Um Estudo de Caso envolvendo um projeto tematizado no Planeta Terra nos anos iniciais do Ensino Fundamental

A Case Study involving a Planet Earth’s thematized project in the early years of Elementary School

Un estudio de caso que involucra un proyecto temático sobre el Planeta Tierra en los primeros grados de la escuela primaria

 

Wagner Marcelo Pommer (wagner.pommer@unifesp.br)

Universidade Federal de São Paulo

https://orcid.org/0000-0002-6138-1279

 

Clarice Peres Carvalho Retroz Pommer (clazort@gmail.com)  

Rede Pública de Ensino

https://orcid.org/0000-0002-5360-1323

 

 

Resumo

Este artigo objetivou analisar as ações docentes frente a um projeto educativo desenvolvido simultaneamente com o planejamento da disciplina de Ciências em uma turma do 5º ano do Ensino Fundamental. A relevância de tal assunto emergiu a partir da necessária valorização do repertório que o docente desenvolve na interação teoria e prática ao longo da própria carreira, o que requer a gestão dos conhecimentos científicos e a gestão da classe como fundamentos para as ações docentes. O referencial metodológico foi o estudo de caso, viabilizado por meio da técnica de entrevista semiestruturada e do mapeamento cognitivo. Das ações docentes afloraram quatro categorias: a gestão de sala de aula, a mobilização de recursos didáticos, a formação docente em Ciências e o desenvolvimento do projeto. Observamos que estes fatores foram centrais para situar as ações docentes em uma perspectiva educativa que favoreceu o ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.            

Palavras-chave: Ações docentes; Projeto Educacional; Planeta Terra; Ensino de Ciências.

 

Abstract

This paper aimed to analyze the teaching actions managed by an educational project developed simultaneously with the planning of the Science discipline in a 5th year Elementary School class. The relevance of this subject emerged from the necessary appreciation of the repertoire that the teacher develops in the interaction between theory and practice throughout his career, which requires the management of scientific knowledge and class management as foundations for teaching actions. The methodological reference was the case study, made possible through the semi-structured interview technique and the cognitive mapping. Four categories emerged from teaching actions: classroom management, the mobilization of didactic resources, teacher education in science and the development of the project. We observed that these factors were essential to situate the teaching actions in an educational perspective that favored Science teaching in the initial years of Elementary School.

Keywords: Teaching actions; Educational Project; Planet Earth; Science Teaching.

 

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo analizar las acciones docentes frente a un proyecto educativo desarrollado simultáneamente con la planificación de la disciplina Ciencias en una clase del 5º año de la Enseñanza Fundamental. La relevancia de esta temática surgió de la necesaria valorización del repertorio que el docente desarrolla en la interacción entre teoría y práctica a lo largo de su carrera, lo que requiere la gestión del conocimiento científico y el manejo de la clase como fundamentos de la acción docente. El marco metodológico fue el estudio de caso, posibilitado a través de la técnica de entrevista semiestructurada y mapeo cognitivo. De las acciones docentes surgieron cuatro categorías: gestión del aula, movilización de recursos didácticos, formación docente en Ciencias y elaboración de proyectos. Observamos que estos factores fueron centrales para ubicar las acciones docentes en una perspectiva educativa que favoreció la enseñanza de las Ciencias en los primeros años de la Enseñanza Fundamental.

Palabras-clave: Acciones didácticas; Proyecto educativo; Planeta Tierra; Enseñanza de las ciencias.

 

 

INTRODUÇÃO

O ensino de Ciências, conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), descrito em Brasil (2017), deve ter como uma das metas tratar temas relativos à “[...] manutenção da vida na Terra” (p. 319), especialmente no que tange a unidade temática ‘Terra e Universo’. Para esse documento nacional brasileiro, os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental podem se interessar por esse tema se inseridos na exploração e valorização por meios de jogos, livros e vídeos infantis, cuja “[...] intenção é aguçar ainda mais a curiosidade das crianças pelos fenômenos naturais e desenvolver o pensamento espacial a partir das experiências cotidianas” (Brasil, 2017, p. 326).

Autores como Chassot (2000) e Lorenzetti e Delizoicov (2001) propõem que o ensino de Ciências no Ensino Fundamental pode ocorrer inserido em um mote de Alfabetização Científica. Chassot (2000) pontua como Alfabetização Científica a área de conhecimento que ensina a criança a ler e interpretar a linguagem construída pela humanidade para explicar o mundo onde vivemos.

Nesse sentido, Lorenzetti e Delizoicov (2001) acrescentam que os anos iniciais de escolaridade representam um momento marcante para que o cidadão inicie a vivência de princípios científicos essenciais. Para os autores, a etapa de Alfabetização Científica apresenta algumas concepções com relação aos anos iniciais do Ensino Fundamental, como atentar ao uso de espaços formais e não formais, proporcionar momentos de formação individual e coletiva, abordar temas em um mote cultural, valorizar distintas formas de conhecimento, procedimentos e atitudes, valorizar a conscientização ética do cidadão e obter um ganho cognitivo significativo.

Nesse mote, caberiam as escolas a tarefa de propor iniciativas:

[…] para que os alunos saibam como e onde buscar os conhecimentos que necessitam para a sua vida diária. Os espaços não formais compreendidos como museu, zoológico, parques, fábricas, alguns programas de televisão, a Internet, entre outros, além daqueles formais, tais como bibliotecas escolares e públicas, constituem fontes que podem promover uma ampliação do conhecimento dos educandos (Lorenzetti; Delizoicov, 2001, p. 7).

Inserido nessa perspectiva de iniciativas para promover a Alfabetização Científica, os professores necessitam de espaços para rever e se apropriarem das novas formas de ensino de Ciências. Assim, as pesquisas de Schön (1992), Villani e Pacca (1997), Gauthier (1998), Zabala (1998), Tardif (2002), Nóvoa (2009) e Voigt e Carlan (2020) realizam reflexões acerca das formas de atuação de professores de Ciências na etapa da escolaridade básica.

Os supracitados autores concordam que o início da escolaridade básica é desenvolvido essencialmente por professores ‘polivalentes’ geralmente oriundos do curso de Pedagogia. Atrelado a essa formação básica e dependendo da Instituição, os professores polivalentes geralmente cursam somente uma disciplina de metodologia na área de Ciências, fator que acaba sendo insuficiente para o ato de ensinar.

Com relação ao conhecimento dos conteúdos específicos da disciplina de Ciências, Vilani e Pacca (1997) apontam que este sempre foi considerado um requisito fundamental para a formação do professor de Ciências. Associado a esses conhecimentos o professor pode e deve atuar como gerente dos recursos e fonte de motivação para a aprendizagem dos estudantes.

Voigt e Carlan (2020) consideram que o professor deve se apropriar de alternativas metodológicas para ensinar Ciências e conhecer diferentes abordagens sobre os temas em diferentes perspectivas teórico-metodológicas. Em contrapartida, a pesquisa de Augusto e Amaral (2015) revelou que os professores se consideram pouco preparados para desenvolver algumas temáticas ligadas a área de ensino de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

O presente texto objetivou analisar as ações docentes frente a um projeto educativo desenvolvido simultaneamente com o planejamento da disciplina de Ciências em uma turma do 5º ano do Ensino Fundamental. A seguir, presentamos os referenciais teóricos.

 

OS REFERENCIAIS TEÓRICOS

Para Piaget (1978), o processo de aquisição cognitivo de um conhecimento comporta um esquema de assimilações, desequilíbrios e acomodações nas interações entre um sujeito e um objeto. Para o autor, o conhecimento resultaria das interações que se produzem a meio do caminho entre os dois.

Por sua vez, Brousseau (1996) amplia o esquema sujeito-objeto de Piaget ao propor o triângulo didático, que comporta o aluno, o professor e o saber. Estes três elementos compõem uma relação dinâmica e complexa, que considera as interações pedagógicas entre professor-aluno, a relação professor-saber (a epistemologia do professor) e a relação aluno-saber. Neste triângulo didático proposto por Brousseau (1996), cabe ao professor o papel fundamental de inserir o aluno frente ao saber científico. Assim, o docente tem como função realizar uma prática educativa para propor e desenvolver as tarefas necessárias para promover a aprendizagem dos alunos.

A seguir, destacamos considerações com relação ao saber docente, descrito em Tardif (2002). Segundo o autor, as concepções didáticas e epistemológicas relativas a esses saberes se iniciam por meio da própria vivência como aluno da escolaridade básica. No caso dos professores esses saberes são incrementados na etapa de formação inicial na Universidade e, posteriormente, agregam-se as diversas interações e dinamizações com diversos colegas da escolaridade básica, assim como em cursos e vivências de formação continuada, próprias da função docente.

Em consonância com o saber docente, Tardif (2002) aponta para os saberes experienciais, que são construídos pelos professores nos momentos da própria prática e imbricados pela reflexão. Para o autor, os saberes experienciais advêm de articulações entre os saberes pedagógicos, os saberes disciplinares (o conhecimento científico) e os saberes curriculares, realizados pelo próprio professor e impulsionados pelas interações do exercício da profissão docente, o que permite situar um modo de ser e agir docente.  Assim, os saberes experimentais são uma espécie de “[...] núcleo vital do saber docente, núcleo a partir do qual os professores tentam transformar suas relações de interioridade com sua própria prática” (Tardif, 2002, p. 54).

Porém, os saberes experienciais situam a seguinte posição: para se desenvolver a docência também seria necessário o professor conhecer modelos ou marcos teóricos, conforme expõe Zabala (1998). O referido autor argumenta que a atuação profissional do professor se fundamenta no pensamento prático, mas aliado à capacidade reflexiva. 

Em uma perspectiva dinâmica, e desde o ponto de vista dos professores, esta prática deve ser entendida como reflexiva, não se podendo reduzir ao momento em que se produzem os processos educacionais na aula. A intervenção pedagógica tem um antes e um depois, que constituem as peças substanciais em toda prática educacional (Zabala, 1998, p. 17).

Com relação ao que se deve ensinar, o professor pode disponibilizar momentos de trabalho com os conteúdos conceituais (o que é preciso saber), procedimentais (o que é preciso saber fazer) e atitudinais (o que é preciso ser), de acordo com Coll (1986). Nesse interim, para favorecer a mobilização dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, conforme Coll (1986), dentre as possibilidades de gestão de sala de aula, o professor pode ter uma ação importante: propor e desenvolver projetos educativos.

Para Macedo (2006), um projeto educativo se constitui em um modo didático onde se busca compreender, prever e transformar a realidade, disponibilizando aos alunos uma ferramenta para se exercer a cidadania, a interdisciplinaridade e desenvolver conceitos e competências diversas. Considerando-se o professor, Macedo (2006) complementa que o projeto permite desenvolver o trabalho em equipe, onde se exercita a flexibilidade nas múltiplas funções necessárias ao âmbito do exercício profissional.

Nas Ciências Naturais, foco desta pesquisa, Compiani (2005) propõe os projetos educativos na área de GeoCiências, pelo fato que possui uma inerente gama de temas geradores de práticas e contextualizações, em uma perspectiva local e global.

Para viabilizar a aplicação de um projeto, o professor deve se organizar e fazer escolhas para administrar a diversidade de fatores. Em relação à gestão da sala de aula, Gauthier (1998) aponta que as ações docentes devem ser direcionadas por dois fatores: a gestão da matéria e a gestão da classe.

Com relação à gestão da matéria, o supracitado autor ressalta que esta se faz com o planejamento e aplicação de conteúdos, em função dos objetivos traçados, o que pressupõe a verificação da aprendizagem por parte dos alunos. Para Gauthier (1998), a gestão de classe representa um sistema de regras e disposições para gerir as interações com os alunos, de modo a se criar e sustentar um ambiente organizado (disciplina, motivação) para o ensino e a aprendizagem.

É importante destacar que o professor deve se fundamentar em situações de ensino e aprendizagem onde sejam propiciadas ações para mobilizar o aluno, permitindo que o mesmo construa seu conhecimento. Pommer (2005) considera que o trabalho docente deve se situar em um processo dinâmico, investigativo e de criação das aulas. Para a pesquisadora, o professor pode inserir seu trabalho em um modo que revele a expressão do pensamento permeado por questões cognitivas e pelo sentido atribuído pelas ações geridas no próprio trabalho. Esse ‘fazer docente’ pode e deve ser concretizado por meio de propostas educativas devidamente planejadas.

No próximo tópico, textualizamos a metodologia por meio do Estudo de Caso, da entrevista semiestruturada e pelo recurso aos Mapas Conceituais.

 

O REFERENCIAL METODOLÓGICO

Para André (2007), a pesquisa qualitativa tem revelado uma face preocupada em conhecer o ‘olhar de dentro’ no contexto da investigação, de modo que o pesquisador busque desenvolver pesquisas em colaboração com os sujeitos participantes.

O estudo de caso se insere no modo de pesquisa qualitativa e se caracteriza como um tipo de investigação particular, que se foca em algum tipo de situação própria, que é “[...] única ou especial, pelo menos em certos aspectos, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e característico e, desse modo, contribuir para a compreensão global de certo fenômeno de interesse” (Ponte, 2006, p. 2).

Para Goode e Hatt (1975) o estudo de caso é uma investigação que organiza dados, em situações práticas, no local de origem, o que permite extrair conclusões sobre singularidades, preservando o caráter unitário do objeto estudado. Para o autor, esta metodologia favorece compreender, explorar, descrever, detalhar, aprofundar ou aumentar o conhecimento de um acontecimento não suficientemente definido ou complexo, onde estão simultaneamente envolvidos diversos fatores.

Benbasat, Goldstein e Mead (1987) pontuam que o estudo de caso possui algumas características: (a) fenômeno observado no ambiente natural; (b) envolve questionamentos situados no ‘como?’ e no ‘porquê?’; (c) os dados são recolhidos utilizando diversos meios.

Yin (1994) aponta que, na área de Educação, as evidências dos estudos de casos podem advir de fontes distintas: documentos (plano de ensino da escola e do professor), entrevistas, observação, observação participante ou não-participante, questionários, registros de áudio e vídeo, diários, cartas, assim como artefatos físicos, dentre outros.

Há uma tipologia para o estudo de caso em função dos propósitos acadêmicos ou da necessidade de ter um diagnóstico ou compreensão de um objeto. Yin (1994) aponta para a existência de quatro tipos de estudos de caso: os ilustrativos, em que o foco é a descrição dos eventos; os exploratórios ou investigativos, que direcionam para estudos futuros; os cumulativos, que visam obter informações coletivas e comparações; os críticos, que examinam um tema em particular indicando possíveis causas e efeitos.

A fase de tratamento dos dados consiste basicamente nas tarefas de identificação, transcrição e organização da base de dados. Após esta fase preliminar de tratamento de dados, obtém-se uma base a partir da qual são trabalhadas as fases seguintes de análise: a codificação e a delimitação das categorias. As categorias funcionam como elemento conceptual básico a partir do qual se procede à interpretação dos dados.

Para compor uma forma de revelar o processo de constituição das ações do professor de Ciências nas series iniciais de Ensino Fundamental, nos inserimos no estudo de caso e estamos destacando os resultados de uma entrevista semiestruturada.

Boni e Quaresma (2005) destacam que entrevistar é um modo alternativo e flexível de se obter informações que não poderiam ser depreendidas por observação ou uso de questionários, pois pode haver retroação entre o entrevistador e o entrevistado, que permite revelar aspectos subjetivos, como valores, atitudes, crenças e concepções, o que pode produzir conhecimento novo ou uma nova visão a respeito de certo fenômeno.

A técnica de entrevista compõe uma situação de contato que pode propiciar ou provocar um discurso que permite:

[...] mapear práticas, crenças, valores e sistemas classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados, em que os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados. [...] Elas permitirão ao pesquisador fazer uma espécie de mergulho em profundidade, coletando indícios dos modos como cada um daqueles sujeitos percebe e significa sua realidade e levantando informações consistentes que lhe permitam descrever e compreender a lógica que preside as relações que se estabelecem no interior daquele grupo, o que, em geral, é mais difícil obter com outros instrumentos de coleta de dados (Duarte, 2004, p. 215).

O processo de análise da entrevista consiste em fragmentar a totalidade dos dados - o material empírico coletado/construído no trabalho de campo - e reorganizar os fragmentos a partir de novos pressupostos. Para isto, a fala dos entrevistados pode ser analisada por meio de categorias ou unidades de significação, que podem ser escolhidas de modo antecipado, a partir de referências teórico/conceituais. Ainda, “[...] podem também emergir no momento da análise, pela identificação por parte do pesquisador de conteúdos recorrentes no discurso de seus entrevistados” (Duarte, 2004, p. 221).

Um pressuposto para efetivar a análise é compor o mínimo necessário de categorias que permitam iniciar um procedimento minucioso de interpretação, articulando as categorias entre si, e efetuando o cruzamento com as referências teóricas ou conceituais que orientam o olhar do pesquisador, de modo a permitir a confirmação ou refutação das hipóteses do problema de pesquisa ou do universo estudado.

Deste modo, a técnica da entrevista possibilita a construção de um novo texto que articule as falas e que identifique recorrências, concordâncias, contradições e divergências. Para Duarte (2004), este “[…] procedimento ajuda a compreender a natureza e a lógica das relações estabelecidas naquele contexto e o modo como os diferentes interlocutores percebem o problema com o qual ele está lidando” (p. 223).

Optamos pela entrevista na forma semiestruturada, pois esta situa uma modalidade que permite maior liberdade de condução. Na entrevista semiestruturada o entrevistador propõe a temática ou as situações do seu objeto de estudo, podendo combinar perguntas abertas e fechadas. Quanto ao entrevistado, este fala sobre o tema com base no seu repertório de conhecimentos e informações. Ainda, o entrevistado pode perceber momentos para incrementar considerações que acredita serem relevantes, aspectos que incentivam uma maior interação entre o entrevistado e o entrevistador.

Segundo Richardson (1999), a entrevista se constitui em um modo de diálogo construtivo e aberto, que deve levar em consideração: (a) o objetivo e a natureza da pesquisa; (b) as condições de anonimato dos dados do entrevistado; (c) a liberdade do entrevistado em solicitar esclarecimentos e realizar criticas; (d) a necessária autorização para conduzir e registrar a entrevista.

Com relação aos mapas conceituais, na área de Educação a noção de mapa tem incorporado importantes concepções das realidades. Os mapas representam um instrumento de expressão não discursiva, indicativo de uma das formas mais antigas de representação e comunicação gráfica que facilitam a compreensão espacial das coisas, condições, processos ou eventos que se sucedem no mundo humano.

Nesse sentido, Levy (1998) caracteriza os mapas do ponto de vista antropológico, destacando o espaço Terra, onde ocorreu a constituição do ser humano e as relações deste com a Natureza. Levy (1998) também relata o Espaço do Conhecimento, em que os mapas são os instrumentos de orientação para guiar o ser humano, o que aponta para uma nova concepção cartográfica.

Machado (2009) aponta que, inicialmente, os mapas foram concebidos para registrar, visualizar ou sintetizar dados relevantes ou informações. Nesse sentido, o autor propõe que os mapas são representações da realidade ou de parte dela, que facilitam a visualização e a compreensão com a finalidade de orientar as ações humanas.

Em uma perspectiva informacional, Machado (2009) ressalta que na sociedade atual há uma abundância de dados em circulação que poderiam ser guiados para um propósito maior. O autor coloca que há uma profunda e crescente fragmentação, que poderia ser superada pela concepção de mapas simbólicos, que possibilitam a transformação das informações em conhecimento, pois tal meta pressupõe uma articulação ou interconexão para que seja viável a construção de uma rede de significações. Nesta concepção, o conhecimento se situaria como um mapa de relevâncias, que abriria caminhos para orientar e significar diversos temas do conhecimento humano, em consonância com a imersão em projetos.

Okada (2008) acrescenta que os mapas podem ser reveladores do modo de pensar humano. Os mapas, além de serem poderosas ferramentas gráficas para representar e comunicar relações entre diversos elementos de diversas áreas do conhecimento, também podem servir como ponto de referencia para tomadas de decisão e outras operações do pensamento humano. Assim, os mapas são uteis não somente para “[…] representar o espaço físico e suas relações, mas também o espaço informacional – principalmente digital (ciberespaço) e o espaço mental (o pensamento humano e sua rede de múltiplas conexões)” (Okada, 2008, p. 38).

Esta concepção de mapa cognitivo de Okada (2008) situa modos que podem favorecer aos professores rever e reconstruir as próprias práticas pedagógicas. De modo inverso, pesquisas podem ser realizadas para situar e analisar mapas cognitivos elaborados por professores, de modo a tornar explícito o modo de fazer e as conexões entre os conhecimentos propiciadas pelas ações docentes. A seguir, apresentamos os dados e análises da parte empírica.

 

A ENTREVISTA

Acompanhamos as aulas da professora e realizamos a entrevista após o encerramento do ano letivo. A entrevista com a professora do 5º ano do Ensino Fundamental seguiu um roteiro vinculado ao objetivo de compreensão no modo como se originou e se desenvolveu o processo de gestão no projeto desenvolvido educativo aplicado na disciplina de Ciências em uma sala do 5º ano do Ensino Fundamental, fundamentado na evolução da fauna e flora do Planeta Terra.

Inicialmente, baseados nos pressupostos de Richardson (1999), esclarecemos junto à professora alguns pontos fundamentais, de modo a viabilizar o diálogo e a ética da pesquisa. Nesses moldes: (a) explicamos o objetivo e a natureza do trabalho; (b) afirmamos a preservação do anonimato do nome do entrevistado; (c) solicitamos a colaboração nas respostas, porém, observamos o direito à liberdade de interromper, pedir esclarecimentos e criticar alguma pergunta; (d) pedimos autorização para registrar a entrevista, explicando o motivo da gravação do áudio, de modo a favorecer a transcrição para as análises.

Durante a entrevista semiestruturada o pesquisador procurou adaptar sugestão de Carraher (1989), de modo a acompanhar o raciocínio do entrevistado, ficando “[...] atento ao que o sujeito diz ou faz, sem corrigir automaticamente as respostas dadas, de acordo com seu raciocínio, e sem completar o que o sujeito diz” (p. 32), oportunizando que houvesse uma fluidez nas falas e nas considerações expressas pelo sujeito.

Solicitamos, inicialmente, que a professora falasse sobre seu histórico profissional na carreira docente. A professora mencionou que fez graduação em Pedagogia e possui experiência de trinta anos em sala de aula, nos anos iniciais do Ensino Fundamental em escolas da rede particular e pública do estado de São Paulo. Especificamente na escola onde ocorreu essa pesquisa a professora estava no cargo a cerca de seis anos. Para detalhar um pouco mais o percurso acadêmico da professora perguntamos:

Entrevistador: Qual a sua formação acadêmica?

Professora: Bem, na minha época fiz o 2º grau em uma escola pública e, ao mesmo tempo, cursei o antigo Magistério em uma escola particular, que hoje equivaleria ao Ensino Médio Profissionalizante. Depois, fiz graduação em Pedagogia em uma Universidade Pública.

Salientamos que o curso de Pedagogia, nos anos 70 e 80, eram restritos a algumas instituições. Grande parte dos professores do antigo ‘curso primário’ concluíam somente o Magistério, que tinha como principal meta prover a falta de docentes no que atualmente denominamos de anos iniciais do atual Ensino Fundamental. 

A fim de obter mais informações do perfil da carreira da professora, que perpassava uma longa jornada de mais de trinta anos, decidimos a próxima questão:

Entrevistador: Quais foram suas experiências profissionais mais relevantes com o ensino?

Professora: Comecei a lecionar nas séries iniciais do Ensino Fundamental logo após ter concluído o curso Magistério, na mesma escola que fiz o 2º grau. Isto foi muito bom, pois pude me desenvolver nos aspectos práticos, visto que minha formação em Pedagogia foi muito teórica. Anos depois, fiz concurso para a Prefeitura, para ensino de 1º Grau, da 1ª a 4ª séries. Posteriormente, me exonerei da rede pública municipal e lecionei por muitos anos na rede particular. Atualmente, leciono somente na rede pública.

Com o perfil sintético da professora quanto à formação acadêmica e o percurso profissional, as manifestações da professora não mencionaram a disciplina de Ciências. Em muitas escolas o professor dos anos iniciais do Ensino Fundamental é polivalente, ou seja, leciona as principais áreas (Matemática, Ciências, Português, História e Geografia). As disciplinas de Artes, Educação Física e Língua Estrangeira, dentre outras possibilidades, são lecionadas por especialistas, quando ofertadas pelas escolas.

Porém, há instituições que fazem uma separação entre estas grandes áreas, de modo a realizar uma oportunidade do professor polivalente se concentrar em uma das três grandes áreas (Matemática e Ciências; Português; Geografia e História). Em vista destes aspectos, resolvemos questionar:

Entrevistador: Nas escolas que trabalhou como professora, você lecionou Ciências?

Professora: No início da carreira, as professoras eram polivalentes, ou seja, ensinavam quase todas as matérias, menos Educação Física. No decorrer dos anos, algumas escolas que lecionei subdividiam o 1º grau. Nas séries do 2º ciclo do Ensino Fundamental geralmente eu lecionava Matemática e Ciências. Mais atualmente, na rede estadual, leciono na 4ª e 5ª série, com a Matemática e as Ciências. 

A professora pontuou aspectos das disciplinas de sua formação inicial no curso de Pedagogia, relacionando-os com as disciplinas específicas de Ciências e Matemática que lecionou nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

O maior detalhamento da formação em exercício denotou que a professora atuou como polivalente em algumas escolas, mas a grande parte da carreira se situou como especialista em Ciências e Matemática. Como não houve menção de nenhum curso oficial envolvendo a área de Ciências ou Matemática, decidimos questionar:

Entrevistador: Como foi sua formação especificamente em ensino de Ciências?

Professora: Na graduação em Pedagogia, no início dos anos 80, tínhamos poucas disciplinas que tratavam de aspectos práticos, como as metodologias e a Prática de Ensino. Lembro-me que tivemos dois semestres da disciplina ‘Metodologia e Prática de Ensino’, voltada para o 1º grau, da 1ª a 4ª série. É muito pouco. Então, no curso todo, foram dois semestres de prática e metodologia. Minhas colegas mais novas falam que, hoje em dia, os cursos de Pedagogia que elas fizeram realizam a separação em metodologias específicas (Matemática, Ciências, Língua Portuguesa, etc). Mas comigo não foi assim. Eu tive que estudar muito por conta própria. Nas escolas públicas em que eu era concursada não havia muita cobrança. Mas, as escolas da rede particular que lecionei sempre foram exigentes. Assim, acabei estudando por conta própria, em cursos particulares, que geralmente foram pagos com meu salário de professora. E foram ótimos. Aí eu que aprendi. Os professores eram muito bons.

As manifestações da professora mostram muitas expectativas da formação inicial. Sabemos que muito da formação do professor se situa na formação continuada, seja a patrocinada pelas instituições em que trabalham, seja pela iniciativa particular de cada professor. Em vista de se transparecer que a formação continuada da professora se situou em uma perspectiva de iniciativa pessoal, decidimos a próxima pergunta.

Entrevistador: Nas escolas em que você lecionou havia formação continuada? Se sim, algumas eram especificas para o ensino de Ciências?

Professora: Olha. A formação continuada na rede pública era muito formal, geralmente ministrada por pesquisadores que transpareciam não conhecer a parte prática. E, ainda, se concentravam em aspectos gerais da cognição e aprendizagem, falando de Piaget, Vygotsky, Bruner e outros. Mas, não fazia sentido para mim o que eles diziam dos aspectos teóricos com o que era necessário para realizar o trabalho prático em sala de aula, especialmente na área de Ciências.  

Pelas falas da professora percebeu-se que muito da formação continuada em Ciências se instaurou por iniciativa própria da professora. Em vista de ter ocorrido um projeto em Ciências de longa duração, resolvemos questionar a respeito da gênese do projeto educativo que foi desenvolvido em consonância com o planejamento da disciplina de Ciências na sala que ela lecionava, no 5º ano do Ensino Fundamental.

Entrevistador: Como surgiu a ideia de projeto educativo envolvendo o Planeta Terra desenvolvido no 5ª ano?

Professora: Acredito que, de certa forma, o trabalho com o projeto envolvendo o Planeta Terra foi uma experiência inédita, quero dizer, pelo que eu conheço, do modo como foi planejado e implementado. Na escola pública que leciono as professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental trabalham em dois grupos: o bloco Ciências e Matemática e o bloco Língua Portuguesa, Geografia e História. As outras disciplinas são trabalhadas por especialistas, como a Educação Física, Inglês e Artes. Nesta escola já lecionei nos dois blocos e em diversas séries. Isto é determinado em reunião de planejamento pela coordenação e a direção da escola. Acho que isto é importante, pois você trabalha mais para preparar as aulas, porém acaba tendo uma visão mais integrada das disciplinas. Dentro da perspectiva interdisciplinar, que é uma das metas da escola básica, tenho a sensação de descontentamento com a fragmentação dos conteúdos. É a possibilidade de se efetivar a interdisciplinaridade, muito focada nos documentos oficiais e em alguns autores destacados, que estudei na minha formação em Pedagogia e nas reuniões de formação continuada aqui e em outras escolas que atuei anteriormente. Também, já trabalhei em algumas escolas da rede particular e, nestas, é natural se desenvolver vários projetos nas diversas séries nos anos iniciais do ensino fundamental. Um projeto de maior porte desenvolvido nas séries finais do Ensino Fundamental I é o projeto Tietê. Nesta instituição, este projeto tem uma concepção de tradição. Esta escolha teve uma razão principal: o fato desta escola estar localizada nas proximidades do rio Tietê, na cidade de São Paulo. Já tinha, em certa ocasião, questionado o grupo, em reunião de planejamento das séries iniciais, em relação à proposta de outro projeto de maior amplitude, em termos de tempo de aplicação (anual), com foco interdisciplinar, para dar um contraponto à dicotomia local versus global. Assim, olharíamos nosso local (o rio Tiete) e expandiríamos nosso entorno para um ponto de vista global (o Planeta Terra). A ideia era desenvolver um projeto de visão de mundo, de não ficar somente com estudos no local nas proximidades dos alunos. Daí, resolvi propor uma investigação em relação ao Planeta Terra. O grupo concordou e cada um começou a dar as contribuições a partir da área em que atuavam.

Em vista da narrativa da professora, contrapondo as informações com relação à formação inicial e continuada, percebemos alguns aportes teóricos interessantes sendo manifestados: a ideia da interdisciplinaridade, da dicotomia local e global (rio Tietê e o Planeta Terra) e da duração de aplicação do projeto, que são marcos da própria área da Educação. Daí, resolvemos insistir com a razão da escolha do tema.

Entrevistador: Porque você escolheu o tema Planeta Terra e não outro assunto da área de Ciências?

Professora: De certo modo, no ano anterior a este projeto, havia discutido algumas questões pontuais, que foram feitas por alguns alunos, durante as aulas de Ciências. Como não conhecia bem o assunto, recorri aos especialistas da área de Geociências. […] Foi um trabalho interessante, pois os especialistas dominam o conteúdo e eu tentava adequar as explicações ao entendimento de alunos da faixa etária das crianças com que trabalho. Daí, eu ia fazendo comentários e procurando material para traduzir para uma linguagem que as crianças pudessem compreender. Foi um trabalho que foi acontecendo, a medida das necessidades das aulas e no intercâmbio com os especialistas. Como gostei deste trabalho, resolvi ampliar a proposta. Inicialmente pensei em trabalhar com o tema ‘água’, mas acabei optando por trabalhar com o Planeta Terra.

As falas da professora das últimas duas perguntas revelaram uma busca por parcerias que pudessem enriquecer o trabalho com a disciplina de Ciências, assim como na delimitação de um tema que pudesse propiciar um projeto de longa duração dentro das necessidades educativas. Assim, a gênese do tema não se situou em nenhuma preferência pessoal, mas sim em acatar as recomendações curriculares em se trabalhar o eixo ‘A Terra e o Universo’, indicando uma compreensão sobre os objetivos da educação básica com relação ao ensino de Ciências. Passamos, então, a tecer considerações quanto ao planejamento das ações docentes que orientaram o referido projeto de GeoCiências.

Entrevistador: Vocês planejaram as etapas do projeto com base em suas experiências práticas ou com alguma base em estudos teóricos: livros, pesquisas e materiais acadêmicos?

Professora: O planejamento do projeto passou pelas mãos dos professores da 5ª série. Da minha contribuição, acredito que foi um pouco dos dois, mas mais voltado a minha experiência como professora. Da minha visão como professora do bloco Língua Portuguesa, História e Geografia, um dos focos era trabalhar com as lendas e visões do homem antigo. Trabalhamos com alguns autores como Janaina Amado [Amado e Figueiredo, (1999)], o livro de ‘Histórias da Mitologia Grega’, de Heloísa Prieto [Prieto (1997)] e ‘Os Navegantes’ [Snedden, 1997]. Daí decorreu meu foco em associar a visão mitológica nas Ciências. Os antigos tinham uma visão ingênua e sobrenatural dos fenômenos naturais. E isto não é trabalhado em Ciências, mas propicia uma interligação com a Língua Portuguesa, de modo a que o aluno possa entender as conexões, que são complexas. Mas, para ensinar crianças, precisamos trabalhar com os interesses delas. E elas gostam de histórias, principalmente se ligadas a coisas mágicas, de ação, mistério, etc. Daí, a partir de uma revisão bibliográfica que fiz, surgiram ideias para trabalhar com a História da Cartografia. Gosto de trabalhar com as origens e a história, para qualquer assunto. No caso da Cartografia, a ideia foi abordar como eram feitos os mapas antigos, ressaltando aspectos da cultura da época, como ocorre com os instrumentos antigos que se utilizaram para obter os dados para a elaboração dos mapas. Em diversos mapas antigos, espalhados pelos cantos, há figuras que parecem pequenos anjos soprando. As pessoas acreditavam nestas concepções naquela época: será que nosso olhar para estes ícones é o mesmo que os antigos pensavam? Como as crianças de hoje em dia entendem isto? Diante destas questões, o passo seguinte foi efetuar a comparação com os mapas atuais, tanto no aspecto das concepções, contrapondo o antigo e o novo. Isto foi interessante, pois os alunos se interessavam sobre o que significavam aqueles símbolos estranhos: figuras tipo anjos, de aparência de crianças, que pareciam soprar. E aí explicamos o que representavam estas figuras: os deuses, que produziam os ventos e demais fenômenos. E continuamos a questionar os alunos: Esses deuses existem? As pessoas acreditam? E com relação aos mapas, questionamos: E hoje, como podemos visualizar os mapas? Isto foi um mote para discutirmos a relação entre os instrumentos antigos e os observatórios espaciais, como o Hubble, onde a Terra pode ser vista do espaço. Planejamos o projeto em blocos encadeados de assuntos, na totalidade. Mas, os detalhes, foram surgindo do trabalho em sala de aula e das dúvidas dos alunos. Trabalhamos, assim, com a interação das perguntas dos alunos, com a intenção de provocar o trabalho, mas não direcionando totalmente. Isto vem da minha experiência como professora. Não é possível engessar tudo o que será feito no projeto, mas somente ter o esquema global das etapas e dos principais pontos. O resto vai surgindo com a ação. Também, incluímos nas discussões questões de ética, cidadania, preservação, das pessoas se sentirem pertencente a algum lugar e a ter atitudes de crítica em relação a situações de desmatamento, poluição das águas e outras atuais de degradação ambiental.

Diante do exposto, percebemos uma grande experiência da professora com relação à conjugação do material de Ciências com as outras áreas, contrapondo a antigo e o atual, algo que é inerente aos saberes experienciais delineados em Tardif (2002).

Em face da inerente capacidade da professora em gestar o planejamento global do projeto propusemos a professora a confecção de um mapa conceitual, que pudesse sintetizar a totalidade dos conceitos envolvidos.

Entrevistador: Você conhece o que é mapa conceitual?

Professora: Eu estudei um pouco sobre os mapas conceituais em livros e em reuniões de formação continuada nas escolas particulares que lecionei. Também já vi mapas conceituais no livro do professor, em alguns livros didáticos de Ciências e outras disciplinas.

Entrevistador: Você concordaria em fazer um mapa conceitual com relação ao projeto Terra que foi desenvolvido?

A professora concordou e esboçamos um mapa, destacado no protocolo 01.

 

PROTOCOLO 01:                         A 1ª Concepção do mapa conceitual.

PROTOCOLO 02:                               A 2ª Concepção do mapa conceitual.

Fonte: Elaborado pelos autores e pela professora do 5º ano.

 

No mapa, a professora pontuou o grande tema do projeto e algumas áreas envolvidas. Neste ponto, questionamos se a professora poderia conectar as outras áreas mencionadas na entrevista ou algo relativo (protocolo 02).

A seguir, a professora foi conectando algumas ideias e surgiram inúmeras relações, apontadas no protocolo 03.

 

PROTOCOLO 03: A Concepção final do mapa conceitual.

Fonte: Elaborado pelos autores e pela professora do 5º ano.

 

No protocolo 03, interpelamos a professora para destacar alguns aspectos. Da fala apreendemos a existência de uma conexão entre a ‘História’ e o ponto central do mapa cognitivo, o ‘Planeta Terra’. Esta conexão perpassou a localização do Planeta Terra no Universo, o estudo da compreensão científica atual em relação à idade e a formação da Terra, assim como de sua constituição geológica.

A partir do centro, a professora destacou as possibilidades de ligações das áreas de Física, Biologia e Química, inseridos dentro de uma caracterização como modelos simplificadores que poderiam ser estudados na escolaridade básica. Contrapondo este aspecto há outra face, a que a professora denominou ‘real’, que causa uma demanda de políticas públicas e ações para tentar suplantar as agressões do homem frente a natureza.

Percebemos que a professora colocou o subtema água logo abaixo do ‘Planeta Terra’, o que poderia indicar outro tema de interesse em futuros projetos e, também, na questão ambiental que se tornou o foco da intenção de alguns grupos de indivíduos preocupados com a preservação ambiental no século XXI. Destacamos que as manifestações do mapa conceitual revelaram conexões e distanciamentos com relação ao projeto desenvolvido. Este mapa conceitual, elaborado como uma síntese poderia indicar novos caminhos para percorrer em futuros projetos.

Ademais, as falas realçam um movimento de significar e aprender os saberes disciplinares e como ligá-los a ação didática de ensino. Para Tardif (2002), esses movimentos de inserção com os vários saberes por meio do ato conectar temas gerais e específicos, conteúdos e métodos de ensino e aprendizagem permitiria desencadear os saberes experienciais, ou seja, aqueles que emergem da própria prática e poderiam ser agentes pelos quais os professores transformam as relações de trabalho em sala de aula.

 

AS ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das manifestações fez emergir quatro categorias das ações docentes no transcorrer do projeto educativo: a gestão da sala de aula, a formação docente em Ciências, a mobilização de recursos didáticos e o desenvolvimento do projeto.

Considerando o objetivo deste texto, em relação à categoria ‘gestão da sala de aula’, destacamos que a professora entrevistada tem uma grande experiência de trabalho docente em escolas particulares e públicas. É uma pessoa determinada, ativa, de opinião que se faz presente durante as aulas e nas reuniões pedagógicas, além de efetivar uma organização de aula flexível quanto aos tipos de tarefas e tem uma condução bem marcante na disciplina da turma. A professora fez um preparo prévio para o desenvolvimento de cada etapa do projeto, conversando com os alunos, descrevendo na lousa os tópicos a serem abordados e solicitando que os alunos copiassem na agenda para a ciência dos pais (ou responsáveis). Deste modo, a comunidade pode ficar envolvida no desenvolvimento do referido projeto.

No aspecto ‘formação docente em Ciências’ percebemos a falta de uma base na formação científica nos conteúdos conceituais da área das Ciências, confirmada pela própria professora na entrevista, quando mencionou a formação inicial no curso de Pedagogia. Este quadro manifestado foi complementado, em parte, por pesquisas autônomas e na busca de parcerias com especialistas da área de Ciências.

A entrevista e o mapa conceitual elaborado pela professora trouxeram diversas informações, situando um modo de visualização de quais são os principais tópicos conceituais da área de Ciências a serem trabalhados, além das conexões com diversos temas transversais (meio ambiente, cidadania e ética), a presença marcante de um pensamento inter e transdisciplinar, que permitiu um modo alternativo – um projeto - para poder conduzir as aulas de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Considerando-se a categoria ‘mobilização de recursos didáticos’, observamos uma preparação nas aulas em funções do uso flexível de recursos didático-metodológicos da área do ensino de Ciências: uso de recursos multimídia, slides; data-show; saídas de estudo do meio em bibliotecas e museus; convite a professores especialistas para explicações mais pormenorizadas; trabalho com leitura e interpretação de textos científicos e texto informativo; discussões entre grupos de alunos e entre alunos e convidados externos, mediado pela professora.

No quarto e último quesito - ‘o desenvolvimento do projeto’ - consideramos que houve um bom planejamento de ações com relação aos seguintes aspectos: detalhamento das etapas; boa relação do projeto com os temas a serem abordados no planejamento anual da área de Ciências da série, algo que demanda um bom presentamosconhecimento do currículo; uma forte lógica estrutural e organizacional.

Salientamos, a partir das observações e análises, que algumas atividades elaboradas pela professora da série para aprofundar os itens do projeto educativo estavam imbuídas de práticas tradicionais: textos informativos retirados de jornais ou internet, permeados com linguagem coloquial ou linguagem não acessível para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental e com questionário padrão com respostas obtidas diretamente do texto, sem maiores reflexões.

Ressaltamos que algumas etapas do projeto demandaram mais que o planejado, deixando menos tempo para o desenvolvimento dos demais temas de Ciências, nas aulas de rotina. Assim, houve certa dificuldade em conciliar o desenvolvimento das etapas do projeto educativo com o material didático desenvolvido nas rotinas da sala de aula, no decorrer do ano letivo. Este fator, em alguns momentos de sala de aula, transpareceu um trabalho carecendo de interconexão, continuidade ou fluxo entre estes polos.

De modo geral, o projeto educativo representou uma forma essencial para se efetivar uma ação docente com sentido, que se coaduna com a perspectiva de Pommer (2005). Nesse sentido, a autora considera que a prática do professor deve se fundamentar em situações de ensino e aprendizagem onde sejam propiciadas ações para mobilizar o aluno, permitindo a construção do conhecimento.

Diante do exposto, elucidamos que o referido projeto educativo proposto e desenvolvido pela professora foi orientado em uma perspectiva de consciência ambiental, cidadã e ética nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Ademais, o modo de desenvolvimento do projeto confluiu com os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais das aulas de Ciências, que se situaram na perspectiva de Coll (1986).

Pontuamos que a presente investigação pode revelar uma ação docente inserida em um processo dinâmico, investigativo e de criação das aulas, diante das ponderações de Pommer (2005). Assim, a professora do 5º ano realizou a gestão da sala de aula, por meio de propostas educativas devidamente planejadas, em um modo de ação que revelou a expressão do pensamento permeado por questões cognitivas e pelo sentido atribuído pelas ações do próprio trabalho docente.

Inserido na perspectiva de Lorenzetti e Delizoicov (2001), a vivência do projeto educativo no 5º ano do Ensino Fundamental que descrevemos representou um momento para que as crianças iniciassem a vivência de princípios científicos essenciais, no contexto da Alfabetização Científica. Em acréscimo, o presente relato ainda revelou momentos de formação individual e coletiva, na abordagem de temas essenciais ligados ao ensino de Ciências, aspectos essenciais no trabalho com a Alfabetização Científica.

As considerações tratadas neste texto podem contribuir para se repensar o entendimento da importância da valorização dos saberes experienciais do professor, transformações que vão se manifestando no próprio desenvolvimento da carreira docente, o que representa um quadro que pode compor um repertório para as ações docentes nas aulas de Ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

 

Recebido em: 22/02/2023

Aceito em: 17/04/2024

 

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