Uma sequência didática para ensino de Botânica estruturada em uma perspectiva histórico-cultural e em documentos curriculares

A didactic sequence for teaching Botany structured in a historical-cultural perspective and in curriculum documents

Una secuencia didáctica para la enseñanza de Botánica estructurada desde una perspectiva histórico-cultural y en documentos curriculares

 

 

Mauricio Gonzalez Bisneto (mauricio.gonzalez@ufms.br)

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil

https://orcid.org/0009-0007-2767-0433

 

Fernanda Zandonadi Ramos (fernanda.zandonadi@ufms.br)

Universidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-0157-8926

 

 

Resumo

Diante das habilidades e objetos de conhecimentos que podem ser aplicados às turmas do primeiro ano do Ensino Médio, como descrito na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e no Currículo de Referência de Mato Grosso do Sul - Etapa Ensino Médio (CRMSEM), o estudo tem como objetivo propor uma sequência didática (SD) fundamentada em uma perspectiva Histórico-Cultural do Desenvolvimento Humano para o desenvolvimento socialmente mediado de conhecimentos relacionados à Botânica.  A SD aqui proposta se constitui em três etapas: I- Identificação dos conhecimentos já apropriados pelos alunos; II- Sistematização do conhecimento científico; e III- Identificação do desenvolvimento conceitual. Destacamos que, pelo referencial teórico que a sustenta, a SD pode trazer contribuições significativas para o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos relacionados à Botânica, como Sistemática, Morfologia, Fisiologia, Ecologia e Anatomia Vegetal, ao passo que as atividades propostas buscam valorizar os conhecimentos apropriados pelos alunos e os articular com os científicos utilizando representações, signos e a cultura no desenvolvimento conceitual, assim como visam trabalhar as habilidades e objetos de conhecimento especificados pela BNCC e no CRMSEM. Ressaltamos que a proposta em questão pode ser adaptada para se adequar a diferentes contextos educacionais e níveis de ensino, incluindo o ensino fundamental.

 

Palavras-chave: Novo Ensino Médio; Vigotski; Desenvolvimento Conceitual.

 

Abstract

In the face of the skills and bodies of knowledge that can be applied to the first-year High School classes, as described in the National Common Curricular Base (BNCC) and the Curriculum Reference of Mato Grosso do Sul - High School Stage (CRMSEM), this study aims to propose a didactic sequence (SD) based on a Historical-Cultural perspective of Human Development for the socially mediated development of knowledge related to Botany. The proposed SD consists of three stages: I- Identification of knowledge already appropriated by students; II- Systematization of scientific knowledge; and III- Identification of conceptual development. It is emphasized that, based on the theoretical framework that supports it, the SD can bring significant contributions to the teaching and learning process of content related to Botany, such as Systematics, Morphology, Physiology, Ecology, and Plant Anatomy, while the proposed activities seek to value the knowledge appropriated by students and articulate it with scientific knowledge using representations, signs, and culture in conceptual development, as well as aiming to work on the skills and bodies of knowledge specified by the BNCC and CRMSEM. We emphasize that the proposed approach can be adapted to fit different educational contexts and levels, including elementary education.

Keywords: New High School; Vygotsky; Conceptual Development.

 

Resumen

Frente a las habilidades y objetos de conocimiento que pueden aplicarse a las clases del primer año de Educación Secundaria, según se describe en la Base Nacional Común Curricular (BNCC) y en el Currículo de Referencia de Mato Grosso do Sul - Etapa de Educación Secundaria (CRMSEM), este estudio tiene como objetivo proponer una secuencia didáctica (SD) fundamentada en una perspectiva Histórico-Cultural del Desarrollo Humano para el desarrollo socialmente mediado de conocimientos relacionados con la Botánica. La SD propuesta consta de tres etapas: I- Identificación de los conocimientos ya apropiados por los alumnos; II- Sistematización del conocimiento científico; y III- Identificación del desarrollo conceptual. Se destaca que, según el marco teórico que la respalda, la SD puede aportar contribuciones significativas al proceso de enseñanza y aprendizaje de contenidos relacionados con la Botánica, como Sistemática, Morfología, Fisiología, Ecología y Anatomía Vegetal, mientras que las actividades propuestas buscan valorar los conocimientos apropiados por los alumnos y articularlos con los conocimientos científicos mediante representaciones, signos y la cultura en el desarrollo conceptual, así como buscar trabajar las habilidades y objetos de conocimiento especificados por la BNCC y CRMSEM. Se resalta que la propuesta en cuestión puede adaptarse para ajustarse a diferentes contextos educativos y niveles de enseñanza, incluido el nivel de educación primaria.

 

Palabras-clave: Nueva Educación Secundária; Vygotski; Desarrollo Conceptual.

 

 

INTRODUÇÃO

Nesse trabalho, propomos uma Sequência Didática (SD) fundamentada em uma perspectiva Histórico Cultural do Desenvolvimento Humano, com base na teoria de Vigotski (2009), para o desenvolvimento socialmente mediado de conhecimentos relacionados à Botânica, considerando habilidades e objetos de conhecimentos descritos na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Currículo de Referência de Mato Grosso do Sul- Etapa Ensino Médio (CRMSEM). 

Com relação aos conteúdos da proposta, justificamos pela abordagem insuficiente dada na BNCC aos conteúdos relacionados à Botânica, que pode ter colaborado para que o Referencial Curricular de Mato Grosso do Sul também tenha enveredado numa trajetória de invisibilização quanto à Botânica já que ela serviu como documento base normativo para a elaboração deste referencial estadual, como apontado:

[...] o Currículo de Referência do Ensino Médio de Mato Grosso do Sul, pressupondo sobremaneira o conjunto de princípios e procedimentos delineados na LDB/1996, na DCNEM/2018 e na BNCC/2018, reflete o trabalho de conceber, estruturar e implementar o compromisso inalienável da Rede Estadual de Ensino, das escolas e dos professores em relação às aprendizagens essenciais e à educação integral dos estudantes. (Mato Grosso do Sul, 2021, p. 16-17).

Entendemos que o ensino de Botânica pode ter um papel essencial para a compreensão do mundo natural e na percepção do impacto que a atividade humana tem sobre ele. Enfatizamos que ao analisar os documentos normativos supracitados, por meio do mecanismo de busca e localização (Ctrl + F) e revisão manual, verificamos que em nenhum momento as palavras “Botânica”, “Biologia vegetal”, “planta/plantas” e “vegetal/vegetais” são mencionadas no documento que trata do ensino de Ciências Naturais e suas tecnologias para o Ensino Médio, o que nos aponta para um possível descaso com a temática em epígrafe. Uma questão preocupante, pois no contexto global nosso país é superpotência em termos de biodiversidade e cobertura vegetal.

Todavia, ao avaliarmos as diferentes habilidades propostas na BNCC, identificamos que algumas delas podem ser trabalhadas considerando o conhecimento botânico. Nesta perspectiva, a SD proposta neste trabalho irá apresentar atividades que visem alcançar as habilidades e objetos de conhecimento que possam ser trabalhados com os conteúdos relacionados à Botânica, mesmo que estes não estejam especificados nelas.

Vale ressaltar que a representação deficitária dos conteúdos de Botânica pode estar relacionada a um fenômeno mais amplo, denominado como "cegueira botânica", pelos autores Wandersee e Schussler (2001). Segundo eles, a cegueira botânica descreve a perspectiva limitada que a humanidade tem em relação às plantas. Trata-se de uma distorção perceptiva em que o sujeito não consegue observar e reconhecer a diversidade vegetal do nosso planeta, devido à supervalorização dada aos animais em detrimento das plantas.

Pesquisando sobre a mesma temática, quase duas décadas depois, Parsley (2020) propôs o termo “Plant Awareness Disparity (PAD)”, que pode ser traduzido livremente como "disparidade na consciência sobre as plantas", como uma alternativa ao termo "cegueira botânica". O autor acredita que essa expressão pode ser mais inclusiva do que a metáfora anterior, que é considerada capacitista nos dias de hoje.

Com relação à perspectiva teórica que fundamenta nossa proposta, destacamos que para Vigotski (2007) um dos fatores que contribui para o desenvolvimento conceitual é a correlação entre os conhecimentos escolares e cotidianos na mediação pedagógica. Assim, destacamos a necessidade dos alunos aprenderem os conteúdos de Botânica de forma sistematizada e contextualizada. Neste contexto, podemos destacar o conceito de Zona de Desenvolvimento Imediato (ZDI[1]) - ou, como parte dos autores preferem denominar, Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) - , defendido por Vigostki (2009), que é a distância entre a Zona de Desenvolvimento Real (ZDR), determinado pela solução independente de um problema, e a Zona de Desenvolvimento Potencial (ZDP) determinada pela solução de um problema sob orientação e/ou em colaboração com outra pessoa capaz de resolver esse problema (Vigotski, 2009).

Nesta perspectiva, pretendemos fornecer aos professores uma proposta didática para que os conteúdos relacionados à Botânica possam ser trabalhados em nível médio de ensino, respeitando a ZDI dos alunos, os documentos normativos curriculares (BNCC e RCMS-EM) e, ainda, fornecendo aos alunos uma experiência de aprendizagem com formação de significados e, consequentemente, o desenvolvimento conceitual ao articular os conhecimentos já apropriados pelos alunos aos científicos. A seguir, apresentamos a SD e os caminhos a serem percorridos para seu desenvolvimento.

CAMINHOS A SEREM PERCORRIDOS

A Sequência Didática que propomos neste trabalho, em consonância com as orientações dos documentos normativos (BNCC e RCMSEM), pode ser desenvolvida em turmas do primeiro ano do Ensino Médio, uma vez que as competências, habilidades e objetos de conhecimento propostos na SD, que podem estar relacionadas aos conteúdos da área de Botânica, tem potencialidades para serem trabalhadas com tais turmas.

Para esta pesquisa adaptamos a sequência de atividades proposta por Ramos e Silva (2013), fundamentada na perspectiva Histórico Cultural do Desenvolvimento Humano, a partir das ideias de Vigotski[2] (2009). Assim, a metodologia e materiais utilizados para o desenvolvimento e avaliação da Sequência Didática (SD) deste estudo se constitui em três etapas: I- Identificação dos conhecimentos já apropriados pelos alunos; II- Sistematização do conhecimento científico; e III- Identificação do desenvolvimento conceitual. As atividades, objetivos e fundamentação teórica de cada etapa estão descritas no subitem 2.1- a seguir.

Para o registro das atividades, expressões não verbais e conhecimentos apresentados pelos alunos no desenvolvimento das atividades aqui propostas, sugerimos que o professor utilize um diário de bordo. Neste link <http://bit.ly/modelo-de-diario-de-bordo> propomos um modelo de como o diário pode ser realizado/desenvolvido.

Alves (2001) define o diário de bordo como uma ferramenta que pode ser utilizada para a realização de coleta de dados biográficos e explora a ideia de diário como uma possibilidade de que este colabore para que o professor se desenvolva como profissional e que nele tenha um aliado para melhor compreender as problemáticas de sala de aula. Ademais, a escrita sobre o que ocorre durante as aulas contribui para uma formação docente mais crítica e faz com que aspectos do ato pedagógico possam ser evidenciados (Alarcão, 2003; Martin E Porlán, 2004; Zabalza, 1994).

Portanto, sugerimos a utilização do diário de bordo como uma forma de registro escrito ou digital que pode constituir uma ferramenta pedagógica que permite ao professor realizar seus relatos e, com base neles, refletir sobre os processos de ensino e aprendizagem.

A seguir, apresentamos as atividades e fundamentação teórica de cada uma das etapas da Sequência Didática.

 

SEQUÊNCIA DIDÁTICA

ETAPA I: IDENTIFICAÇÃO DOS CONHECIMENTOS JÁ APROPRIADOS PELOS ALUNOS

As atividades elaboradas para a etapa I, com duração estimada de 1 hora/aula, têm como objetivo a identificação dos conhecimentos espontâneos e/ou cotidianos dos alunos sobre os objetos de conhecimento que podem ser vinculados aos conteúdos de Botânica e, consequentemente, investigar a possível conjuntura de cegueira botânica, isto é, a impercepção sobre as plantas no que se refere, por exemplo, a sua riqueza e abundância no ambiente.

Para esta etapa, propomos ao professor que oriente, subsequentemente, o desenvolvimento de três atividades: (1) realização do desenho de uma paisagem; (2) descrição do que foi desenhado; e (3) discussões de situações problemas. Posteriormente, sugerimos que o professor oriente o desenvolvimento de uma atividade extraclasse, a leitura de um poema intitulado “Nem todo rei tem reinado” - de Paulo Robson de Souza (Souza, 2006), e de um texto complementar com o título de “O papel dos vegetais na formação dos combustíveis fósseis”, de autoria de um dos pesquisadores. A seguir, detalhamos uma proposta de como desenvolver tais atividades.

Para realização do desenho, sugerimos que o professor conduza os alunos a disporem de 10 a 15 minutos para representarem individualmente, em uma folha sulfite e/ou no caderno, uma paisagem. A seguir, terão mais 5 a 10 minutos para nomear e descrever os elementos que compõem a imagem que eles desenharam. Durante a atividade, indicamos que o professor caminhe pela sala buscando evidenciar as principais características e elementos representados e, oportunamente, anote em seu diário de bordo as expressões e interações dos alunos, entre eles e deles para com as atividades.

Em seguida, em sala de aula poderá haver discussões sobre a importância das plantas para os alunos e para o nosso ecossistema, a partir das seguintes situações problemas, preferencialmente, propostas em sequência: i) Imaginem o nosso ambiente sem as plantas, como ele seria? ii) Isso afetaria os demais seres vivos? iii) Se sim, de que forma? iv) Você se incluiu ao pensar na situação descrita anteriormente? Se sim, levante a mão; v) Como essa situação afetaria sua vida e a sociedade?

 Neste momento dialógico, conforme os alunos forem apresentando suas concepções, recomendamos que o professor registre na lousa algumas palavras chaves referentes às respostas para orientar as discussões. Posteriormente, o professor poderá anotar as principais respostas em seu diário de bordo para ter subsídios para acompanhar o processo de desenvolvimento, apropriação e desenvolvimento conceitual dos seus alunos.

 Ao final da aula, sugerimos que o professor disponibilize os links de acesso ao poema <https://bit.ly/poema-nem-todo-rei-tem-reinado> e ao texto complementar <https://bit.ly/texto-complementar>, ou distribua cópias impressas destes e, então, poderá solicitar aos alunos que desenvolvam, como atividade extraclasse, a leitura dos textos destacando no mínimo 5 trechos diferentes que demonstram a importância das plantas para o meio ambiente.

A fim de facilitar as discussões que poderão ser realizadas em sala de aula pela mediação do professor, disponibilizamos um arquivo com alguns trechos do poema que mais se aproximam com os temas a serem discutidos: <https://bit.ly/modelo-para-impressao-poema>.

Para Vigotski (2009), a importância das atividades desta etapa da SD se dá em função do fato de que ensinar ao aluno o que ele já sabe fazer sozinho é improdutivo na mesma medida que tentar ensinar algo que está muito além da sua zona de possibilidades naquele momento. Portanto, a compreensão sobre os conceitos relacionados às zonas de desenvolvimento pode beneficiar o educador ao exercer o papel de mediador do processo de ensino e aprendizagem, na medida em que ele possa fazer uso desses princípios para ajustar o nível das atividades de acordo com as necessidades do aluno, criando uma ponte entre o que o aluno já sabe (ZDR) e o que ele pode aprender (ZDI).

Ademais, o uso das imagens nesse momento justifica-se em função de que o desenho, portanto, uma linguagem gráfica, tem as suas origens alicerçadas na linguagem verbal (Vigotski, 2007). Portanto, os desenhos podem ser empregados como indicadores do nível cognitivo dos alunos e, além disso, estes signos podem ser utilizados como indícios para a formação de novos significados, ao passo que os conhecimentos já adquiridos são fundamentais para possibilitar a articulação e o confronto com os conceitos científicos sistematizados.

Destacamos que nesta etapa da SD são apresentadas atividades em conformidade com a competência específica dois da BNCC, que refere-se à:

Analisar e utilizar interpretações sobre a dinâmica da Vida, da Terra e do Cosmos para elaborar argumentos, realizar previsões sobre o funcionamento e a evolução dos seres vivos e do Universo, e fundamentar e defender decisões éticas e responsáveis. (Brasil, 2018, p. 555).

  Tendo como habilidades a serem desenvolvidas:

(EM13CNT202[3]) Analisar as diversas formas de manifestação da vida em seus diferentes níveis de organização, bem como as condições ambientais favoráveis e os fatores limitantes a elas, com ou sem o uso de dispositivos e aplicativos digitais (como softwares de simulação e de realidade virtual, entre outros).  (EM13CNT206) Discutir a importância da preservação e conservação da biodiversidade, considerando parâmetros qualitativos e quantitativos, e avaliar os efeitos da ação humana e das políticas ambientais para a garantia da sustentabilidade do planeta (Brasil, 2018, p. 555).

A seguir, apresentamos a etapa II da SD.

 

ETAPA II: SISTEMATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

As atividades elaboradas para essa etapa, com duração estimada de 3 horas/aula objetivam propiciar aos estudantes conhecimentos sistematizados relacionados à Botânica, por meio de aulas teóricas e dialogadas em que poderá haver a articulação entre os conhecimentos espontâneos/cotidianos, apresentados na etapa anterior, com os científicos/sistematizados.

Para esta etapa, recomendamos ao professor que oriente o desenvolvimento da sequência de cinco atividades: (1) Discussão sobre o poema e o texto complementar (atividade extraclasse - solicitada na etapa I); (2) Incorporação de conceitos biológicos; (3) Análise e complementação dos desenhos da Etapa I; (4) Apresentação de material pedagógico; (5) Encaminhamento para atividades de produção artística - etapa III.

A aula poderá iniciar com a apresentação e discussão dos 5 trechos que os alunos  destacaram na atividade extraclasse referente ao poema lido. Na eventualidade de ninguém ter lido, o professor poderá destacar por conta própria trechos que, da mesma forma, poderão direcionar as discussões para fomentar nos estudantes o reconhecimento da importância das plantas, expandindo visões antropocêntricas, logo, que colocam as plantas num papel utilitarista, seja nas perspectivas econômica, ornamental, nutricional e/ou medicinal.

Portanto, é preciso apresentar argumentos ampliando essa visão, destacando questões relacionadas aos benefícios gerais que os vegetais têm para o ambiente como um todo, apresentando-as como locais de abrigo para a fauna e reprodução animal, seu papel na regulação climática e no reconhecimento de ambientes sem poluição, assim como na conservação dos solos, cursos d’água e na formação do que hoje são conhecidos como combustíveis fósseis, entre outros aspectos a serem discutidos.

Após as discussões, o professor poderá destacar os trechos que ilustram o papel dos vegetais na formação de combustíveis fósseis articulando o texto do poema com o outro texto sugerido, “O papel dos vegetais na formação dos combustíveis fósseis”.

Utilizando esse tema, os alunos serão provocados a responder as seguintes situações problemas: i) Em que circunstâncias e em qual escala de tempo a  matéria orgânica formada em parte por vegetais se tornou o que hoje conhecemos como combustíveis fósseis? ii) É só na forma de combustíveis fósseis que podemos obter um testemunho da existência dessas plantas pré-históricas? iii) Existe alguma relação entre essas plantas pré-históricas e as atuais? iv) Ao que vocês atribuem a grande diversidade de espécies vegetais observáveis nos tempos atuais? No seguinte link trazemos algumas discussões/respostas sobre essas questões:<http://bit.ly/discussao-e-respostas>.

Salientamos que este é o momento para que sejam incorporados à aula os conceitos que são utilizados para compreender como os grupos vegetais evoluíram (e ainda evoluem) e que critérios são utilizados para agrupá-los, isto é, as primeiras noções de Sistemática e Morfologia Vegetal - discutidas de forma concisa.

À vista disso, durante a realização desta atividade, o professor - por meio de aulas teóricas e dialogadas - pode apresentar sucintamente para os alunos os critérios mais comuns para classificação dos grupos vegetais, que incluem: i) no âmbito da Morfologia: as características externas das plantas, como a forma da folha, o tipo de caule, a estrutura da flor e a presença ou ausência de fruto e sementes; ii) no contexto da Anatomia Vegetal: a estrutura interna da planta, como a disposição das células, tecidos e órgãos; iii) na área da Fisiologia Vegetal: a fotossíntese, a respiração e a germinação das sementes; iv) No domínio da Embriologia: o desenvolvimento do embrião e a estrutura da semente; v) no campo da genética: DNA e sequências genéticas - a sequência de nucleotídeos  no DNA das plantas é comparada para determinar sua relação filogenética; vi) No plano da Ecologia e habitat: a distribuição geográfica das plantas e seu hábitat natural também são considerados na classificação.

Assim, o professor poderá demonstrar que as características morfológicas, anatômicas, fisiológicas e moleculares tornam possível a identificação das espécies que compartilham uma ancestralidade comum e assim podemos alocá-las em seus respectivos grupos taxonômicos, como um gênero ou uma família. Nesse momento, o professor pode utilizar a imagem de um cladograma para facilitar e ilustrar a abordagem sobre tais relações filogenéticas.

Como afirmam Leopoldo e Bastos (2019), existem discussões essenciais nessa área de ensino que é permeada de desafios, mas há temas de ampla generalidade e relevância que também poderiam ser trabalhados como, por exemplo, os ciclos de vida e a reprodução vegetal. Portanto, é nesse sentido que sequências didáticas como a proposta nesse trabalho podem ter um papel fundamental na busca por identificação das demandas e possibilidades pedagógicas.

Para concluir esta etapa, o professor poderá solicitar aos alunos uma análise dos desenhos realizados na etapa I da SD, para que deem significado às estruturas vegetais desenhadas, considerando o que eventualmente incluiriam e/ou retirariam de tais desenhos após a sistematização dos conteúdos, apresentando e discutindo coletivamente os conhecimentos construídos em sala de aula.

No final da aula, indicamos que o professor oriente para que cada grupo de alunos apresente, na aula seguinte, como parte da última etapa da SD, um relatório do desenvolvimento e o resultado de atividades de produção artística coletiva, desenvolvidas em casa (extraclasse). Os alunos poderão escrever trechos de um poema e/ou reelaborar e complementar partes do poema trabalhado na etapa I da SD, assim como poderão realizar produções culturais de preferência do grupo como, por exemplo, paródias musicais, histórias em quadrinho ou pinturas que versem sobre os conhecimentos aprendidos em sala de aula. Mais adiante, na descrição da Etapa III, detalhamos sobre a  atividade de produção artística.

Por ora, retomemos nosso foco às atividades desta segunda etapa, a qual é substanciada no fato de que, segundo Vigotski (2009), os conhecimentos cotidianos e científicos embora sigam por caminhos diferentes, se inter-relacionam e articulam-se dialeticamente nas mentes dos sujeitos e nesta dinâmica transformam-se mutuamente. Portanto, na articulação e/ou confronto entre esses conhecimentos que se pode observar o desenvolvimento conceitual faz parte de um processo que resulta em um nível de conhecimento mais elaborado criando as estruturas que são necessárias para evoluir a partir do contexto inicial onde os aspectos daquele conceito são mais primitivos e elementares (Vigotski, 2007).

Com relação aos documentos normativos, destacamos que nas atividades desta etapa podemos trabalhar habilidades previstas na BNCC e no CRMSEM pelos seguintes objetos de conhecimento: evolução dos seres vivos; descobertas fósseis; Sistemática e estruturas morfológicas - todos com enfoque inclusivo aos conteúdos de Botânica. Ademais, mantém-se como habilidades a serem desenvolvidas os itens EM13CNT202 e EM13CNT206 - descritos na etapa anterior, acrescentando o item EM13CNT208, que versa sobre:

Aplicar os princípios da evolução biológica para analisar a história humana, considerando sua origem, diversificação, dispersão pelo planeta e diferentes formas de interação com a natureza, valorizando e respeitando a diversidade étnica e cultural humana (Brasil, 2018, p. 555).

A seguir, detalharemos as atividades da etapa III, em que os alunos irão desenvolver atividades de produção artística coletiva.

 

ETAPA III: IDENTIFICAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL

As atividades desta etapa da SD, com duração prevista para 1 hora/aula, podem ser desenvolvidas objetivando verificar/avaliar o processo de apropriação e elaboração dos conhecimentos sistematizados, assim como a articulação e/ou confronto dos mesmos com os conhecimentos que os alunos já possuíam para que fique evidenciado o processo de desenvolvimento conceitual.

Para esta etapa, propomos ao professor que oriente o desenvolvimento das apresentações dos grupos com o seguinte ordenamento: 1) Sorteio da ordem de apresentação; 2) Entrega dos relatórios de cada grupo; 3) Apresentação das atividades.

Esta atividade pode ser avaliada pelo professor levando em consideração: i) a etapa preliminar de planejamento e produção de materiais, documentada nos respectivos relatórios de cada grupo, e ii) a etapa de apresentação em sala de aula do que foi produzido pelos alunos. Ademais, em cada uma dessas etapas, o professor pode compor sua avaliação tendo como critério as realizações em grupo e a contribuição de cada indivíduo para o resultado da atividade.

De acordo com a teoria de Vigotski (2009), o processo de ensino e aprendizagem começa com a apropriação e, posteriormente, a internalização dos conteúdos pelos estudantes. Sendo assim, a ressignificação e/ou internalização das concepções dos estudantes sobre o conteúdo é fundamental para a formação e desenvolvimento socialmente mediado da aprendizagem, o que acontece através das atividades propostas em sala de aula ou pela imitação das operações intelectuais utilizadas pelo docente.

 Cabe destacar que quando tratamos aqui de imitação, à luz dos pensamentos de Vigotski (2009), estamos nos referindo a um processo complexo e ativo, no qual envolve a reflexão e o aprendizado por parte do estudante que interpreta o comportamento do outro e tenta reproduzi-lo com base em sua própria compreensão e, dessa forma, atua deliberadamente para promover a internalização de novas habilidades e comportamentos. Por fim, o estudante torna-se capaz de realizar as atividades de forma autônoma, conforme o conceito de ZDI apresentado por Vigotski (2009).

Assim, ao ser apresentado um novo conhecimento sistematizado aos estudantes, o professor buscará propiciar a apropriação de novos significados a partir dos conhecimentos já internalizados por eles, por meio da mediação pedagógica e uso de instrumentos e signos. Estes signos podem ser utilizados como indícios para a formação de novos significados, ao passo que os conhecimentos já adquiridos são fundamentais para possibilitar a articulação e o confronto com os conceitos científicos sistematizados.

Na dinâmica dessa produção artística coletiva, pode-se observar um processo descrito na teoria da imitação de Vigotski, onde os alunos são incentivados a imitar e reelaborar o poema apresentado pelo professor, de outros autores que eles conheciam anteriormente ou, até mesmo, as produções dos colegas, aprendendo uns com os outros. Segundo Vigotski, essa interação social permite que os alunos compartilhem seus conhecimentos e experiências, ampliando a ZDI de cada um, o que evidencia a importância da interação social no processo de aprendizagem.

É importante destacar que o uso da arte nesse processo pode ser especialmente eficaz para a aprendizagem. Como afirma Silva (2014, p. 816):

o diálogo entre a Ciência e a Arte pode ser um recurso para ruptura das visões dogmáticas e cristalizadas de uma prática instrumentalista, pois a aproximação entre o conhecimento científico e a arte produz certo tipo de deslocamento que nos direciona para algo maior, permite experimentar diferentes linguagens e técnicas, amplia as conexões com outros saberes.

 

Portanto, a utilização de uma dinâmica desta natureza pode ser uma forma prolífica para identificar o desenvolvimento conceitual dos alunos através das suas produções artísticas.

Durante esta verificação, além de analisar as atividades elaboradas em todas as etapas, o professor poderá examinar as falas dos alunos enquanto se processa o desenvolvimento destas. Assim, poderá averiguar o entendimento dos alunos acerca dos conceitos desenvolvidos, apropriados e internalizados ao analisar as minúcias dos processos e perceber as transformações do curso de eventos, bem como, caracterizar a sua gênese social.

Em relação aos documentos como a BNCC, Vieira, Nicolodi e Darroz (2021, p.120) afirmam que é necessário perceber que:

As relações existentes entre eles são de fundamental importância para qualificar a atuação docente e a prática pedagógica na sala de aula, pois, em última instância, são os professores os responsáveis por seguir as recomendações estabelecidas nesses marcos legais.

Sendo que, nesta etapa, temos a culminância do desenvolvimento dos objetos de aprendizagem e habilidades preconizadas na BNCC, tais como, EM13CNT202, EM13CNT206 e EM13CNT208 (Brasil, 2018, p. 555), presentes e descritas nas duas fases anteriores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entendemos que a sequência didática proposta neste estudo se apresenta como uma estratégia de ensino que pode se mostrar promissora para fomentar os conteúdos e habilidades de Botânica, sobretudo, quando lançamos mão de uma perspectiva Histórico Cultural do Desenvolvimento Humano como uma abordagem com vistas à formação mediada socialmente de tais conhecimentos.

Destacamos que a sequência didática, pelo referencial teórico que a sustenta, pode trazer contribuições significativas e importantes benefícios para o processo de ensino e aprendizagem de conteúdos relacionados à Botânica, ao passo que as atividades propostas buscam valorizar os conhecimentos apropriados pelos alunos e os articular ou confrontar com os científicos utilizando representações, signos e a cultura no desenvolvimento conceitual, assim como visam trabalhar as habilidades e objetos de conhecimento especificados pela BNCC e o referencial curricular do MS.

Por conseguinte, consideramos que a proposta apresentada pode subsidiar o desenvolvimento de estratégias de ensino inovadoras e, inclusive, com potencial de adaptação para atender a diferentes contextos educacionais e níveis de ensino.

 

 Recebido em: 17/06/2023

Aceito em: 09/07/2024

 

 

REFERÊNCIAS

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ZABALZA, Miguel A.; DE BRITO PACHECO, José Augusto. Diários de aula: contributo para o estudo dos dilemas práticos dos professores. 1994.

 

 



[1] A obra “A Construção do Pensamento e da Linguagem”, faz uso do termo zona de desenvolvimento imediato (ZDI), ao invés do termo zona de desenvolvimento proximal (ZDP) - referenciada em outra obra.

[2] Há várias maneiras de grafar o nome de Lev Vigotski (conhecido também como Vygotsky, Vigotskii ou Vygotskij), e essas variações são influenciadas pela obra em questão. Nesse caso, ao fazer referência a Vigotski dessa forma, nos referimos especificamente à obra "A construção do pensamento e da linguagem"- 2009.

[3] No documento da BNCC, cada objetivo de aprendizagem e desenvolvimento é identificado por um código alfanumérico. Por exemplo, em EM13CNT202, “EM" indica que o objetivo está relacionado ao Ensino Médio; "13" indica que as habilidades descritas podem ser desenvolvidas em qualquer série do Ensino Médio; "CNT" é uma abreviação de "Ciências da Natureza e suas Tecnologias"; "2" indica que o objetivo está na segunda habilidade dessa área; "02" indica que é o segundo objetivo de aprendizagem e desenvolvimento dentro dessa habilidade. (Brasil, 2018)