GESTÃO SUSTENTÁVEL DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DO LEITE:  UMA REVISÃO SISTEMÁTICADA LITERATURA

 

Eliana das Dores Dias de Oliveira Sousa[1]

Matheus Henrique Barbosa[2]

Michele Morais Oliveira Pereira[3]

Cauane Pereira da Silva[4]

 

Resumo: Este estudo investigou como a literatura tem abordado a gestão da sustentabilidade na cadeia de suprimentos do leite. Para isso, realizou-se uma revisão sistemática da literatura. Os resultados indicaram que, globalmente, a adoção de práticas sustentáveis no setor lácteo tem trazido benefícios como aumento da produtividade, redução de custos operacionais e fortalecimento da reputação das empresas. Além disso, políticas públicas nos países têm incentivado práticas sustentáveis o que, consequentemente, têm aumentado a competitividade do setor. No entanto, desafios como altos custos de implementação e resistência às mudanças ainda dificultam essa transição. Pesquisas futuras podem explorar estratégias para superar barreiras econômicas e institucionais, promovendo a adoção da sustentabilidade no setor.

Palavras-chave: Gestão Sustentável da Cadeias de Suprimentos; Setor lácteo; Gestão de Operações; Revisão Sistemática da Literatura.

 

SUSTAINABLE DAIRY SUPPLY CHAIN MANAGEMENT: A SYSTEMATIC LITERATURE REVIEW

Abstract: This study investigated how the literature has explored sustainability management in the dairy supply chain. A systematic literature review was conducted. The findings indicate that, globally, adopting sustainable practices in the dairy sector brings benefits such as increased productivity, reduced operating costs, and strengthened corporate reputation. In addition, public policies in each country have encouraged sustainable practices, increasing the competitiveness in this sector. However, companies in this supply chain have faced challenges such as high costs of implementing sustainable practices and resistance to changes, which still hinder this transition. Future research can explore strategies to surpass economic and institutional barriers by enabling sustainability adoption in the sector.

Keywords: Sustainable Supply Chain Management; Dairy Sector; Operations Management; Systematic Literature Review.

 

Recebidoem:06/04/2025

Aceitoem:12/06/2025

Publicadoem: 15/08/2025

 

 

1. Introdução

As cadeias agroalimentares atuam na produção e distribuição de alimentos garantindo o fornecimento destes produtos à população e são relevantes também para geração de empregos e de riqueza em vários países (FAO, 2023). A crescente demanda por alimentos tem pressionado cada vez mais estas cadeias a buscarem eficiência e produtividade e, para além disso, a adoção de práticas de sustentabilidade (Gualandris et al., 2024). As operações destas cadeias são responsáveis por muitos impactos ambientais tais como o uso excessivo de recursos naturais, excessiva geração de resíduos, contaminação da água e a emissão de gases de efeito estufa (GEE) (Buckley &Donnellan, 2020). Quanto às questões sociais, crescem os desafios de garantir o bem-estar de seus trabalhadores e das comunidades no entorno das áreas produtivas (Mattews& Silva, 2024). Neste contexto, opta-se por estudar a cadeia produtiva do leite, relevante quanto ao suprimento de aspectos nutricionais da população e por sua importância social e econômica.

A cadeia do leite é formada por quatro elos principais: o primeiro refere-se à produção de insumos (matéria-prima, equipamentos, crédito, serviços e pesquisa); o segundo à produção leiteira propriamente dita (envolvendo produtores e rebanho); o terceiro à indústria (processamento e logística); e o quarto elo são os consumidores, cuja demanda influencia diretamente a produção e a distribuição (Sparemberger et al., 2009). A maioria dos estudos brasileiros sobre sustentabilidade em cadeias de suprimentos abordaram apenas aspectos econômicos ou ambientais (Silva et al., 2017). No contexto das cadeias de suprimentos agroalimentares, poucas pesquisas foram realizadas considerando-se todas as dimensões do TBL – Triple BottomLine (Allaoui et al., 2018), ou seja, considerando-se os aspectos ambientais, sociais e econômicos (Elkington, 2004).

O leite e seus derivados são globalmente considerados alguns dos principais produtos da dieta humana (Kazancoglu et al., 2018) pois fornecem proteínas e minerais essenciais para o crescimento e a manutenção da saúde humana. A cadeia do leite mantém milhões de empregos e tem forte impacto na economia mundial (Glover et al., 2014). Nesse sentido, compreender como estas cadeias gerenciam a sustentabilidade em suas operações é relevante para ampliar entendimento deste setor, o que pode embasar a elaboração de estratégias e de políticas públicas voltadas à competitividade e sustentabilidade no setor (Foster et al., 2007).

Com base nestes argumentos, este estudo buscou responder às seguintes questões: (i) Como a literatura sobre sustentabilidade em cadeias de suprimentos do setor lácteo tem evoluído nos últimos anos? (ii) De que maneira essa literatura tem discutido a gestão da sustentabilidade na cadeia de suprimentos do leite? Assim, o objetivo desta pesquisa foi analisar como a literatura tem discutido a sustentabilidade na cadeia de suprimentos do setor lácteo. Realizou-se, portanto, uma revisão sistemática da literatura envolvendo análises descritivas e temáticas.

O estudo contribui ao identificar e sistematizar como a literatura tem demonstrado os drivers à adoção de sustentabilidade nesta cadeia, as iniciativas de sustentabilidade praticadas, as barreiras à adoção de sustentabilidade e os resultados decorrentes da adoção de iniciativas de sustentabilidade no setor. Do ponto de vista teórico, esta pesquisa contribui, portanto, para a organização do conhecimento sobre gestão sustentável na cadeia produtiva do leite demonstrando como estratégias diversas impactam a gestão e a competitividade no setor.

 

2. Referencial teórico

A sustentabilidade tem se tornado um desafio à atuação das empresas e cadeias de suprimentos agroalimentares em um mercado cada vez mais competitivo e globalizado (FAO, 2023). Elas têm precisado inserir em suas estratégias as três dimensões da sustentabilidade, pois, além de buscarem melhor desempenho econômico, também melhores resultados quanto a aspectos sociais e ambientais (Neutzling et al., 2018).

A gestão sustentável da cadeia de suprimento refere-se à gestão dos fluxos de cadeia de suprimentos orientada por metas de sustentabilidade (Seuring & Müller, 2008). Esta foca, principalmente, em aspectos econômicos, ambientais e sociais (Pereira et al., 2023; Seuring & Müller, 2008). Frente à crise climática e seus efeitos é crucial que estas cadeias de suprimentos estejam alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) das Nações Unidas.

Elas devem atuar com estratégias focadas no aumento da produção sustentável (ODS 2 e ODS 12), na promoção do crescimento econômico inclusivo e sustentável e no trabalho produtivo e decente para todos (ODS 1 e ODS 8), que são ações de combate às mudanças climáticas e seus impactos (ODS 13). As operações destas cadeias de suprimentos necessitam, portanto, de avançar na adoção de sustentabilidade, visto que desempenham um papel importante na redução dos impactos negativos de seus processos no solo, na água, no ar, na vida animal e, consequentemente, na vida humana.

Tem-se argumentado que adoção de sustentabilidade nas cadeias de suprimentos agroalimentares ainda tem se dado em função de foco no aumento da eficiência nos processos e ganhos em competitividade (Gualandris et al., 2024). Esses desafios estão relacionados a: redução das perdas de alimentos (Kazancoglu et al., 2018), redução no uso de energia e água (Bergendahl et al., 2018), otimização da logística e melhoria na gestão de armazenamento (Heard et al., 2018), melhora na saúde dos animais (nas indústrias de carne e leite) (OECD, 2023) e redução nas emissões de gases de efeito estufa (Barros et al., 2022).

A cadeia do leite e seus derivados foi escolhida para esse estudo por sua importância global no abastecimento de alimentos (Foster et al., 2007) e devido aos impactos de suas operações nas mudanças climáticas (Rad& Lewis 2014). Esta cadeia é complexa e envolve muitas organizações. Muitos são os processos e os produtos são muito perecíveis, utilizando muita energia elétrica e água durante as operações (Glover et al., 2014).

Apesar da crescente pressão por mais iniciativas de sustentabilidade nesta cadeia, barreiras como altos custos das mudanças em processos e ineficaz comunicação entre os participantes desta cadeia de suprimentos pode estar inviabilizando a efetiva adoção de sustentabilidade (Santarem&Begnis, 2021). Para superar estes obstáculos, tem-se argumentado que é relevante uma melhor compreensão e identificação destes pois, a partir da identificação destes obstáculos, é possível traçar estratégias para superá-los (Jia et al., 2018).

 

3. Procedimentos metodológicos

Recorremos ao método de revisão sistemática da literatura para responder às questões da pesquisa. Este método é relevante pois possibilita analisar as contribuições de publicações em um determinado campo de estudo por meio da integração dos achados no conteúdo de artigos importantes coletados de uma maneira específica (Seuring & Gold, 2012). Esta revisão sistemática foi realizada usando o protocolo de quatro etapas proposto por Seuring e Gold (2012): (i) coleta de materiais para análise; (ii)análise descritiva; (iii) identificação das categorias; e (iv) avaliação de materiais, conforme detalhado a seguir.

 

3.1 Coleta de materiais

A base de dados escolhida para as buscas foi a Web of Science. Esta foi escolhida por possuir publicações de instituições renomadas além de estudos relevantes e atualizados (Dahlander&Gann, 2010). As buscas foram realizadas em outubro e novembro de 2024, sem restrições quanto às ciências ou disciplina acadêmica, periódicos ou datas de publicação. Os únicos critérios utilizados como filtros foram que os artigos fossem classificados como artigos revisados ​​por pares e escritos em inglês. A escolha da língua inglesa se deu devido ao interesse de melhor compreender o que tem sido estudado globalmente sobre o tema de pesquisa. As buscas não restringiram a data de publicação dos artigos e foram utilizadas as seguintes palavras-chave: (“Milk” OR “Dairy”) AND “Supplychain” AND “Sustainability”. Foram encontrados 165 artigos.

Após a leitura dos resumos de todos os artigos encontrados (Durach et al., 2017), do total de 165 estudos, 20 deles foram selecionados para análise aprofundada. A seleção priorizou artigos que abordassem práticas sustentáveis relacionadas à cadeia produtiva do leite. Foram descartados da amostra os artigos que não tratavam especificamente de operações na cadeia do leite ou que não tratavam de sustentabilidade no setor.

 

3.2 Análise descritiva

Foram identificadas as principais características dos artigos como a evolução das publicações ao longo do tempo e os periódicos em que eles foram publicados (Seuring & Gold, 2012). As seguintes informações também foram detalhadas: país de estudo (Jia et al., 2018) e elo da cadeia analisado. No que se refere ao conceito de sustentabilidade adotado neste estudo, considerou-se as três dimensões do Triple BottomLine (Elkington, 2004) por ser esta a principal abordagem adotada nos estudos sobre gestão sustentável de cadeia de suprimentos (Touboulic& Walker, 2015).

 

3.3 Identificação de categorias

Os dados foram interpretados por meio da análise de conteúdo, utilizando-se técnicas dedutivas (Mayring, 2000; Seuring& Gold, 2012). Conceitos provenientes da literatura foram utilizados com o intuito de conduzir um processo de codificação dedutiva (Simsek et al., 2021). As categorias de análise se basearam em Jia et al. (2018): (1) fatores impulsionadores à sustentabilidade; (2) mecanismos (ou iniciativas de sustentabilidade); (3) barreiras à adoção de sustentabilidade; e (4) resultados/outcomes da adoção de iniciativas de sustentabilidade.

 

3.4 Avaliação de materiais

A seleção final de artigos foi estruturada em arquivo Excel, favorecendo a análise dos resultados (Seuring & Gold, 2012). A relação completa e os resultados estão disponíveis no Quadro 2. Em relação à validação interna, foram conduzidas várias etapas de análise e classificação para assegurar que todas as informações abordadas nos artigos selecionados fossem inseridas.

 

4. Resultados e discussão

Nesta seção, são apresentados os principais resultados deste estudo. Inicialmente, respondendo à primeira pergunta de pesquisa, são apresentados os dados relativos às publicações analisadas e, no tópico seguinte, apresenta-se como a literatura aborda os drivers, as barreiras e as estratégias de redução dos impactos na cadeia de suprimentos do setor lácteo, o que responde à segunda pergunta do estudo.

 

4.1 Análise descritiva

Embora o primeiro artigo identificado tenha sido publicado em 2018, a maioria dos artigos foram publicados entre 2019 e 2023, evidenciando a relevância e a atualidade do tema nos estudos acadêmicos (Figura 1).

A análise temporal revela uma tendência de crescimento nas publicações nos últimos anos, com destaque para 2019, que concentra o maior número de estudos (5), seguido por 2021 (4) e 2023 (4). Esse aumento reflete o crescente interesse em modelos produtivos mais eficientes, digitalização da pecuária e novas abordagens para sustentabilidade no setor agroalimentar.

 

 

Figura 1. Evolução das publicações ao longo dos anos

Fonte: Elaborado pelos autores (2025)

 

 

 Os artigos analisados estão distribuídos em um total de nove periódicos diferentes, com maior número de artigos publicados no JournalofCleanerProduction (6) e Frontiers in Sustainable Food Systems (4) nos demais periódicos foram encontrados apenas uma publicação relacionada ao tema, evidenciando a disseminação distinta das áreas relacionadas ao tema. O que evidencia como o tema da sustentabilidade está sendo explorado em contextos e disciplinas diferentes, indicando a crescente relevância em múltiplos setores de conhecimento. A relação entre o número de artigos publicados em cada periódico está evidenciada no Quadro 1:

 

Quadro 1. Distribuição dos artigos nos periódicos

Fonte: Elaborado pelos autores (2025).

 

 

Os artigos analisados revelam uma ampla distribuição geográfica com predomínio da Europa (10), seguida pela Ásia (4), África (3) e Oceania (1), além de dois estudos comparativos que incluem múltiplas regiões. Os estudos realizados na Europa demonstraram os investimentos em práticas sustentáveis e inovação na cadeia do leite, enquanto os estudos na África e Ásia evidenciaram desafios estruturais e mudanças no mercado do leite. Mais detalhes sobre as publicações analisadas estão dispostos no Quadro 2.

 

Quadro 2. Informações sobre os artigos da amostra

Fonte: Elaborado pelos autores (2025)

 

 Os artigos baseiam-se em estudos voltados à sustentabilidade no processamento e indústria de laticínios (7), no consumo e percepção do mercado (5), na logística e distribuição (2), na inovação tecnológica (2) e na economia circular (1). Além disso, três estudos analisam a produção e a sustentabilidade na pecuária, refletindo também a preocupação com a eficiência produtiva e os impactos ambientais neste elo da cadeia.

 

4.2. Análise temática

Visando responder à segunda pergunta de pesquisa, neste tópico, os dados são apresentados com foco em quatro temas: (i) fatores impulsionadores à sustentabilidade; (2) mecanismos (ou iniciativas de sustentabilidade); (3) barreiras à adoção de sustentabilidade; e (4) resultados/outcomes a partir da adoção de iniciativas de sustentabilidade.

 

4.2.1. Fatores impulsionadores à sustentabilidade

Os artigos analisados apontam três principais fatores que impulsionam a sustentabilidade no setor: avanços tecnológicos, políticas públicas e mudanças nas preferências do consumidor. O desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas, como manejo de pastagens e avaliação do ciclo de vida foram citados como essenciais para melhorar a eficiência e reduzir impactos ambientais (Artigo 1 e Artigo 9).

Um estudo sobre a indústria de laticínios na Irlanda apontou que as regulamentações ambientais, como o sistema de comércio de emissões da União Europeia, incentivaram empresas a adotar práticas mais sustentáveis, incluindo a obtenção de certificações que garantem maior eficiência energética e redução de emissões de carbono​ (Artigo 13). Glasbergen (2018) e Pereira et al. (2023) enfatizam que regulamentações ambientais como esta têm impulsionado mudanças estruturais no setor, exigindo maior transparência e adoção de certificações ambientais para garantir competitividade. A preferência dos consumidores por produtos sustentáveis, ainda que limitada, tem também incentivado a adoção de práticas mais verdes (Artigo 4 e Artigo 14).

A valorização de resíduos por meio da economia circular também tem sido uma estratégia relevante, incluindo a reciclagem de subprodutos da indústria de queijos (Artigo 6 e Artigo 19). O reaproveitamento desses resíduos não só tem reduzido os desperdícios neste setor, mas também melhorado a eficiência no uso da água e minimizado os impactos ambientais (Nogueira & Dantas, 2023).

 

4.2.2. Mecanismos (iniciativas de sustentabilidade).

Diversos mecanismos foram identificados como fundamentais para a implementação da sustentabilidade no setor. A redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) por meio de tecnologias que otimizam a produtividade animal e a transição para energia renovável têm sido exemplos de mecanismos eficazes (Artigo 1 e Artigo 9). Essas estratégias têm sido relevantes para mitigar os impactos ambientais no setor (Chirinda et al., 2021) especialmente devido à elevada emissão de metano. Além disso, práticas de manejo sustentável e reciclagem de resíduos têm contribuído para mitigação de impactos ambientais e aumento na produtividade (Artigo 8 e Artigo 17).

Nogueira e Dantas (2023) também ressaltaram que a cadeia produtiva do leite demanda estratégias eficazes de destinação e reuso de resíduos para minimizar os impactos ambientais e garantir maior eficiência no uso da água. A indústria leiteira gera diversos subprodutos, como o soro do leite, que pode representar um problema ambiental se descartado de forma inadequada (Artigo 6 e Artigo 19). Sua valorização tem sido um foco crescente, como o uso em embalagens sustentáveis e materiais biomédicos, promovendo uma economia circular no setor.

A adoção de processos de recuperação de proteínas e compostos dos resíduos lácteos tem reduzido o desperdício e gerando insumos para indústrias como a têxtil e a cosmética, mitigando impactos ambientais da cadeia produtiva do leite e agregando valor econômico a materiais que anteriormente eram descartados (Artigo 6 e Artigo 19).

Ações voltadas para a conscientização do consumidor podem fortalecer o engajamento dos stakeholders e promover mudanças estruturais no mercado (Chirinda et al., 2021). Estudos mostram que consumidores estão mais propensos a escolher produtos com certificações ambientais e sustentáveis, o que pode influenciar a indústria a adotar práticas mais responsáveis (Artigo 4 e Artigo 14).

O uso de tecnologias digitais também tem se mostrado uma ferramenta poderosa para aprimorar a gestão de recursos e fornecer dados precisos para intervenções sustentáveis no setor. Sensores remotos e sistemas automatizados monitoram solo, forragem e condições ambientais, esses dispositivos capturam e analisam dados em tempo real, permitindo que os produtores façam ajustes rápidos na alimentação do gado, otimizando o uso dos recursos naturais (Artigo 15).

 Cercas virtuais, com colares eletrônicos, controlam o deslocamento do gado sem barreiras físicas, reduzindo impactos ambientais. Sensores implantáveis e inteligência artificial também monitoram a saúde animal (Artigo 15) detectando doenças precocemente e ajustando dietas de forma eficiente. Essas inovações aumentam a sustentabilidade e a produtividade no setor.

 

4.2.3. Barreiras à adoção de sustentabilidade.

Apesar das iniciativas promissoras, diversas barreiras ainda dificultam a adoção de práticas sustentáveis no setor. A baixa adoção de tecnologias por parte dos produtores de leite tem se dado, principalmente, devido à falta de evidências de benefícios financeiros diretos (Artigo 1) , assim como afirma (Molina et al., 2023) bem como à escassez de informações e de conscientização sobre os impactos ambientais no setor lácteo (Chirinda et al., 2021). A baixa adoção de práticas sustentáveis no setor leiteiro se deve mais a barreiras econômicas e estruturais, como custos elevados, falta de incentivos e dificuldades no acesso ao crédito, do que à falta de conhecimento técnico.

A escassez de dados locais sobre emissões de GEE e sustentabilidade dificulta a formulação de estratégias adaptadas, tornando a transição mais desafiadora (Artigo 3 e Artigo 4). A maioria dos dados disponíveis é baseada em estudos conduzidos em países desenvolvidos, o que pode não refletir a realidade de sistemas produtivos em diferentes regiões​. Muitos estudos e iniciativas não integram suficientemente os aspectos ecológicos, sociais e econômicos da sustentabilidade (Artigo 11 e Artigo 13).

Questões financeiras e socioeconômicas também impactam negativamente a adoção da sustentabilidade, tais como os altos custos iniciais de implementação de iniciativas de sustentabilidade, a falta de acesso à informação e a resistência cultural às mudanças (Artigo 3 e Artigo 4). Esses achados corroboram com Santarem e Begnis (2021) que também evidenciaram altos custos, esforço de coordenação, complexidade ou a falta de comunicação na cadeia de suprimentos como barreiras à implementação da sustentabilidade na cadeia do leite.

Metas globais como aquelas estabelecidas na Agenda 2030 como, por exemplo, o ODS 12 (Consumo e produção responsáveis), o ODS 13 (Combate às alterações climáticas e o ODS 15 (Vida sobre a terra) enfrentam obstáculos devido ao uso intensivo de insumos e à baixa produtividade de pequenos produtores (Artigo 7 e Artigo 12).  Tais barreiras se alinham às dificuldades apontadas por Molina et al. (2023) ao destacarem a resistência dos produtores à adoção de novas tecnologias pela ausência de evidências concretas de benefícios financeiros. A conscientização limitada dos consumidores também representa um desafio, pois a sustentabilidade ainda não é um fator prioritário na escolha de alimentos, sendo superado por critérios como preço e aspectos nutricionais (Artigo 18).

Muitas cadeias produtivas não consideram adequadamente as métricas de sustentabilidade, o que limita seu impacto positivo (Artigo 13) evidenciando necessidade de maior integração entre sustentabilidade e competitividade no setor, reforçando também a importância da governança na adoção de práticas ambientais eficazes (Chirinda et al., 2021).

 

4.2.4. Resultados/outcomes a partir da adoção de iniciativas de sustentabilidade

Em alguns estudos, os consumidores associaram produtos ecologicamente corretos à maior segurança e qualidade (Artigo 14 e Artigo 4) e se mostraram dispostos a pagar mais por produtos com certificações ambientais (Artigo 4 e Artigo 10). Na China, a produção verde teve um efeito positivo e significativo nas preferências por produtos lácteos sustentáveis (Artigo 4). Estas tendências reforçam que as certificações ambientais têm atuado como diferencial competitivo aumentando a confiança dos consumidores e fortalecendo a reputação das empresas (Glasbergen, 2018; Pereira et al., 2023).

Fazendas que adotaram tecnologias nos processos de manejo de pastagens evidenciaram melhor desempenho operacional e financeiro. Isso porque tais práticas aumentaram a produtividade do rebanho, reduziram custos com alimentação dos animais e minimizam impactos ambientais (Artigo 9). Estratégias como a diversificação das forragens e a rotação de pastagens também garantiram melhor aproveitamento dos recursos naturais resultando em maior produção de leite por hectare e maior rentabilidade para os produtores (Artigo 9).

A reciclagem de resíduos agrícolas tem sido uma solução eficiente para reduzir custos e melhorar a lucratividade. O reaproveitamento de subprodutos agrícolas, como restos de colheitas e resíduos da produção leiteira tem permitido a substituição de insumos caros tornando a produção mais competitiva e financeiramente sustentável (Artigo 17).

Na Índia, ações governamentais voltadas à sustentabilidade no setor de laticínios impulsionaram a lucratividade das indústrias ao incentivar investimentos em infraestrutura e modernização. Em vez de apenas impor regulações mais rígidas, o governo incentivou melhorias na cadeia de frio e na adoção de tecnologias que reduziram desperdícios e custos operacionais, tornando a produção mais eficiente (Artigo 11). Essas mudanças permitiram que as empresas aumentassem sua produtividade e competitividade resultando em maior rentabilidade. Além disso, empresas que comunicaram de forma transparente suas práticas sustentáveis conquistaram maior confiança dos consumidores fortalecendo sua reputação e ampliando sua participação no mercado (Artigo 2).

O investimento em sustentabilidade ambiental das fazendas leiteiras por meio da adoção de tecnologias de manejo de gramíneas tem tornado a produção mais eficiente e com menos impactos ambientais (Artigo 1). Fazendas que adotaram tecnologias sustentáveis como sensores inteligentes e automação para monitoramento de rebanhos e gestão eficiente de recursos apresentaram maior produtividade e redução de custos operacionais (Artigo 12).

Organizações indianas do setor lácteo evidenciaram que melhorias em logística e distribuição foram fundamentais na redução de desperdícios e, consequentemente, na integração e sustentabilidade na cadeia produtiva (Artigo 14). Tais melhorias foram essenciais para o fortalecimento das marcas e melhoria da competitividade das empresas (Mangla et al., 2019)​.

Apesar das barreiras apresentadas no tópico anterior (custos iniciais e resistência às mudanças, por exemplo), os benefícios aos agentes da cadeia do leite são evidentes. Os resultados deste estudo reforçam que empresas que investem em sustentabilidade não apenas reduzem seu impacto ambiental, mas também conquistam vantagens competitivas como maior aceitação no mercado, ganhos operacionais e fortalecimento da reputação.

 

5. Considerações finais

Neste estudo, demonstrou-se como a literatura tem analisado a gestão da sustentabilidade na cadeia produtiva do leite, discutindo fatores que impulsionam ou dificultam a adoção de iniciativas de sustentabilidade, que práticas têm sido implementadas e os resultados obtidos a partir de tais práticas. Quanto às iniciativas de sustentabilidade, identificou-se que a digitalização da produção e o fortalecimento da economia circular têm sido estratégias fundamentais para redução dos impactos ambientais e melhoria na eficiência da cadeia produtiva do leite. A adoção de tecnologias sustentáveis tais como sensores inteligentes e automação têm contribuído para o aumento da produtividade e a redução de custos operacionais. As principais barreiras à sustentabilidade evidenciadas foram os altos custos iniciais, a resistência às mudanças por parte dos produtores de leite e a falta de incentivos financeiros.

Do ponto de vista teórico, esta pesquisa contribui para a organização do conhecimento sobre sustentabilidade na cadeia produtiva do leite demonstrando como diferentes estratégias de sustentabilidade impactam a gestão do setor. Gerencialmente, os achados deste estudo reforçam a importância da digitalização e da adoção de práticas sustentáveis para melhorar competitividade e eficiência. Em um contexto mais amplo, a pesquisa também sugere que políticas públicas mais estruturadas e incentivos financeiros podem facilitar a transição para modelos produtivos mais sustentáveis na cadeia do leite.

Como limitação do estudo, tem-se que foram analisados estudos presentes em apenas uma base de dados internacional, o que pode limitar a abrangência dos achados. Pesquisas futuras podem aprofundar em como governos e empresas podem inovar e atuar em conjunto para superar as barreiras econômicas e operacionais na cadeia do leite, o que pode embasar a implementação de estratégias sustentáveis neste setor.

Diante dos achados desta revisão sistemática, é possível afirmar que as informações obtidas podem ser extremamente úteis para a gestão da sustentabilidade na cadeia produtiva do leite no Brasil. As experiências internacionais, especialmente em países desenvolvidos como Irlanda, Nova Zelândia e Alemanha, demonstram que investimentos em tecnologias digitais, economia circular e políticas públicas bem estruturadas são fundamentais para superar desafios como altos custos, resistência dos produtores e a falta de infraestrutura. Esses aprendizados mostram que o Brasil pode adaptar estratégias já consolidadas em outros contextos, considerando as especificidades locais.

Para os gestores brasileiros, os resultados deste estudo oferecem diretrizes claras sobre as iniciativas mais promissoras e os principais obstáculos a serem enfrentados. Já para formuladores de políticas, o estudo reforça a importância de criar programas de apoio técnico, capacitação, financiamento e incentivos fiscais, além de estimular a integração entre produtores, indústrias e consumidores. Assim, a adoção de práticas sustentáveis pode ser acelerada, melhorando a competitividade e a eficiência da cadeia do leite no país.

 

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