O Pensamento de Andrew Feenberg sobre a Filosofia da Tecnologia para o enfretamento da problemática da neutralidade tecnológica na Educação em Ciências

Andrew Feenberg's Thoughts on the Philosophy of Technology to address the problem of technological neutrality in Science Education

El pensamiento de Andrew Feenberg sobre la filosofía de la tecnología para abordar el problema de la neutralidad tecnológica en la enseñanza de las ciências

 

 

Geilson Rodrigues da Silva (geilsonrodrigues367@gmail.com)

 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-Instituto de Física- Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Brasil

Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2899-185X

 

Marcelo Carbone Carneiro (marcelo.carbone@unesp.br)

 Professor do Departamento de Ciências Humanas da FAAC - UNESP - Bauru, Brasil

Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0848-4487

 

 

Resumo 

Nesta pesquisa visamos responder a seguinte pergunta: Quais as contribuições do Pensamento de Andrew Feenberg acerca da Filosofia da Tecnologia para discutir o problema da neutralidade tecnológica na Educação em Ciências? Para responder essa pergunta utilizamos especificamente a democratização da Tecnologia que visa a articulação de uma nova esfera pública de vida social, no qual temos o diálogo entre especialistas e leigos. Essa é uma possibilidade para o enfrentamento da neutralidade tecnológica que contribui para a legitimação da dominação. Assim, Feenberg defende a democratização da Tecnologia para permitir que as pessoas de toda a sociedade possam participar e que tenham voz no processo de produção de conhecimentos tecnológicos. Isso irá permitir uma forma de construção de conhecimentos tecnológicos que realmente possibilitem que a Educação em Ciências seja transformadora perante as desigualdades perpetuadas na sociedade atual.        

Palavras-chave: Democratização da Tecnologia; Desinformação Científica; Ciência e Tecnologia.

 

Abstract 

In this research we aim to answer the following question: What are the contributions of Andrew Feenberg's Thoughts on the Philosophy of Technology to discussing the problem of technological neutrality in Science Education? To answer this question, we specifically used the democratization of technology, which aims to articulate a new public sphere of social life, in which we have dialogue between experts and laypeople. This is a possibility for confronting technological neutrality, which contributes to legitimizing domination. Feenberg therefore advocates the democratization of technology to allow people from all over society to participate and have a voice in the process of producing technological knowledge. This will allow for a form of technological knowledge construction that really enables Science Education to be transformative in the face of the inequalities perpetuated in today's society.

Keywords: Democratization of Technology; Scientific disinformation; Science and Technology.

 

Resumen

En esta investigación pretendemos responder a la siguiente pregunta: ¿Cuáles son las aportaciones del Pensamiento sobre la Filosofía de la Tecnología de Andrew Feenberg para discutir el problema de la neutralidad tecnológica en la Enseñanza de las Ciencias? Para responder a esta pregunta, recurrimos específicamente a la democratización de la tecnología, que pretende articular una nueva esfera pública de la vida social, en la que dialoguen expertos y legos. Se trata de una posibilidad para hacer frente a la neutralidad tecnológica, que contribuye a legitimar la dominación. Por ello, Feenberg aboga por la democratización de la tecnología para permitir que personas de toda la sociedad participen y tengan voz en el proceso de producción del conocimiento tecnológico. Esto permitirá una forma de construcción del conocimiento tecnológico que realmente posibilite que la Educación Científica sea transformadora frente a las desigualdades perpetuadas en la sociedad actual.

Palabras-clave: Democratización de la tecnología; Desinformación científica; Ciencia y tecnología.

 

 

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento científico e tecnológico é cada vez maior na atual sociedade e isso reflete na Educação em Ciências, que não deve ficar distante da discussão do processo de construção da Ciência e da Tecnologia. Sendo importante estabelecer nas aulas estratégias didáticas, acerca de como a Ciência e a Tecnologia é construída, utilizando a História e Filosofia da Ciência e da Tecnologia de forma a atribuir significado aos conteúdos, permitindo elos com outras áreas do conhecimento, para contribuir com o aprendizado dos estudantes (Gandra e Silva, 2018; Silva e Errobidart, 2020; Silva e Errobidart, 2022). Assim, a discussão de como a Ciência é construída visa superar ideias do Ensino Tradicional que são aquelas que prezam pela repetição, memorização, reprodução de conhecimentos desconectados de todo o contexto histórico-social de produção. Essa abordagem do Ensino preza pelo docente como transmissor de conhecimentos levando a uma visão de neutralidade da Ciência e da Tecnologia, contribuindo para que a Tecnologia seja compreendida unicamente como consequência da Ciência (Leal, 1999, Moreira, 2021).

Assim, encontramos em Marcuse (1999) uma definição para Tecnologia que é condizente com as discussões que serão apresentadas neste estudo no qual

A tecnologia é vista como um processo social no qual a técnica propriamente dita (isto é, o aparato técnico da indústria, transportes, comunicação) não passa de um fator parcial. Não estamos tratando da influência ou do efeito da tecnologia sobre os indivíduos, pois são em si uma parte integral e um fator da tecnologia, não apenas como indivíduos que inventam ou mantêm a maquinaria, mas também como grupos sociais que direcionam sua aplicação e utilidade. A tecnologia, como modo de produção, como a totalidade dos instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era da máquina, é assim, ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) s relações, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação (Marcuse, 1999, p. 73).

Somando-se isso, temos uma discussão que é importante para a Educação em Ciências acerca da Tecnologia pois ela é vista como um mero subproduto da Ciência e abordada de forma neutra e descaracterizada do seu modo de produção, bem como, de seu contexto histórico e social compondo uma união do controle social e político por meio da Ciência e da Tecnologia visando a dominação da sociedade (Marcuse, 1969; 1999; 2009; 2015). Essa descaraterização e neutralidade da Tecnologia é utilizada para facilitar a absorção da racionalidade tecnológica no subjetivo das pessoas para que elas possam entender a Tecnologia como isenta de influências, enquanto as classes dominantes direcionam suas influências na agenda de pesquisas que desenvolvem novas Tecnologias, assim é facilitada a dominação das pessoas tal como apontado por Marcuse (1969)

[...] a dominação-disfarçada em afluência e liberdade se estende a todas as esferas da vida pública e privada, integra toda oposição autêntica, absorve todas as alternativas. A racionalidade tecnológica revela seu caráter político ao se tornar o grande veículo de melhor dominação, criando um universo verdadeiramente totalitário no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidos num estado de permanente mobilização para a defesa desse universo (Marcuse, 1969, p. 37).

Deste modo, um dos objetivos da descaracterização e da abordagem neutra da Tecnologia é facilitar a integração no subjetivo das pessoas de apenas entender a Tecnologia como aplicação da Ciência visando permitir a dominação de forma mais intensa. Essa discussão ainda é incipiente quando encontramos na literatura reflexões sobre a não-neutralidade da Ciência ou mesmo da Ciência e Tecnologia (Roso, Auler e Delizoicov, 2020). Entretanto discussões acerca da não-neutralidade da Tecnologia ainda e são poucas e retratam a ideia de a Tecnologia ser consequência da Ciência.

Diante desses apontamentos, buscamos na Filosofia, especificamente na Filosofia da Tecnologia, subsídios para analisar o papel de dominação da Tecnologia com o intuito de tecer reflexões que sejam pertinentes para a área de Educação em Ciências, balizados com discussões contemporâneas que permeiam a sociedade que advêm de um processo amplo de manipulação da realidade visando manter a ideologia[1] dominante. Nesse sentido, a utilização da Filosofia da Tecnologia foi escolhida por ainda ter poucas pesquisas na área de Educação em Ciências e também por ela contribuir para repensar a sociedade democrática contemporânea (Silva e Carneiro, 2023). Assim, elegemos o pensamento de Andrew Feenberg[2], visto que ele desenvolveu a teoria crítica da Tecnologia, sendo um dos principais teóricos da Filosofia da Tecnologia.

Deste modo, temos o intuito de responder a seguinte questão de pesquisa: Quais as contribuições do Pensamento de Andrew Feenberg sobre a Filosofia da Tecnologia para discutir o problema da neutralidade tecnológica na Educação em Ciências? Com isso, iremos guiar o leitor acerca das principais ideias de Andrew Feenberg sobre a Filosofia da Tecnologia e seus desdobramentos para discutir a problemática da neutralidade tecnológica na Educação em Ciências. E com isso iremos contribuir para que a área de Educação em Ciências incorpore tais discussões como possibilidade de enfretamento do negacionismo científico propagado em mídias sociais.

 

UM INTERLÚDIO: BREVES REFLEXÕES METODOLÓGICAS

Para elucidar o nosso caminho utilizamos obras do pensador Andrew Feenberg para fundamentar as nossas ideias e também consultamos comentadores seja em artigos ou livros. Utilizamos também de discussões na literatura recente em teses, dissertações e monografias para abordar a complexidade da era do obscurantismo científico que o nosso país vem passando nos últimos anos. Com isso, a nossa pesquisa aproxima-se da análise documental ao lançar apontamentos sobre as intepretações de documentos e utilizar de fontes primárias e secundárias (Rosa, 2015) e construir uma visão da área de Filosofia da Tecnologia a partir das discussões de Andrew Feenberg.

 

A FILOSOFIA DA TECNOLOGIA DE ANDREW FEENBERG

Segundo Feenberg (2015), a sociedade unidimensional[3] tem como cerne o desenvolvimento tecnológico, no qual a Tecnologia superou qualquer patamar previsível e modificou a forma como as pessoas se relacionam, assim como, a sociedade foi transformada pela Tecnologia e no seio dessas transformações diversos movimentos sociais, políticos, filosóficos, econômicos e jurídicos foram sendo alinhados ao status vigente de dominação da sociedade unidimensional.

Assim, na sociedade moderna a Tecnologia é utilizada como sendo meramente instrumental e isenta de valores. Somando-se a isso, a sociedade perpassa a ideia da Tecnologia seja neutra sendo uma espécie de filosofia instrumentalista da Tecnologia que é um tipo de produto criado espontaneamente pela nossa civilização irrefletidamente assumida pela grande parte das pessoas (Feenberg, 2010). Nesse sentido, um ponto importante que Feenberg (2010) levantou foi: será que os seres humanos têm liberdade para decidirem como a Tecnologia será desenvolvida? Para o autor supracitado a resposta é não, deste modo, poderia dizer que a Tecnologia é autônoma no que tange a invenção e o desenvolvimento tem suas próprias leis pelo qual os seres humanos seguem ao interagir com esse domínio técnico. Porém, temos outro lado no qual a Tecnologia pode ser humanamente controlável e nesse ínterim pode-se obter o próximo passo da evolução de nossas intenções.

Somando-se a essa discussão (Feenberg, 2003), apresenta uma síntese dos valores incorporados na Tecnologia conforme apresentamos no quadro 1. Essa concepção de Feenberg (2003), será utilizada para balizar as nossas discussões para entendemos a sua ideia sobre a Filosofia da Tecnologia.

 

Quadro 1: Valores da Tecnologia para Feenberg.

A Tecnologia é:

Autônoma

Humanamente controlada

Neutra

(Separação completa entre meios e fins)

Determinismo

(Por exemplo: A teoria da modernização)

Instrumentalismo

 

(Fé liberal no progresso)

Carregada de Valores

(Meios formam um modo de vida que inclui fins)

Substantivismo

(meios e fins ligados em sistemas)

 

Teoria Crítica

(Escolha de sistemas de meios fins alternativos)

Fonte: FEENBERG, 2003, p.6.

 

O quadro 1 reflete no eixo vertical que a Tecnologia ou é neutra de valores ou está carregada de valores. Na concepção determinista de Tecnologia é ela que controla os humanos e não os humanos que controlam a Tecnologia e esse controle é realizado no subjetivo das pessoas de tal forma que elas nem percebem que estão sendo manipuladas (Feenberg, 2010).

Já no que tange ao substantivismo temos um contraste com as concepções instrumentalista e do determinismo, no qual a Tecnologia é vista como sendo neutra e o contraste está entre dois tipos de características. A primeira tese do substantivismo é o da neutralidade que aponta uma característica unicamente formal e a eficiência pode ser utilizada para representar diferentes concepções de qualidade de vida. Já a característica substantiva, envolve compromisso com uma concepção específica de qualidade, assim, se a Tecnologia tem uma característica substantiva, não é meramente instrumental e não pode ser utilizada tendo diferentes propósitos de pessoas ou sociedades com ideias diferentes do bem comum. Deste modo, a Tecnologia para aquele ou outro propósito seria uma escolha de valor específica em si mesma, e não uma forma única e mais eficiente de entender um uma característica dada a priori (Feenberg, 2010; 2019).

Temos também o instrumentalismo que representa o controle humano e a neutralidade de valor que são sobrepostos. Essa concepção de Tecnologia retrata ela como uma ferramenta ou instrumento da espécie humana para satisfazer as nossas necessidades, como isso, temos a representação da fé liberal no progresso tido como dominante, além disso, temos o determinismo que representa o avanço tecnológico e ela é a força motriz da História humana.

Por último temos a teoria crítica que é apontado por Feenberg (2010) como:

A teoria crítica reconhece as consequências catastróficas do desenvolvimento tecnológico ressaltadas pelo substantivismo, mas ainda vê uma promessa de maior liberdade na tecnologia. O problema não está na tecnologia como tal, senão em nosso fracasso até agora em inventar instituições apropriadas para exercer o controle humano dela. Poderíamos domar a tecnologia submetendo-a a um processo mais democrático de projeto [design] e desenvolvimento (Feenberg, 2010, p.57).

Na teoria crítica, os valores incorporados pela Tecnologia são socialmente peculiares e não são adequadamente apresentados pelas abstrações, tais como a eficiência e o controle. A Tecnologia não direciona só um estilo de vida, mas sim vários em que cada um reflete diferentes objetivos com mediação tecnológica diferente. Nesse sentido, podemos pensar que a Tecnologia é neutra, como pensam o instrumentalismo? Não, as sociedades contemporâneas objetivam a eficiência no cerne que aplicam a Tecnologia, mas eles afirmam que não podem validar nenhum outro valor importante além da própria eficiência, isso contribuiu para a negligência das diferenças significativas entre elas (Feenberg, 2010; 2014; 2019).

Nesse sentido, a crítica substantivista ao instrumentalismo permite compreender que as Tecnologias são ferramentas neutras, assim, os meios e fins estão conectados. Na teoria crítica temos que a Tecnologia não é vista como ferramenta, mas sim como estruturas para estilos de vida. As escolhas estão em um nível mais alto do que apenas o instrumental, a teoria crítica da Tecnologia permite que tenhamos liberdade de pensar em escolhas e que também submetemos aos controles mais democráticos (Feenberg, 2010).

A teoria crítica da tecnologia descobre nos exemplos como esses uma tendência de maior participação nas decisões sobre projeto e desenvolvimento. A esfera pública parece estar se abrindo lentamente para abranger os assuntos técnicos que eram vistos antigamente como esfera exclusiva dos peritos. Essa tendência pode continuar ao ponto de a cidadania envolver o exercício de controle humano sobre a estrutura técnica de nossas vidas? Nós temos que ter esperança, pois outras alternativas parecem levar com certeza à destruição. Claro que os problemas não são só tecnológicos. A democracia está em má forma hoje em todas as frentes, mas ninguém propôs uma alternativa melhor. Se as pessoas podem conceber e perseguir os seus interesses intrínsecos em paz e realizados por mediação do processo político, elas inevitavelmente problematizarão a questão da tecnologia junto com muitas outras perguntas que hoje se mantêm em expectativa. Só nos resta esperar que isso aconteça mais cedo do que mais tarde (Feenberg, 2010, p. 60-61).

A teoria crítica[4] da Tecnologia nesse sentido, para Feenberg (1991;1995;1999) é marcada pela ambivalência. Ou seja, por um lado ele defende a tendenciosidade política que está ligado por meio do controle político, enquanto, do outro lado também temos a Tecnologia como um agente de democratização da sociedade contemporânea que insere os interesses sociais da subjetividade na construção, assim como, na organização do mundo.

Feenberg (2022), entende que a Tecnologia está a serviço de uma racionalização empregada pelas estruturas de poder, assim, a Tecnologia na sociedade contemporânea é tendenciosa, mas isso não contribuiu para Andrew Feenberg ser radical na sua teoria. Tal como Marcuse (1969) que aponta a necessidade da revolução social para a transformação da Tecnologia, no qual as aplicações são uma forma de exercer controle no sentido do poder sociopolítico. Feenberg utiliza o código técnico para defender a sua posição, esse código é um conjunto que engloba normas funcionais e os interesses sociais que estão impostos pela sociedade na construção e desenvolvimento da Tecnologia. Assim, o código técnico exerce uma função comunicativa no que tange a Tecnologia e os interesses sociais, por meio da sua participação na elaboração desse código levando a interação com outra esfera, sendo está a eficiência na determinação de aplicações da Tecnologia (Feenberg, 1991). A Tecnologia também adquire uma função subjetiva no qual a predileção social tem papel importante na construção do design da Tecnologia. Assim, o código técnico é implícito na Tecnologia e ele só emerge com a investigação histórico-social da Tecnologia e resulta na influência dos interesses sociais no design e no desenvolvimento tecnológico. Por meio do entendimento do código técnico podemos apontar que ele recebe influências subjetivas motivadas pelo interesse social, assim como, da eficiência, que leva a diversas possibilidades de caminhos para configurações da Tecnologia que são frutos dos interesses sociais (Feenberg, 1991).

O código técnico está aberto aos interesses sociais, assim, por receber influência desses interesses a Tecnologia é então fruto do contexto no qual está inserida e que ela é exercida pelas classes sociais dominantes e as classes dominadas serão consumidoras acríticas dessa Tecnologia. As classes dominantes por exercerem poder têm maiores possibilidades para influenciar o design da Tecnologia e a ambivalência social da Tecnologia, por meio da sua racionalização é legitimado a partir do poder social que está interligado ao código técnico (Feenberg, 1991).

Somando-se a isso a racionalização para Feenberg (1991), é entendida como sendo uma maneira do poder social legitimar o seu controle sobre a construção e organização social do mundo. Deste modo, a racionalização é um véu utilizado para legitimar a privação das liberdades individuais e que constituiu o cerne do poder exercido pela classe social dominante na sociedade contemporânea. Feenberg (2019), discorda de Marcuse (1969), ao apontar que não existe uma estrutura a priori da Tecnologia como sendo utilizada para a dominação social e sim que a racionalização faz parte da própria Tecnologia que foi imbuída pelas pessoas que fazem uso dela. Desta forma, a Tecnologia está sendo utilizada desde a sua estrutura básica para manter a estrutura social de dominação e os interesses sociais dominantes mesclados com o código técnico passa a ter um caráter neutro para ser utilizado conforme o interesse da eficiência prática (Feenberg, 2019).

Com isso, devemos indagar como podemos libertar o mundo do controle exercido pelo poder político na Tecnologia? Feenberg (2002), avança com essa discussão ao propor a teoria da instrumentalização, no qual esta teoria busca apontar como os interesses sociais estão interligados no cerne da Tecnologia e como elas podem transformar e libertar o mundo do controle político da Tecnologia (Feenberg, 2002).

Dessa forma para entender a Tecnologia, em todos os seus nuances, é necessário compreender duas dimensões: a primeira temos a instrumentalização primária que é a forma como ela é apresentada no que tange os objetos descontextualizados de seus significados. Já a instrumentalização secundária tem a interligação com a racionalização materializada no contexto social em que ela é produzida. Com isso, o movimento que temos é a representação de objetos de ação tecnológica que são alvo de diferenciação norteado pela instrumentalização primária que é dimensão funcional da Tecnologia e também a concretização que é conduzida pela instrumentalização secundária que é correspondente a dimensão social da Tecnologia (Feenberg, 2002).

Assim sendo, o código técnico, está interligado a teoria da instrumentalização, pois é por meio dessa teoria que Feenberg aponta a racionalização do código técnico como sendo uma variável da instrumentalização secundária. Assim a teoria da instrumentalização só pode ser compreendida tendo a relação estabelecida com a dimensão funcional da Tecnologia.

Deste modo, temos que a instrumentalização primária é composta por quatro momentos. Sendo que o primeiro momento se refere a descontextualização do mundo no qual são produzidos ocorrendo a anulação de todas as relações que estabeleciam entre eles. No segundo momento temos o reducionismo no qual os objetos são simplificados e reduzidos às suas propriedades instrumentais, ou seja, os objetos que passam pela ação tecnológica são reduzidos apenas aos seus aspectos de utilidade ficando apenas com qualidades primárias (Feenberg, 1991).

Então temos que o objeto passa pela automização e posicionamento que é o momento em que primeiro o objeto é isolado o mais possível de seus efeitos que podem ocasionar nas pessoas sendo retirados os seus possíveis impactos na sociedade por meio da autonomia em sua estrutura este objeto recebe leis que irão nortear a sua aplicação e esta função é regida pelos interesses dominantes.

Já em relação a instrumentalização secundária é um conceito chave para entendemos a transformação da Tecnologia defendida por Feenberg (1991;1999;2002; 2019). Assim, na instrumentalização secundária temos uma ação que está interligada a sociedade que irá comportar o seu funcionamento sendo reaproximado grande parte da contextualização que foi eliminada na instrumentalização primária. Pois os interesses sociais são debatidos e orientados para escolhas que apontem para a análise do desenvolvimento de desdobramentos sociais da Tecnologia, ou seja, temos uma reincorporação dos interesses sociais no código técnico.

Temos na instrumentalização secundária quatro momentos, o primeiro da sistematização que é aquele no qual estabelecemos as ligações necessárias para o funcionamento dos objetos tecnológicos para que eles sejam recontextualizados na sociedade do qual foram retirados na instrumentalização primária. É nesse momento que ocorre a transformação do design tecnológico, por meio dele os diferentes objetos tecnológicos serão reorganizados em um sistema (Feenberg, 2019).

O segundo momento é a mediação em que temos a definição da atribuição de significações sociais aos objetos de ação tecnológica sendo atribuídos mediações éticas, estéticas aos objetos que passam a ter novos significados sociais. Por meio da mediação são atribuídas qualidades secundárias aos objetos da ação tecnológica que irão ser importantes para a dimensão interpretativa (Feenberg, 2019).

Já em relação ao terceiro momento temos a vocação que foi suprimida da ação tecnológica na instrumentalização primária. Conforme são inseridas na sociedade, é possível detectar os seus efeitos sociais e ocorre influências na delimitação de espaços sociais e funções sociais e as pessoas que são influenciadas estabelecem uma relação muito sagaz e subjacente que é capaz de determinar as suas peculiaridades sociais.

E no último momento temos a iniciativa que trata das aplicações atribuídas a instrumentalização dos objetos resultantes da ação tecnológica que passam a ser reificadas a partir da sua inserção na sociedade e essa inserção é redefinida por iniciativas que são tomadas pelas pessoas que com elas se relacionam diretamente.

Desse modo, é com esses momentos que a instrumentalização secundária pode ser novamente interpretada pelo meio social. Essa teoria fortalece o código técnico e os interesses sociais são integrados a esse código contribuindo para a teoria crítica da Tecnologia que busca criar uma concepção democrática de Tecnologia no qual a sua transformação é plausível. Nesse ínterim, Feenberg (1999) defende que a instrumentalização secundária possibilite inserir interesses sociais no código técnico que irá permitir a concretização social da Tecnologia realizada de forma democrática e aberta a possibilidade de eliminar a tendenciosidade política que as classes dominantes impuseram. Mas mesmo assim, não podemos esquecer que as classes dominantes têm o poder e podem influenciar a instrumentalização secundária e neste ponto percebemos que Feenberg não irá apresentar uma solução real para este problema. Ele apresenta uma possível tentativa de solução ao utilizar a racionalização subversiva da Tecnologia que é tomada como plano de fundo da concepção democrática de Tecnologia que está intricada na teoria da instrumentalização, bem como, no conceito de código técnico, mas não concretiza uma solução. 

Percebemos, nesse conceito uma maior aproximação com o seu orientador Herbert Marcuse por meio da concepção que a Tecnologia é transformável a partir de uma revolução. Apesar disso, Feenberg é mais moderado na sua concepção de uma revolução citando movimentos ambientais que conseguiram legislações específicas de proteção ao meio ambiente com protestos, ele cita que por meio de reivindicações sociais pelos seus direitos as classes subordinadas podem ter seus interesses transformados e podem também participar do design tecnológico (Feenberg, 2002).

A democratização da Tecnologia, nesse sentido, segundo Cruz (2020), ocorre a partir de 3 princípios e no modo 2 e 3 temos a possibilidade de reformulação dos códigos técnicos vigentes. De acordo, com Feenberg (1995) temos a

1. Subversão do uso. A tecnologia ser operada de forma diferente daquela que foi originalmente projetada. Exemplo Clássico disso é o caso do sistema francês de telemática Minitel, inicialmente projetada para prover o acesso dos/as usuários/ a banco de dados, mas que acabou se popularizando como uma rede de comunicação entre os assinantes do serviço, a partir do desenvolvimento, por hackers, de uma funcionalidade suportada pelo equipamento, mas inicialmente não disponível para os/as usuários/as (FEENBERG, 1995, p.144-166; 2019). 2. Regulação do desenvolvimento. Ter seu desenvolvimento submetido a regulações-impostas, formalmente, ou não, por governos ou consumidores/as-, que emergem, em geral, de controvérsias técnicas... 3. Associação com os/as técnicos/as. Ser projetada em associação com usuários/as e afetados/as, incorporando ao menos, parte dos valores que eles/as desposam. É o que os projetos participativos de origem escandinava (ROBERTSON; SIMONSEN, 2013) e a engenharia popular brasileira (FRAGA, et al.; 2020), por exemplo, buscam fazer. (Apud, Cruz, 2020, p. 112).

Para Cruz (2020), nenhuma das 3 maneiras de democratização ocorrerá sem lutas, assim os movimentos sociais, sindicatos e outros movimentos podem ser mobilizados, tendo maneiras em que isso deve acontecer. Feenberg (1999), aponta a rede de interesse que representa os coletivos de pessoas que se interligam em razão de interesses em comum e isso atribui demandas específicas de forma que as pessoas partilhem de valores semelhantes. Segundo o autor supracitado, temos a relação da Tecnologia e a democratização

[...] Há dois aspectos relacionados à democratização da tecnologia em suas múltiplas possibilidades que não devem ser esquecidos: 1) tais processos podem formar consciência crítica, mesmo que vários deles sejam movidos por pessoas ligadas entre si apenas por algum interesse pontual que têm em comum; 2) e em algo que Feenberg não tematiza, mas como o que certamente concordaria-, de pouco vale uma crise  sistêmica que derrube o capitalismo, se não tivermos para colocar no lugar da tecnologia capitalista (que é desempoderadora, não sustentável, etc.) seja um conjunto de tecnologias alternativas já implementadas (e alinhadas com os valores que queiramos avançar), e que possam ser reaplicadas em outras partes, sejam metodologias testadas e eficazes para desenvolvê-las (Cruz, 2020, p. 113).

Assim, Feenberg (1999), aponta por meio da iniciativa de manifestações ocorre a instauração democraticamente de uma racionalização subversiva da Tecnologia visando não apenas a libertação do controle exercido pela Tecnologia e sim ir além para incorporar a satisfação de necessidades que não estão contempladas no formato inicial dos objetos tecnológicos. Dessa forma, o objetivo da teoria crítica da Tecnologia é levar o desenvolvimento de uma concepção democrática de Tecnologia que irá ser importante para uma real democratização. 

Feenberg (2010), também discorreu que a Tecnologia deve ter um caráter amplo que seja democrático e com responsabilidade técnica quanto aos contextos humanos, bem como, naturais. Assumindo com isso, a racionalização subversiva aliada com a concepção democrática da Tecnologia visando a oposição à hegemonia dominante, com isso Feenberg (2010) aponta

Porque a democracia não foi levada para domínios tecnicamente mediados da vida social, apesar de um século de lutas. É por que a tecnologia exclui a democracia, ou por que a primeira foi usada para bloquear a segunda? O peso dos argumentos apoia a segunda conclusão. A tecnologia pode apoiar mais de um tipo de civilização tecnológica, e, algum dia, ser incorporada em uma sociedade mais democrática que a nossa. Eles sugerem a criação de uma nova esfera pública que inclua o contexto técnico da vida social, e um estilo novo de racionalização que internalize custos não contabilizados, surgidos naturalmente, isto é, algo ou alguém que pode ser explorado, em busca de lucro (Feenberg, 2010, p. 93).

Assim, Feenberg constrói suas ideias visando aliar a democratização para que a Tecnologia seja também um produto cultural dependendo do ambiente cultural que o molda.

 

A DISCUSSÃO DO PROBLEMA DE NEUTRALIDADE TECNOLÓGICA NA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS A PARTIR DA FILOSOFIA DA TECNOLOGIA DE ANDREW FEENBERG

A sociedade atual pautada na unidimensionalidade utiliza a Tecnologia para perpetuar a dominação das pessoas sendo que a Tecnologia é abordada de forma neutra e descaracterizada de seus contextos de produção, dos valores e ideologias de tal forma que a neutralidade já afirma um posicionamento para a manutenção do status vigente. Com isso, a Educação em Ciências quando abordado unicamente para a memorização de exercícios por meio da repetição algorítmica leva a distância do contexto de produção e do desenvolvimento da criticidade perante as questões complexas atuais. Nesse sentido, é importante avançar não apenas em discussões sobre a Ciência como apontou Vianna (2022), ao discutir que Ciência ensinamos? Mas que também englobe a discussão da Tecnologia e de sua utilização para legitimação da dominação que é utilizada pela classe dominante para a disseminação de Fake News[5] catalisadas pelas redes sociais com interesses de propagar a sociedade unidimensional. Além disso, a Tecnologia, quando abordada de forma neutra nas aulas de Ciências, é um meio para propagar a desinformação científica[6] e o negacionismo científico[7].

Entendemos que a desinformação científica está diretamente relacionada com o poder das classes dominantes que utilizam a Tecnologia expresso nas mídias sociais para o controle utilizando para isso das seis categorias identificados na pesquisa de Born (2017), para se afirmarem no poder: (a) democratização da produção e da distribuição da informação no qual os indivíduos sem qualquer formação ou conhecimento podem produzir conteúdo sobre assuntos específicos como a eficácia de vacinas. (b) socialização da informação, em que os conteúdos são recebidos e compartilhados individualmente ou em grupos com rápida velocidade de propagação. (c) atomização que é compreendida como a separação das notícias de suas fontes. (d) O anonimato na criação e distribuição das informações. (e), personalização, em que os criadores de conteúdos podem avaliar a aceitabilidade dos conteúdos e enviar em tempo real. (f) A falta de regulação efetiva das plataformas de mídias sociais para barrar as notícias falsas. 

Já Cerigatto (2020) acrescentou a essa discussão ao apontar que a desinformação científica encontra adesão pelas pessoas pois está se baseia no alinhamento das ideologias dominantes aos seus preconceitos e crenças mesmo se tratando de notícias falsas orientando para a tomada de decisões sem fundamentações e com viés de controle político sobre o futuro de uma nação.

Nesse contexto, o negacionismo científico é potencializado com as mídias sociais favorecendo a desinformação científica e autores como Chaves e Melo (2019), Moscoso (2020), Mainieiri e Marques (2020); Letouze et al (2020); Bachur (2021); Pereira e Santos (2022), alertaram sobre os motivos que levam as pessoas a propagarem e defenderem as notícias falsas que distorcem a realidade para defender a ideologia dominante. E no meio digital das mídias sociais quando um fato ou pesquisa científica é discordante com a sua visão de mundo impregnado pela ideologia dominante as pessoas tem acesso a todas as ferramentas comunicacionais para ser ouvido por outras pessoas que pensam como ele e ser reafirmado a sua visão de mundo em detrimento dos fatos e de pesquisas científicas pois não condizem com a opinião delas. Com isso, as notícias falsas exercem um controle sobre o comportamento de grupos elucidando uma supremacia da visão de mundo de acordo com os ditames da classe dominante no qual seus participantes influenciam as pessoas a acreditar em algo tendo ou não evidências disso (Mcintyre, 2018).

Diante desses apontamentos concordamos que a falta de problematização de como a Tecnologia é produzida em relação as suas raízes epistemológicas, sociológicas e filosóficas levam os estudantes a terem uma visão unidimensional da Tecnologia e o sistema dominante aproveita para utilizá-la para se perpetuar no poder e disseminar a ideologia dominante de grupos conservadores e anticiência. Deste modo, para enfrentarmos esses desafios elegemos a democratização da Tecnologia como aporte para que a área de Educação em Ciências tenha um prisma de análise importante perante aos novas desafios na sociedade contemporânea. Com isso Feenberg (2022) defendeu

[...]“democratização da tecnologia” ou “racionalização democrática” (cf. Feenberg 1999, p. 72-148; 2019b, p.60-1). Ou seja, políticas fomentadas por grupos sociais excluídos, vítimas da industrialização etc. não apenas são legítimas-já que o desenvolvimento tecnológico sempre envolve questões sociais e disputas políticas-, como têm potencial de nas decisões técnicas, entendidas como um processo cultural indeterminado. Aliando-se, de certo modo, a uma “utopia democrática”, para Feenberg, em sociedades plurais e democráticas, a “desreificação” dos códigos técnicos tecnocráticos-capitalistas hegemônicos exigirá uma reconciliação de elementos ideologicamente apartados (por exemplo, tecnologia e política, especialistas e leigos) e a articulação de interesses, valores e perspectivas diversos (Feenberg, 2022, p.39-40). 

Nesse sentido, a democratização da Tecnologia permite que as pessoas de todos os grupos sociais, ou seja, de todas as classes sociais possam participar e que tenham voz no processo de produção de conhecimentos tecnológicos (Feenberg, 2022). E para isso ocorrer de forma efetiva a Educação em Ciências tem um papel fundamental ao propiciar discussões e a compreensão da construção de conhecimentos tecnológicos. Pois de acordo com Oliveira (2020) a Tecnologia surge requisitado como sendo um dos fatores centrais da sociedade contemporânea, evidenciado pela emergência de novos poderes tecnológicos com o desenvolvimento de dispositivos e processos, a oferta de produtos cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, o surgimento de novas esperanças e utopias, assim como, de novos riscos e perigos. Tais como, o risco da democracia com a novas ascensões de governos totalitários que perpetuam o flagelo da crítica estimulando a Tecnologia com o viés de neutralidade e como sendo universal independe das diversas culturas humanas o que nos leva a indagar qual o papel da democracia na produção tecnológica? Bem, Feenberg (1991) já apontava indícios disso ao defender que

[...] A democracia é um dos valores principais ao qual um industrialismo redesenhado poderia servir melhor. Mas o que significa democratizar a tecnologia? O problema não é primordialmente de direitos legais, mas de iniciativas e participação. As formas legais podem eventualmente rotinizar as reivindicações feitas pela primeira vez, informalmente, mas tais formas permanecerão ocas, a menos que emerjam da experiência e das necessidades dos indivíduos que resistem a uma hegemonia tecnológica específica. Essa resistência assume muitas formas, desde lutas sindicais por saúde e por segurança em usinas nucleares ou lutas comunitárias pela eliminação de lixo tóxico, até demandas políticas pela regulamentação das tecnologias de reprodução da espécie (Feenberg, 1991, p. 90).  

Dessa forma, a democratização da Tecnologia representa uma tentativa de resgate do diálogo qualificado, crítico, cientificamente embasado, filosoficamente construído e politicamente engajado (Oliveira, 2022). Isso permitirá que o enfretamento de visões de mundo na era da pós-verdade[8] seja mais firme e transformador possibilitando um mundo com mais justiça social e que a Tecnologia seja realmente um catalizador das mudanças que reforcem a democracia. Feenberg (2010), é enfático ao defender as mudanças na forma como abordarmos a Tecnologia que irá ser catalizador das transformações sociais quando tivermos uma esfera pública que seja representativa para elucidar o contexto técnico da vida social por meio do diálogo entre os grupos sociais criando assim um novo estilo da racionalização da Tecnologia que não seria mais um instrumento de dominação das pessoas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa pesquisa indicamos a importância do pensamento de Andrew Feenberg sobre a Filosofia da Tecnologia para a Educação em Ciências para tecemos discussões visando problematizar a neutralidade tecnológica que é utilizada para manter o status dominante e perpetuar a desinformação científica e o negacionismo científico abalando a saúde pública, o meio ambiente e a democracia. Assim, a democratização da Tecnologia proposta por Andrew Feenberg é uma possibilidade de superação desses obstáculos ao permitir a participação popular por meio do diálogo construtivo visando a construção coletiva do conhecimento a respeito da Tecnologia e seus impactos na sociedade, assim como, os vieses que a classe dominante pode utilizar para manter no poder por meio da Tecnologia conforme apontado por Feenberg (2022)

[...] Os códigos técnicos não são socialmente neutros nem “puros”. Pelo contrário, as demandas culturais e os valores ético-políticos guiam as escolhas relativas a especificações, critérios e requisitos obrigatórios/facultativos e/ou mínimos/máximos. Eles determinam os padrões a serem seguidos na construção de qualquer artefato ou tipo de solução técnica estabilizada, normatizando o trabalho técnico (Feenberg, 2022, p.34).

Diante disso, a Tecnologia não deve ser abordada como sendo isenta de valores, de ideologias, essa visão contribui para perpetuar a ideologia dominante enfraquecendo a democracia para manter a classe política no poder contribuindo para o aumento das desigualdades sociais. Assim, entendemos que o pensamento de Andrew Feenberg é importante para construirmos reflexões sobre o período que estamos enfrentando de pós-verdade marcado por desinformação científica e negacionismo científico pautado em Fake-News utilizando as mídias sociais para se disseminarem. Com isso, iremos em pesquisas futuras apontar estratégias para a construção do conhecimento tecnológico utilizando a democratização da Tecnologia para o enfrentamento da desinformação científica e do negacionismo científico contribuindo para que a Educação em Ciências seja transformadora perante as desigualdades perpetuadas na sociedade atual.

 

Recebido em: 15/02/2023

Aceito em: 14/05/2024

 

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[1] A ideologia é uma forma de razão que exclui qualquer tipo de transcendência potencialmente crítica ou mesmo qualquer ligação que permita rejeitar a harmonia e assim ela é apresentada como um tipo de progresso e têm em seu cerne a omissão do caráter opressivo e totalitário sendo utilizado para fins de controle das pessoas no seu subjetivo. Dessa forma, um ponto de vista político pode ser correto em relação ao seu conteúdo objetivo, mas é totalmente ideológico no seu conteúdo subjetivo (CHAUÍ, 2008).

[2] Andrew Feenberg é um Filósofo canadense que trabalha na área de Filosofia da Tecnologia e teve como seu orientador de Doutorado o pensador da Escola de Frankfurt Herbert Marcuse. As ideias de Feenberg sobre a Tecnologia não são tão radicais como do seu orientador, entretanto elas são críticas e importantes para pensar a Tecnologia para atuar na transformação democrática por isso optamos em eleger as ideias de Feenberg para tecermos as nossas contribuições nesse estudo e quando pertinente utilizamos para complementar a discussão as ideias de Marcuse. A base do pensamento de Feenberg para essa atuação democrática parte da sua proposta de teoria crítica da tecnologia que é um conceito imbricado na racionalidade tecnológica dialética. Assim, ele desenvolve ideias acerca da teoria da instrumentalização com a integração da crítica social da tecnologia, utilizando para isso de ideias de Filósofos como Karl Marx, Herbert Marcuse, Martin Heidegger, Jacques Ellul, para desenvolver seus próprios conceitos e aplicar em estudos de casos de estudos de Ciência e Tecnologia. As suas principais obras são: Teoria Crítica da Tecnologia, Modernidade Alternativa, Questionando a Tecnologia, Heidegger e Marcuse: a Catástrofe e a redenção da História, A Filosofia da Práxis: Marx, Lukács e a Escola de Frankfurt, Construtivismo Crítico Uma Filosofia da Tecnologia (CA, 2019).

[3] A sociedade unidimensional de acordo com Marcuse (1969) tem como a existência de apenas um modo de pensar e agir, resultado de um aglutinamento de resistência entre a razão e realidade e também entre teoria e prática, bem como, o pensamento não apresenta a capacidade negadora e está preso à realidade social não sendo capaz de transcender.

[4] Foi com a primeira geração da Escola de Frankfurt que os pensadores dessa escola propuseram suas ideias acerca da crítica da Tecnologia, dentre esses pensadores destacaram Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse no qual destacaram que a nossa sociedade é tecnocrática e a cultura é colonizada por uma racionalidade técnica, assim não unicamente a cultura é tecnológica, mas a tecnologia está presente em toda a sociedade e ela é modificada para o controle tecnocrático das pessoas (FEENBERG, 2022).

[5] As Fake News são traduzidas da língua inglesa como sendo notícias falsas trata-se da utilização com o propósito de enganar por meio de informações contra um assunto ou pessoa é criado um falso contexto que se parece com um conteúdo original e também pode ocorrer quando uma informação é retira do seu lugar histórico de publicação e é repostada com edição de informações para convencer o público que aquela notícia é verdade (CAIXETA, 2021).

[6] A desinformação refere-se à criação e o compartilhamento intencional de informações que são reconhecidamente falsas e que tem o objetivo de provocar danos para instituições/pessoas (Bezerra, Magno e Maia, 2021).

[7] O negacionismo científico para Hansson (2017), ocorre a partir de quatro características que são a seletividade, negligência de informações já refutadas, fabricação de controvérsias falsas e a criação de critérios que não estão condizentes com a comprovação dos fatos. Na primeira característica temos a escolha de apenas informações e conhecimentos científicos que estejam de acordo com as ideias negacionistas. A segunda característica ocorre quando selecionam fatos que façam sentido para as suas ideias e ignoram todos os conhecimentos que refutam as suas ideias. Na controvérsia falsa temos o levantamento de dúvidas sobre conhecimentos científicos já aceitos pela comunidade científica com o intuito de afirmarem que não temos um consenso sobre determinados temas. E na última característica temos a criação de critérios que são impossíveis de serem implementados na construção científica para fundamentar as suas afirmações e criarem padrões próprios de análise da realidade.

[8] A pós-verdade refere-se ao termo relativo que denota circunstâncias em que os fatos objetivos são menos importantes para elucidar a opinião pública do que os argumentos de emoção e crença pessoal (OXFORD, 2016).