Possíveis contribuições do filme “Três Idiotas” para a formação docente
Possible contributions of the film “Three Idiots” to teacher training
Posibles aportes de la película “Tres idiotas” a la formación docente
Thaisy Araujo Avalhaes Wunder Castro, (thaisy.a.w@gmail.com)
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
https://orcid.org/0009-0008-3459-99866
Fernanda Zandonadi Ramos, (fernanda.zandonadi@ufms.br)
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-0157-8926
Resumo
No presente trabalho objetivamos discutir possíveis contribuições de algumas cenas do filme indiano “Três Idiotas”, como recurso didático-pedagógico e metodológico para o processo de formação inicial e continuada docente. Para tal, nos familiarizamos com o filme para, posteriormente, por meio da Análise Textual Discursiva, analisar cenas que apresentavam diferentes concepções de ensino e aprendizagem, definidas como categorias à priori, compondo as discussões do metatexto. Assim, considerando que o filme faz uma crítica ao ensino rígido/tradicional, realizamos a análise do conteúdo das cenas com fundamentação teórica direcionada à abordagem comportamentalista e à perspectiva histórico-cultural. Com o presente estudo evidenciamos que o filme supracitado pode ser utilizado como recurso didático-pedagógico e metodológico para formação inicial e continuada docente, pois pelo viés reflexivo e com a fundamentação teórica que sustenta as discussões das cenas, este material pode propiciar contribuições significativas para ação pedagógica, assim como orientações e ciência sobre o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem.
Palavras-chave: ensino e aprendizagem; cinema; saber e saber fazer pedagógico.
Abstract
In the present work, we aim to discuss possible contributions of some scenes from the Indian film “Three Idiots”, as a didactic-pedagogical and methodological resource for the process of initial and continuing teacher education. To this end, we familiarized ourselves with the film and, later, through Discursive Textual Analysis, analyzed scenes that presented different conceptions of teaching and learning, defined as a priori categories, composing the metatext discussions. Thus, considering that the film criticizes rigid/traditional teaching, we carried out the content analysis of the scenes with a theoretical foundation directed to the behavioral approach and the historical-cultural perspective. With the present study, we evidenced that the aforementioned film can be used as a didactic-pedagogical and methodological resource for initial and continued teacher training, because through the reflective bias and with the theoretical foundation that supports the discussions of the scenes, this material can provide significant contributions to action pedagogy, as well as guidelines and knowledge about the teacher's role in the teaching and learning process.
Keywords: teaching and learning; movie theater; pedagogical knowledge and know-how.
Resumen
En el presente trabajo pretendemos discutir posibles aportes de algunas escenas de la película india “Tres idiotas”, como recurso didáctico-pedagógico y metodológico para el proceso de formación inicial y continua del profesorado. Para ello, nos familiarizamos con la película y, posteriormente, a través del Análisis Textual Discursivo, analizamos escenas que presentaban diferentes concepciones de enseñanza y aprendizaje, definidas como categorías a priori, que componen las discusiones sobre metatextos. Así, considerando que la película critica la enseñanza rígida/tradicional, realizamos el análisis de contenido de las escenas con una fundamentación teórica dirigida al enfoque conductista y la perspectiva histórico-cultural. Con el presente estudio, evidenciamos que la referida película puede ser utilizada como recurso didáctico-pedagógico y metodológico para la formación inicial y continua de los docentes, pues a través del sesgo reflexivo y con la fundamentación teórica que sustenta las discusiones de las escenas, este material puede brindar aportes significativos a la pedagogía de la acción, así como lineamientos y conocimientos sobre el rol del docente en el proceso de enseñanza y aprendizaje.
Palabras-clave: enseñando y aprendiendo; cine; saberes y saberes pedagógicos.
INTRODUÇÃO
O presente estudo se pautou em preocupações relacionadas às limitações do saber fazer pedagógico, de docente em ação e de futuros professores de Ciências e Biologia - licenciandos. Tais preocupações surgiram com o desenvolvimento do curso de graduação e, mais especificamente, nas atividades no âmbito escolar mediante participação na Residência Pedagógica.
Momentos em que percebemos a insuficiência de preparação de licenciandos e, até mesmo, professores regentes/atuantes relacionada à falta de domínio e/ou compreensão dos aportes teóricos que podem orientar os procedimentos metodológicos utilizados em sala de aula e a prática docente/pedagógica - como um todo, o que pode limitar a ação docente a um processo de ensino baseado no modelo de transmissão-recepção dos conhecimentos presentes em livros didáticos.
Nesse contexto, evidenciamos a necessidade de uma preparação significativa ao exercício da docência. Fundamentadas em Carvalho e Gil- Pérez (2006); Schnetzler (2000); Silva e Schnetzler (2000) e Ramos (2018), entendemos que há a necessidade de os futuros professores e os atuantes, compreenderem alguns saberes específicos do saber fazer pedagógico, entre eles: i) a compreensão e domínio dos aspectos metodológicos referentes ao fazer docente; ii) saber questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das Ciências, usualmente, centradas no modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista de Ciência; iii) saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a elaboração/reelaboração de ideias dos alunos; e, ainda, iv) conceber a prática pedagógica como objeto de investigação.
No entanto, a literatura aponta que na formação inicial docente falta comprometimento dos professores formadores, particularmente, os que ministram as disciplinas específicas, com os aspectos formativos da ação docente, ainda que atuando nas licenciaturas, nas quais, de qualquer modo, estão formando ou ajudando a formar profissionais para o exercício da docência (Maldaner, 2000; Schnetzler, 2000; Zanon, 2003; Silva, 2004; Ramos, 2018).
Sendo assim, Ramos (2018) destaca a necessidade do desenvolvimento consciente do saber fazer pedagógico, ou seja, de licenciandos e professores compreenderem as ações docentes formadoras, pois pela mediação e auxílio do professor é que eles podem desenvolver as estruturas básicas para o processo de ensino e aprendizagem. Isto, pela apropriação dos conhecimentos sistematizados, para que a prática docente se distancie de uma visão de transmissão de conhecimentos e se torne aquela que possibilita a mediação para apropriação e evolução conceitual, entendendo os aportes teóricos que podem subsidiar sua ação docente e assim iniciarem o processo constitutivo profissional.
Diante da preocupação com esse processo de formação docente, que aborde de forma significativa os saberes necessários à prática pedagógica, percebemos a necessidade do uso de estratégias que consigam chamar a atenção dos sujeitos para a necessidade de refletir sobre a prática/ação docente. Dessa forma, neste trabalho propomos o uso da arte cinematográfica, mais especificamente, o filme indiano “Três Idiotas” [3 idiots, 2009, Rajkumar Hirani], como recurso didático-pedagógico e metodológico para desencadear reflexões críticas sobre o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem.
De acordo com Duarte (2022, p.106), “[...] analisar filmes ajuda professores e alunos a compreender, sobretudo respeitar a forma como diferentes povos educam as gerações mais novas”. Tal concepção, demonstra as possíveis contribuições do filme como arte que propicia ao sujeito uma visão ampla da sociedade, educação e meio cultural.
Corroborando com essa ideia, Silva e Tuleski (2014) ressaltam a ciência e a arte como produções humanas que representam questões sociais e ideológicas da humanidade. Nesta perspectiva, as autoras destacam que os filmes podem contribuir para leitura e formação cultural do indivíduo, assim como para sua educação e socialização, ao passo que a arte enriquece o seu acervo pessoal do sujeito.
Nesse sentido, o cinema/filme como arte e recurso didático pode ampliar a visão de mundo, ou seja, as dimensões do cotidiano e das experiências vivenciadas pelo sujeito. Em especial o filme “Três Idiotas” (3 idiots, 2009, Rajkumar Hirani), a ser discutido neste trabalho, pode ampliar as concepções e percepções de diferentes abordagens de ensino e aprendizagem. Desse modo, objetivamos discutir possíveis contribuições de algumas cenas do filme indiano “Três Idiotas”, como recurso didático-pedagógico e metodológico para o processo de formação inicial e continuada docente
Para avaliarmos as cenas do filme, utilizamos a Análise Textual Discursiva (ATD), descrita por Moraes e Galiazzi (2006, p.34) como “um processo auto-organizado de construção de compreensão”, a partir da: “desconstrução dos textos do “corpus”- a Unitarização; o estabelecimento de relações entre os elementos unitários - Categorização; e o captar o emergente em uma nova compreensão que é comunicada e validada”- Metatexto.
Assim, para o desenvolvimento desta análise, inicialmente realizamos a familiarização com o filme “Três idiotas”. Para tal, primeiramente, assistimos ao filme de forma contínua. Em um segundo momento, no processo de Unitarização – que requer a fragmentação do corpus, buscamos perceber os elementos constituintes das cenas e “os sentidos dos textos em diferentes limites de seus pormenores, ainda que se saiba que um limite final e absoluto nunca é atingido” (Moraes, Galiazzi, 2006, p. 40). Assim, assistimos com o foco nas cenas, identificando os minutos e segundos exatos nos quais se davam o início e o fim das mesmas e os conceitos apresentados.
Posteriormente, por meio de diversas leituras e releituras, buscamos relacionar as unidades de análise conforme suas semelhanças, nas categorias definidas a priori: 1) concepções de ensino e 2) concepções de aprendizagem, considerando o papel do professor nesses processos. Ressaltamos que “no seu conjunto, as categorias constituem os elementos de organização do metatexto que se pretende escrever. É a partir delas, que se produzirão as descrições e interpretações que comporão o exercício de expressar as novas compreensões possibilitadas pela análise” (Moraes; Galiazzi, 2006, p. 45).
Considerando que o filme “Três Idiotas” [3 idiots, 2009, Rajkumar Hirani], apresenta uma crítica ao sistema rígido de ensino, nos atemos a discutir duas abordagens de ensino, sendo elas: comportamentalista, fundamentada na perspectiva de Skinner (2003), e a histórico-cultural, a partir da teoria de Vigotski (2009), explicitadas sucintamente a seguir e discutidas conforme as cenas apresentadas neste trabalho.
A abordagem comportamentalista Skineriana se pauta nos comportamentos observáveis e mensuráveis do sujeito, na resposta que ele dá aos estímulos externos. Tendo como uma das ideias básicas a de que o comportamento é controlado pelas consequências, se a consequência for boa para o sujeito haverá uma tendência de aumento na conduta e ao contrário, se for desagradável, a frequência de resposta tenderá a diminuir (Skinner, 2003). Aqui a ação docente consiste em propiciar estímulos na hora certa e, sobretudo, reforços positivos e/ou negativos.
Em contrapartida, a abordagem histórico-cultural, segundo Vigotski (2009), valoriza a construção do conhecimento, levando em conta a participação ativa do sujeito nesse processo de aprendizagem, o aluno não é um ser passivo que recebe as informações do professor, leva-se em conta também o contexto no qual o sujeito está inserido. Aqui um ponto importante para desencadear a construção do conhecimento são as reflexões geradas a cada atividade proposta. A palavra do professor – linguagem, se torna mediadora no processo de construção dos conhecimentos. Além disso, o que importa é a perspectiva processual da construção do conhecimento e não o produto final.
O filme aqui analisado, proposto como recurso didático pedagógico e metodológico para formação inicial e continuada docente, é um longa-metragem com cerca de três horas de duração, classificado no gênero comédia, produção de Bollywood, cinema indiano. Os personagens que dão nome ao filme são: Ranchhoddas Shamaldas Chanchad (Rancho), Raju Rastogi e FarhanQureshi, três amigos que vivenciam os cinco anos de uma graduação em engenharia na faculdade dirigida por Viru Sahastrebuddhe.
O filme se desenvolve a partir da narração realizada por Farhan. Nele Rancho se apresenta com várias críticas ao sistema tradicional de ensino e as práticas de seus professores.
A seguir, apresentamos as cenas selecionadas para discutir concepções de ensino.
Como descrito, o foco principal do filme está em demonstrar críticas às abordagens de ensino tradicionalistas e/ou comportamentalistas, pois em vários momentos o filme nos faz refletir sobre as consequências de um ensino em que o professor é aquele considerado como detentor do conhecimento e os alunos meros receptores passivos e reprodutores de tais saberes, geralmente, de forma decorada, e, ainda, uma perspectiva comportamentalista na qual há intenção de moldar o comportamento dos sujeitos por repreensões, punições e/ou recompensas, como podemos observar nas cenas descritas a seguir:
- Um professor questiona a turma sobre o que é máquina, em seguida direciona o questionamento a Rancho, pois ele apresentava um ar de riso que incomodou o professor. Rancho respondeu:
- Rancho: “Máquina é tudo aquilo que reduz o esforço humano, senhor (...). Tudo aquilo que torna o trabalho mais fácil para o homem é uma máquina (...). Das canetas até as calças, é tudo uma máquina!”
- O professor olha com ar de reprovação, e outro aluno dá a definição conforme o livro. Nesse momento, a aprovação do professor é expressa a partir de um olhar de orgulho/satisfação e sorriso, juntamente com as palavras: “Magnífico, perfeito!”.
-Logo em seguida Rancho afirma:
- Rancho: “Eu disse a mesma coisa, mas de forma mais simples... É preciso aprender o contexto. Qual o sentido em ficar decorando livros?”
Professor: “Você acha que sabe mais do que os livros? O livro fornece a definição. E se quiser passar, trate de escrever o que está aqui.”
- O professor se sente afrontado com a forma como Rancho responde, o manda para fora da sala de aula e o chama de idiota. Rancho a caminho de sair, retorna para buscar seus livros e ao ser interrogado sobre o porquê de retornar diz:
- Rancho: “Esqueci algo senhor”.
- Professor: “O quê?”
- Rancho: “Instrumento ou registro de análise, resumo, discussão ou explicação de informação em papéis encadernados em brochura ou capa dura, com prefácio, índice e sumário, cujo objetivo é esclarecer a compreensão, desenvolver e educar o cérebro humano através da visão e, às vezes, do tato.”
- Professor: “O que está querendo dizer?”
- Rancho: “Livro, senhor. Esqueci meus livros, posso pegá-los?”
- Professor: “Não dava para dizer de forma mais simples?”
- Rancho: “Foi o que tentei fazer agora há pouco, mas o senhor não gostou”.
O incentivo as definições conceituais a partir do decorar pode ser observado na cena I, quando o professor valoriza a resposta a respeito do que é uma máquina, apresentada por um acadêmico utilizando as mesmas palavras que estão no livro, o que faz brilhar os olhos do professor – demonstrando orgulho – uma reação reforçadora para esse tipo de resposta – que pode moldar/condicionar o sujeito. “Um único reforço pode ter efeito considerável. [...] Na maioria das vezes observamos um aumento substancial [da resposta/comportamento] provocado por um único reforço” (Skinner, 2003, p. 74). Para o teórico, “o reforço operante faz mais que modelar um repertório comportamental, ele aumenta a eficiência do comportamento e o mantém fortalecido muito tempo” (Skinner, 2023, p. 73).
No entanto, aqui percebemos também uma crítica feita a perspectiva de ensino comportamentalista, seguida pela valorização da construção de significados e formação conceitual, quando Rancho apresenta em sua resposta a apropriação e internalização[1] conceitual, ao passo que contextualiza e exemplifica o que é máquina.
Além disso, quando Rancho discursa sobre o conceito de livro observamos características que demonstram o conceito como verdadeiro, que segundo a abordagem histórico-cultural (Vigotski, 2009) é constituído pela descrição de características generalizantes e discriminatórias, função e exemplificação de modo contextualizado, o qual passa pela transição entre o pensamento por complexo, pseudoconceito e o conceito potencial, em linhas que andam paralelamente – em generalizações e discriminações- no processo de formação conceitual. Desse modo, considerando o processo de formação conceitual, evidenciamos que o conceito só está pronto quando a palavra é constituída por significados. Nesta perspectiva, a palavra e seu significado se tornam mediadoras no processo de ensino e aprendizagem.
No caso específico da cena, Rancho tem o conceito de máquina e de livro internalizados, a ponto de conseguir transpor o significado dos mesmos com suas próprias palavras.
- No dia dos resultados das provas Rancho aparece dormindo, enquanto outros alunos estão de alguma forma buscando alternativas, como se fizessem acordo com Deus(es) através de promessas de fé, para obterem boa nota. Logo em seguida, as notas são disponibilizadas em um mural.
-Raju e Farhan vão conferir seu desempenho e verificam que ficaram como últimos classificados. Ao procurarem a classificação de Rancho não a encontram entre os últimos, e logo pensam que o mesmo foi reprovado. Mas, na verdade, Rancho ficou em primeiro lugar da turma.
Rancho: “É obrigatório sentar de acordo com a nota?"
Viru: "Porquê algum problema?"
Rancho: "Eu tenho um problema com esse sistema de avaliação. É como o sistema de casta. Os de nota alta são reis, os de nota baixa, escravos. Isso não é bom."
Viru: "Você tem ideia melhor?"
Rancho: "Sim, tenho. Não deveriam colocar as notas no mural. Por que exibir a fraqueza dos outros para todo mundo? Se seu exame de sangue der nível baixo de hemoglobina, o médico vai te receitar um tônico ou mostrar o exame no telejornal? Entendeu, senhor?"
Viru: "Então, basicamente o que você está dizendo é que eu deveria ir até o quarto de cada aluno, um por um, e cochichar o resultado em seu ouvido?"
- Em meio a risadas Rancho responde:
Rancho: “Não, senhor. Não foi isso que quis dizer. A questão é que as notas geram divisão.”
Estes diálogos exemplificam uma vertente da abordagem comportamentalista, a questão do reforço positivo e/ou negativo com objetivo de gerar uma resposta – um comportamento observável. Às consequências do comportamento podem retroagir sobre o organismo. Quando isso acontece, podem alterar a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente (Skinner, 2003, p. 64). O organismo/sujeito naturalmente tende a se comportar no sentido de evitar punições e obter recompensas.
Nesse sentido, o papel do professor é dar reforços às respostas, de modo a possibilitar ou aumentar a probabilidade de que o aprendiz exiba o comportamento almejado, ou seja, resposta desejada, isto é, a ser aprendida.
Em contrapartida na abordagem histórico-cultural, a palavra [linguagem] do professor exerce o papel de mediadora na construção de conhecimentos e não um condicionante de comportamento.
CENA III: O PROJETO (início: 27m008s/ 28m38s)
Esta cena pode ser analisada como uma crítica a falta de mediação no processo de ensino, mostrando Viru se atentando apenas às normas e prazos pré-estabelecidos sem levar em consideração o contexto do sujeito e o que ele conseguiu desenvolver até aquele momento, como podemos observar no relato a seguir:
- Viru aparece juntamente com um aluno que está lhe apresentando um projeto para conclusão do curso, o aluno busca o diretor no intuito de solicitar prorrogação do prazo ou ao menos receber uma orientação de como prosseguir com seu projeto que estava quase pronto, mas ainda não funcionava corretamente. No entanto, ele recebe uma negativa de Viru que o desmotiva quanto ao produto elaborado e o faz desistir, inclusive da vida - a cena termina com o suicídio do aluno. - Rancho encontra o projeto jogado no lixo, elabora algumas hipóteses sobre o motivo pelo qual não estava funcionando, testa as mesmas e, por fim, consegue solucionar o problema, finalizando o projeto do colega - visto por ele como algo muito interessante. Mas, quando ele foi ao encontro do colega, já era tarde.
Podemos discutir, a partir de tal cena o papel do professor mediador que no caso forneceria o suporte para que o aluno encontrasse e solucionasse os erros do seu projeto. Nesse contexto, Carvalho e Gil-Pérez discorrem que no papel de professor como um tutor/mediador “[...] o professor deverá saber valorizar as contribuições dos alunos – reformulando-as adequadamente – ter já pronta a informação pertinente para que os estudantes possam apreciar a validade de suas contribuições etc” (Carvalho; Gil- Pérez, 2011, p. 52).
Desse modo, consideramos que um docente tido como orientador ou mediador do processo de ensino e aprendizagem, precisa dominar sua prática a ponto de saber por quais “caminhos” cada aluno pode seguir e, ainda, quais caminhos esse aluno é capaz de fato de prosseguir, identificando as dificuldades individuais que podem ser transpostas em grupo ou até mesmo que necessitam de atenção especial para que haja uma evolução.
Tal ideia encontra respaldo na teoria de Vigotski (2009), o qual considera que a aprendizagem só é possível se o parceiro mais capaz, neste caso, o professor, respeitar a capacidade que cada aluno tem de adquirir o conhecimento ensinado, o que só pode ocorrer se esse conhecimento, do ponto de vista cognitivo, estiver ao alcance dos alunos.
Além disso, o teórico relata que ensinar ao aluno o que ele já sabe fazer sozinho é tão infértil quanto tentar ensinar algo muito além da sua zona de possibilidades. Por isso, cabe ao professor como sujeito mediador do processo de ensino e aprendizagem identificar a provável zona de desenvolvimento real (ZDR) em que seus alunos se encontram, ou seja, identificar o que sabem e o que eles são capazes de fazer sozinhos para, a partir disso, trabalhar na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), por meio do auxílio e orientação no desenvolvimento das atividades que a princípio o sujeito ainda não é capaz de realizar sozinho (Ramos, 2018, p. 45).
Neste contexto, Ramos (2018, p. 51) destaca:
Se faz necessário o professor não só dominar o conteúdo que irá ensinar e os aspectos metodológicos referentes ao saber fazer docente, mas saber questionar as visões simplistas do processo pedagógico de ensino das Ciências, usualmente, centradas no modelo transmissão-recepção e na concepção empirista-positivista de Ciência, assim como saber planejar, desenvolver e avaliar atividades de ensino que contemplem a elaboração/reelaboração de ideias dos alunos e, ainda, conceber a prática pedagógica cotidiana como objeto de investigação, ponto de partida e de chegada de reflexões e ações pautadas na articulação teoria-prática.
No desenrolar do filme, após ocorrido o suicídio de um aluno, Rancho tem um diálogo com o diretor a respeito da pressão colocada sob cada aluno em buscar resultados que não necessariamente refletem a apropriação de conhecimentos. Reforçando a crítica à abordagem de ensino comportamentalista, como podemos observar na descrição da cena a seguir.
- Rancho discute com Viru, o diretor da faculdade, sobre as metodologias de ensino utilizadas na mesma. Nesta conversa, o diretor alega ser a melhor faculdade de engenharia, momento em que Rancho o questiona.
Rancho: “Primeira colocada em que? Aqui não se discutem novas teorias, não se estimula a criação de invenções. Aqui só se fala em notas ou empregos nos EUA. Não ganhamos conhecimento (...), só nos ensinam a tirar boas notas.”
Viru: “Está querendo me ensinar a dar aula?”
No diálogo descrito podemos notar a rejeição de Rancho pelas metodologias adotadas pela faculdade e seus professores. É importante salientar que:
Essa rejeição pelo ‘ensino tradicional’ costuma expressar-se com contundência, sobretudo por parte dos professores em formação [...] Convém, por isso, mostrar aos professores – durante sua formação inicial ou permanente – até que ponto e, insistimos, à margem de atitudes de rejeição generalizadas, o que eles denominam pejorativamente “ensino tradicional” neles está profundamente impregnado ao longo de muitos anos em que, como alunos, acompanharam as atuações de seus professores (Carvalho; Gil-Pérez 2011, p.39).
Continuando o desenrolar da cena:
- Rancho é levado a uma sala de aula e desafiado a dar sequência a aula de um professor [sem nenhum preparo prévio]. O mesmo folheia um livro, escreve algumas palavras desconhecidas no quadro e dá a turma 30 segundos para achar o significado delas. Passado o tempo determinado, Rancho começa um diálogo com a turma.
Rancho: “Quando fiz essa pergunta alguém se deu conta que estaria aprendendo algo novo? [...] Todos partiram para a competição. De que vale ser o primeiro se não aprendeu nada?”
- Viru se enfurece e o questiona sobre não ser uma aula de filosofia e aquele não ser o método de se ensinar engenharia. E Rancho responde da seguinte maneira:
Rancho: “[...] Estava ensinando o senhor a lecionar.”
Rancho na cena descrita desenvolve uma atividade investigativa por busca de significados e novos conhecimentos. Posteriormente, discursa com a turma sobre a importância de se refletir o porquê de realizar certas atividades, o que tais atividades estão contribuindo na construção de conhecimentos. A prática reflexiva citada por Rancho direcionada aos alunos, também, precisa existir no professor. Desse modo é necessário refletir sobre o porquê e para que aprender sobre certos assuntos/conteúdos, qual a importância dos mesmos e de que forma essa atividade contribuirá para uma aprendizagem significativa, assim a construção de significados e conhecimentos tomam forma.
Ao mesmo tempo que o modo como se desenvolvem as atividades em sala de aula precisam ser ressignificadas, se faz necessário repensar as propostas avaliativas adotadas na prática docente. No filme todas as formas avaliativas são de cunho tradicional, tratando as notas obtidas como um reflexo do desenvolvimento de competências e/ou comportamentos observáveis do aluno e não ao conhecimento construído.
Na cena descrita a seguir é possível verificar que as notas (obtidas exclusivamente a partir de provas tradicionais) não são tidas apenas como reflexo do que o aluno aprendeu, mas como reflexo do contexto no qual estão inseridos, deixando clara a visão de que os comportamentos são moldáveis.
-Viru chama Raju e Fahran em sua sala e expõe os números referentes ao rendimento financeiro de cada família como uma forma de convencê-los a trocarem de quarto, indo para o quarto de Chatur (um aluno conhecido por decorar os livros e ter boas notas) com objetivo de melhorarem suas notas. Nesse momento, Viru justifica:
Viru: “As provas estão chegando. Convivendo com Rancho, jamais irão passar.”
- Em seguida os amigos se encontram no banheiro e começam um diálogo no qual Rancho os leva a refletirem.
Rancho: “Raju vamos estudar com todo afinco, mas não só para tirar nota e passar.”
Na cena descrita o diretor Viru apresenta aos amigos de Rancho uma solução, acreditando que ao inseri-los em um contexto no qual se trabalha o decorar definições estaria os ajudando a se saírem melhor nas provas.
Pautadas na perspectiva comportamentalista, considerando que a consequência de um comportamento pode mudar a frequência com que o mesmo apareça (Skinner, 2003), entendemos que a experiência de terem tirado notas baixas e uma possível reprovação evidencia a dificuldade dos mesmos em aprender, assim como, lhes dá a oportunidade de buscarem melhores resultados através de uma mudança de comportamento.
Porém, a mudança de comportamento aqui sugerida, negligência um dos saberes necessários à docência, a prática reflexiva. Nesse aspecto, cabe ao professor como sujeito mediador orientar os alunos quanto ao processo de aprendizagem, direcionando o desenvolvimento de atividades que possam propiciar a construção de conhecimentos.
Carvalho e Gil-Pérez (2011, p.59) ao sugerir uma prática docente reflexiva, argumentam que o professor desempenha um novo papel:
[...] o professor deve considerar-se corresponsável pelos resultados que estes obtiverem: não pode situar-se frente a eles, mas como eles; sua pergunta não pode ser ‘quem merece uma valorização positiva e quem não’, mas ‘que ajuda precisa cada um para continuar avançando e alcançar os resultados desejados’ (Carvalho; Gil-Pérez, 2011. p. 59).
Sendo assim, podemos concluir que a avaliação não diz respeito apenas ao aprendizado do aluno, mas também ao modo como o professor orientará seu aluno na construção de conhecimentos. Hoje, se faz necessário uma formação de educadores conscientes e críticos, que entendam o contexto histórico e social de seus educandos, com o intuito de valorizar a cidadania e a humanização das práticas escolares para superar o fracasso escolar (Chaves, 2009 apud Gianotto, 2011).
De modo geral, no processo de formação inicial docente, as cenas apresentadas e discutidas podem ser utilizadas como recurso metodológico para direcionar o sujeito a percepção e reflexão das diferentes concepções de ensino presentes nas abordagens tradicionais e histórico cultural, e sua influência no processo educacional.
Trabalhos desenvolvidos por Ramos e Canhete (2021); Ramos (2018) e Ramos, Lorencini e Silva (2015), demonstram que na formação inicial, a ciência dos licenciandos sobre a necessidade da fundamentação teórica-metodológica para elaboração de proposta pedagógicas propicia contribuições significativas para o processo de ensino e aprendizagem.
Desse modo, ressaltamos que o uso do filme “3 idiotas” pode ser um recurso metodológico significativo para o processo de formação inicial docente, pois ao discutirem as cenas em uma perspectiva reflexiva os futuros professores podem desenvolver a percepção crítica sobre as diferentes concepções de ensino e os saberes necessários à docência, considerando que a maior parte do filme faz críticas ao sistema tradicional de ensino e propõe novas possibilidades para tal processo, finalizando com o exemplo contextualizado de tal proposta ao mostrar a escola fundada por Rancho – apresentada na cena IX.
Discutimos até aqui algumas questões inerentes à prática docente expostas no filme, a partir de agora abordaremos questões relacionadas à aprendizagem do sujeito, na categoria a seguir.
Fundamentados em Vigotski (2009), podemos dizer que inicialmente o licenciando em formação docente e/ou professores atuantes - em formação continuada - podem começar a compreender e se apropriar dos conteúdos sistematizados sobre a ação docente – início da aprendizagem, a partir da mediação feita pelo discurso e ação do professor ao discutir as cenas do filme.
Ressaltamos que o uso do filme “Três Idiotas” pensado em um viés didático-pedagógico e metodológico – como proposta das cenas serem assistidas e discutidas sob mediação do professor formador e com fundamentação teórica - poderá possibilitar aos licenciandos e/ou professores em formação continuada um modelo norteador para sua prática pedagógica, ao passo que pela experiência vivenciada os sujeitos terão oportunidade de planejar aulas em que utilizarão de artes cinematográficas em uma perspectiva reflexiva, compreendendo que o assistir vídeos por si só, muitas vezes, não propicia ao sujeito a apropriação de significados e construção de conhecimentos.
Assim, consideramos necessário que o professor saiba como ocorre a aprendizagem para conseguir intervir nesse processo, saber seus desafios e as possíveis formas de saná-los. Para tal, iniciaremos com a concepção de aprendizagem expressa pelo personagem Rancho, exposta na cena a seguir.
Em uma sequência de imagens na qual Rancho aparece desmontando a porta de uma geladeira, é exposta a seguinte narração:
Farhan: “Rancho acreditava que a sabedoria pode ser obtida em qualquer lugar. Ele amava máquinas. Não tirava a chave de fenda do bolso. Ele abria toda máquina que havia. Às vezes ele fechava”.
A partir do exposto e da cena em si podemos afirmar que Rancho acreditava em uma visão de aprendizagem que poderia ser considerada como “simplista”, quando fala que “a sabedoria pode ser obtida em qualquer lugar”, porém, suas concepções e ações demonstram uma perspectiva da abordagem histórico-cultural, em que o aluno participa ativamente no processo de aprendizagem, interagindo com o outro/colegas/professores, com o meio, a linguagem e com o objeto de estudo.
- A cena desenvolve-se logo no início do filme, durante o trote dos calouros, momento no qual os veteranos davam ordens aos acadêmicos novatos e, caso não as cumprissem seriam penalizados, o veterano ameaçava urinar na porta do quarto deles durante o semestre.
- Rancho entra em cena, se esquiva do trote indo para o seu quarto. Um dos veteranos se coloca à frente da porta do quarto, inicia uma contagem regressiva de 10 segundos, prometendo urinar se o acadêmico não abrisse a porta e participasse do trote – ritual de veneração aos veteranos.
- Rancho, surpreende a todos ao construir um “equipamento” utilizando apenas uma colher ligada a fios de luz, que ao entrar em contato com a urina do veterano desferiu choque através da condução de corrente elétrica. A cena termina com a seguinte fala de Fahran (narrador):
Fahran: “Água salgada é um bom condutor de eletricidade. É física de colegial. Todos estudaram isso. Mas ele fez na prática.”
Observamos que Rancho se apropriou e internalizou o conceito a respeito de condução elétrica, pois o transpôs para experiência vivenciada, ou seja, colocou em prática. Para Vigotski (2009. p. 246):
Um conceito é mais do que a soma de certos vínculos associativos formados pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de pensamento que não pode ser aprendido por meio de simples memorização, só podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental do sujeito já houver atingido o seu nível mais elevado (Vigotski, 2009. p. 246).
Para Vigotski, alunos que foram submetidos a uma educação puramente expositiva não necessariamente internalizam aquilo que supostamente lhes foi ensinado.
Não menos que a investigação teórica, a experiência pedagógica nos ensina que o ensino direto de conceitos sempre se mostra impossível e pedagogicamente estéril. O professor que envereda por esse caminho costuma não conseguir senão uma assimilação vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e imita a existência dos respectivos conceitos na criança, mas, na prática, esconde o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o conceito, mas a palavra, capta mais de memória que de pensamento e sente-se impotente diante de qualquer tentativa de emprego consciente do conhecimento assimilado (Vigotski, 2009. p. 247).
Ainda com relação ao processo de construção de conhecimentos e, consequentemente, significados, apresentamos a cena VIII.
- Após um episódio no qual Farhan e Raju foram humilhados por causa de suas notas, os três amigos dialogam entre si sobre o ocorrido, momento em que Rancho questiona Farhan:
Rancho: "Sabe porque sou o primeiro [lista com as notas expostas no mural]?"
Farhan: "Por quê?"
Rancho: "Porquê sou fascinado por máquinas. A engenharia é a minha paixão. Sabe qual a sua paixão?(...).”
- Rancho pega na mochila de Farhan uma carta escrita há cinco anos atrás, endereçada a um fotógrafo renomado para quem Farhan gostaria de trabalhar. Tal carta não foi enviada por medo da reação que seus pais teriam por ele não gostar da engenharia. Rancho continua:
Rancho: "Largue a engenharia e torne-se fotógrafo de vida selvagem. Você tem que seguir a sua vocação"
- Olhando para Raju fala:
Rancho: "Esse trouxa ama os animais, mas quer se envolver com as máquinas."
- Raju em tom de brincadeira se ajoelha e fala:
Raju: "Baba Ranchhoddas. Minha namorada e minha esposa, ambas são a engenharia. Então por que sou o último? Também quero saber".
Rancho: "Porque você é covarde. Covarde. Aqui, olhe a sua mão. Tem mais anéis que dedos. Um para provas, outro para o casamento da irmã (...). Com tanto medo do futuro, como quer viver? Cadê seu foco no presente? Tenho amigos estranhos, um vive com medo e o outro se boicotando.”
Nesta cena podemos observar que para que haja a construção de significado, para que algo tome forma como signo - descrito por Vigotski (2009), o sujeito precisa se relacionar com objeto/processo em questão. Quando Rancho fala sobre as paixões e medos dos seus amigos ele está demonstrando que algo para ser interiorizado precisa ter um significado.
Ao final do filme as perspectivas de ensino e aprendizagem defendidas por Rancho são expostas, indiretamente, na apresentação de uma cena que ocorre na escola fundada por ele, como podemos observar nas imagens a seguir.
Fonte: Filme “Três idiotas”
Figura 1 - Escola de Rancho
Nessa escola, os alunos não aprendem apenas em uma sala de aula, os mesmos são expostos a situações que possam permitir o desenvolvimento de conceitos a partir da relação entre os conhecimentos sistematizados e os cotidianos/espontâneos, ou seja, considerando os saberes já apropriados e internalizados pelos alunos. Isso pode ser observado nas imagens da cena IX (Figura 1), que demonstram alunos aprendendo em grupo, o que potencializa o desenvolvimento de novos conceitos e a evolução conceitual, visto que um grupo pode chegar a conceitos mais bem elaborados/amadurecidos do que o indivíduo sozinho.
Segundo Fontana (2005, p.11), fundamentada em Vigotski, é pelas interações sociais que os sujeitos “produzem, se apropriam (de) e transformam as diferentes atividades práticas e simbólicas em circulação na sociedade em que vivem e, as internalizam como modos de ação/elaboração próprios, constituindo-se como sujeitos”.
Nesse sentido, concordando com Lourenço e Wirzbicki (2021, p.125), destacamos que:
[...] os meios pelos quais aprendemos e nos desenvolvemos tem relação com as interações sociais, com a mediação simbólica, instrumental e com as estratégias de ensino que são propostas pelo professor. Daí a importância do planejamento do ensino, na orientação da aprendizagem, na organização do pensamento, na significação do conceito e no processo de elaboração e internalização do conhecimento científico.
Considerando que o sujeito entra na escola com saberes apropriados no dia-a-dia, pelas vivências/experiências e interações sociais, destacamos que o professor, no processo de ensino e aprendizagem, deve considerar tais conhecimentos. Segundo Vigotski (2009), os conhecimentos/conceitos cotidianos e os científicos seguem caminhos diferentes, mas se inter-relacionam e é no confronto entre esses conhecimentos que se dá a evolução conceitual.
Ressaltamos que a aprendizagem dos conceitos científicos não exclui os cotidianos, mas eleva estes para um nível de conhecimento mais elaborado. Além disso, o ensino direto de conhecimento científico pode ser tornar apenas a transmissão de sons vazios, sem significados (Vigotski, 2009), que acabam sendo apenas memorizados. Outro ponto interessante nas imagens são os objetos cotidianos, que permite ao aluno uma interação mais real, que leva em consideração seu aspecto histórico sociocultural.
Sendo assim, na categoria aprendizagem, podemos observar que as cenas apresentadas podem contribuir na formação docente – inicial ou continuada- para discussões relacionadas ao processo de construção de conhecimentos, a importância da interação entre os sujeitos e dos mesmos com o meio e objeto de conhecimento, assim como da linguagem como mediadora neste processo, levando em consideração que cada sujeito aprenderá de forma e em tempos distintos e que o processo de aprendizagem não é algo continuo e linear.
As abordagens de ensino e aprendizagem defendidas por Rancho no filme expressam aquilo que acreditamos como essencial para o processo educacional, no que diz respeito ao olhar para o sujeito, seu contexto e processo de aprendizagem, assim como a importância da interação e mediação do professor pela linguagem e ação no processo de ensino, aprendizagem e construção de conhecimentos.
Tal fato, ainda, encontra respaldo na experiência vivenciada por uma das autoras deste estudo que teve a oportunidade de em sua formação inicial docente discutir de forma reflexiva, sob mediação pedagógica –formadora, diversas cenas do filme “Três Idiotas” refletindo sobre os aspectos citados, entre eles os mais discutidos foram: teorias de aprendizagem e saberes necessários à docência.
Nessa perspectiva, o filme com a discussão teórica possibilitada por ele poderá contribuir significativamente para o processo de construção de conhecimentos e a evolução conceitual dos sujeitos em formação, ao passo que propiciará reflexões sobre o papel do professor e como suas ações/práticas interferem diretamente no aprendizado de cada aluno. Tais reflexões podem desencadear percepções relacionadas a necessidade de compreender e dominar a matéria a ser ensinada, saber questionar o pensamento espontâneo docente, ter conhecimento teórico sobre a aprendizagem e, consequentemente, saber criticar o ensino habitual, compreender a importância do papel da linguagem e ação do professor como mediadores do processo de ensino e aprendizagem, concebendo-o como aquele que planeja, orienta, direciona e avalia o desenvolvimento das atividades de seus alunos.
Desse modo, destacamos que o uso do filme “três idiotas” [3 idiots, 2009, Rajkumar Hirani], pode ser utilizado como recurso didático-pedagógico e metodológico para formação inicial e continuada docente, pois pelo viés reflexivo e com a fundamentação teórica que sustenta as discussões das cenas, este material pode propiciar contribuições significativas para formação e ação pedagógica, assim como orientações e ciência sobre o papel do professor no processo de ensino e aprendizagem.
Recebido em: 19/07/2023
Aceito em: 13/12/2024
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[1] Smolka (2000, p.27-28) define “internalização como um construto teórico central no âmbito da perspectiva histórico-cultural, que se refere ao processo de desenvolvimento e aprendizagem humana como incorporação da cultura, como domínio dos modos culturais de agir, pensar, de se relacionar com outros, consigo mesmo. (...) como construto psicológico, supõe algo “lá fora” – cultura, práticas sociais, material semiótico – a ser tomado, assumido pelo indivíduo”.