedimentos utilizados na análise da água de um poço.

Grupos

Respostas elaboradas pelos grupos de estudantes

Grupo 1

“Filtro de carvão ativado. A água é filtrada para eliminar as impurezas.”

Grupo 2

“Coloca a água num destilador que é um aparelho que purifica a água.”

Grupo 3

“Bomba para retirar a água do poço, recipiente de coleta de água, filtro e outros.”

Grupo 4

“Para a análise da água pode ser usado um microscópio, um medidor de acidez e recipientes com amostras de água.”

Grupo 5

“Um motor pra coletar a água e um microscópio pra ver se tem bactérias.”

Fonte: Arquivos da pesquisa, 2023.

De acordo com as respostas compartilhadas pelos grupos de estudantes foi possível constatar que os mesmos demonstram terem conhecimento de muitos materiais e métodos para análise da água, embora ainda necessitem de embasamentos científicos sobre como fazer uso dos materiais e métodos empregados na análise de água. Um argumento bem elaborado encontra-se no Grupo 4 acerca dos procedimentos para análise da água, onde os estudantes mencionam que seria necessário o uso de um microscópio e um medidor de acidez. Os argumentos apresentados pelos estudantes demonstram que eles compreenderam a importância do uso de materiais de laboratório e a finalidade de cada material.

A partir dos relatórios apresentados pelos estudantes foi possível constatar que a metodologia de estudo de caso teve uma abordagem bastante positiva no Ensino de Química. O empenho dos estudantes e o trabalho em equipe mostraram que a Aprendizagem Baseada em Problemas permite que eles sejam protagonistas da própria aprendizagem e que desenvolvam capacidade de pesquisa e de diálogo. Como diz Tardif:

O ensino é uma atividade humana, um trabalho interativo, ou seja, um trabalho baseado em interações entre pessoas. Concretamente, ensinar é desencadear um programa de interações com um grupo de alunos, a fim de atingir determinados objetivos educativos relativos à aprendizagem de conhecimentos e à socialização. (Tardif, 2014, p.118).

Dessa forma, a utilização de metodologias ativas como o estudo de caso no Ensino de Química não só promove uma compreensão mais profunda dos conceitos científico, mas também desenvolve habilidades essenciais para o aprendizado contínuo e para a vida, como a colaboração, a comunicação e o pensamento crítico. O sucesso dessa abordagem reflete a importância de práticas pedagógicas que valorizem a participação ativa dos estudantes no processo educacional.

 

CONCLUSÃO

A aplicação do estudo de caso intitulado “O poço de Seu José” como estratégia de ensino na abordagem consumo de água mostrou que os objetivos propostos neste trabalho foram atingidos. Conforme observamos nos resultados discutidos, a metodologia utilizada foi bastante eficaz mostrando que é possível tornar o Ensino de Química mais atraente e significativo para os estudantes. Além do mais, o desempenho e a postura dos estudantes frente a problemática demonstram que a ABP pode ser um instrumento transformador de um ensino que é visto por muitos como desmotivador e sem significado.

 Outro aspecto a destacar é o trabalho em grupo e a socialização dos argumentos apresentados pelos estudantes. Isso mostra que a estratégia de estudo de caso pode favorecer a coletividade e tornar o Ensino de Química mais dinâmico e proveitoso.

 Embora a metodologia de estudo de caso tendo como respaldo a ABP tenha sido enfatizada como estratégia válida para um Ensino de Química inovador, ainda há muito a ser refletido sobre o alcance dela na sala de aula. Destes desafios, destacamos a implementação de uma formação continuada de professores, bem como a exploração de temáticas, por meio de pesquisas, que associem ações do cotidiano com o Ensino de Química. Concluímos que muito precisa ser feito para que o Ensino de Química seja, de fato, um instrumento de transformação da sociedade, entretanto o presente trabalho fortalece a importância de um Ensino de Química voltado para a realidade socioeconômica e cultural dos estudantes.

  Recebido em: 22/04/2024

Aceito em: 05/08/2024

 

 

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 1. ed. Lisboa: Edições, 70, 2011.

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