Smartphones no Ensino de Física: elementos para escolha de aplicativos para atividades experimentais
Smartphones in Physics Education: Elements for Choosing Apps for Experimental Activities
Smartphones en la Enseñanza de la Física: Elementos para la Elección de Aplicaciones para Actividades Experimentales
Fernando Cesar Ferreira (fernandoferreira@ufgd.edu.br)
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-3216-6756
Adailton José Alves da Cruz (adailtoncruz@ufdg.edu.br)
Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD, Brasil
https://orcid.org/0000-0003-2628-7882
Resumo
Atividades experimentais são, reconhecidamente, elementos importantes para a aprendizagem da Física, tanto na educação básica quanto no ensino superior. No entanto, as escolas de educação básica, em geral, não possuem estrutura física, na forma de equipamentos e espaços adequados, para a execução de experimentos e demonstrações. Uma alternativa para contornar esse obstáculo é o uso de aplicativos para smartphones que registrem e permitam analisar dados tanto de experiências simuladas quanto reais. Visando a oferta razoável de aplicativos disponíveis, o objetivo deste trabalho é promover a discussão teórica a respeito de alguns elementos a serem considerados na escolha dos mesmos. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, por oferecer uma visão abrangente do tema. A busca por artigos foi feita no Google Acadêmico, usando palavras-chave específicas e abrangendo o período de 2009 a 2021. Dezesseis artigos foram selecionados e analisados criticamente, resultando nos seguintes temas: referencial teórico, gamificação, usabilidade e trabalho colaborativo. Esperamos que estes temas auxiliem os professores a selecionar aplicativos para tornar as atividades experimentais mais significativas.
Palavras-chave: smartphones; ensino de física; atividades experimentais.
Abstract
Experimental activities are acknowledged as important elements for learning Physics, both in basic education and in higher education. However, basic education schools, in general, do not have the physical structure, in the form of adequate equipment and spaces, to carry out experiments and demonstrations. One alternative to overcome this obstacle is the use of smartphone apps that record and allow data analysis from both simulated and real experiments. Aiming at the reasonable offer of available apps, the objective of this work is to promote the theoretical discussion about some elements to be considered in their choice. For this, bibliographic research was carried out, as it offers a comprehensive view of the theme. The search for articles was done in Google Scholar, using specific keywords, and covering the period from 2009 to 2021. Sixteen articles were selected and critically analyzed, resulting in the following themes: theoretical framework, gamification, usability, and collaborative work. We hope that these themes will help teachers to select apps to make experimental activities more meaningful.
Keywords: smartphones; physics teaching; experimental activities.
Resumen
Las actividades experimentales son reconocidas como elementos importantes para el aprendizaje de la Física, tanto en la educación básica como en la educación superior. Sin embargo, las escuelas de educación básica generalmente carecen de estructura física, en forma de equipos y espacios adecuados, para la realización de experimentos y demostraciones. Una alternativa para superar este obstáculo es el uso de aplicaciones para smartphones que registren y permitan el análisis de datos tanto de experimentos simulados como reales. Con el objetivo de ofrecer una selección razonable de aplicaciones disponibles, el objetivo de este trabajo es promover la discusión teórica sobre algunos elementos a considerar en su elección. Para ello, se realizó una búsqueda bibliográfica, proporcionando una visión integral del tema. La búsqueda de artículos se realizó en Google Académico, utilizando palabras clave específicas y abarcando el período de 2009 a 2021. Se seleccionaron y analizaron críticamente dieciséis artículos, lo que resultó en los siguientes temas: marco teórico, gamificación, usabilidad y trabajo colaborativo. Esperamos que estos temas ayuden a los profesores a seleccionar aplicaciones para hacer que las actividades experimentales sean más significativas.
Palabras-clave: teléfonos inteligentes; enseñanza de física; actividades experimentales.
INTRODUÇÃO
Numerosas pesquisas sobre o uso de atividades experimentais no ensino de física evidenciam o impacto positivo na construção do conhecimento científico por alunos da educação básica (Holz; Battistel; Sauerwein, 2020; Júnior; Neide; Moreira, 2021). Contudo, a carência de estrutura física e equipamentos adequados nas escolas públicas, aliada à falta de preparo dos professores para conduzir atividades experimentais, é um obstáculo persistente. Dispositivos móveis, como smartphones e tablets, com a internet de alta velocidade e aplicativos que usam sensores para coletar dados, como campo magnético e luminosidade, e simular experimentos, podem ser uma opção para minimizar esses problemas (Ariston et al., 2022). Nesse sentido, a questão que orientou este trabalho foi: quais elementos devem ser considerados para escolher aplicativos que favoreçam a discussão sobre conceitos físicos? E, como subquestão, qual é a abordagem da literatura contemporânea sobre o uso de dispositivos móveis no ensino de Física, especialmente em relação a atividades experimentais?
Em vista disso, o objetivo deste trabalho é refletir sobre elementos que possam contribuir para a seleção de aplicativos de atividades experimentais que estimulem a compreensão de conceitos físicos de maneira significativa (Ausubel, 2003).
O percurso metodológico adotado compreendeu a utilização da pesquisa bibliográfica (Moreira; Caleffe, 2008), selecionada por sua capacidade de oferecer uma visão abrangente ou o contexto do tema em análise. Inicialmente, realizou-se uma busca por artigos na plataforma Google Acadêmico, abrangendo o período de 2009 a 2021, sendo este um dos critérios de inclusão estabelecidos. Para otimizar a busca, foram definidas as palavras-chave “experimentos”, “smartphones”, “ensino de física” e “demonstrações”. Além disso, um segundo critério de inclusão foi aplicado, o qual consistiu na análise dos títulos, resumos e palavras-chave para determinar a relevância do artigo em relação à temática. Artigos que não se enquadraram no intervalo de tempo estipulado ou abordaram tangencialmente o tema foram excluídos do escopo da pesquisa. Com isso, foram selecionados dezesseis artigos que atendiam aos critérios de inclusão. A etapa seguinte envolveu a leitura dos artigos, com o objetivo de avaliar criticamente a qualidade e a relevância de cada fonte de informação, bem como organizá-las de acordo com temas emergentes.
Este estudo surgiu das discussões com estudantes do curso de Física – Licenciatura, da [nome da instituição], que participaram do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), entre 2018 e 2020, e se valeram de aplicativos e simuladores para complementar ou, devido à falta de recursos materiais, substituir atividades experimentais reais. Uma das atividades que mais chamou a atenção dos alunos de Ensino Médio nas escolas, conforme se depreende dos registros em diários de bordo dos bolsistas, envolveu o uso de simuladores como o PhET e o Phyphox. Cabe destacar que os bolsistas já haviam cursado, em semestres anteriores, a disciplina de Instrumentação para o Ensino de Física, cuja ementa contemplava o uso de programas e aplicativos no contexto da tecnologia educacional, o que lhes permitiu abordar o tema de forma mais crítica e reflexiva.
Do mesmo modo, e devido às discussões com os participantes do PIBID, os seguintes temas também direcionaram os autores desta pesquisa: a) smartphones são uma presença comum nas salas de aula e continuarão assim, b) os cursos de formação de professores precisam considerar o uso dessas ferramentas tecnológicas e seus impactos no ensino e na aprendizagem, c) a necessidade de integrar ações escolares como PIBID e estágios, para desenvolver práticas que utilizem dispositivos móveis e aplicativos, d) é fundamental que o professor planeje cuidadosamente as atividades, escolha metodologias e estratégias, desenvolva formas de avaliação adequadas, e) há uma estreita relação entre o uso desses dispositivos, as competências e habilidades necessárias para uma educação do século XXI.
De acordo com Zydney e Warner (2016), o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) pode abrir novas possibilidades de aprendizagem ao possibilitar uma maior interação entre os alunos e ampliar o espaço de aprendizado para além da sala de aula. No entanto, apesar dessas potencialidades, ainda não há um consenso sobre a efetividade das aplicações no ensino de ciências. Diante disso, os autores argumentam pela importância do estudo realizado, cujo objetivo é “examinar o design e a eficácia das aplicações móveis que estão sendo integradas ao ensino de ciências” (Zydney; Warner, 2016, p. 2). Para tal, em uma revisão sistemática de literatura, eles identificaram quatro tipos de aplicativos móveis emergentes no período de 2007 a 2014: ferramentas de coleta de dados, jogos/simulações, sistemas de gerenciamento de aprendizagem e ferramentas de produtividade. A categoria de jogos/simulações se destacou nessa análise, reforçando a relevância desses aplicativos no ensino de ciências, especialmente quando utilizados em metodologias ativas de aprendizagem (Lovato et al., 2018).
Como uma das maneiras de tornar as aulas de física mais relevantes para os alunos, o uso de aplicativos para smartphones tem ganhado espaço na escola, ainda que de forma tímida. Entretanto, para que essa prática seja efetiva, é necessário que o professor considere diversos elementos fundamentais. Primeiramente, é imprescindível que o professor assuma um referencial teórico sólido para a aprendizagem. Além disso, elementos de gamificação e jogos podem ser utilizados para tornar o ensino mais atraente. Também é fundamental considerar a usabilidade do aplicativo, ou seja, o quão fácil é o seu uso. Outro ponto é o uso de sensores dos smartphones para a coleta e tratamento de dados, como aceleração, intensidade luminosa e gerador de som. Por fim, incentivar o trabalho colaborativo é positivo para uma maior interação entre os estudantes e um aprendizado mais eficiente. A seguir, discutimos esses elementos.
ELEMENTOS PARA A ESCOLHA DE APLICATIVOS
Referencial teórico
Toda ação educativa aplicada em espaços formais de ensino precisa ter um referencial teórico que oriente e justifique as escolhas e decisões tomadas. Neste trabalho, usamos elementos da teoria da aprendizagem significativa proposta por David Ausubel para justificar e reforçar o papel do professor como elemento fundamental na escolha de aplicativos, criação de atividades e formas de avaliação. Além disso, dispositivos móveis e aplicativos podem ser discutidos a partir de conceitos como “conhecimentos prévios”, “material potencialmente significativo” e “disposição para a aprendizagem” (Moreira, 2012).
Segundo Moreira (2016), o tema central da aprendizagem significativa, e muito do que é possível deduzir dela, pode ser sintetizado em uma afirmação do próprio Ausubel, que diz:
Se tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um só princípio, diria o seguinte: o fator isolado mais importante influenciando a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe. Determine isso e ensine-o de acordo (Moreira, 2016, p. 6).
Nesse sentido, é central, para os objetivos deste trabalho, considerar tanto o conhecimento prévio do aluno em relação ao conceito a ser abordado — tais como mecânica, termodinâmica e circuitos elétricos — quanto sobre o uso de TDIC em seu cotidiano. Redes sociais, aplicativos de troca de mensagens, serviços de streaming de vídeos e música, bem como jogos diversos, constituem uma rede de conhecimentos que podem ser amplamente explorados pelo professor na elaboração, implementação e avaliação de atividades.
Já o conceito de material potencialmente significativo, proposto por Ausubel (2000), pode ser apropriado para o uso de dispositivos móveis (smartphones e tablets) e aplicativos por alunos do ensino médio enquanto:
Um conjunto ou abordagem intencionalmente significativa para a aprendizagem, como já indicado, somente leva a um processo e resultados significativos de aprendizagem se os materiais em si são potencialmente significativos. A insistência no adjetivo de qualificação “potencial”, neste caso, é mais do que mero rigor acadêmico. Se os materiais de aprendizagem forem simplesmente considerados já significativos, o processo de aprendizagem (apreensão e produção de significado para torná-lo funcionalmente disponível) seria completamente supérfluo; o objeto da aprendizagem já estaria, por definição, alcançado antes que qualquer aprendizado fosse tentado, independentemente de o tipo de aprendizagem empregada ou da existência de conhecimentos relevantes anteriores na estrutura cognitiva (Ausubel, 2000, p. 54, traduzido pelos autores).
Assim, considerando o intenso uso desses equipamentos pelos alunos, “por que não orientar o seu uso de forma pedagógica, tornando o aparelho uma ferramenta lúdica para a aprendizagem de diferentes conteúdos?” (Barbosa et al., 2017, p. 2). Simultaneamente, espera-se que o aluno se sinta motivado a querer aprender por conta do uso de algo que faz parte do seu cotidiano e do interesse que isso acarreta (Martín-Ramos; Silva; Silva, 2017).
Outro conceito importante na teoria da aprendizagem significativa é a disposição para aprender. De acordo com Moreira (2007, p. 7–8), a “disposição para aprender significa que o sujeito deve apresentar uma intencionalidade de relacionar o novo conhecimento com seus conhecimentos prévios”. De forma geral, diversas teorias sobre a construção do conhecimento colocam o indivíduo como agente principal no processo de aprendizagem. Não é diferente para a teoria da aprendizagem significativa. Porém, “o conceito de disposição para a aprendizagem proposto pela teoria precisa de maior elaboração e a relação entre essa disposição e os impulsos para a aprendizagem necessitam aprofundamento” (Neto, 2006, p. 117). Parte disso está relacionado a fatores como: a) literalidade das respostas; b) ansiedade e sensação de fracasso e c) pressão para mostrar entendimento e evitar o oposto. Com o uso de dispositivos móveis e aplicativos pode-se estimular o interesse do aluno em aprender, pois, 77% da população brasileira de 9 a 17 anos é usuária da internet, usa jogos, redes sociais e outros instrumentos tecnológicos (Souza; Murta; Leite, 2016).
Em suma, o uso de dispositivos móveis e aplicativos em sala de aula pode ser uma estratégia eficaz para o ensino e a aprendizagem, se houver um referencial teórico que oriente a escolha dos aplicativos, criação de atividades e formas de avaliação. A teoria da aprendizagem significativa, formulada por Ausubel (2000), é uma opção a ser considerada, ao fornecer conceitos relevantes para fundamentar essa abordagem, como a importância dos conhecimentos prévios do aluno, a escolha de materiais potencialmente significativos e a disposição para a aprendizagem.
Gamificação
A ideia de utilizar elementos de jogos em atividades de aprendizagem existe há muitas décadas, mas a terminologia “gamificação” só foi cunhada recentemente, pois, segundo Deterding et al. (2011), ela apareceu pela primeira vez em 2008. A gamificação não é apenas a utilização de elementos de jogos, mas sim a aplicação de técnicas e estratégias de jogos para motivar e engajar os alunos em atividades de aprendizagem. Nessa perspectiva, “a gamificação é utilização das mesmas mecânicas, estratégias e pensamentos contidos nos games para envolver pessoas, motivar a ação, promover a aprendizagem e resolver problemas” (Silva; Sales, 2018, p. 110). Dessa forma, busca-se trazer para ativa sala de aula a mecânica (sistema de pontos, placares, níveis de dificuldade, restrição de tempo, entre outros), a estética e a lógica (cooperação, competição, exploração, narração de histórias etc.) do jogo, que atraem o aluno contemporâneo.
Além disso, para garantir a “inclusão natural do erro no processo aprendizagem, feedbacks imediatos, níveis, subdivisão de tarefas complexas em tarefas menores, recompensa e estado de fluxo” (Silva; Sales, 2018, p. 110), é necessário incorporar esses elementos no ambiente de aprendizagem. Isso é especialmente significativo para alunos que apresentam, cada dia mais, características imediatistas e multitarefas.
Embora ainda seja um conceito pouco investigado no Brasil, a gamificação é uma estratégia que pode ser utilizada em conjunto com, por exemplo, metodologias ativas de aprendizagem e que, acredita-se, pode levar a avanços positivos no ensino de Física (Silva; Sales, 2018; Studart, 2015).
Usabilidade
O termo “usabilidade” refere-se às características desejáveis do design de uma interface de aplicativo para torná-lo fácil de usar pelos usuários e proporcionar uma experiência positiva. Kumar e Mohite (2018) realizaram uma revisão sistemática da literatura sobre a usabilidade de aplicativos móveis para ensino. Eles afirmam que o campo é amplo, não existem fontes ou revistas dedicadas explicitamente ao tema, mas que o número de pesquisas aumentou nos últimos anos. A necessidade de mais pesquisas é justificada pelo fato de que dispositivos móveis estão se tornando cada vez mais acessíveis a uma parcela significativa da população mundial, abrindo possibilidades de aprendizagem fora do contexto da sala de aula. Para os autores, “a aprendizagem móvel é uma extensão do e-Learning que permite aos usuários aprenderem usando dispositivos sem fio, pequenos e portáteis [...] Estes dispositivos oferecem uma oportunidade para aprender em qualquer lugar, a qualquer hora, de acordo com a conveniência dos alunos” (Kumar; Mohite, 2018, p. 3, traduzido pelos autores).
Ou seja, a usabilidade é um fator importante a ser considerado pelo professor na escolha de aplicativos a serem utilizados pelos alunos para aprender conceitos de física. Se um aplicativo for difícil de usar, certamente terá um impacto negativo na aprendizagem. Portanto, o professor deve ter em mente esse aspecto ao escolher programas e aplicativos que darão suporte às suas aulas.
Smartphones e experimentos
As atividades experimentais são fundamentais para a percepção da complexidade do fazer ciência. Não devem ser observadas somente como aquisição de aptidões técnicas, como registro de dados, montagem e calibração de equipamentos, elaboração de gráficos, levantamento de hipóteses e conclusões. Embora essas ações sejam importantes, é mais relevante que as atividades experimentais promovam a formação de uma postura científica em relação à natureza, à sociedade e ao próximo (Araújo; Abib, 2003; Arruda; Laburú, 2014). Nesse sentido, é fundamental que as práticas experimentais sejam adequadamente planejadas e executadas para alcançar objetivos específicos, tais como a problematização, o papel e a relevância do erro, o ceticismo e uma visão do método científico que não seja baseada no senso comum, que sugere um único método para todas as áreas.
Assim, por meio das práticas experimentais, é possível alcançar uma formação científica mais completa, que vai além da aquisição de habilidades técnicas. Desenvolver a capacidade de problematização, compreender o papel e a relevância do erro, ser cético e ter uma visão do método científico que seja adequada a cada área são objetivos essenciais para a formação de uma postura científica em relação ao conhecimento científico e à sociedade em geral.
No entanto, a realização de atividades experimentais pode apresentar desafios, tais como a falta de recursos ou o acesso limitado a equipamentos laboratoriais adequados. Nessas situações os professores, em geral, realizam demonstrações em sala de aula ou abdicam de discutir o papel das experiências na construção do conhecimento científico. É nesse contexto que o uso de smartphones e aplicativos no ensino de ciências/física tem se destacado como uma forma de complementar práticas experimentais e demonstrações (Martín-Ramos; Silva; Silva, 2017), reforçando, inclusive, o papel da tecnologia no ensino de Física (Eguez; Veloso, 2021).
Diversos trabalhos mostram as vantagens de se utilizarem novas tecnologias em sala de aula (Bano et al., 2018; Staacks et al., 2018; Zydney; Warner, 2016), mas a efetivação disso ainda não atende plenamente às expectativas. Para Staacks et al (2018), parcela significativa de professores resiste ao uso de computadores, smartphones etc. em sala de aula. Contudo, quando empregados, os alunos costumam apreciar, já que é algo bastante frequente em suas atividades cotidianas. Tais aparelhos, conseguem realizar medidas úteis para práticas/atividades experimentais por possuírem “sensores como acelerômetros, giroscópios, magnetômetros, sensores de luz, etc., que os transformam em instrumentos de medição facilmente disponíveis para aulas práticas em um ambiente educacional” (Martín-Ramos; Silva; Silva, 2017, p. 123, traduzido pelos autores).
Outro aspecto positivo sobre o uso de aplicativos para o ensino de física é a possibilidade de repetir os experimentos a fim de detectar possíveis erros nas hipóteses levantadas pelos alunos ou para aprofundar a discussão dos dados. Exemplo disso é o EveryCircuit (Figura 1), aplicativo interativo para ensino de circuitos eletrônicos que possui versão gratuita para os sistemas Android e iOS. Nele os circuitos podem ser montados a partir de diversos componentes que, na eventualidade de curto-circuito, podem ser facilmente trocados. Ferramentas gráficas auxiliam a interpretar os resultados do circuito em funcionamento. Considerando atividades em sala de aula, isto pode ser feito: a) pelo professor, se estiver demonstrando o funcionamento de circuitos, b) pelos alunos, se estiverem engajados em uma tarefa ou c) ambos, em análise conjunta. E ainda,
[…] através da simulação o aprendiz tem ainda a vantagem de conseguir explorar modelos mais complexos e em maior número do que se usasse apenas a construção mental e sua memória de curto prazo. Dessa forma esta ferramenta tem a habilidade de ampliar a capacidade de imaginação e intuição do aluno, reconhecendo o potencial desta tecnologia educacional (Barbosa et al., 2017, p. 5).
Portanto, a necessidade de trazer a tecnologia para a sala de aula com objetivos didáticos, se justifica pela compreensão de que os alunos são “nativos digitais” (Silva; Sales, 2018) e precisam de uma abordagem que atenda às suas demandas.
Fonte: https://everycircuit.com/
Figura 1 - Telas do EveryCircuit
Usando redes Wi-Fi e Bluetooth, os alunos podem interagir entre si, entre diferentes grupos e com o professor para trocar informações sobre os experimentos, elaborar hipóteses, descrever problemas, buscar informações em sites especializados e postar resultados dos experimentos em fóruns criados pelo professor para discussão. Assim, “com o uso de novas tecnologias, o discente passa a ter um papel mais ativo no âmbito escolar e o professor passa a atuar mais como um facilitador e orientador direcionando o educando na busca pelo conhecimento” (Barbosa et al., 2017, p. 3). No entanto, é importante destacar a necessidade de o professor estar familiarizado com esses aplicativos, bem como de discutir com os alunos suas limitações.
Dois aplicativos que usam sensores
Com o avanço tecnológico e a popularização dos smartphones, esses dispositivos estão sendo cada vez mais utilizados como ferramentas de aprendizagem em sala de aula. Existem aplicativos que utilizam os sensores dos smartphones para coletar dados em experimentos, facilitando processos de ensino e de aprendizagem. Nesta seção, apresentaremos dois desses aplicativos: o Phyphox e o Arduino Science Journal. Descreveremos suas funcionalidades e possíveis vantagens para o ensino de ciências. Esses aplicativos foram escolhidos por apresentarem um bom nível de usabilidade e abertura para ações envolvendo gamificação.
Phyphox
O Phyphox[1] (Figura 2) é um aplicativo gratuito para o sistema Android, que utiliza os sensores do smartphone como acelerômetro, magnetômetro, giroscópio, sensor de luminosidade, microfone entre outros para coletar dados dos experimentos. Os dados podem ser transferidos para muitos formatos, como planilhas eletrônicas, para serem socializados e analisados pelos alunos durante atividades propostas ou posteriormente. Além disso, é possível dar acesso remoto ao experimento por uma interface web de qualquer computador na mesma rede do smartphone. Isto é interessante quando o professor, ou os alunos, quer discutir os resultados usando um projetor multimídia. Segundo a página de informações do Phyphox na loja de aplicativos Google Play Store:
Você sabe que você está carregando um Magnetômetro 3D? Que você pode usar o seu aparelho como um pêndulo para medir a aceleração da gravidade no seu local? E que você pode transformar seu smartphone em um sonar? O Phyphox dá acesso aos sensores do seu aparelho, seja diretamente ou através de experimentos prontos que avaliam os dados e lhe permitem exportar as medidas para outras análises. Você pode até personalizar experimentos no website phyphox.org e compartilhar com seus colegas, estudantes e amigos (traduzido pelos autores).
Fonte: autores
Figura 2 - Telas de seleção e de dados coletados no Phyphox
Segundo os criadores, o aplicativo foi desenvolvido visando resolver dois problemas que surgem quando as experiências são realizadas: a) o smartphone em si fica indisponível, já que é parte do experimento e b) os dados coletados são incompreensíveis até serem tratados e analisados em um computador (Staacks et al., 2018). O primeiro problema é resolvido compartilhando a tela do smartphone com um monitor de computador, Smart TV, projetor multimídia ou qualquer dispositivo que esteja na mesma rede (Figura 3). Já o segundo problema é resolvido com os dados coletados e visualizados, na maioria dos experimentos, diretamente no aplicativo por ferramentas gráficas. A respeito do segundo ponto, os criadores afirmam que:
Mas em vez de criar uma caixa preta que apenas gera um resultado, implementamos a análise de dados personalizável para que cada etapa da análise possa ser revisada e modificada pelo usuário do aplicativo, ou seja, pelo professor. Isto promete um enorme potencial didático ao permitir ajustar a quantidade de análise de dados que deve ser feita pelos próprios alunos às necessidades de cada turma ou grupo de aprendizes em uma situação específica de aprendizagem. (Staacks et al., 2018, p. 3).
Embora apenas a leitura de dados brutos dos sensores possa ser excelente para ensinar a análise de dados, ela muitas vezes distrai a compreensão do contexto físico de um experimento e estabelece requisitos adicionais para as habilidades matemáticas dos alunos. Com o Phyphox, esses requisitos podem ser removidos totalmente ou adaptados às necessidades de uma classe específica e a uma situação específica de aprendizado (Staacks et al., 2018, p. 7–8).
Fonte: phyphox.org
Figura 3 - Phyphox: Tela de smartphone compartilhada com diversos dispositivos
Os dados coletados podem ser exportados para programas específicos como, por exemplo, Excel para serem analisados. Também é possível customizar os experimentos, e a análise dos dados, a partir de um editor que pode ser baixado do site do aplicativo. Além disso, um mesmo conjunto de dados pode ser compartilhado com vários dispositivos (Figura 3) para facilitar, por exemplo, o trabalho em grupo.
Arduino Science Journal
O Arduino Science Journal (Figura 4) também utiliza os sensores de dispositivos móveis para registro de dados sobre aceleração, intensidade sonora, luz etc. Segundo a empresa, funciona como um diário de campo para alunos de ensino básico terem ideia de como funciona o trabalho científico. Nele podem ser registrados os dados dos sensores, fotos, áudios, textos dos alunos comentando fatos sobre as experiências etc. Após a coleta de dados estes podem ser compartilhados com outros alunos e professores. No caso de dados dos sensores, estes podem ser exportados para o Google Drive (serviço de armazenamento na nuvem) e analisados via planilha disponível no pacote Google Docs. O aplicativo está disponível para o sistema Android e é gratuito.
Em comparação com o Phyphox, o Arduino Science Journal tem a vantagem de concentrar todas as informações sobre um projeto de pesquisa pedido pelo professor em um único lugar. O site https://www.arduino.cc/education/science-journal disponibiliza exemplos de propostas que podem ser executadas pelos alunos ou trabalhadas pelos professores.
Fonte: https://www.arduino.cc/education/science-journal
Figura 4 - Arduino Science Jornal: tela inicial e de dados coletados
Portanto, o Phyphox permite que os dados coletados sejam transferidos para muitos formatos, como planilhas eletrônicas, e customizados a partir de um editor que pode ser baixado do site do aplicativo. Já o Arduino Science Journal funciona como um diário de campo, permitindo a coleta de dados dos sensores, fotos, áudios, textos dos alunos comentando fatos sobre as experiências, entre outros recursos. Em resumo, esses aplicativos podem ser ferramentas valiosas para facilitar processos de ensino e de aprendizagem em Física.
Trabalho colaborativo
Atividades de aprendizagem mediadas pela tecnologia expandem o espaço-tempo da sala de aula, permitindo que os alunos troquem informações em tempo real, ou não, quando estão fora da sala de aula ou da escola:
A cooperação mediada pela tecnologia pode se estender muito além do círculo imediato de amigos para se converter em uma oportunidade de acessar uma rede que inclui mentores, tutores e especialistas. Os docentes devem aprender a tirar vantagem dessas práticas sociais que já se dão entre os estudantes e a direcioná-las adequadamente para fomentar a ideia de uma aprendizagem consistente e mais eficiente dentro e fora da sala de aula (Pedró, 2017, p. 28).
Neste trabalho, além desta perspectiva mais ampla, queremos apontar para a necessidade de os aplicativos utilizados nas atividades experimentais terem função nativa de compartilhamento de informações. Isto pode ser feito a partir do compartilhamento de tela, do compartilhamento dos arquivos de dados coletados, do acesso remoto do aplicativo por outros alunos (Figura 5) ou do uso simultâneo e colaborativo de informações do experimento por repositório, como faz o Arduino Science Journal via Google Drive.
Fonte: autores
Figura 5 - Opções de compartilhamento do Phyphox
Em relação à Figura 5, são duas as opções para a socialização. A primeira é “Compartilhar captura de tela”, para quando, por exemplo, um membro de um grupo deseja informar os outros dos resultados obtidos para uma coleta de dados. A segunda opção, “Permitir acesso remoto”, é útil quando o professor deseja mostrar os resultados para todos os alunos da sala/laboratório.
Logo, as atividades de aprendizagem mediadas pela tecnologia têm o potencial de expandir a sala de aula para além de seus limites físicos e temporais, permitindo que os alunos se conectem com mentores, tutores e especialistas (Pedró, 2017). No entanto, para que essa conexão seja efetiva, é necessário que os professores saibam como direcionar essa prática social dos alunos adequadamente para fomentar uma aprendizagem mais consistente e eficiente. Além disso, é importante que os aplicativos utilizados nas atividades experimentais tenham funções nativas de compartilhamento de informações para facilitar a colaboração entre os alunos e professores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tecnologias digitais de informação e comunicação possibilitam alterações significativas na relação entre alunos, professores e o conhecimento. A oferta crescente de aplicativos para dispositivos móveis, gratuitos ou pagos, atende à demanda de um público interessado em ciências ou, no mínimo, curioso para ver o aplicativo funcionando em seu aparelho. Considerando que a maioria dos alunos tem acesso a smartphones e à internet, tanto em casa quanto na escola, é possível aproveitar essas tecnologias em ações educativas na sala de aula.
Assim, entendemos a necessidade de se discutir pontos que orientem a escolha de aplicativos visando o uso, pelo professor ou pelos alunos, em atividades de discussão de conceitos físicos. O recorte feito neste trabalho visou aplicativos que usam sensores do smartphone para a coleta de dados, bem como análise e compartilhamento entre alunos e professores. O primeiro ponto a se considerar é o referencial teórico que orienta a escolha. A escolha pela teoria da aprendizagem significativa, de David Ausubel, se deu pela necessidade de disponibilizar materiais potencialmente significativos para o aluno, e os aplicativos para dispositivos móveis parecem se encaixar nesta categoria.
Entendemos a importância de discutir a escolha de aplicativos para o uso em atividades sobre conceitos físicos por professores e alunos. Este trabalho foca em aplicativos que usam sensores do smartphone para coleta, análise e compartilhamento de dados. O primeiro ponto a ser considerado é o referencial teórico que orienta a escolha. Optamos pela teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel (2000), que defende a disponibilização de materiais potencialmente significativos para o aluno. Os aplicativos para dispositivos móveis parecem se encaixar nessa categoria.
Ainda que os dois aplicativos apresentados - Phyphox e Arduino Science Journal - não tenham elementos de jogos dentro de sua programação, a gamificação (competição, sistema de pontos, cooperação, exploração, estética visual etc.) é dada, em boa medida, pelas ações planejadas do professor no encaminhamento das atividades. A usabilidade dos aplicativos é avaliada pela facilidade de uso e navegação entre as telas de coleta de dados, configurações e compartilhamento de informações. O Arduino Science Journal também oferece facilidade de compartilhamento e armazenamento de informações por meio do Google Drive, reforçando a facilidade de compartilhamento de informações e contribui para atividades em grupo. Esses aplicativos são adequados para, por exemplo, uso em metodologias ativas de aprendizagem, que favorecem ações colaborativas ou cooperativas (Lovato et al., 2018).
Inicialmente, o tema para esta discussão era: “Embora relevantes para o ensino de ciências, os computadores e as salas de informática nas escolas públicas perdem espaço para smartphones e aplicativos, pois estes têm o potencial de ampliar o espaço-tempo de discussão dos conceitos apresentados em sala. O estudo de Martín-Ramos, Silva e Silva (2017), no entanto, direcionou a discussão para o uso dos smartphones como ferramenta de coleta e tratamento de dados em atividades experimentais. Dessa forma, aplicativos como o Phyphox e o Arduino Science Journal, dentre outros, podem contribuir para o trabalho com atividades experimentais que vão além das situações de mera simulação. Sendo assim, cabe aos interessados (professores, gestores de redes/sistemas de ensino, etc.) refletirem sobre:
1. Que papel os referenciais sobre a construção de conhecimento desempenham na escolha de aplicativos para o ensino de física?
2. Como smartphones e computadores podem auxiliar na aprendizagem de conceitos de física no ensino médio?
3. De que forma os smartphones e aplicativos podem auxiliar em atividades práticas/experimentais no ensino de física?
4. Smartphones podem substituir os computadores e as salas de tecnologia/informática no ensino de física?
Esperamos que os critérios de escolha auxiliem os professores a selecionar aplicativos para tornar as atividades experimentais mais significativas, especialmente em escolas sem estrutura. Entre os critérios discutidos, consideramos que a necessidade de referencial teórico e usabilidade são os elementos principais na escolha dos aplicativos. O referencial teórico fornece elementos para entender como as pessoas constroem conhecimento e orienta as escolhas no planejamento, execução e avaliação das atividades experimentais. A usabilidade, por sua vez, é importante para manter o aluno engajado nas tarefas, evitando problemas com interfaces difíceis ou muito complexas que atrapalham a manipulação de informações.
Em suma, considerados instrumentos que auxiliam o processo de aprendizagem de conceitos de Física e Ciências por alunos da educação básica, os aplicativos não substituem o planejamento, aplicação e avaliação da aprendizagem, tarefas exclusivas do professor, mas funcionam como uma ponte entre alunos e professores.
Recebido em: 24/07/2023
Aceito em: 20/05/2024
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Mauro Sérgio Teixeira de; ABIB, Maria Lúcia Vital dos Santos. Atividades experimentais no ensino de física: diferentes enfoques, diferentes finalidades. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 25, n. 2, p. 176–194, 2003.
ARISTON, Marília Marinho et al. O uso de smartphones para o desenvolvimento de atividades experimentais no ensino de física. Revista Insignare Scientia - RIS, v. 5, n. 3, p. 105–124, 2022.
ARRUDA, Sergio de Mello; LABURÚ, Carlos Eduardo. Considerações sobre a função do experimento no ensino de ciências. In: Questões Atuais no Ensino de Ciências. São Paulo: Escrituras, 2014. (Educação para a ciência, v. 2).
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