Visibilidade das mulheres na História da Ciência como proposta temática para o Ensino Médio
Women’s visibility in the History of Science as a thematic proposal for High School
Visibilidad de las mujeres en la Historia de la Ciencia como propuesta temática para la Escuela Secundaria
Edemar Benedetti Filho(edemar@ufscar.br)
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – CCTS – Campus Sorocaba, Brasil
https://orcid.org/0000-0002-1408-671X
Elisiene Andrade da Silva Martins(elisi.asm@gmail.com)
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – CCTS – Campus Sorocaba, Brasil
https://orcid.org/0009-0008-6417-5631
Alexandre D. M. Cavagis(cavagis@ufscar.br)
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) – CCTS – Campus Sorocaba, Brasil
https://orcid.org/0000-0001-7264-900X
Resumo
As mulheres sempre desempenharam um papel crucial ao longo da História da Ciência, muito embora pouquíssimas vezes tenham recebido o merecido destaque por suas realizações, geralmente ofuscadas em ambientes cercados por um paradigma machista, que as condenava à restrição de oportunidades, precárias condições de trabalho, humilhações e falta de reconhecimento. Mesmo assim, deixaram um inestimável legado que precisa sempre ser amplamente divulgado e incorporado à alfabetização científica na Educação Básica. Além de uma retrospectiva histórica sobre mulheres cientistas, o presente artigo traz relatos de vivências em sala de aula, nas quais constatou-se que a visibilidade do papel feminino na História da Ciência, infelizmente, ainda é muito precária, sendo, portanto,essencial que docentes recebam formação para trabalhar adequadamente a temática “Mulheres na Ciência”, correlacionando os contextos histórico, social e cultural em que viveram essas cientistas tão importantes.
Palavras-chave: Mulheres na Ciência; Ensino de Ciências; Ensino Médio.
Abstract
Women have always played a crucial role throughout the History of Science, although very rarely they have received the deserved spotlight for their brilliant achievements, usually overshadowed in environments surrounded by a male-dominated paradigm, which condemned them to restricted opportunities, precarious working conditions, humiliation and lack of acknowledgement. Even so, they left an invaluable legacy, which always needs to be widely disclosed and embedded into the scientific literacy in Basic Education. Beyond a historical retrospective on great women scientists, this article brings reports about classroom experiences in which it was found that the visibility of the female role in the History of Science, unfortunately, is still quite precarious, thus making it essential that teachers receive training so that they might properly work on the theme “Women in Science”, by correlating the historical, social and cultural contexts in which these so important scientists lived.
Keywords: Women in Science; Science Education; High School.
Resumen
Las mujeres siempre han jugado un papel crucial a lo largo de la Historia de la Ciencia, aunque muy pocas veces han recibido la atención que merecen por sus logros, normalmente eclipsados en entornos rodeados de un paradigma dominado por los hombres, que las condena a oportunidades restringidas, condiciones de trabajo precarias, humillación y falta de reconocimiento. Aun así, dejaron un legado invaluable que siempre debe ser ampliamente difundido e incorporado a la alfabetización científica en Educación Básica. Además de una retrospectiva histórica sobre mujeres científicas, este artículo trae relatos de experiencias en el aula, en las que se constató que la visibilización del rol femenino en la Historia de la Ciencia, lamentablemente, es aún muy precaria, y es por lo tanto fundamental que docentes reciban formación para trabajar adecuadamente el tema “Mujeres en la Ciencia”, correlacionando los contextos históricos, sociales y culturales en los que vivieron estas científicas tan importantes.
Palabras-clave: Mujeres en la Ciencia; Enseñanza de las Ciencias; Escuela Secundaria.
INTRODUÇÃO
A presença das mulheres sempre foi fundamental na evolução científica, muito embora o reconhecimento delas ao longo da história tenha sido, por inúmeras vezes, injustamente ofuscado, fato que se constata, por exemplo, quando se analisa o Prêmio Nobel: das 965 pessoas laureadas entre 1901 e 2023, apenas 64 foram mulheres, mostrando que a premiação delas no universo das Ciências continua pequeno, correspondendo a menos de 7% dos prêmios recebidos (Silvaet al. 2023).
Vivemos em um mundo em que, cada vez mais,torna-se essencial a discussão e o incentivo à participação feminina em todas as áreas do conhecimento. Nessa perspectiva, é importante destacar a visibilidade das mulheres ao longo da História da Ciência, bem como a grande contribuição delas para a evolução científica. Conforme citado por Chassot (2013), em seu livro: “A Ciência é masculina? É, sim senhora!”, precisamos sempre reiterar “a necessidade de fazermos um esforço em nós mesmos, por exemplo, em nossas falas, para conseguirmos mais essa desadjetivação da Ciência: masculina” (Chassot, 2013, p.65).De acordo com Bento e Sangiogo (2022), é necessário romper o silêncio das falas femininas e possibilitar o debate sobre a diversidade nos mais diferentes espaços e, assim, discutir a diversidade de gênero nas Ciências, visando a provocar problematizações, discussões e reflexões pela sociedade, sobretudo no processo de formação de educadores.
Inicialmente, é importante traçar um retrospecto geral sobre a atuaçãodas mulheres e suas principais conquistas científicas ao longo da história. Nessa perspectiva, uma das pioneiras no universo da Ciência foi a alquimista babilônica Tapputi-Belatekallim, nascida em 1200 a.C. e considerada a primeira química perfumista de que se tem notícia, lembrando que, naquele tempo, a Ciência ainda não era dividida tal comohoje (Levey, 1954). Conforme as descrições de Houlihan e Wotiz (1975), há poucos registros sobre sua biografia; contudo, em escavações arqueológicas, encontraram-se tabuletas cuneiformes do II milênio a.C., nas quais constava o nome de uma mulher que desenvolvia práticas “alquímicas”, empregando técnicas para desenvolvimento de perfumes, cosméticos e unguentos, com uso de água e outros solventes aplicados em técnicas de destilação.
Com o declínio da civilização helenística, entre os séculos II e I a.C., e a ascensão do Império Romano, o Peloponeso deixou de ser o centro de aprendizagem no mundo antigo, sendo que a posição antes ocupada por Atenas ficou com Alexandria, no Egito, onde viveriam e trabalhariam as cientistas mais talentosas e famosas do mundo antigo: Maria, Cleópatra e Hipátia (Doolittle, 1945).
Maria (ou Miriam), também conhecida como “a Judia” e “a Profetisa”, foi uma alquimista que acredita-se ter vivido durante o século I d.C. (não se sabe ao certo). Embora suas obras originais tenham sido perdidas, trechos significativos foram preservados por Zósimo de Panópolis, alquimista egípcio do século III d.C., que elaborou uma enciclopédia de conhecimento científico em 28 livros. Nessa enciclopédia, Zósimo registrou um grande número de aparelhos desenvolvidos por Maria, cuja fama era fruto de sua notável habilidade em projetar equipamentos químicos e alquímicos, com destaque ao tribikos (alambique de três braços) e ao forno de refluxo.
Maria escreveu um extenso tratado sobre dispositivos de aquecimento, que em sua maioria consistiam de placas nas quais os metais eram aquecidos e expostos à ação do mercúrio ou do vapor de arsênico e também descreveu um recipiente de aquecimento de parede dupla, cheio de água, que sobreviveu quase inalterado até hoje: o indispensável banho-maria(Braga; Guerra; Reis, 2010). Esse nome foi dado em sua homenagem pelo alquimista do século XIV, Arnaud del Villeneuve, cunhou o termo balneum mariae (banho-maria), nome pelo qual é conhecido até hoje. O tribikos, por sua vez, foi utilizado para destilação fracionada de misturas complexas (Figura 1).

Fonte: Adaptação realizada de http://simbolosalquimia.blogspot.com/2007/12/maria-judia-ano-273-ac.html, 2023.
Figura 1 –Ilustração do Tribikos.
Maria também foi uma notável química experimental, conseguindo preparar sulfeto de chumbo-cobre, usado por artistas como pigmento. Fez experiências com diversas ligas de cobre, chumbo, prata e ouro e descreveu a preparação e propriedades de vários sulfetos. Obteve reconhecimento e destaque histórico como a primeira mulher alquimista e há hipóteses de que foi ela quem descobriu o ácido clorídrico, destacando-se também por estudos com diversas substâncias, como o enxofre, e pela obtenção de sulfeto de prata (Liebmann, 1956; Partington, 1964).
Em sua enciclopédia, Zósimo também cita os trabalhos de outra alquimista: Cleópatra (não confundir com a rainha do Egito, amante de Júlio César), que escreveu o tratado “Crisopéia”, sobre a fabricação de ouro, do qual, infelizmente, sobrou apenas uma página. Nele, Cleópatra descreveu o que seria o primeiro aparelho de destilação, que consistia de uma espécie de dispositivo de aquecimento sob um recipiente circular com um tubo vertical, o qual conduzia a um alambique em que fixavam-se dois condensadores, chamados de “Dibikos” (Liebmann, 1956).
A matemática neoplatônica Hipátia (370-415), nascida em Alexandria eestudiosa da obra de Ptolomeu e Euclides, também teve destaque na história como a primeira mulher matemática reconhecida. Alguns autores narram que ela concluiu seus estudos na Academia Neoplatônica e, logo após, foi convidada a lecionar em Alexandria, destacando-se por unir a matemática do algebrista Diofanto ao neoplatonismo de Amónio Sacas e Plotino, escrevendo um tratado sobre esse assunto. Entre suas contribuições para a Ciência estão o mapeamento dos corpos celestes e, talvez, a invenção do hidrômetro (Patai, 1994). Infelizmente, Hipátia foi assassinada por fanáticos religiosos, sob ordens do bispo de Alexandria. Na narrativa da Ciência do mundo antigo, ela aparece sozinha em um universo masculino e alguns cientistas demonstram que, após sua morte, houve uma lacuna de centenas de anos até que uma nova participação ativa de uma mulher na Ciência viesse a ocorrer.
Na Idade Média, o ocidente passou por grandes dificuldades na promoção intelectual, mas houve esforços na produção científica, como de Hildegard de Bingen (1098-1179), monja beneditina, filósofa e botânica, que possui diversos escritos nas áreas de medicina, botânica e história natural, sendo descrita como uma das primeiras mulheres a lutar pela visibilidade feminina no universo masculino. Seus trabalhos, que desenvolvia no hospital e na horta do convento, levaram à escrita de duas obras: o livro de ciências naturais “Physica” e o livro de medicina natural “Causae et Curae”, escritos por volta de 1151 e 1158, sendo referências até hoje na área de medicina natural (Pernoud, 1996). Naquele período, a educação ocorria principalmente em mosteiros, e o avanço na produção intelectual por mulheres não era bem aceito, tendo ocorrido reações das ordens religiosas, que acabaram por fechar o acesso das mulheres à educação, o que gerou novamente uma grande lacuna histórica na atuação feminina em prol da produção do conhecimento científico.
Com o surgimento das primeiras universidades, no início do século XI, a produção intelectual estava a todo vapor. Todavia, o acesso era negado às mulheres, o que não impediu o surgimento de destaques como Dorotea Bucca, médica italiana que ocupou uma cadeira na Universidade de Bolonha por mais de 40 anos, desde 1390 (Ignotofsky, 2017). Dentre os séculos XVI e XVII, apesar das restrições aos estudos, surgem alguns nomes importantes, como de Margaret L. Cavendish (1623-1673), cientista, filósofa e escritora britânica, que publicou, anonimamente, textos sobre estudos de gênero, educação, método científico, filosofia natural e os primórdios da ciência moderna, além de um romance de ficção científica, denominado “The Blazing Word”. Segundo Ignotofsky (2017), ela foi a primeira mulher a participar de uma reunião da Royal Society of London, em 1667 (instituição destinada à promoção do conhecimento científico), interagindo com cientistas como Thomas Hobbes, René Descartes e Robert Boyle. Todavia, apesar de suas contribuições, foi bastante menosprezada pela Royal Society, chegando a ser tachada de “louca” e banida da academia, a qual, posteriormente reconhecendo o erro, a incorporou na Sociedade, como membro, após 1945.
O período do iluminismo, no século XVII, trouxe abertura à atuação das mulheres na Ciência, como citado por Londa Schiebinger (2001):
Nos séculos XVII e XVIII, a Ciência era um empreendimento jovem, forjando novas instituições e normas. A exclusão de mulheres não era uma conclusão inevitável. Diversos acessos ao trabalho científico eram disponíveis às mulheres antes da formalização rigorosa da Ciência no século XIX (Schiebinger, 2001, p.64).
No início do século XVIII, a luta das mulheres por seus direitos começava a tomar forma: em 1792, as mulheres iniciam a luta pelo direito ao voto na Inglaterra, mesmo ano em que Mary Wollstonecraft escreveu “The Vindication of the Rights of Woman” (Reivindicação dos Direitos da Mulher), defendendo educação para que meninas pudessem aproveitar seu potencial e não apenas estudassem para se tornar modelos de “esposas ideias”. Mary deixou um grande legado na luta dos direitos das mulheres, sendo considerada, até hoje, uma das precursoras e fundadoras do feminismo na Europa. Mais para o final daquele século, segundo Donovan e Knight (1996), Marie-Anne Lavoisier colaborou com seu primeiro marido, Antoine Lavoisier, na ilustração e elaboração de relatórios científicos, além de participar de experimentos, sendo então considerada a pioneira da Química moderna.
É assim, por exemplo, que a demanda por educação tem por objetivo exclusivo permitir o livre desenvolvimento da mulher como ser racional, fortalecendo a virtude por meio do exercício da razão e tornando-a plenamente independente (Amaro; Durand, 2017, p.44).
Foi somente no final do século XIX que oportunidades mais concretas de acesso das mulheres à educação começaram a se consolidar; na Europa, surgiam as primeiras escolas direcionadas ao ensino para mulheres, com a primeira faculdade universitária feminina do Reino Unido, fundada em 1869. Naquele contexto, Mileva Maric (1875-1948), primeira esposa de Albert Einsten, era a única mulher da turma no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique; contudo, ela não conseguiu finalizar seus estudos, muito embora haja indícios de seu envolvimento com a Teoria da Relatividade, em cartas trocadas entre Albert e Mileva, corroborando a verdade histórica de que, por inúmeras vezes, as mulheres acabaram colocadas à sombra de grandes descobertas científicas (Braga; Guerra; Reis, 2010).
Naquela época, a química e física Marie Curie (1867-1934), polonesa de Varsóvia e francesa naturalizada, recebeu os prêmios Nobel de Física, em 1903, e Química, em 1911, pela descoberta do polônio e rádio e isolamento deste último, sendo até hoje a única pessoa detentora de ambos os prêmios. É inestimável a contribuição de Madame Curie para o desenvolvimento tecnológico da humanidade no século XX, sobretudo na área de radioisótopos aplicados à medicina, contudo, tal reconhecimento não foi fácil: o machismo e o sexismo da época levaram a academia a não aceitar sua indicação por duas vezes. No ano de 1909, Marie em princípio nem foi indicada, apenas o Pierre, mas devido aos reconhecimentos e incentivos de alguns pesquisadores, ela acabou sendo indicada. Entregou-se tão de corpo e alma à sua pesquisa científica que acabou falecendo de doenças relacionadas à exposição radioativa que sofrera durante uma vida de dedicação. Em 1935, sua filha, Irène Joliot-Curie (1897-1956), também foi laureada com o Prêmio Nobel de Química, por suas pesquisas em transmutação artificial de elementos químicos (Braga; Guerra; Reis, 2010).
De acordo com Mahaffey (2010), ainda no campo da pesquisa nuclear, a física austríaca Lise Meitner (1878-1968) obteve seu doutorado em 1906, pela Universidade de Viena, como a segunda mulher a se formar naquela instituição. Lise acabou indo para a Universidade de Berlim, onde concentrou seus estudos em radioatividade, juntamente com também físico Otto Hahn e, em 1907, frequentou cursos com o alemão Max Planck, importante estudioso da teoria atômica na época, considerado o “pai da mecânica quântica”. Quando Hahn foi laureado com o Prêmio Nobel, em 1944, Lise foi ignorada pelo comitê do Nobel, porque Hahn, além de não mencionar a participação de Lise nas pesquisas sobre fissão nuclear premiadas com o Nobel, também omitiu a grande contribuição dela para os resultados alcançados.
No começo do século XX, o número de mulheres na Ciência se tornava mais expressivo, impulsionado pela criação de faculdades femininas e acesso às novas universidades. Alice Ball (1892-1916) foi umas dessas mulheres desbravadoras. Formada em Química, iniciou seus estudos na Universidade de Washington e foi a primeira mulher afro-americana a receber o mestrado na Universidade do Havaí, por seus estudos sobre disseminação da hanseníase, uma vez que, naquela época, não havia tratamento eficaz e a única alternativa era o isolamento dos pacientes, então estigmatizados como “leprosos”. Alice desenvolveu um tratamento único para a hanseníase: isolar ésteres etílicos de ácidos graxos do óleo de chaulmoogra (uma planta asiática) e injetá-los, tratamento que foi denominado “método de Ball”, bastanteusado até os anos 1940, quando, principalmente por causa da guerra, eclodiu o interesse pela produção de antibióticos em grande escala. Alice morreu aos 24 anos, antes de publicar os resultados de suas pesquisas e, somente no ano 2000, a Universidade do Havaí reconheceu seu trabalho, dedicando a data de 29 de fevereiro em sua homenagem e criando uma medalha de distinção com seu nome(Doolittle, 1945; Melo; Rodrigues, 2006).
Maud Menten (1879-1960), médica canadense, foi uma das primeiras mulheres a receber o doutorado em seu país. Destacou-se por seus estudos com enzimas, sobretudo em cinética enzimática, sendo bastante conhecida pela equação de Michaelis-Menten, que descreve um modelo para o comportamento cinético de enzimas, ensinado até hoje nas disciplinas de Bioquímica. Maud também trabalhou em pesquisas importantes nas áreas de toxicologia e oncologia (Braga; Guerra; Reis, 2010).
Outra cientista de destaque, injustiçada na História da Ciência, foi Rosalind Franklin (1920-1958), química britânica, cujos trabalhos na obtenção de imagens de difração de raios-X foram fundamentais para o artigo que rendeu o Prêmio Nobel de Medicina, em 1962, a Watson, Crick e Wilkins. Foram as imagens obtidas por Rosalind e seus então orientandos, como Raymond Gosling (estudante de doutorado que tirou a famosa Foto 51), provas cabais à teoria da dupla hélice do DNA. Todavia, Rosalind jamais recebeu, em vida, o devido reconhecimento por sua inestimável contribuição (Braga; Guerra; Reis, 2010).
Inúmeras mulheres lutaram por igualdade em seus postos de trabalho, dentre as quais destaca-se a norte-americana Katherine Johnson (1918-2020), física, matemática e cientista espacial, que se formou aos 18 anos. Com a grande depressão, que afetava os Estados Unidos, ela lecionou na escola secundária em 1950 e candidatou-se a uma vaga na NASA para trabalhar como “computadora”, como então eram chamadas as pessoas que realizavam cálculos complexos. Naqueletempo, a forte segregação racial nos Estados Unidos proibia até mesmo que negros usassem o mesmo banheiro dos brancos e Katherine, junto com as demais mulheres negras que trabalhavam em uma ala segregada da NASA, sofreram muito com o menosprezo racial, mas foram protagonistas no sucesso do programa espacial norte-americano, em plena guerra fria, quando os soviéticos haviam saído na frente. Katherine analisou dados de testes de voo, calculou trajetórias, janelas de lançamento e caminhos para retorno de voos espaciais, dentre os quais, a missão Freedom 7. À época, outrascolegas suas também se destacaramna NASA, como Dorothy Vaughan (1910-2008), primeira mulher negra promovida a chefe de departamento na Agência, e Mary Jackson (1921-2005), que conseguiu chegar ao posto de engenheira de voo, tendo que pedir autorização judicial para poder frequentar cursos destinados exclusivamente a homens brancos.
O filme Hidden Figures (Estrelas Além do Tempo, no Brasil) conta a história dessas heroínas, cujos trabalhos foram essenciais para que os Estados Unidos pudessem virar o jogo na corrida espacial, levando astronautas à Lua antes do final da década de 1960. Naciência espacial, também não podemos nos esquecer de Henrietta Leavitt (1868-1921), astrônoma norte-americana, cujos estudos relacionados aos padrões de período-luminosidade de estrelas variáveis, denominadas “cefeidas”, permitiu estimar distâncias interestelares, sendo utilizados por Edwin Hubble para o cálculo de distâncias intergalácticas. Graças aos estudos de Henrietta, foi possível enxergar o universo de modo verdadeiramente tridimensional (Willset al., 2023).
Sal Lan Wu (1940), nascida em Hong Kong, candidatou-se a universidades nos Estados Unidos, contra a vontade do pai, optando por estudar no Vassar College; posteriormente, foi aceita em Harvard, no mestrado em Física, tendo sido a única mulher admitida naquele ano em sua área, instituição na qual também obteve seu doutorado, em 1970. Em 1964, o físico Peter Higgs havia previsto que a massa das partículas elementares dependia de uma partícula subatômica, posteriormente denominada bóson de Higgs e também apelidada de “a partícula de Deus”. Wu liderou uma das equipes que, em 2012, anunciaram a descoberta do bóson de Higgs, a partir de experimentos no Grande Colisor de Hádrons (LHC); por mais de 50 anos, essa era a peça que faltava para completar o modelo padrão atual de partículas (Braga; Guerra; Reis, 2010).
Segundo Tosi (1998), a Ciência é parte integrante de uma construção histórica e social, como preconizado por Michel Foucault: “a Ciência é tomada como uma prática que regulamenta códigos, normas, regras, saberes e verdades”, assim, ela é permeada por um contexto cultural, social e histórico, que se mescla com outros fatos que acontecem durante a construção da história. Por isso, as lutas das mulheres, seja por direitos civis, seja por uma maior participação na Ciência se fundem, perdurando e repercutindo até a atualidade.
O amor ao estudo encerra uma paixão da qual uma alma nobre jamais se isenta: a da glória; para a metade da humanidade não existe senão essa maneira de adquiri-la e, justamente, é dessa metade que a educação retira os meios necessários (para este fim), privando-a desse gosto. As mulheres estão excluídas, pela sua condição, de qualquer espécie de glória; quando, por acaso nasce uma com uma alma suficientemente elevada, não lhe resta senão o estudo para consolá-la de todas as exclusões e de todas as dependências às quais está condenada (Tosi, 1998, p. 392).
O acesso das mulheres à educação no Brasil teve início em 1827, com a primeira lei sobre a educação para as mulheres, porém, restringindo o ingresso somente para as escolas elementares, sendo que o direito a estudos mais avançados só foi conquistado em 1879.
Entre as brasileiras pioneiras, Bertha Lutz (1894-1976) contribuiu para numerosas conquistas das mulheres cientistas no Brasil. Bióloga e ativista feminista, reconhecida como líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. Em 1918, Bertha graduou-se em Ciências Naturais na Universidade Sorbonne (Paris), época em que teve contato com o movimento feminista inglês, trazendo suas ideias progressistas para o Brasil. Em sua carreira de cientista, Bertha atuou como docente e pesquisadora do Museu nacional, no Rio de Janeiro, havendo inclusive duas espécies de lagartos brasileiros nomeadas em sua homenagem:Liolaemus lutzae e Phyllopezus lutzae; dentre seus trabalhos científicos, um dos mais importantes foi “Estudos sobre a Biologia Floral da Mangífera Índica”. Faleceu em 1976, mas sua história e legado de luta pelos direitos femininos ecoam até hoje (Lopes; Sousa; Sombrio, 2004). Cordeiro e Sepel (2022), ilustraram seus feitos, através do teatro de fantoches, para divulgação da cientista nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Outra pioneira das ciências exatas no Brasil foi Blanka Wladislaw (1917-2012), que nasceu na Polônia, mas veio morar em São Paulo com 14 anos de idade. Blanka graduou-se em 1941, no curso de Química, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1948, iniciou o doutorado, tornando-se assistente do professor Heinrich Hauptmann, no Departamento de Química da USP. Em 1949, defendeu sua tese sobre novas reações na área de compostos de enxofre, tornando-se professora na USP em 1953 e realizando pós-doutorado no Imperial College London. Recebeu o prêmio Rheinboldt-Hauptmann e seus trabalhos publicados possibilitaram que ela se tornasse membro do corpo editorial das revistas Arkivoc (Arat, U.S.A Foundation) e Phosphurus, Sulfur and Silicon and The Related Elements. Aposentou-se em 1987, mas continuou coordenando o Laboratório de Sínteses Orgânicas da USP, tendo falecido em 2012 (Melo; Rodrigues, 2006).
No campo da Física, destacaram-se Elisa Frota-Pessoa (1921-2018) e Sonja Ashauer (1923-1948), além de Yolande Monteux (1910-1998), que foi a primeira mulher a se formar em Física no Brasil, em 1937, na USP. Elisa, ainda cursando o ginásio, entusiasmou-se pelas aulas de Ciências e pretendia cursar engenharia, em uma época em que mulheres sequer eram admitidas nesse curso. Prestou exame para a Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil (embrião da UFRJ), completando a graduação em 1942, quando tornou-se a segunda mulher a graduar-se em Física no Brasil, junto com Sonja. Antes mesmo de terminar a graduação, foi contratada para lecionar na FNFi, em 1944, e foi também uma grande lutadora pelas causas femininas (Dantes, 2005). Suas contribuições são incontáveis, dentre as quais a introdução da técnica de emulsões nucleares no Brasil, com aplicações nas mais diversas áreas científicas e tecnológicas, tendo ela publicado o único trabalho brasileiro selecionado para apresentação na Conferência Internacional de Átomos para a Paz, realizada na Suíça, em 1955. Seu trabalho sobre a não assimetria do decaimento Píon-Múon encerrou uma disputa sobre o spin do méson π, gerando diversas publicações no Brasil e no exterior.
Sonja, por sua vez, destaca-se como a primeira brasileira a obter o doutorado em Física, tendo sido assistente direta de Gleb Wataghin nas cadeiras de Física Teórica e Física Matemática. Trabalhou por 3 anos na prestigiosa Universidade de Cambridge, sob orientação de Paul Dirac, ganhador do Prêmio Nobel, onde defendeu sua tese de doutorado, intitulada: “Problems on electrons and electromagnetic radiation”. Infelizmente, faleceu prematuramente, aos 25 anos de idade, deixando um inestimável legado.
Elza Furtado Gomide (1925-2013) concluiu o Bacharelado em Física em 1944, época em que descobriu sua grande paixão pela Matemática, sendo a primeira a completar o doutorado nessa área em uma instituição brasileira, defendendo sua tese sobre o Teorema de Artin-Weil, em 1950 (Gutierre, 2021).
Em todo o século XX, somente 3 mulheres receberamo Prêmio Nobel de Química: Marie Curie (1911), Irène Joliot-Curie (1935) e Dorothy Hodgkin (1964). Neste século, até 2023, já foram 5: Ada Yonath, em 2009, Frances Arnold em 2018; em 2020, Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna foram as primeiras mulheres na história a dividir um Prêmio Nobel de Química e, em 2022, Caroly Bertozzi foi laureada.
Na Física, somente 3 mulheres foram laureadas até 2023: Donna Strickland, em 2018, Andrea Ghez, em 2020, e Anne L´Huillier, em 2023. Destaca-se ainda que, antes de 2018, somente Marie Curie, em 1903, e Maria Goeppert-Mayer, em 1963, haviam recebido o Nobel de Física, ou seja, 55 anos sem uma mulher entre os vencedores do Nobel de Física. Na Química, houve uma lacuna de 45 anos, de Dorothy Hodgkin (1964) a Ada Yonath (2009).
Já no campo da Matemática, tomando como referência a Medalha Fields, que é entregue quadrienalmente desde 1936, foi somente em 2014 que a iraniana Maryam Mirzakhani se tornou a primeira mulher a receber esse prêmio e, em 2022, a ucraniana Maryna Viazovska também conquistou tal feito.
Em toda a história, apenas 3 mulheres receberam o Nobel de Economia: Elinor Ostrom, em 2009, Esther Duflo, em 2019, e Claudia Goldin, em 2023. Na Medicina, foram apenas 12 laureadas: Gerty Cori (1947), Rosalyn Yalow (1977), Barbara McClintock (1983), Rita Levi-Montalcini (1986), Gertrude Elion (1988), Christiane Nüsslein-Volhard (1995), Linda Buck (2004), Françoise Barré-Sinoussi (2008), Elizabeth Blackburn e Carol Greider (2009), May Britt-Moser (2014) e Tu Youyou (2015).
Como se constata, embora a inserção das mulheres no campo científico tenha avançado bastante (Amaral; Rotta, 2022), ainda há muito a evoluir, “pois a ciência moderna é um produto de anos de exclusão, de modo que o processo de trazer as mulheres para a ciência sempre exigiu e vai continuar exigindo profundas mudanças estruturais na cultura” (Schienbiger, 2001, p. 37).
A mudança terá que ocorrer em muitas áreas, simultaneamente, incluindo concepções de conhecimento e prioridades de pesquisa, relações domésticas, atitudes nas pré-escolas e nas escolas, estruturas nas universidades, práticas nas salas de aula, a relação entre vida doméstica e as profissões, a relação entre nossa cultura e outras (Schienbiger, 2001, p. 351).
Esforços para que a visibilidade das mulheres na História da Ciência chegue a todos os âmbitos são muito importantes, a fim de desconstruir anos de invisibilidade historiográfica sobre o papel crucial das mulheres cientistas e também enterrar quaisquer preconceitos sobre “predisposição de gênero”, que foram sustentados por séculos. Chassot (2013) propõe uma reflexão sobre essa conjuntura:
Se nos afiliarmos como históricos e pudermos entender que essas concepções de uma ciência masculina se deram, e ainda se dão, como resultado de uma história humanamente construída, logo falível, hoje nós estaremos sendo agentes dessa construção e temos possibilidade de fazer modificações (Chassot, 2013, p. 113).
Com base no exposto, o objetivo deste trabalho foi trazer uma breve retrospectiva histórica e levar à sala de aula o tema “Mulheres na Ciência”, a fim de avaliar a visibilidade da presença feminina na História da Ciência e verificar como as disciplinas de Ciências e o ambiente escolar são importantes para ampliar a divulgação da presença das mulheresnas mais diversas áreas científicas e tecnológicas.
METODOLOGIA
A atividade foi desenvolvida em uma Escola da Rede Estadual de São Paulo e envolveu 32 estudantes do terceiro ano do Ensino Médio. O levantamento de dados ocorreu em duas etapas: primeiro, por meio de um questionário, a fim de avaliar conhecimentos prévios das/os alunas/os sobre mulheres importantes na Ciência. O questionário continha 4 perguntas, sendo 3 dissertativas (resposta livre) e 1 de múltipla escolha. Todos os questionários foram aplicados de modo a garantir o anonimato nas respostas. Posteriormente, elaborou-se o conteúdo para a pesquisa estruturada, livre de tendências indicativas, sem interferência de sugestividade, a partir de um disco com 4 nomes de cientistas e 4 nomes de mulheres conhecidas em diversas áreas (Figura 2), conforme as propostas descritas por Neto (2022).

Fonte:Autoria própria, 2024.
Figura 2 –Disco utilizado para a pesquisa estruturada.
Uma segunda intervenção foi realizada após uma apresentação sobre o tema, expondo às/aos estudantes como as mulheres sempre estiveram inseridas no campo da Ciência, assim comosuas contribuições para a comunidade científica e para a sociedade. Foram citados exemplos, como Marie Curie, Mileva M. Einstein, Maria, a Judia, Marie-Anne Lavoisier e Frances Arnold. Ao final, foi aberto espaço para dúvidas e questionamentos e, em seguida, foi entregue o segundo questionário, com 3 perguntas dissertativas para avaliar como o tema foi abordado e promover a reflexão sobre a necessidade da contextualização histórica. A análise da aplicação, baseada na abordagem qualitativa, fundamentou-se na descrição, observação e interpretação, seguindo as orientações propostas por Bogdan e Biklen (2000).Durante todo o desenvolvimentoda atividade, os comportamentos e diálogos foram registrados em diário de campo e gravados em áudio. Toda a pesquisa no ambiente escolar teve a devida autorização do representante legal da escola e aplicada pelo docente de Química. A metodologia para levantamento de dados foi realizada com esclarecimento e acompanhamento da coordenação em sala de aula, respeitando-se todos os princípios éticos, bem como o anonimato das/os alunas/os, por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O primeiro questionário foi aplicado com intuito de verificar o conhecimento prévio das/osestudantes sobre o tema “mulheres na Ciência”. Para a questão (1): “De quais cientistas (homem ou mulher) você se lembra? Cite o(s) nome(s).”, o resultado apresentado (Figura 3) demonstra que 52% das/osestudantes citaram apenas nomes de cientistas homens, sendo que o nome mais citado foi de Albert Einstein, prefigurando, assim, uma tendência que se nota com relação aos estereótipos na Ciência. Por meio dos levantamentos bibliográficos realizados, percebe-se que a Ciência é geralmente associada a homens, brancos e ocidentais, fato que nos leva a constatar que, apesar dos esforços, ainda é necessário retificar tal tendência etnocêntrica da Ciência, uma vez que “...a ciência é uma construção social, cultural e histórica” (Wortmann; Veiga-Neto, 2001).

Fonte:Autoria própria, 2024.
Figura 3 –Resultados para a Questão (1) do primeiro questionário: “De quais cientistas (homem ou mulher) você se lembra? Cite o(s) nome(s)”.
Na questão (2): “Em sala de aula, já foi citada alguma mulher cientista e sua descoberta?”, era necessário responder apenas “sim” ou “não” e, na questão (3), complementa-se com: “Se sim, você se recorda do(s) nome(s) e qual área de estudo?”.Os dados levantados demonstraram que 63% das/osestudantes consideraram não ter havido qualquer citação de nomes de mulheres cientistas durante os conteúdos abordados em sala de aula, reiterando as constatações relacionadas à Questão (1) e deixando clara essa lacuna durante as discussões em sala de aula, sobretudo no âmbito das disciplinas de Ciências.
Tais observações reforçam que é preciso oferecer às/aos estudantes mais que conceitos “enlatados”, ou “pré-fabricados”: somente a inserção de pedaços da História da Ciência em livros e apostilas didáticas não é suficiente para que os alunos estabeleçam correlações e reconheçam a grande importância das mulheres para o desenvolvimento das Ciências. Paralelamente aos conceitos científicos, vemos que é imprescindível trabalhar a evolução histórica das Ciências, destacando às/aos alunas/os o protagonismo feminino e citando os nomes dessas cientistas tão importantes, de forma contextualizada com a evolução científica que elas protagonizaram. Para tanto, tornam-se cruciais tanto a formação como o esforço dos docentes no sentido de inserir, de modo mais coerente e contextualizado, a evolução da História da Ciência nas suas práticas pedagógicas. A questão (3) pedia que a/oestudante mencionasse o(s) nome(s) da(s) cientista(s) citadas em sala de aula e/ou a área de estudo em que atuaram; 37% responderam “sim” à questão (2), dos quaisapenas 9,4% conseguiram se lembrar do nome da cientista.Tal resultado reitera que a Ciência não pode ser abordada apenas como um conjunto de conhecimentos desconectados, por meio de cronogramas e recursos engessados, com conceitos prontos e “enlatados”, como é o caso da maioria dos cursos apostilados, mas sim por meio de uma construção histórica e contextual, que permita aos alunos uma aprendizagem significativa da evolução das descobertas científicas, reconhecendo as cientistas que foram importantes em cada época.
Na questão (4): Você acredita que o tema “Mulheres na Ciência” é debatido em sala de aula? Justifique, 77% consideraram que o tema não é discutido em sala, fato que reitera o pouco destaque dado ao tema, conforme se observa nos relatos:
Não foi debatido, em meus anos de estudos; nenhuma vez teve nenhum debate a respeito, pois os professores focam em outros assuntos, porém, deveria, pois as mulheres também fizeram grandes descobertas na ciência e não têm seu devido reconhecimento. Aluno BBR
Sim. Mas deveria ter com mais frequência debates e citações do assunto. Aluna ARTG
Sim. É debatido, mais algo que poucos falam e conhecem sobre o assunto. Aluna RRD
Não, pois é dado bem mais valor a cientistas homens. Aluno ACD
Não, pois, a meu ver, os professores não se interessam pelo tema. Aluna CCRES
Mesmo quando as/os estudantes relataram já terem ouvido algo sobre alguma cientista, deixaram claro que a abordagem havia sido superficial, demonstrando que a relação entre mulheres e Ciência é pouco difundida e discutida no ambiente escolar, sem uma abordagem contextual histórica.
Para Gil (2001), a Ciência transmite uma imagem descontextualizada e socialmente neutra, proporcionando uma imagem deformada do ser cientista, assim como foi possível observar nas interpretações dos resultados para as questões discursivas.
Na aplicação da pesquisa estruturada, livre de tendências indicativas, sem interferências de sugestividade, construiu-se um disco com 4 nomes de mulheres cientistas e 4 mulheres de destaque em outras áreas, obtendo-se os resultados apresentados na Figura 4.

Fonte:Autoria própria, 2024.
Figura 4 –Resultado da pesquisa estruturada.
A atividade com o disco permitiu que as/os estudantes identificassem os nomes sem interferência de qualquer tendência, como poderia ocorrer em um sistema sequenciado. Com os nomes das mulheres distribuídos aleatoriamente, em espaços de mesmo tamanho e com os nomes escritos da mesma forma, buscou-se evitar qualquer tipo de associação prévia, a fim de que as respostas fossem espontâneas. Os nomes das cientistas distribuídos no disco foram: Marie Curie, Mileva Maric Einsten, Marie-Anne Paulze Lavosier e Frances Arnold; os nomes das outras mulheres de destaque foram escolhidos pela relevância e notoriedade em diversos campos. O resultado obtido demonstrou que a maioria (51%) não reconheceu nenhum nome no disco, enquanto que 25% citaram nomes de mulheres que não atuam no campo científico. Dentre os apenas 24% que reconheceram uma das cientistas no disco, o nome mais citado foi o de Marie Curie, corroborando Chassot (2013), que considera Marie Curie uma “estrela solitária” no reconhecimento científico das mulheres. Como vemos, o Ensino de Ciências ainda ocorre de modo bastante distante da contextualização histórica necessária para que as/os estudantes possam realmente compreender a genialidade e o esforço dessas mulheres que dedicaram a vida para que seus espaços fossem respeitados. Infelizmente, a maioria delas não teve o devido reconhecimento pelo legado inestimável que deixaram para a História da Humanidade, submetendo-se, muitas vezes, a condições insalubres e humilhações para que pudessem realizar seus sonhos e nos agraciar com suas importantes descobertas.
Em uma nova intervenção na mesma sala de aula, realizou-se uma exposição temática sobre as mulheres na ciência ao longo do tempo, destacando os nomes inseridos no disco, contando a história delas e de suas relaçõese demonstrando a luta constante em ambientes machistas, muitas vezes com recursos de trabalho insuficientes e sem o devido reconhecimento. É importante que as/os educandas/os enxerguem que as mulheres cientistas estão presentes em toda linha do tempo, multiplicando a divulgação dos importantes feitos que elas realizaram ao longo da história.
Finalmente, aplicou-se o questionário 2, com objetivo de avaliar a percepção das/os estudantes sobre a atividade. A questão (1) solicitava uma opinião sobre a proposta temática:
Muito interessante, em poucas palavras, descobri assuntos que não imaginava e é algo que realmente deve ser notado. Aluna BGT
Achei boa, porém, não é para mim. Aluno AAMG
Uma proposta diferente, que raramente é abordada. Aluno BAS
Na questão (2), por sua vez, alunas e alunos puderam comentar sua impressão sobre a atividade:
É muito bom este tema ser abordado nas salas de aula. Aluna AFR
É importante ser falado sobre o assunto, dentro da sala de aula. É necessário conhecer a história da ciência. Aluno RERR
Minha impressão foi de que o tema foi bem abordado e interessante; fiquei mais interessado em saber sobre o assunto. Aluno THY
Inusitado, pois quem não tem muito acesso às descobertas e criações das mulheres já fica por dentro. Aluna AAB
A questão (3) permitia que as/os alunas/os colocassem o que mais achavam que poderia ser debatido:
Mais tempo para abordar o tema e fazer perguntas para memorizar o assunto. Aluno TFR
A dificuldade dos cientistas no início do século. Aluna AAB
Os novos espaços no mercado de trabalho. Aluna DRR
Toda a pesquisa reitera, como citado por Chassot (2013), que é sempre atual a necessidade de usarmos nossas falas para disseminar a ideia da Ciência não somentemasculina. Assim, a discussão ciência/gênero se torna necessária e frutífera em todos os aspectos, de modo que, impulsionar o pensamento crítico nas bases da Educação é crucial para que mudanças de paradigma aconteçam, permitindo que uma educação científica inclusiva e de qualidade chegue a todos, a fim de erradicar o analfabetismo científico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A visibilidade das mulheres no meio científico ainda é muito precária na sociedade e, consequentemente, no ambiente escolar, e os resultados encontrados nesta pesquisa corroboram tal fato. É importante que as/os docentes recebamuma formação adequada, que lhes permita abordar o Ensino de Ciências na Educação Básica sob perspectivas contextuais, históricas, culturais e sociais, a fim de reconhecer e divulgar as importantesconquistas das mulheres nos mais diversos campos das Ciências, considerando as inúmeras dificuldades que elas enfrentarame ainda enfrentam. Tendo em vista as limitações programáticas inerentes à realidade escolar, atividades temáticas que sirvam de suporte para suprir essa importante lacuna na alfabetização científica são promissoras,no sentido de amenizar a enorme dívida histórica relacionada à falta de reconhecimento do papel crucial que as mulheres cientistas sempre exerceram ao longo da história.
Recebido em: 14/07/2023
Aceito em: 27/12/2024
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