Oficinas científicas na formação continuada de professores de ciências: análise de uma atividade disparadora

Scientific workshops in continued education of science teachers: analysis of a triggering activity

Talleres científicos en la formación continua de profesores de ciencias: análisis de una actividad desencadenante

 

Juliana Martins Marteleto Novo (jumarteleto@gmail.com)

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Brasil.

https://orcid.org/0000-0003-3733-9190

 

Carolina Alvares da Cunha de Azeredo Braga (carolina@caxias.ufrj.br)

Universidade Federal do Rio de Janeiro/Campus UFRJ Duque de Caxias Professor Geraldo Cidade, Brasil

 https://orcid.org/0000-0001-8152-3601

 

Luisa Andrea Ketzer (luisaketzer@caxias.ufrj.br)

Universidade Federal do Rio de Janeiro/Campus UFRJ Duque de Caxias Professor Geraldo Cidade, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-1127-116X

 

Andrea Thompson Da Poian (dapoian@bioqmed.ufrj.br)

Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-3969-704X

 

 

Resumo

Este trabalho tem como propósito descrever e analisar uma atividade disparadora fundamentada no Ensino de Ciências por Investigação. Essa atividade, chamada "Qual é a folha?", constituiu a primeira etapa de uma oficina científica que foi ofertada em três edições para 32 professores de ciências de escolas públicas municipais de Itaboraí (RJ). A partir de uma proposta bastante simples e acessível, buscou-se fomentar a discussão sobre aspectos relacionados à atividade científica e estimular a curiosidade sobre a metodologia científica. A atividade foi capaz de promover descontração e interação, além de ter envolvido os participantes em práticas científicas como observação, descrição, argumentação e utilização de materiais. Considerando que a investigação constitui um elemento central da Base Nacional Comum Curricular para o ensino de ciências, espera-se que a formação tenha contribuído para que os docentes compreendam a abordagem investigativa, de maneira a incluí-la em seus planejamentos de ensino, visando a promoção da alfabetização científica.

Palavras-chave: Ensino por investigação; Educação científica; Ensino Fundamental.

 

Abstract

This work aims to describe and analyze a trigger activity based on Inquiry-based Science Education. This activity, named "Which Leaf Is It?”comprised the initial stage of a scientific workshop offered in three editions to 32 science teachers from municipal public schools in Itaboraí (RJ). Through a very simple and accessible proposal, the goal was to foster discussions on aspects related to scientific activity and stimulate curiosity about the scientific methodology. The activity successfully promoted a relaxed atmosphere and interaction, engaging participants in scientific practices such as observation, description, argumentation, and material utilization. Considering that inquiry is a central element in the National Common Curricular Base for science education, it is anticipated that this training has contributed to teachers' understanding of the investigative approach, enabling them to incorporate it into their teaching plans, aiming to promote scientific literacy.

Keywords: Teaching by investigation; Science education; Elementary School.

 

Resumen

Este trabajo tiene como propósito describir y analizar una actividad desencadenante fundamentada en la Enseñanza de Ciencias mediante Investigación. Esta actividad, denominada "¿Cuál es la hoja?", constituyó la primera etapa de un taller científico ofrecido en tres ediciones a 32 profesores de ciencias de escuelas públicas municipales de Itaboraí (RJ). A través de una propuesta sencilla y accesible, se buscó fomentar la discusión sobre aspectos relacionados con la actividad científica y estimular la curiosidad sobre la metodología científica. La actividad logró promover la relajación e interacción, además de involucrar a los participantes en prácticas científicas como observación, descripción, argumentación y utilización de materiales. Considerando que la investigación constituye un elemento central de la Base Nacional Común Curricular para la enseñanza de ciencias, se espera que la formación haya contribuido a que los docentes comprendan el enfoque investigativo, con el objetivo de incorporarlo en sus planes de enseñanza, promoviendo la alfabetización científica.

Palabras-clave: Enseñanza por investigación; Enseñanza de las ciencias; Enseñanza fundamental.

 

INTRODUÇÃO

As discussões sobre Alfabetização Científica (AC) permeiam a literatura na área de Educação em Ciências há décadas, sendo Paul Hurd autor do primeiro artigo, publicado em 1958, quem associou a scientific literacy aos objetivos do ensino de ciências (Silva; Sasseron, 2021). Desde então, as discussões sobre as abordagens teóricas e práticas da AC têm ganhado força tanto no âmbito nacional quanto internacional. Esse impulso, especialmente a partir da década de 1990, foi evidenciado pelo aumento na publicação de trabalhos relacionados à temática em diferentes idiomas (Díaz et al., 2003; Fourez, 1994, 1999; Gil-Pérez; Vilches-Peña, 2001; Mendes; Reis, 2012, Sasseron; Carvalho, 2011).

Em concordância com Sasseron e Carvalho (2011) e Silva e Sasseron (2021) quanto à utilização do termo Alfabetização Científica, entendemos que este conceito se encontra embasado nos pressupostos freireanos, abarcando, dentre outros objetivos, o propósito de formar sujeitos críticos para atuação na sociedade, que sejam capazes de tomar decisões diante dos desafios contemporâneos, dentre outros (Sasseron; Carvalho, 2011).

Nesse contexto, diversas pesquisas sustentam que o Ensino de Ciências por Investigação (EnCI) constitui uma abordagem didática capaz de fomentar a AC. Além de oportunizar aos estudantes o aprendizado de conceitos e o aprimoramento de habilidades vinculadas ao pensamento crítico, o EnCI também proporciona o desenvolvimento da capacidade argumentativa e da leitura e escrita sobre os conteúdos, tudo isso por meio das condições estabelecidas pelo professor em sala de aula (Abd-El-Khalick et al., 2004; Sasseron; Carvalho, 2011; Sasseron, 2015; Pedaste et al., 2015; Carvalho, 2018).

Embora as atividades investigativas já estivessem presentes em propostas curriculares anteriores, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) conferiu a elas uma posição central na abordagem das ciências da natureza, o que demanda investimento em formação de professores (Sasseron, 2018). Faz-se necessário, portanto, enfrentar desafios práticos identificados pelos educadores, evidenciados em estudos anteriores, tais como a escassez de materiais e recursos e a falta de incentivo e de tempo destinado aos estudos e planejamento, por exemplo (Campos; Scarpa, 2018; Santana; Franzolin, 2018; Novo; Cavalcanti, 2022).

Na busca por harmonizar as dinâmicas entre o aprendizado de conceitos e a prática nas ciências, Duschl (2008) sugeriu que os currículos fossem elaborados considerando um equilíbrio entre os objetivos de aprendizagem conceituais, epistêmicos e sociais do conhecimento científico. Tais objetivos são denominados pelo autor como dimensões ou domínios do conhecimento. A dimensão conceitual envolve conceitos, leis e teorias produzidas e usadas no raciocínio científico; a social engloba o modo como os conhecimentos científicos são produzidos e legitimados; e a epistêmica relaciona-se ao desenvolvimento e avaliação desses conhecimentos (Duschl, 2008). Já a dimensão material do conhecimento refere-se ao modo como as ferramentas, tecnologias e recursos que apoiam o trabalho científico são criadas e adaptadas (Stroupe, 2014).

Desde então, algumas pesquisas têm se dedicado a compreender como ocorre a construção e articulação entre essas dimensões quando estudantes são submetidos a atividades investigativas nas aulas de ciências (Franco; Munford, 2020; Sasseron, 2021; Sasseron; Duschl, 2016; Silva; Sasseron, 2021). Nesse sentido, a análise realizada por Pedaste e colaboradores (2015) oferece valiosas contribuições, apresentando uma síntese que conciliou pontos fundamentais dos modelos de EnCI propostos até aquele momento.

Denominado de "ciclo investigativo", esse modelo compreende cinco fases: orientação, conceitualização, investigação, conclusão e discussão, além de algumas subfases. Observa-se que a maioria das propostas analisadas se inicia pela etapa de orientação, apesar de não haver uma ordem obrigatória. As atividades descritas para esta etapa incluem desafios de aprendizagem, observações, explorações, apresentação de tópico, e outras, com o objetivo geral de estimular o interesse e a curiosidade em relação a um novo tópico ou ao problema em questão (Pedaste et al., 2015).

Cardoso e Scarpa (2018), ao desenvolverem uma ferramenta de análise de propostas de ensino investigativas, também identificaram uma etapa similar, denominada introdução à investigação, contendo atividades como engajamento em desafios, leitura de teorias científicas e sondagem de conhecimentos prévios dos envolvidos.

Já o estudo de Mariani e Sepel (2023), que destacou a relevância da utilização de atividades iniciais ao descrever oficinas didáticas de ciências elaboradas para a formação continuada de professores, concluiu que tais propostas propiciaram uma interação mais efetiva, estimulando a proatividade e a colaboração entre os participantes. No mesmo sentido, Fonseca e colaboradores (2022) associaram a construção da cultura colaborativa à amplificação do desenvolvimento profissional docente, ao desenvolverem uma proposta formativa centrada na implementação da AC no contexto escolar.

A DINÂMICA DA OFICINA CIENTÍFICA

Neste relato buscamos contribuir com as discussões existentes na literatura ao descrever e analisar uma atividade que compôs oficinas científicas fundamentadas no EnCI. Para tanto, utilizamos dados provenientes de oficinas ministradas a professores que atuam no ensino de ciências nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, na rede municipal de ensino de Itaboraí (RJ).

As oficinas científicas aconteceram no auditório de uma escola da rede municipal e foram compostas por quatro etapas: I- atividade disparadora, II- elaboração de perguntas, III- elaboração de hipóteses e realização da investigação e IV- apresentação/discussão dos resultados (figura 1).

Fonte: Novo (2023).

Figura 1 - Esquema representando as etapas das oficinas investigativas.

O tema norteador escolhido para as atividades relatadas aqui foi fotossíntese e é importante salientar que, mesmo abordando uma só temática e seguindo etapas definidas, cada oficina assumiu um caráter singular, apresentando uma diversidade de experimentos. Essa singularidade pode estar associada a dois elementos: a liberdade intelectual concedida aos participantes e o estímulo ao trabalho coletivo, que oportunizou a interação e integração entre conhecimentos, raciocínios e vivências. A liberdade intelectual, segundo Carvalho (2018), é um fator essencial em modelos investigativos e está relacionada ao pensamento crítico e à capacidade de trabalhar em grupo e tomar decisões.

Nas oficinas, os participantes assumiram a responsabilidade de criar perguntas, selecionar aquelas que tentariam responder, formular hipóteses e testá-las por meio de experimentos, além de interpretar e expor os resultados observados. Desse modo, entendemos que as oficinas constituíram propostas fundamentadas no EnCI, compreendendo, ao mesmo tempo, a forma de ensinar e o objetivo do ensino (Sasseron, 2015).

Durante os encontros, estudantes de graduação e pós-graduação da UFRJ atuaram como monitores, desempenhando o papel de incentivar os participantes a conduzirem investigações e auxiliando no uso de materiais e equipamentos, sem fornecer respostas diretas. Cada oficina teve duração aproximada de 7 horas, sendo realizada em um só dia, devido à disponibilidade dos professores. Foram então realizadas três oficinas com grupos distintos, tendo 14 docentes participado da primeira edição, 10 da segunda e 08 da última, resultando em um total de 32 participantes.

Todos os participantes envolvidos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma vez que a participação na oficina representou uma das etapas de um projeto vinculado à tese de doutorado, que foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio De Janeiro / HUCFF- UFRJ, sob o protocolo CAAE de nº 15752619.4.0000.5257.

ATIVIDADE DISPARADORA

A primeira etapa da oficina científica, denominada neste trabalho de atividade disparadora, teve como objetivos a sensibilização quanto a aspectos relacionados à metodologia científica e o estímulo à curiosidade sobre o tema. Esta etapa também foi elaborada visando oportunizar uma ligeira descontração, para que os envolvidos pudessem sentir-se mais confortáveis e dispostos a participar das práticas seguintes. Tais objetivos demonstram a similaridade da atividade disparadora com outras propostas presentes na literatura, tais como a etapa de orientação (Pedaste et al., 2015), a introdução à investigação (Cardoso; Scarpa, 2018) e a atividade inicial (Mariani; Sepel, 2023).

Vale ressaltar que a atividade disparadora não precisa ser relacionada ao tema a ser desenvolvido ao longo da oficina científica e que pode ser realizada utilizando-se outros objetos também. Como exemplo, nosso grupo já realizou a atividade descrita neste trabalho ("Qual é a folha?") como atividade disparadora de oficinas com temas diferentes de fotossíntese, assim como também já realizou o mesmo formato de atividade envolvendo a descrição de amendoins com casca, ao invés de folhas.

Nas oficinas realizadas com os professores da rede municipal de ensino de Itaboraí, a atividade disparadora teve início com a distribuição de papel, caneta/lápis e de uma folha de planta para cada um dos participantes, sob a orientação de que fizessem uma descrição detalhada da folha que receberam, sem identificar-se. Ressalta-se que as folhas possuíam cores, tamanhos e formatos bem variados.

Além disso, foi avisado aos participantes que eles poderiam solicitar recursos como réguas e lupas, deixadas à mesa principal. O motivo pelo qual esses materiais não foram entregues logo de início para cada participante foi de evitar que eles inferissem que deveriam necessariamente utilizá-los. Destaca-se que mesmo os materiais estando expostos e os professores sendo avisados de que poderiam solicitá-los, muitos deles não o fizeram.

Após cerca de 15 minutos, as folhas e suas descrições foram recolhidas. Essas folhas foram embaralhadas e expostas, junto a outras folhas que nem haviam sido usadas pelos participantes, conforme mostra a figura 2A. Nessa etapa é recomendável expor algumas folhas parecidas entre si e outras bem diferentes, de modo a compor uma diversidade de características que poderiam ser descritas e reconhecidas.

Enquanto um monitor expôs as folhas, colando-as à parede, outro monitor ficou responsável por redistribuir as descrições aleatoriamente entre os participantes, buscando-se que cada participante recebesse uma descrição diferente daquela feita por ele próprio. E só então foi explicado que eles deveriam, um por vez, ler a descrição recebida e identificar a folha correspondente, em meio às demais (figura 2B). Da mesma forma, eles foram avisados de que poderiam utilizar réguas e lupas, durante as verificações.

Fonte: Novo (2023).

Figura 2- Registros da execução da atividade disparadora “Qual é a folha?”, em uma das oficinas realizadas.

Assim, conforme cada participante suspeitava que uma folha correspondia à descrição que tinha em mãos, era solicitado que a pessoa responsável pelo texto se manifestasse quanto ao acerto ou erro. Com o desenrolar da atividade, foi possível notar que, além de se tratar de um momento de interação inicial e descontração, a partir dos acertos e erros e de concordâncias ou divergências relacionadas às características descritas, os participantes começaram a perceber as fragilidades contidas em algumas descrições.

O quadro 1 apresenta dois exemplos de descrições feitas pelos participantes. É possível observar que a descrição A, à esquerda, contém informações genéricas como “cor viva” e “contorno pontiagudo de maneira aleatória”, por exemplo, que podem não ter o mesmo sentido para quem está lendo. Para facilitar a identificação da folha, seria necessário, neste caso, mencionar mais precisamente a cor da folha e fornecer dados mais objetivos como medições, uso de referências e observações mais apuradas, a partir do uso dos materiais (régua e lupa).

A descrição B, por sua vez, fornece informações que podem auxiliar o investigador, como a cor, o tamanho e o formato da folha. Apesar de apresentar dados subjetivos como “textura fina”, sem a devida referência sobre o que seria considerado fino ou espesso pelo descritor, nota-se que as pistas dadas são mais eficazes para quem precisa encontrar a folha correspondente a esta descrição. Outro aspecto importante desta atividade é o estímulo ao senso crítico dos participantes, levando-os a reavaliar os seus julgamentos e pontos de vista.

Quadro 1- Exemplos de duas descrições feitas pelos participantes durante a atividade disparadora “Qual é a folha?”.

Descrição A

Descrição B

Uma folha, apresentando uma cor viva, com linhas internas bem marcadas, contorno pontiagudo de maneira aleatória. Não possui aspecto aveludado, nem úmido, apresentando uma textura delicada e suave.

Folha com a cor verde predominante, com 7 cm de comprimento e 5,5 cm de largura. Possui ramificações na cor branca. Textura fina. Formato de coração.

Fonte: Novo (2023).

Outra observação interessante pode ser exemplificada com um exemplo ocorrido durante a terceira oficina, quando dois docentes priorizaram o uso de conceitos e termos técnicos em suas descrições, conforme mostra o quadro 2. Esses termos não eram necessariamente conhecidos pelos demais participantes, mostrando que precisão na descrição nem sempre requer o uso de linguagem muito específica.

Na descrição C verifica-se a predominância de informações conceituais como “dicotiledônia”, “angiosperma”, “limbo reticular”, “coriácea”, “folha rica em cloroplastos”, dentre outras. Cabe ressaltar que a última informação, por exemplo, não poderia ser fornecida com os instrumentos de observação disponíveis. Nesse caso, o participante inferiu uma característica por seu conhecimento geral sobre o tipo de planta, mas não poderia ter feito essa afirmação sem observar a folha ao microscópio para avaliar a quantidade de cloroplastos. Essa postura é o oposto do que é esperado em uma investigação científica e na atividade proposta, onde a prioridade deveria ser a observação.

Além disso, mesmo que todas as informações estivessem corretas, deve-se levar em conta a compreensão das informações para quem está lendo. A inclusão de informações básicas referentes à coloração e medidas da folha, por exemplo, poderia contribuir para o caso de um investigador que desconheça ou não se recorde de termos conceituais. Entretanto, a discussão sobre tais aspectos pode favorecer a construção da dimensão conceitual (Duschl, 2008) pelos docentes participantes.

Quadro 2- Exemplos de duas descrições feitas por participantes durante a atividade disparadora “Qual é a folha?”.

Descrição C

Descrição D

Folha: dicotiledônea, reticular, apendicular, limbo reticular, coriácea, limbo longitudinal, angiosperma, folha rica em cloroplastos.

Folha verde escura, com uma mancha descolorida na região central, medindo 16,7 cm; com nervuras que caracterizam ser uma dicotiledônea. Seu limbo mede 16,7 cm de comprimento por 7,7 cm de largura, em sua região mais larga.

Fonte: Novo (2023).

Na descrição D, o participante caracterizou a planta como uma possível dicotiledônea, mas mencionou outras características como coloração, presença e tamanho de uma mancha, comprimento e largura da folha, fornecendo mais subsídios para que a mesma fosse identificada por outra pessoa.

Uma percepção importante observada durante o desenvolvimento da atividade relacionou-se ao uso dos materiais disponíveis, já que nem todos os participantes utilizaram as réguas e lupas, resultando em descrições pouco elucidativas em alguns casos. Essa constatação oportunizou discussões acerca do domínio material do conhecimento, relacionado aos recursos e ferramentas que apoiam o trabalho científico (Stroupe, 2014).

Além da dimensão material, também foi possível discutir características referentes às dimensões epistêmica e social do conhecimento científico (Duschl, 2008). Dentre as reflexões, foi discutida a importância do(a) cientista analisar e descrever a metodologia e os resultados com atenção, de forma objetiva e detalhista, para que outros pesquisadores possam seguir o protocolo, seja para fins de reprodutibilidade ou almejando encontrar novas respostas.

Verifica-se, portanto, que a partir de uma atividade bastante simples foi possível discutir aspectos ligados à natureza da atividade científica, presentes em propostas baseadas no EnCI, tais como a observação, capacidade de descrição, argumentação, utilização de materiais e métodos e a investigação em si (Carvalho, 2018). Considerando que tais aspectos integram os domínios do conhecimento científico (Duschl, 2008; Stroupe, 2014), é demonstrada a capacidade orientadora que essa atividade disparadora pode exercer ao integrar uma oficina baseada no EnCI.

Há de se destacar ainda o protagonismo que as interações discursivas exerceram no desenvolvimento da proposta, o que pode ser facilitador da construção de práticas epistêmicas pelos participantes (Sasseron; Duschl, 2016; Franco; Munford, 2020). O estímulo ao pensamento crítico e a perspectiva de valorização do erro como parte do processo de aprendizagem (Sasseron, 2015; Carvalho, 2018) também estiveram presentes à medida que os docentes foram confrontados com os seus conhecimentos prévios, refletindo sobre a melhor forma de utilizá-los, buscando cumprir os requisitos da atividade.

Nos três encontros, a atividade “Qual é a folha?” proporcionou o estímulo ao tema de interesse, além de descontração, favorecendo a interação e colaboração entre os participantes. Tais conclusões encontram-se em consonância com os estudos de Cardoso e Scarpa (2018) e Mariani e Sepel (2023) no que se refere aos objetivos e impactos de atividades introdutórias em sequências de ensino investigativas.

Algumas concepções evidenciadas pelos docentes após a intervenção formativa demonstraram que ela proporcionou uma experiência positiva, conforme argumentou o(a) docente em:

Eu achei superinteressante aquela primeira coisa que a gente fez (descrever a folha). Eu nunca tinha parado para pensar o quanto a descrição é importante em ciência, e [...] você pode fazer (a atividade) com uma coisa tão simples. As folhas que têm às vezes na própria escola, nas plantas, você pode pegar, usar e, você não só pode trabalhar a questão da descrição, que é uma competência das ciências muito importante, mas também associar ao conteúdo, não é? (relato de participante da 3ª oficina).

A inclusão de atividades mais acessíveis em sequências investigativas pode estimular os docentes a implementarem EnCI nas suas aulas, já que esse tipo de atividade não demanda muito tempo para planejamento, nem a utilização de laboratórios, materiais e equipamentos sofisticados, sendo estas algumas limitações apontadas em pesquisas anteriores (Campos; Scarpa, 2018; Santana; Franzolin, 2018; Novo; Cavalcanti, 2022). Com isso, os professores parecem ter vislumbrado a possibilidade concreta de praticar esta atividade nas aulas de ciências do ensino fundamental.

A colaboração evidenciada através das interações e troca de saberes entre os docentes é um fator importante, tal como demonstraram estudos em situações similares (Fonseca et al., 2022; Mariani; Sepel, 2023). Espera-se que cada profissional, dentro das particularidades que envolvem a realidade dos seus estudantes e da comunidade onde estão inseridos, sejam capazes de implementar propostas investigativas no contexto escolar, sejam elas simples ou de maior complexidade, desde que possibilitem a promoção da AC para os estudantes da educação básica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem investigativa se justifica pela necessidade de aprimorar a compreensão dos estudantes sobre a atividade científica, para além da aprendizagem sobre conceitos “prontos” e disponíveis nos livros didáticos. O enfoque recai na prioridade de afastar-se de um modelo tradicional e centrado apenas no conteúdo, buscando, em contrapartida, um método que faça sentido para os estudantes, promovendo uma aprendizagem mais significativa e engajada.

Sendo assim, elaboramos uma proposta formativa, em formato de oficina científica, voltada a professores de ciências que atuam na rede pública municipal de ensino de Itaboraí. A atividade descrita neste relato é parte integrante dessa oficina, correspondendo à etapa I – atividade disparadora – e buscou cumprir a função de inserir os participantes em uma proposta investigativa, demonstrando que é possível vivenciar e discutir aspectos relacionados à atividade científica, mesmo a partir de uma atividade bastante simples.

Esperamos que os participantes das oficinas possam atuar como multiplicadores da proposta, bem como que o presente trabalho possa constituir um corpus a ser utilizado por professores, estudantes e demais interessados em conhecer e implementar propostas investigativas em contextos formais e não-formais de educação em ciências.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq pelo apoio financeiro que permitiu a realização desta pesquisa.

 

 Recebido em: 21/02/2024

Aceito em: 09/08/2024

 

 

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