The Witcher 3 – Wild Hunt e a abordagem de plantas medicinais: a gamificação nas aulas de química
The Witcher 3 – Wild Hunt and the approach of medicinal plants: gamification in chemistry lessons
The Witcher 3 – Wild Hunt y el enfoque de las plantas medicinales: gamificación en las clases de química
Nudson Souza Santos (nudson.souza@ufms.br)
Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Link do Orcid https://orcid.org/0000-0002-9808-4462
Daniele Correia (d.correia@ufms.br)
Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Link do Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7068-7755
Resumo
Palavras-chave: Ensino de química; Gamificação; Instrução pelos Colegas; Funções Orgânicas; Plantas medicinais.
Abstract
This article presents and analyze the results of a didactic sequence, combining gamification and instruction by colleagues to motivate and engage students in the process of learning the objects of knowledge about organic functions and medicinal plants. The study has a qualitative approach and is an intervention research, the data collected through questionnaires (initial and final) and researcher’s diary.The our results allowed us to infer that there was interest, engagement, team spirit, and competitiveness by the students when developing all activities. In addition, the students took on their protagonist role in the learning process the properties of medicinal plants and organic functions.
Keywords: Chemistry teaching; Gamification; Instruction by colleagues; Organic functions; Medicinal plants.
Resumen
Este artículo presenta y analizalos resultados de una secuencia didáctica, que combina metodologías de gamificación activa e instrucción entre pares, para motivar e involucrar a los estudiantes en el proceso de aprendizaje de objetos de conocimiento sobre plantas medicinales y funciones orgánicas. El estúdio tiene un enfoque cualitativo y de tipo investigación de intervención, utilizando como instrumentos de recolección de datos cuestionarios (inicial y final) y el diario del investigador. Del análisis de los resultados obtenidos, inferimos que hubo interés, compromiso, espíritu de equipo y competitividad por parte de los estudiantes en el desarrollo de todas las actividades, así como también, nos dimos cuenta que asumieron su rol protagónico en el proceso. de conocer las propiedades de las plantas medicinales y sus funciones orgánicas.
Palabras-clave: Enseñanza de la química; Gamificación; Instrucción entre pares; Funciones orgânicas; Plantas medicinales.
INTRODUÇÃO
É crescente o número de publicações apresentandoresultados promissores sobre o uso de gamesarticulados ao uso de métodos ativos, em processos de ensino e de aprendizagem de objetos de conhecimento de química, assim como o aumento da participação e colaboração entre colegas e melhora na atenção dos alunos durante o desenvolvimento das atividades. Somado a isso, nos últimos anos, vem havendo um movimento de popularização dos jogos para finalidades educacionais, tendo como premissa colocar osparticipantes em situações de prazer, diversão e interação enquanto aprendem (Silva, Haraguchi, Leite, 2022;Cardoso et al., 2020; Felber, Krause, Venquiaruto, 2018).
No contexto da sala aula, o professor, ao utilizar a gamificação, promove a aprendizagem ativa do estudante durante as interações discursivas em sala de aula (Colombo, 2019). A gamificação consiste em uma metodologia ativa que utiliza elementos de jogos (desafios e recompensas) e tem sido amplamente utilizada em diferentes contextos educacionais para engajar e motivar ações, aumentar a criatividade e colaboração entre pessoas, promover a aprendizagem e resolver problemas (Kapp, 2012). As atividades envolvendo gamificação podem ser combinadas com outras metodologias ativas, como, por exemplo, a instrução pelos colegas.
A instrução pelos colegas (IpC), também conhecida como instrução por pares, é uma abordagem pedagógica que envolve a participação ativa dos alunos no processo de aprendizagem. Nesse método, os estudantes trabalham aos pares ou pequenos grupos para discutir, debater e ensinar uns aos outros os conceitos e as ideias do objeto de conhecimento que está sendo estudado (Araujo, Mazur, 2013).
Essa estratégia vem sendo frequentemente utilizada em salas de aula, especialmente em disciplinas que envolvem a resolução de problemas, tomada de decisão e pensamento crítico.A IpC tem sido aplicada de forma exitosa em várias áreas de conhecimento, com resultados positivos no desenvolvimento de habilidades como colaboração entre os indivíduos, trabalho em equipe, feedbacksrápidos e engajamento (Mussato, 2019; Araujo et al., 2017).
Neste contexto, as metodologias ativas de gamificação e IpC estão alicerçadas em referenciais teórico-construtivistas, sendo uma das vertentes destacadas na literatura em relação ao ensino de ciências, nesse sentido, citamos a teoria sócio-histórica de Vygotsky (1991).Partindo disto, foi possível construir uma sequência didática (SD) envolvendo gamificação associada à IpC, contando com o uso do jogo The Witcher 3 – Wild Hunt para fornecer um ambiente virtual personalizado e interativo, em que os estudantes trabalharam de forma coletiva e colaborativa para empregar conhecimentos de química na resolução de problemas. Assim, a mediação do professor, o feedback imediato e a interação entre os participantes, proporcionada a partir de atividades gamificadas auxiliam na construção do conhecimento de forma estruturada, visual e lúdica, promovendo o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como o pensamento crítico e a resolução de problemas (Vygostky, 1991).
Diante do exposto, este trabalho tem o objetivo de analisar a experiência da implementação da SD sobre o tema plantas medicinais no ensino de funções orgânicas aliando a gamificação a IpC ao uso do jogo The Witcher 3 – Wild Hunt. A SD foi implementada em uma turma do segundo ano do ensino médio de uma escola pública do município de Três Lagoas – MS.
A teoria sócio-histórica de Vygotsky e suas relações com os métodos ativos
A teoria Vygotsky propõe que o desenvolvimento do aprendiz depende de interações com os representantes mais experientes de seu grupo, proporcionando novos aprendizados e permitindo o desenvolvimento de funções psicológicas superiores. Para isso, é necessário partir do conhecimento já efetivado pelo estudante, que se chama desenvolvimento real,e tentar chegar ao desenvolvimento potencial, que se refere às capacidades que ainda podem ser construídas por intermédio de um mediador. Este caminho percorrido com a ajuda do mediador é denominado zona de desenvolvimento proximal (ZDP).
O processo de mediação nem sempre ocorre por meio de um indivíduo mais experiente, também podeocorrer a partir de objetos ou situações, como o ato de brincar. Vygotsky (1991) defende que o brincar é uma atividade fundamental que permite ao aprendiz explorar, experimentar e construir conhecimento de forma ativa. Por meio do brincar, os aprendizes constroem conhecimento ao interagirem com objetos, pessoas e situações, desenvolvendo habilidades cognitivas, sociais e emocionais. Assim, as metodologias ativas, como a gamificação e a IpC, podem ser reconhecidas em um contexto educacional, como uma forma de aplicar os princípios do brincar e da mediação defendida por Vygostky, proporcionando uma abordagem envolvente e que promove a aprendizagem ativa dos estudantes.
De um lado, a metodologia IpC está fundamentada na ideia de que a construção do conhecimento se dá por meio da interação social e da colaboração entre os aprendizes. Ao se envolverem em debates e na explicação de conceitos para seus colegas, os discentes são desafiados a organizar e articular suas próprias ideias, escutar e aceitar diferentes perspectivas, o que amplia sua visão e aprofunda sua aprendizagem (Rego, 2014).
Por outro lado, a gamificação pode ser inserida em diferentes contextos e gerarbenefícios significativos para as pessoas e organizações. Ao analisarmos pela perspectiva da teoria sócio-histórica de Vygotsky (1991), podemos destacar que com o auxílio da gamificação, o indivíduo aprende novos saberes por meio da brincadeira, do lúdico e da interação social com quem está jogando ou com vivências passadas. É importante ressaltar que a gamificação em sala de aula precisa ser planejada e implementada pelo professor de forma cuidadosa e estratégica, visando atingir os objetivos de aprendizagem a partir da apropriação e internalização dos conhecimentos, por meio da interação entre os estudantes mediada pelo professor. Ou seja, as atividades devem ser desenvolvidas com a intencionalidade de promover a aprendizagem enquanto os estudantes jogam. Logo, a gamificação com fins didáticos não deve incentivar o jogar pelo jogar, mobilizado pelo lazer.
As plantas medicinais e suas relações com a química orgânica
De acordo com as definições da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA), as plantas medicinais, também conhecidas como fitoterápicos, são aquelas capazes de aliviar ou curar enfermidades. O processo de produção do fitoterápico nada mais é que a industrialização do princípio ativo da planta medicinal, respeitados os parâmetros das normas estabelecidas pela ANVISA, que garante a padronização da produção do medicamento, evitando contaminação por micro-organismos e substâncias nocivas, além de unificar a dosagem adequada de consumo do fitoterápico.
Uma planta medicinal evidenciada no jogo é o dente-de-leão, que tem como princípio ativo a taraxacina, presente no dente-de-leão – Taraxacumoficcinale, a qual possui ações antioxidante, anti-inflamatória e diurética, ajudando na eliminação de toxinas dos organismos, auxiliando na imunidade (Brasil, 2019). Os flavonoides presentes no chá do dente-de-leão funcionam como antioxidantes que agem diretamente no fígado. A Figura 1 apresenta a estrutura química da taraxacina e as funções orgânicas presentes – os hidrocarbonetos, cetonas e ésteres.

Fonte: Elaborado pelos autores.
Figura 1 – Estrutura da taraxacina.
Outro exemplo de planta medicinal explorado, a partir do jogo, é a Madressilva – Lonicera japônica, da classe das saponinas,que possuem propriedades anti-inflamatórias e substâncias antibióticas ativas que atuam contra bactérias causadoras de problemas respiratórios e gastrointestinais (Andrade et al., 2011). As funções orgânicas presentes – os hidrocarbonetos, cetonas, ácidos carboxílicos, éteres e álcoois.

Fonte: Elaborado pelos autores.
Figura 2 – Estrutura de um glicosídeo da classe das saponinas.
A implementação daSD sobre plantas medicinais, aliando as metodologias ativas de gamificação e IpC, envolveu a participação de 39 estudantes entre 15 e 17 anos do segundo ano do ensino médio, de uma escola da rede estadual do município de Três Lagoas/MS. A escola é localizada no centro da cidade e tem como maior público os estudantes que residem em áreas rurais. Em consulta prévia aos participantes desta pesquisa, identificou-se que a maioria deles não teve contato com o jogo e/ou desconhecia a sua história.A pesquisa é de abordagem qualitativa (Bogdan, Biklen, 1994) e do tipo pesquisa com intervenção, sendo que o pesquisador esteve “imerso no universo estudado” e, observando constantemente os sujeitos envolvidos na pesquisa em seu estado natural”, a sala de aula (Rosa, 2013, p. 52).
Quadro 1 - Síntese da sequência didática.
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Aula |
Atividade realizada |
Objetivo |
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1 |
Aplicação do questionário inicial Tarefa de casa: pesquisar o que são e para que servem as plantas medicinais e trazer exemplos. |
Investigar o conhecimento dos estudantes sobre o tema. |
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2 |
Imersão no jogo The Witcher 3 – Wild Hunt e produção de poções. Tarefa de casa: pesquisar para que servem as plantas medicinais e o princípio ativo de cada uma. |
Discutir as propriedades das plantas medicinais contidas nas poções e consumidas pelo personagem. |
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3 |
Aula teórica sobre plantas medicinais e seus princípios ativos. Aplicação de questões-problema com múltiplas escolhas e respostas nos flashcards. |
Discutir as propriedades das plantas medicinais, seus respectivos princípios ativos e as funções orgânicas presentes neles. Resolver as questões-problema. |
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4 |
Aplicação de questões-problema com múltiplas escolhas e respostas nos flashcards. |
Resolver as questões-problema. |
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5 |
Aplicação do questionário final. |
Investigar a aprendizagem dos estudantes durante a aplicação da SD. |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Na aula 2, após a discussão da tarefa de casa proposta na aula 1, o professor encaminhou os estudantes para a sala de tecnologia educacional (STE), onde eles tiveram contato com o ambiente personalizado no jogo The Witcher 3 – Wild Hunt por meio do console Playstation 4. Esse ambiente seguro e livre de cenas inapropriadas para a faixa etária dos estudantes foi criado pelo professor. O jogo eletrônico The Witcher 3 – Wild Hunt é de estilo role playing game (RPG) de ação em mundo aberto[1], tendo como personagem principal da história Geralt The Rivia, um bruxo renomado e conhecido por suas façanhas, na missão de encontrar sua filha adotada, Cirilla. O bruxo explora um vasto mundo aberto repleto de perigos e enfrenta diversos desafios como: estocar alimentos, aprimorar as espadas e a armadura e encontrar os ingredientes para produzir as poções que o auxiliam na jornada.
Voltando ao ambiente personalizado no jogo, os estudantes (jogadores) foram direcionados a um castelo em ruínas com apenas uma ponte de acesso. Na tela de carregamento do game, foram orientados a acessar o menu de produção de poções, que solicitava as seguintes informações: nome da poção que será produzida, nome dos ingredientes necessários para a produção da poção, e o efeito que a poção causa no personagem.Nesta atividade, os estudantes tiveram acesso restrito ao ambiente de preparo das poções a partir de diferentes tipos de plantas medicinais, e o professor orientou que os discentes administrassem no personagem as poções papa-figo (Figura 1)e mel branco (Figura 2), bem como observassem e anotassem os efeitos causados pelos princípios ativos de cada planta.
No início das aulas 3 e 4, o professor explicou para os grupos de discentes que os flashcards, contendo as alternativas com respostas,seriam utilizados para responder às questões-problema. O professor orientou que faria a leitura das questões, por meio do projetor multimídia, e que os estudantes teriam um tempo limite de 20 segundos para levantar o flashcardcom a indicação da alternativa correta para cada questão projetada. Além disso, os grupos alcançariam pontuações a cada questão respondida corretamente. Ao término dessa atividade, os grupos que obtiveram maiores pontuações foram colocados em um “pódio”, garantindo o espírito de equipe e de competição entre eles.
Cabe destacar que os estudantes não portavam celulares na escola, logo, não tinham acesso ao aplicativo Kahoot! Portanto, fez-se necessário adaptar a atividade gamificada, a partir da adoção dos flashcards. Ao total foram confeccionadas 14 questões-problema, porém, na terceira aula, foram trabalhadas 4 delas e na quarta aula, as demais.
Os instrumentos de coleta de dados foram o questionário inicial (QI), o questionário final (QF)e o diário do pesquisador. As questões que permitiram comparação entre os avanços das respostas dadas ao QI para o QF serão apresentadas e analisadas na próxima seção. Os dados foram analisados e interpretados à luz dos estudos de Marconi e Lakatos (2003), seguindo três etapas, a saber: seleção, codificação e análise. Nesta pesquisa, na etapa de seleção, foram selecionadas as questões do QI e do QF que apresentaram indícios de evolução das respostas dos estudantes, além de trechos do diário do pesquisador que auxiliaram no diálogo com as análises dos QI e QF. Na codificação, os dados foram organizados, sendo que as respostas dos estudantes foram selecionadas e identificadas por códigos. Na sequência, os dados foram analisados a partir de referenciais teóricos da área.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os dados foram submetidos a uma análise criteriosa para identificar os avanços de aprendizagem de conhecimentos relacionados à química e à compreensão do que são e para que servem as plantas medicinais, evidenciados ao se comparar as respostas dadas ao QI e QF.
A questão 1 do QI inquiriu sobre nível de conhecimento do estudante sobre o jogo “The Witcher– Wild Hunt”. A partir da análise dos dados, 36 estudantes responderam que não possuíam nenhum conhecimento sobre o jogo e apenas três conhecer o início da história. Esses dados foram ao encontro da nossa hipótese de que esses alunos seriam beneficiados com os ganhos de uma SD gamificada. Para isso, Kapp (2012) relata que a gamificação pode ser implementada se o professor preparar uma série de atividades diferentes que mantenham o foco do estudante, oferecendofeedbacks rápidos, aumentando a dificuldade a cada tarefa, incluindo o erro como parte do processo de aprendizagem, promovendo a competição e colaboração entre os discentes e levando em conta a diversão para não ficarem focados apenas no objeto de conhecimento.
A questão 2 do QI apresentou o seguinte questionamento “Descreva possíveis experiências que você teve usando jogos em sua vida e habilidades que você desenvolveu”. A seguir, exemplos de respostas:
Aluno 10: Os jogos de celular me ensinaram pouca coisa sobre a língua inglesa.
Aluno 19: Jogar durante as horas vagas me tornou mais paciente frente a situações que não consigo resolver.
Aluno 22: O jogo que costumo jogar desenvolveu minha atenção.
Na segunda aula, os estudantes tiveram acesso ao ambiente personalizado do jogo, sendo perceptíveis a motivação e o engajamento dos estudantes na construção de conhecimento coletivo, conforme trecho extraído do diário do pesquisador.
Foi perceptível o interesse, a participação e a motivação dos estudantes ao terem acesso ao ambiente personalizado do jogo, houve vários comentários sobre a facilidade de preparar as poções [....]. Os colegas interagiram e voluntariamente auxiliaram uns aos outros. Observaram que o efeito causado no personagem e compararam com pesquisa realizada sobre a planta medicinal, tarefa de casa (diário do pesquisador).
Na literatura, autores como Campos, Ramos, Brito (2021) e Cardoso et al. (2020) defendem que a gamificação contribui com o fator motivação e engajamento para promover a aprendizagem dos estudantes, uma vez que eles se assumem como protagonistas de seu aprendizado.
Aluno 12: Conheço o boldo que ajuda na dor no intestino/barriga.
Aluno 24: Alecrim serve como expectorante e para gripe.
Aluno 30: Cidreira, que ajuda a acalmar e a ficar com sono.
A análise das respostas dos estudantes mostra que eles responderam à questão utilizando exemplos de seu cotidiano. O diálogo realizado no início da aula 2 mostrou que as respostas foram baseadas em sabedorias populares, normalmente passadas pelos pais ou avós dos discentes. Nesse caso, o professor pediu que a pesquisa fosse confrontada com informações confiáveis em sitese artigos que havia indicado para a turma, por exemplo, ume-booksobre plantas medicinais e fitoterápicos (Brasil, 2019).
A questão 3 do QF questionou “O uso da gamificaçãomotivou seu interesse em buscar informações sobre plantas medicinais e suas propriedades? Comente.” Na sequência, destacamos alguns exemplos de respostas dos pesquisados:
Aluno 8: Sim, foi interessante saber por meio do jogo que uma simples planta pode conter propriedades medicinais por conta da combinação das funções orgânicas.
Aluno 11: Sim, pude me aprofundar mais no assunto e entender melhor sobre as plantas medicinais e seus princípios ativos.
Aluno 25: Sim, o uso do sistema de gamificação conseguiu prender minha atenção e possibilitar que eu aprendesse sobre as funções presentes nas plantas medicinais.
Nesse sentido, a SD apresentada promoveu algumas características, tais como o protagonismo, o engajamento e a motivação para aprender os objetos de conhecimento que foram abordados durante as aulas.
A questão 4 do QF interrogou se “O uso da gamificação potencializou a aprendizagem de funções orgânicas e de plantas medicinais? Comente.” As respostas para esta questão estão transcritas a seguir:
Aluno 3: Sim, acredito que ficou mais fácil ver as propriedades das plantas medicinais e as funções orgânicas com a gamificação e a instrução pelos colegas.
Aluno 27: Sim, eu achei muito mais fácil e dinâmico aprender assim, ainda fiquei motivado para pesquisar sobre as plantas com meus avós.
Aluno 34: Sim, além de ser um atrativo para o público de estudantes gamers, eu me senti incluído e ativo, vi que tinha que participar e tomar a frente na hora de responder as questões e preparar as poções no jogo, gostei do sistema de pontos.
Considerando que nenhum dos estudantes havia participado de aulas envolvendo metodologias de gamificação e IpC, além de que maioria deles desconhecia a história por trás do jogo, é notável que as atividades propostas na SD oportunizaram o desenvolvimento de habilidades como a colaboração entre eles, com o objetivo de resolver os problemas,estimulando o espírito competitivo, visto que todos desejavam subir nas posições do pódio. Nesse caso, nos asseguramo-nos nas ideias de Vygotsky (1991) sobre o ato de brincar, que pode ter desencadeado um processo cognitivo juntamente com a motivação intrínseca, estimulando o estudante a pesquisar sobre a química envolvida no estudo das plantas medicinais, sendo que o jogo potencializou a apropriação e internalização dos novos conhecimentos.
A partir da análise da resposta do estudante 3, podemos inferir que a aliança entre a gamificação e a IpC resultou na ampliação dasua estrutura cognitiva, que compreendeu o papel das plantas medicinais no estudo da química, além de conseguir identificar as funções orgânicas presentes nos princípios ativos dessas plantas. Vygotsky (1991) explica que o indivíduo chega à zona de desenvolvimento potencial, isto é, o conhecimento que se deseja aprender, passando pela ZDP com auxílio de um mediador, nesse caso, o professor. A resposta do estudante 34 sinaliza que as atividades gamificadas contribuíram para que os estudantes reconhecessem o seu protagonismo frente ao processo de aprendizagem. Ainda em relação a essa mesma resposta do estudante 34, destacamos que a literatura da área ressalta que as atividades gamificadas promovem a dinamicidade e a atratividade, tanto para o público gamer quanto para os que não têm o hábito de jogar (Mussato, 2019; Silva, Sales, Castro, 2018; Campos, Ramos, Brito, 2021).
Na segunda parte da terceira aula, os discentes foram orientados a utilizar os flashcards (distribuídos no começo da aula) para responderem às questões-problema, assim como no trabalho de Dumont e colaboradores (2016). Inicialmente, houve um impasse no momento de os estudantes responderem às questões, pois eles tentavam observar a resposta de outro grupo já que não estavam acostumados com a metodologia IpC. Tal resultado corrobora com os relatos de outros estudos que utilizaram a metodologia IpC (Ribeiro, 2018; Queiroz, 2018, Dumont, Carvalho, Neves, 2016). Para superar esse impasse, o professor orientou que eles não olhassem a resposta do colega, pois seria estipulado tempo para eles conversassem, negociassem e emitissem a resposta eleita por cada grupo.
Aluno 15: [...] Nós, durante o tempo que o senhor dava para pensarmos, discutíamos muito com a aluna 3 sobre nossas hipóteses de resposta correta e acabávamos chegando num consenso, já que ela compreendia melhor o conteúdo [...] na conversava ela fazia com que a gente conseguisse entender, sabe?!.
Aluno 17: Professor, a gente tinha dificuldade demais na tua disciplina, só que esse jogo mostrou que a gente trabalha muito melhor em grupo e aprende mais também trocando ideias com os colegas.
A quarta aula foi dedicada a responder às demais questões propostas para esta SD, sendo que o professor evidenciou em seu diário:
[...] em determinados momentos das aulas 3 e 4 ocorreram discussões acaloradas entre os integrantes, até chegarem no consenso da resposta e manifestarem o voto do grupo. Observando as interações entre os estudantes, ficou notável a colaboração entre eles, a discussão dos conteúdos de química trabalhados e a competitividade para alcançar as melhores posições no pódio também se destacou [...] (Diário do pesquisador).
Tais apontamentos revelam que a competitividade, a aprendizagem colaborativa e a motivação estavam presentes durante o desenvolvimento da SD. De acordo com Araujo e Mazur (2013), o ponto principal da IpC está na interação social entre os participantes da dinâmica, colocando-os no centro de seu processo de aprendizagem,com o professor atuando como mediador desse processo.
A questão 4 do QI procurou investigar se os estudantes saberiam identificar as funções orgânicas de moléculas presentes em princípios ativos de plantas medicinais, usando estruturas como na Figura 1.Os resultados analisados a partir das respostas demonstraram que os estudantes não sabiam identificar as funções orgânicas presentes nas estruturas, uma vez que 30 deles não responderam à questão. Quando questionados sobre, alegaram sequer saber por onde começar.
Após a intervenção da quarta aula, a questão 5 do QF voltou a perguntar sobre as funções orgânicas presentes na Figura 2. Essa estrutura possui 5funções orgânicas, sendo elas hidrocarboneto, cetona, álcool, ácido carboxílico e éter. Nas respostas analisadas, mais da metade dos estudantes acertar todas as funções orgânicas presentes, demonstrando a evolução do aprendizado após a aplicação da metodologia IpC.
Na quarta aula, os estudantes estavam familiarizados com a ideia da metodologia ativa IpC, debateram muito as questões e apresentaram argumentos para convencer os colegas de seus pontos de vista. Os estudantes, a todo o instante se questionavam entre si e também ao professor se a resposta emitida para a pergunta estava correta. Ainda, apresentaram argumentos que evidenciavam as suas vivências sociais, correlações sobre o que tinham estudado e com os novos conhecimentos adquiridos após o estudo sobre plantas medicinais. Isto foi explicitado pelos estudantes em sala de aula:
Aluno 2: Depois que estudei o conteúdo de plantas medicinais e revisei a matéria, as questões estão mais fáceis que na aula anterior.
Aluno 8: Eu percebi que o que nossos avós sabem sobre plantas medicinais nem sempre está correto e que as aulas me fizeram compreender a importância de conhecer essa utilidade antes de ir tomando qualquer chá feito com elas. (Diário do pesquisador)
Assim, a colaboração entre os colegas depois da terceira aula pode promover a mediação dos conhecimentos obtidos durante as aulas, possibilitando a passagem pela ZDP e chegando à zona de desenvolvimento potencial (Rego, 2014).
Com base na análise das atividades gamificadas desenvolvidas na SD, podemos inferir que a aliança entre as metodologias de gamificação e IpC foi exitosa tendo contribuído para diversificar o processo de ensino, e potencializado a aprendizagem sobre a química orgânica e suas relações com as plantas medicinais.
O presente relato de experiência apresentou os aspectos contributivos
e limitantes da implementação de uma SD sobre plantas medicinais, aliandoque
aliou as metodologias de gamificação e IpC – a partir da análise dos
registros dos estudantes no processo de aprendizagem de plantas medicinais e as
funções orgânicas presentes em seus princípios ativos.
A gamificação aliada à IpC e ao ranqueamento dos estudantes para impulsioná-los nos estudos promoveu, ao longo de5 aulas, a competição entre eles, o trabalho em equipe para que os colegas se saíssem bem na pontuação, a atenção para responder às questões e o divertimento enquanto aprendiam os objetos de conhecimento propostos. A aliança entre as duas metodologias se mostrou útil para obter resultados correlatos ao uso da brincadeira – teoria sócio-histórica – no processo de consolidação de um objeto de conhecimento na estrutura cognitiva dos estudantes.
O jogo The Witcher 3– Wild Hunt proporcionou experiências significativas no processo de ensino e aprendizagem, pois simulou em um ambiente virtual os usos e finalidades de plantas medicinais, conhecidas e utilizadas no cotidiano por estudantes e seus familiares. Além disso, os relatos mostraram que os discentes se sentiram incluídos no processo de aprendizagem e que estavam incorporando, em sua estrutura cognitiva, os conhecimentos abordados na SD.
Em relação às limitações, percebemos que a atividade deve ser orientada pelo professor para que o lúdico não se sobressaia no processo de aprendizagem dos objetos de conhecimentos propostos. Outra adequação necessária se deu com relação ao uso do aplicativo Kahootnas aulas 3 e 4, o qual foi substituído pelo uso de flashcard,uma vez que parte deles não tinha acesso a um dispositivo móvel.
Um ponto a ser destacado acerca da inserção das metodologias ativas de gamificação e IpC em sala de aula é com relação aos cuidados que o professor deve ter na condução dos objetivos de ensino pospostos, a fim de que a aula não se torne apenas divertida e que o mais importante, o processo de aprendizagem, fique de lado.
Ressaltamos que neste trabalho, o ambiente personalizado criado para o uso do jogo pode ser utilizado em outras disciplinas para finalidades diferentes das apresentadas nesta pesquisa, reafirmando a versatilidade do jogo e as possibilidades de novas experiências de aprendizagem para os estudantes.
Por fim, este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa em sala de aula, com implementação de SD envolvendo gamificação associada àIpC, mostrando as vantagens e limitações da metodologia de ensino empregada. A partir disso, esperamos inspirar professores que busquem proporcionar experiências inovadoras de aprendizagem aos estudantes, a partir de situações de ensino que retratem vivências de seu cotidiano.
Recebido em: 28/07/2023
Aceito em: 14/08/2024
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[1]Desenvolvido pela CD PROJEKT RED e lançado em 19 de maio de 2015, nas plataformas da Microsoft Windows, Playstation 4 e Xbox One. O jogo é pago e disponível tanto para consoles quanto para computadores. O acesso ocorre de modo individual e não pode ser jogado online em modo multiplayer. O jogo possui classificação indicativa para maiores de 18 anos.