Lógica institucional de sustentabilidade: um estudo sobre a atuação de microempreendedores individuais e organizações de apoio ao empreendedorismo

Vanessa de Paiva da Silva1

Matheus Henrique Barbosa2

Michele Morais Oliveira Pereira3

Clarissa Dourado Freire4

 

Resumo

Este estudo buscou compreender a atuação de microempreendedores individuais e das organizações de apoio ao empreendedorismo em relação à sustentabilidade. Especificamente, analisou-se se tem ocorrido a Lógica Institucional de Sustentabilidade (LIS) nas iniciativas sustentáveis praticadas por tais microempreendedores, a partir de conteúdos dispostos na internet tais como reportagens, vídeos, e artigos científicos. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa no qual utilizou-se a análise documental e a análise de conteúdo. Os resultados mostraram que os microempreendedores individuais têm atuado em iniciativas de sustentabilidade na busca por negócios mais sustentáveis e verificou-se a existência da LIS nestas iniciativas. O estudo é relevante por trazer visibilidade a este público de empreendedores bem como por indicar a relevância destes quanto ao foco de políticas públicas voltadas ao incentivo da sustentabilidade em pequenos negócios.

Palavras-chave: Iniciativas de Sustentabilidade; Pequenos Negócios; Aspectos Culturais; Estratégia.

 

Institutional logic of sustainability: a study on the performance of individual microentrepreneurs and organizations supporting entrepreneurship

 

Abstract

This study sought to understand the performance of individual microentrepreneurs and organizations that support entrepreneurship in relation to sustainability. Specifically, it was analyzed whether the Institutional Logic of Sustainability (ISL) has occurred in the sustainable initiatives practiced by such microentrepreneurs, based on content available on the internet such as reports, videos, and scientific articles. This is a qualitative study in which documentary analysis and content analysis were used. The results showed that individual microentrepreneurs have been active in sustainability initiatives in the search for more sustainable businesses and the existence of LIS in these initiatives was verified. The study is relevant for bringing visibility to this audience of entrepreneurs as well as for indicating their relevance in the focus of public policies aimed at encouraging sustainability in small businesses.

Keywords: Sustainability initiatives; Small Business; Cultural Aspects; Strategy.

 

Recebido em: 05/10/2014

Aceito em: 23/12/2024

Publicado em: 10/04/2025

 

1. Introdução

A sustentabilidade na gestão tem adquirido cada vez mais relevância (Silva & Figueiredo, 2017; Santos & Silva, 2020). Os consumidores, cada vez mais conscientes dos valores socioambientais, têm expectativas e valorizam iniciativas de sustentabilidade por parte das organizações (Santos & Silva, 2020). Portanto, é crucial identificar empiricamente a situação atual das iniciativas sustentáveis nos negócios (Alves & Silva, 2020), não apenas em empresas de grande porte, mas também analisar como e porque microempreendedores têm implementado estratégias de sustentabilidade (Rodrigues, 2021). Aqui, por sustentabilidade, entende-se como o conjunto de esforços das organizações para alcançar simultaneamente prosperidade econômica, equidade social e qualidade ambiental (Dyllick&Hockerts, 2002).

Nesse sentido, tem-se a abordagem da lógica institucional (LI) que busca analisar as práticas e crenças presentes nas instituições (Rodrigues, 2021). A lógica institucional é entendida como uma construção coletiva de um conjunto de práticas e comportamentos, que considera tanto aspectos materiais como simbólicos (Alves & Silva, 2020).

Esta perspectiva auxilia na compreensão dos processos pelos quais as instituições e processos de gestão surgem e se modificam (Cervi&Christopoulos, 2024). As lógicas institucionais se referem a elementos culturais que afetam as atividades cotidianas de pessoas, grupos e organizações. Elas incluem valores e expectativas normativas que podem guiar padrões e ações (Haveman&Gualtieri, 2016).

Originada da teoria institucional, a lógica institucional foi introduzida por Alford e Friedland (1985) com o propósito de melhor explicar tais aspectos nas organizações. A lógica institucional, quando aplicada à sustentabilidade, auxilia na compreensão de como tem-seorientado as iniciativas de sustentabilidade nos negócios (Silva & Figueiredo, 2017). Estes autores argumentam que a prática legítima da sustentabilidade é guiada por um sentido específico, o que leva consequentemente, à criação da lógica institucional da sustentabilidade (LIS).

Essa perspectiva argumenta que a sustentabilidade tem se tornado uma prática incorporada a uma estrutura estável, ao mesmo tempo permeável (Silva, 2015). Para observar a existência da LIS nas práticas de sustentabilidade deve-se atentar aos seus elementos: empreendedor institucional, sequência de eventos, mudança de estrutura e práticas de sustentabilidade (Silva, 2015) explicitados na seção 2.1 deste artigo.

No empreendedorismo, há a figura do empreendedor individual (Ruthes, 2009), que são indivíduos que trabalham por conta própria e se formalizaram como Microempreendedores Individuais (Sousa & Santos, 2017; de Lourdes Prado et al., 2014) e seu ingresso no empreendedorismo se dá principalmente pela necessidade de subsistência. O MEI está regulamentado pela Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008 que alterou a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006).

Cabe ressaltar que práticas de sustentabilidade em pequenos negócios podem contribuir significativamente no contexto brasileiro (Santos & Silva, 2020) visto que, no país, os microempreendedores individuais já correspondiam no ano de 2020 a mais da metade dos negócios em funcionamento (Gov.br, 2021). O último censo realizado pelo IBGE em 2022 relatou que no Brasil havia 14,6 milhões de microempreendedores individuais, o que correspondia a 18,8% do total de ocupados formais e que entre os anos de 2021 e 2022 o número de MEI´s empregadores (com funcionário) cresceu de 104,1 mil para 133,8 mil (Gov.br, 2024).

Também é válido considerar o impacto da pandemia do Covid-19 neste cenário de crescimento no número de microempreendedores individuais, visto que muitos trabalhadores perderam seus empregos e encontraram no empreendedorismo uma forma de manter o sustento das suas famílias (Rosa et al, 2022). Tal crise epidemiológica iniciou-se no Brasil em 2020, ano em que o país apresentou o melhor desempenho em relação a abertura de novas empresas, foram 3.359.750 novos negócios dos quais 2.663.309 eram MEIs, segundo o Ministério da Economia (Gov.br, 2021).

Uma pesquisa realizada pelo SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e divulgada pelo Atlas dos Pequenos Negócios informou que os Microempreendedores Individuais (MEI) fizeram circular em 2022 mais de R$ 11 bilhões por mês, o que corresponde a R$ 140 bilhões anual na economia brasileira (Sebrae, 2023).

Apesar dos números motivadores, é válido ressaltar que a formalização dos empreendedores individuais também traz consigo a precarização das relações de trabalho evidenciada em algumas sociedades empresárias cujo contrato convencional pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é substituído pelo MEI, fenômeno caracterizado como “pejotização” (Machado et al., 2018). Esta consiste em uma manobra trabalhista onde o empregador exige que o empregado se converta em pessoa jurídica deixando de pagar encargos trabalhistas e sociais e deixando de onerar suas folhas de pagamento, de modo que estes passam a ter empregados mascarados de microempreendedores (Machado et al., 2018).

Destaca-se também a existência das organizações de apoio ao empreendedorismo no Brasil, como é o caso do SEBRAE (Sebrae, 2023) que oferece aos empreendedores consultorias, cursos e ferramentas de suporte e estímulo ao empreendedorismo (Sebrae, 2022).

Segundo Silva e Figueiredo (2017) os agentes incorporam a sustentabilidade em suas ações porque ela é valiosa, todavia esta não se deve limitar a relatórios de sustentabilidade e campanhas de Marketing, mas praticada no cotidiano. Assim, ressalta-se a relevância de compreender a motivação e como têm ocorrido as iniciativas de sustentabilidade no contexto de atuação dos microempreendedores individuais.

            Nesse sentido, pergunta-se: a Lógica Institucional de Sustentabilidade (LIS) tem impactado as iniciativas de sustentabilidade de microempreendedores individuais? Assim, o objetivo geral do estudo foi analisar as iniciativas de sustentabilidade de microempreendedores individuais à luz da Lógica Institucional de Sustentabilidade a partir de conteúdo que relacione os dois temas e que estejam dispostos na internet.

Especificamente, buscou-se:

-          Identificar quais iniciativas de sustentabilidade vêm sendo praticadas por microempreendedores individuais em seus negócios e a atuação de organizações de apoio ao empreendedorismo;

-          Analisar se as iniciativas de sustentabilidade de empreendedores individuais têm sido orientadas pela Lógica Institucional de Sustentabilidade.

Justifica-se a relevância deste estudo pois proporciona maior conhecimento sobre como microempreendedores individuais se comportam em relação às práticas de sustentabilidade e como estes são influenciados pela LIS na busca de um empreendedorismo com mais práticas sustentáveis. Isso poderá também embasar estratégias de outros microempreendedores individuais. Socialmente, o estudo é relevante por trazer visibilidade aos pequenos empreendedores e pode ainda motivar políticas públicas para fortalecimento e longevidade desses negócios.

 

2.  Referencial teórico

Nesta parte são apresentados os fundamentos teóricos e elementos que norteiam os estudos deste artigo. A primeira seção traz uma revisão sobre a Lógica Institucional de Sustentabilidade (LIS) e seus elementos e na próxima seção discute-se as iniciativas de sustentabilidade em negócios de microempreendedores individuais.

 

2.1. Lógica institucional de sustentabilidade

A lógica institucional de sustentabilidade é formada ou construída devido à influência dos atores envolvidos no processo, conhecidos como empreendedores institucionais, por meio de uma sequência de eventos e da sobreposição da estrutura, bem como das práticas que convergem no cotidiano das organizações (Silva & Figueiredo, 2017).

A formação ou construção de uma lógica institucional nas organizações tem sua origem na identidade coletiva, que é construída socialmente, e resulta na atribuição de significados à realidade (Thornton &Ocasio, 2008). O processo de mudança nas organizações segue uma lógica institucional embasada na legitimação proveniente do mesmo conjunto de estruturas e símbolos dos diferentes atores sociais (Thornton &Ocasio, 2008; Rechene et al., 2018).

Nesse sentido, a construção de uma lógica institucional nas organizações tem suas bases na identidade coletiva, é construída socialmente e resulta na atribuição de significados à realidade (Thornton &Ocasio, 2008). Desse modo, o processo de mudança nas organizações ocorre dentro de uma lógica institucional fundamentada na legitimação proveniente do conjunto de estruturas e símbolos dos diversos atores sociais (Rechene et al., 2018).

Embora os agentes de sustentabilidade adotem práticas ou ações específicas que evoluem gradualmente, é importante compreender como a própria prática da sustentabilidade se torna uma nova estrutura (Silva & Figueiredo, 2017). Segundo os autores, essa transformação ocorre por meio de uma sequência de eventos temporais, em que a prática da sustentabilidade se torna tanto a causa quanto a consequência das mudanças nas estruturas. Esse processo é influenciado por eventos que podem ser desencadeados por um empreendedor institucional, que introduz novas ações baseadas em valores sustentáveis (Silva & Figueiredo, 2017).

 A Lógica Institucional Sustentável (LIS) é uma abordagem que tem o potencial de contribuir para a compreensão dos processos de mudança necessários para a construção das práticas de sustentabilidade nas organizações (Silva, 2015). Essa abordagem é formada a partir da visão e valores de um empreendedor institucional, da sequência de eventos, da mudança de estrutura e da própria prática de sustentabilidade (Silva & Figueiredo, 2017).

As quatro dimensões presentes na formação da LIS são: empreendedor institucional; sequência de eventos; mudança de estrutura e práticas de sustentabilidade (Silva, 2015).

Quadro 1 – Elementos que constituem a LIS

Dimensões

Descrição

                       Empreendedor Institucional

Refere-se àquele responsável e motivador da mudança, que orienta os processos e desenha os incentivos para a mudança acontecer, seja desde o ponto de partida, ou no meio da mudança, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da LIS (Rechene et al., 2018).

Sequência de Eventos

Consiste nos principais eventos para incentivar a mudança, continuidade e impacto do(s) evento(s). Esta permite analisar o fluxo de poder, as práticas e as rotinas em um determinado recorte temporal (Rechene et al., 2018).

Mudança de estrutura

Está relacionada a mudanças nas regras individuais ou estruturas organizacionais, onde os atores são forçados a se associarem, mesmo que possuam diferentes culturas.Adaptação ao uso de tecnologias, aceitação, processo de tomada de decisão e definição de estratégias (Rechene et al., 2018).

 

Práticas de Sustentabilidade

Está relacionado ao comprometimento e criação de rotinas e procedimentos, à divulgação da sustentabilidade, à comunicação com stakeholders, a critérios sociais, ambientais e econômicos para avaliação de resultados e ações praticadas/definidas como sustentáveis (Rechene et al., 2018).

Fonte: Rechene et al., 2018

 

A LIS é, portanto, estabelecida a partir de um contexto inicial e por meio das práticas de sustentabilidade que representam a própria ação da sustentabilidade, são geradas e perpetuadas com base nas características que fundamentam a lógica institucional. Como está representado na Figura 1, essas práticas são internalizadas ou institucionalizadas por meio da repetição dos padrões que são construídos social e historicamente resultando em um novo contexto ou estrutura onde a LIS já estabelecida influencia as práticas implementadas na organização (Silva, 2015).

 

Figura 1: Representação da formação de uma lógica institucional da sustentabilidade (LIS).

Fonte:Silva (2015)

A formação da lógica institucional da sustentabilidade envolve, portanto, processos de mudança que dão origem a diversas práticas passíveis de análise institucional (Silva & Figueiredo, 2017). Essa formação depende da influência de empreendedores que tenham interesse e poder para promover e estabilizar essa lógica (Silva, 2015). Nesse sentido, a mudança de estrutura é incentivada e as práticas de sustentabilidade são inseridas nesse processo, influenciando e sendo influenciadas pela sequência de eventos, além de serem institucionalizadas por meio da legitimidade reconhecida pelos atores praticantes (Silva, 2015).

2.2. Iniciativas de sustentabilidade em negócios de microempreendedores individuais

No contexto das iniciativas de sustentabilidade em pequenos negócios, é relevante ressaltar que, crescentemente, tem se evidenciado a falta de equilíbrio e igualdade entre as dimensões ambiental, social e econômica, contrariando as representações tradicionais de gestão empresarial (Nicolletti et al., 2021).

Os microempreendedores individuais (MEI) estão inseridos em importantes contextos sociais de nossa sociedade e são caracterizados por grande flexibilidade de adaptação ao ambiente (Santos & Silva, 2020). O MEI corresponde a uma das formas mais dinâmicas que o sistema econômico arranjou, por meio da política de formalização dos empreendedores individuais, para fazer circular tributos, lucros e contribuir para a formalização do setor terciário e para o desenvolvimento social de inúmeros trabalhadores que permeavam no campo da informalidade(Sousa & Santos, 2017; de Lourdes Prado et al., 2014).

O microempreendedor individual é aquele que trabalha por conta própria e se legaliza como pequeno empresário (Sousa & Santos, 2017). No Brasil, o MEI surgiu no ano de 2008 e sua atuação é regulamentada pela Lei Complementar 128/2008 que alterou partes da Lei das Micro e Pequenas Empresas Lei Complementar 123/2006 (Brasil, 2008). Em 2022, o Brasil tinha 14,6 milhões de microempreendedores individuais (Gov.br, 2024) responsáveis por movimentar R$ 140 bilhões anual (Sebrae, 2023).  Todavia, ressalta-se que a geração de riqueza, de fato, só se justifica se abarcar a preocupação com a sustentabilidade, objetivando um equilíbrio entre desenvolvimento econômico, qualidade de vida atual e futura e meio ambiente mais limpo e saudável (dos Santos Portugal et al., 2017).

A figura do MEI surge como um facilitador para as pessoas que desejam iniciar seus próprios negócios, uma forma inovadora e desburocratizante de empreender, e uma alternativa para o desemprego (Gondim et al, 2018).

Tem-se por empreendedorismo o envolvimento de pessoas e processos que, em conjunto, levam a transformação de idéias em oportunidades (Dornelas, 2008), e que por sua vez pode ser motivado por oportunidade ou por necessidade. Conforme Dornelas (2008), o empreendedorismo por oportunidade se dá quando o empreendedor cria uma empresa com planejamento prévio, buscando o crescimento para o negócio, geração de lucros e riquezas. Já o empreendedorismo por necessidade ocorre quando o indivíduo se aventura na atividade empreendedora por falta de opção, por estar desempregado e visa a subsistência.

Considerando as iniciativas sustentáveis, essas passam a ser incorporadas ao empreendedorismo na busca de entender como as oportunidades de desenvolver futuros bens e serviços são descobertas, criadas e exploradas, por quem e com quais consequências sociais, ambientais e econômicas (dos Santos Portugal et al., 2017). Com a difusão do empreendedorismo no Brasil na década de 1990, motivada pelo aumento do índice de desemprego e posteriormente pela chegada da internet (Dornelas, 2008), surgiram também entidades envolvidas com o tema, e obteve-se maior envolvimento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) nas questões relacionadas ao empreendedorismo (Lourdes Prado et al., 2014).

Conforme Silva e Figueiredo (2017), a implementação de projetos socioambientais, investimentos em sustentabilidade e a adoção de normas e procedimentos que promovam ações sustentáveis nas organizações têm o potencial de provocar transformações e levar os envolvidos a se adaptarem a essas práticas organizacionais. Criar um modelo sustentável requer, dentre tantas coisas, que esse seja viável e que procure causar uma mudança na estrutura da sociedade, não devendo atender tão somente a preservação do meio ambiente, mas, também garantir uma vida mais digna e justa para a sociedade (Sousa & Santos, 2017).

O binômio empreendedorismo e sustentabilidade faz emergir o empreendedor sustentável como um novo campo de pesquisa (dos Santos Portugal et al., 2017). Assim, cabe ressaltar que independente da motivação para empreender, seja por oportunidade ou por necessidade (Vale et al. 2014), pequenas ações individuais consideradas triviais podem fazer muita diferença para o alcance de uma sociedade mais sustentável (Santos & Silva, 2020). A sociedade se torna responsável por cuidar da própria sociedade, pois todos são impactados pelas ações de todos, sejam positivas ou negativas (Santos & Silva, 2020). Nesse sentido, é relevante compreender como a sustentabilidade tem ocorrido no contexto de atuação do MEI.

 

3. Procedimentos Metodológicos

Este estudo analisou qualitativamente a experiência de microempreendedores individuais (Sampieri et al., 2013) quanto às iniciativas de sustentabilidade em seus negócios. É relevante destacar a existência de organizações de apoio aos empreendedores identificadas neste estudo.

A pesquisa qualitativa é uma abordagem voltada ao entendimento do significado que os indivíduos ou grupos atribuem a um problema social (Creswell, 2007). Esta se expressa mais pelo desenvolvimento de conceitos a partir de fatos, ideias ou opiniões e do entendimento indutivo e interpretativo que se atribui aos dados descobertos associados ao problema de pesquisa (de Jesus Soares, 2019).

Quanto aos dados optou-se pela análise documental de dados secundários com uso de análise de conteúdo (Bardin, 2009) que é relevante quando se busca analisar dados provenientes das comunicações e compreender mensagens que vão além da leitura comum (Cardoso et al., 2021; Moraes, 1999). As fontes dos dados se constituíram, portanto, de conteúdos disponibilizados na internet; como entrevistas, documentários, notícias e reportagens assim como dados de pesquisas sobre o tema. A coleta de dados ocorreu entre os meses de julho e agosto de 2024 e o recorte temporal de publicação dos documentos foi de dez anos, de 2014 a 2024.

Para escolha dos documentos a serem analisados foi feito uma busca no Google com a palavras chaves “empreendedor” e “sustentabilidade” e foram adotados os seguintes critérios quanto ao conteúdo: (i) abordar a temática do microempreendedor individual; (ii) praticar alguma iniciativa de sustentabilidade; (iii) ter o conteúdo publicado entre os anos de 2014 e 2024. Resultaram desta pesquisa um total de dez fontes, que atenderam os critérios para análise, sendo quatro vídeos de divulgação de estudos e seis reportagens. Cabe ressaltar que as fontes analisadas se tratavam de documentos que demonstravam o conteúdo de interesse a partir das experiências ou ponto de vista dos próprios microempreendedores ou de organizações que dão suporte a estes.

            Para a análise dos dados, utilizou-se as fases da análise de conteúdo de Bardin (2009): a (i) pré-análise; (ii) a análise do material; (iii) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A pré-análise foi a fase de escolha dos documentos a serem submetidos à análise (corpus), a formulação das hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final. A análise do material correspondeu ao tratamento do material coletado na fase anterior, transformando-o em dados passíveis de serem analisados, através de operações de codificação. Já o tratamento dos resultados diz respeito a inferência e a interpretação dos dados obtidos.

            A análise de conteúdo é um método importante na pesquisa qualitativa, pois busca analisar os sentidos e os significados das comunicações, considerando tanto as condições do emissor da mensagem quanto do recebedor, para melhor compreender e interpretar a realidade (Cardoso et al., 2021). Os documentos que compuseram o corpus de análise estão explicitados no Quadro 1, assim como a data do registro, o tipo de conteúdo e respectivo URL (UniformResourceLocator).

Quanto às categorias de análise, cabe ressaltar que, primeiramente, identificou-se as iniciativas de sustentabilidade praticadas por microempreendedores individuais e organizações de apoio ao empreendedorismo, depois, se tais iniciativas de sustentabilidade têm sido afetadas pela lógica institucional de sustentabilidade e como isso tem ocorrido. As análises da relação entre as iniciativas e a LIS se deram por meio da compreensão de cada um dos quatro elementos da LIS, o empreendedor institucional; a sequência de eventos; as mudanças de estrutura e as novas práticas de sustentabilidade. O quadro abaixo fornece informações relevantes acerca das fontes utilizadas nesse estudo para maior compreensão dos resultados na seção a seguir.

Quadro 2. Descrição do corpus de análise a partir da busca

 

Fontes

Ano

Tipo

Sujeito

Descrição

Disponível em

F1

2024

Notícia

MEI

Ações sustentáveis mais realizadas por microempreendedores individuais são identificadas por pesquisa.

https://www.noticiasustentavel.com.br/mei-pequenasempresas-sustentabilidade/#:~:text=Confira%20abaixo%20as%20a%C3%A7%C3%B5es%20de%20Sustentabilidade%20aplicadas%20pelas,%C3%A1gua%20%2864%25%29%20%E2%80%A2%E2%80%82%E2%80%82%E2%80%82%E2%80%82%E2%80%82Destina%C3%A7%C3%A3o%20adequada%20de%20res%C3%ADduos%20t%C3%B3xicos%20%2848%25%29

F2

2019

Pesquisa científica

MEI

Estudo sobre a gestão socioambiental na atividade no microempreendedor individual buscou identificar a percepção e as práticas realizadas por MEI´s.

https://revistas.unama.br/index.php/coloquio/article/view/1783

F3

2024

Notícia

MEI

O aumento da adesão dos MEI´s a medidas sustentáveis é constatado em levantamento realizado pelo Sebrae.

https://www.cartacapital.com.br/do-micro-ao-macro/cresce-a-adesao-dos-meis-a-medidas-sustentaveis/

F4

2024

Notícia

Organização de Apoio

Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (ALECE) através da Sala do Empreendedor e em parceria com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) realiza ação de incentivo às práticas sustentáveis de microempreendedores.

https://portaldoservidor.al.ce.gov.br/noticias/microempreendedores-aliam-inclusao-produtiva-e-negocios-sustentaveis

F5

2019

Vídeo de divulgação

MEI

Jovens empreendedoras apostam na iniciativa sustentável em seu negócio.

https://www.youtube.com/watch?v=-BPlg9a34Ac

F6

2019

Pesquisa científica

MEI

Estudo realizado em Três Lagoas /MS buscou analisar a percepção sobre gestão ambiental de microempreendedores do setor de manutenção e reparação de veículos.

 

file:///C:/Users/55349/Downloads/admin,+PERCEP%C3%87%C3%83O+DOS+MICROEMPREENDEDORES+INDIVIDUAIS+%E2%80%93+MEI+DO+SETOR+DE+MANUTEN%C3%87%C3%83O+E+REPARA%C3%87%C3%83O+DE+VE%C3%8DCULOS+DE+TR%C3%8AS+LAGOAS-MS+SOBRE+.pdf

F7

2017

Pesquisa científica

MEI

Estudo realizado com microempreendedores individuais do comércio varejista de Sousa/PA acerca das práticas sustentáveis realizadas por estes e se os mesmos podem ser considerados empregos verdes.

file:///C:/Users/55349/Downloads/544-Texto%20do%20artigo-2463-1-10-20170530.pdf

F8

2020

Notícia

Organização de Apoio

O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) desenvolve ação onde apresenta aos MEI´s práticas de sustentabilidade.

https://ap.agenciasebrae.com.br/arquivo/acao-aqui-tem-sebrae-apresenta-ao-mei-boas-praticas-em-sustentabilidade/

F9

2023

Notícia

Organização de Apoio

O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) promove capacitação com temática ESG na semana do MEI.

https://pa.agenciasebrae.com.br/cultura-empreendedora/semana-do-mei-aborda-a-tematica-esg/

F10

2023

Notícia

MEI

Pesquisa realizada pelo Sebrae informa que 75% dos pequenos negócios adotam práticas sustentáveis.

https://www.poder360.com.br/poder-empreendedor/75-dos-pequenos-

Fonte: Elaborado pelo autor (2024).

Dentre as fontes escolhidas para análise, 6 foram notícias sobre sustentabilidade para microempreendedores individuais, a busca também resultou em 1 vídeo de divulgação sobre jovens empreendedores e 3 pesquisas científicas envolvendo o tema.

 

4. Resultados e discussão

Nesta seção são apresentados os dados quanto às iniciativas de sustentabilidade praticadas por microempreendedores individuais e os resultados quanto à análise dos quatro elementos que compõem a LIS.

4.1. Iniciativas de sustentabilidade praticadas por microempreendedores individuais

            Evidenciou-se que os microempreendedores individuais, que aparecem nas fontes analisadas, têm praticado iniciativas de sustentabilidade em seus negócios e que além disso, têm consciência da importância da gestão socioambiental. Algumas destas iniciativas surgiram dos próprios empreendedores, enquanto outras foram incentivadas por órgãos governamentais. Isso pode ser evidenciado em F2, F4 e F5: “Se responsabilizar com o social, se responsabilizar com o ambiente pensando em sustentabilidade” (F2), “Trabalhamos a partir dos estudos né, das formações que nos foram fornecidas pelos parceiros Sebrae, ALECE.” (F4). 

“A gente fala muito do lixo plástico. Os canudos surgiram como uma forma da gente conseguir acessar as pessoas para falar sobre esse tema. Então a gente pensou, a gente precisa de um produto com designer legal que vai despertar o interesse das pessoas, ao mesmo tempo é um produto que tem uma utilidade ambiental muito grande”. (F5)

 

 A decisão para a adoção de práticas sustentáveis tem partido dos próprios MEI´s que por si reinventaram seus processos para inserir a sustentabilidade ou foram em busca de conhecimento para operar em conformidade com o ambiente, como se observa no seguinte trecho: “Hoje em dia se fala muito sobre sustentabilidade, é importante nós empreendedores nos preocuparmos e adotarmos essas práticas” (F9), “Meu trabalho surgiu na década de 1990. Naquela época, já sentia a necessidade de poder transformar materiais que não danificassem o meio ambiente” (F4).

Em alguns casos, os microempreendedores buscam contribuir com o ambiente realizando ações sustentáveis em seu dia a dia, como a redução de consumo de energia elétrica, água, insumos e a destinação correta de resíduos. Outros buscam operar de forma totalmente sustentável por meio da transformação de materiais descartados pelas indústrias, como é o caso de F4, onde ressalta: “A nossa matéria prima principal é o jeans né, mas tudo que é descarte, resíduo da indústria têxtil a gente aproveita na produção desses produtos sustentáveis” (F4)[1].

            Portanto, observa-se que os microempreendedores estão inseridos em um contexto em que a sustentabilidade é promovida, alguns dos negócios surgiram já com o olhar voltado para a sustentabilidade, enquanto outros buscaram conhecimento através de instituições de apoio ao empreendedorismo para adequar seus negócios às medidas sustentáveis, logo em todos os casos citados neste estudo verificou-se a existência de iniciativas de sustentabilidade incorporadas aos empreendedores. Isso se evidencia nos relatos seguintes de microempreendedores que trabalham com moda sustentável: “A gente trabalha com conceitos de reutilização, upcycling, de conscientização mesmo, então a gente não só produz e vende um produto, a gente trabalha com conceitos” (F2), “Fiz cursos do Sebrae que me deram vários insights. Tudo isso me fez tomar a decisão: vou trabalhar com sustentabilidade” (F4). Outro microempreendedor ressalta a importância de adaptar-se a iniciativas sustentáveis como podem, não deixando de ter sua contribuição para a preservação do ambiente, como pode ser observado na declaração a seguir: “Participar com produtos, matéria prima que seja, o que você possa refazer, reutilizar, né?!” (F2).

Portanto, é possível notar como esses empreendedores têm instituído iniciativas de sustentabilidade em seus negócios. Alguns incentivados pela oportunidade de empreender já com foco em sustentabilidade e outros incorporam ações sustentáveis em seus negócios a partir do contato com outras instituições que fomentam o assunto, como o Sebrae.

4.2. Iniciativas de sustentabilidade de microempreendedores individuais e Lógica Institucional de Sustentabilidade

Embasado na discussão teórica apresentada, considerou-se analisar individualmente nas fontes os quatro elementos para a formação da LIS: (i) empreendedor institucional - os responsáveis e os motivadores da mudança; (ii) sequência de eventos - Os principais eventos que facilitaram a mudança, (iii) mudança de estrutura - adaptação ao uso de tecnologias, infraestrutura, aceitação, processos de tomada de decisão e definição de estratégias e (vi) práticas de sustentabilidade - comprometimento, criação de rotinas e procedimentos, divulgação da sustentabilidade, comunicação com stakeholders, critérios sociais para avaliação de resultados, critérios ambientais para avaliação de resultados, critérios econômicos para avaliação de resultados e ações praticadas/definidas como sustentáveis  (Alves & Silva, 2020; Rechene et al., 2018). A análise leva em conta tanto a atuação dos Microempreendedores quanto a participação de instituições ligadas ao MEI, quanto a adoção de sustentabilidade nesses negócios.

4.2.1 Empreendedor Institucional

Considerando este critério da LIS, verificou-se que, na maior parte dos casos, o próprio microempreendedor tem atuado como empreendedor institucional realizando a implementação das práticas de sustentabilidade. Ressalta-se que o empreendedor institucional é aquele responsável e motivador da mudança, que desenha os incentivos internos para tanto (Alves e silva, 2020; Rechene et al., 2018). Observa-se, através das falas dos microempreendedores a seguir, seu papel como estimulador e transformador da mudança.

“A gente tenta trazer essa mensagem de que a gente tem que diminuir consideravelmente a produção de lixo. [...] A gente tinha essa preocupação de que as pessoas ainda não quisessem refletir sobre isso, e a gente está descobrindo que não, que tem muita gente que estava sentindo falta desse tipo de proposta. Isso deixa a gente muito feliz por saber que tem muitas outras pessoas que pensam como a gente”. (F5)

Quando fazemos uma moda em escala ou uma moda autoral, ela precisa ser feita com qualidade, criatividade e sustentabilidade”. (F4)

Além disso, foi possível identificar nas fontes que instituições e programas governamentais como Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e a Sala do Empreendedor da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (ALECE) também têm desempenhado este papel na disseminação do conhecimento, motivando e auxiliando os empreendedores a tornar seus negócios mais sustentáveis.

                F4, F8 e F9 apresentaram as instituições governamentais desempenhando o papel de empreendedor institucional, os trechos a seguir são falas dos agentes dessas instituições onde pode-se observar o papel de agente ativo por estes desempenhados.

Temos a responsabilidade de ter um olhar de como este microempreendedor irá interagir com a sociedade, com o mercado e com o meio ambiente e quais os impactos que essa interação causará”. (F4)

“Reaproveitamos lonas, banners e painéis para confeccionar sacolas e estojos para doar nos municípios do estado, como uma boa prática de sustentabilidade”. (F8)

“Quanto mais certificações o empreendedor tiver, mais valor a empresa vai ter, seja na questão de visibilidade para o cliente, fornecedores, ou de valor para o mercado financeiro, de créditos e ações da empresa”. (F9)

            O papel dessas instituições fica ainda mais evidenciado nas falas do presidente do Sebrae Décio Lima evidenciado em F1 e do Sebrae MT evidenciado em  F10.

A sustentabilidade é um conceito que não tem mais volta. Os microempreendedores individuais são aqueles que acordam de manhã, sabem se virar e contribuem com o desenvolvimento econômico do país. A missão do Sebrae é ser parceiro dessas empresas e apoiar para que elas possam regenerar o passado e projetar os negócios sustentáveis”. (F1)

A gente deve levar soluções com menor custo para o empresário poder implementar, seja de apagar a luz ao sair de uma sala ou deixar de usar lâmpadas para utilizar iluminação natural. São práticas que podem ser implementadas e que pode ter uma redução de custos e até mesmo crescimento da empresa no mercado”. (F10)

Já os trechos a seguir correspondem a feedback de microempreendedores quanto às iniciativas das instituições governamentais, Sebrae e Sala do Empreendedor da Alece, no incentivo e suporte ao empreendedorismo sustentável.

[...] Começamos a reproduzir as oficinas e treinamentos dados pelo Sebrae, sendo multiplicadores de conteúdo. O que aprendemos passamos para outras mulheres” (F4)

Aqui na Casa, por meio das ações da Célula de Sustentabilidade e Gestão Ambiental do Comitê de Responsabilidade Social, nossa parceira, e o Sebrae, temos iniciativas voltadas ao tema da sustentabilidade, como feiras e capacitações” (F4)

Nossas empreendedoras que são MEIs conseguem pagar suas contas, ter lazer, enfim, se tornaram cidadãs. Isso nos causa orgulho. Nosso objetivo só seria possível com todo o conhecimento que adquirimos com apoio da ALECE e do Sebrae. (F4)

                Os incentivos governamentais não foram os responsáveis pela tomada de decisão dos microempreendedores, mas serviram de suporte para auxiliá-los no processo de mudança em prol da sustentabilidade.

            Destaca-se que em F7, apenas 1% dos microempreendedores receberam algum tipo de treinamento do Sebrae voltado para a causa ambiental, o que demonstra a carência de incentivos governamentais em determinadas regiões do país.

Os resultados encontrados demonstram que os microempreendedores entendem e valorizam as práticas de sustentabilidade que estes têm atuado como empreendedores institucionais (Alves e Silva, 2020) na busca por um empreendedorismo mais sustentável. Também as instituições governamentais têm desempenhado este papel de maneira relevante motivando e disseminando conhecimento.

4.2.2 Sequência de eventos

            No que se refere às metas e modificações nos processos realizados pelos microempreendedores, identificou-se que a sequência de eventos (Alves e Silva, 2020) que influenciaram a mudança de comportamento (mudança estrutural) e contribuíram para a formação da LIS (Silva & Figueiredo, 2017) como demonstrado no trecho a seguir:

A proposta que nós trazemos é o aproveitamento cem por cento do resíduo da indústria têxtil, esse resíduo pra nós é matéria prima. Além da conscientização dentro das comunidades, dos territórios periféricos, a gente traz essa proposta de uma moda criativa, alternativa e totalmente sustentável”. (F4)

                Algumas das fontes demonstraram o objetivo dos microempreendedores de criar e transformar seus negócios visando a sustentabilidade como é esboçado no quadro a seguir.

Quadro 3. Motivações dos Microempreendedores individuais para adoção de práticas sustentáveis

Fonte

Objetivos e motivações

F2

Aproveitar tudo para que não prejudique o ambiente.

F4

A Sala do Empreendedor da Alece busca criar condições para que o microempreendedor possa empreender de forma sustentável, inovadora e inclusiva.

A sala do Empreendedor procura mostrar que os microempreendedores podem inovar e crescer sem esquecer a preocupação ambiental, aproveitando todo o conteúdo recebido em cursos, palestras e rodas de conversa sobre sustentabilidade que são ofertadas pelo Sebrae.

F5

Apostar em um modelo de negócios sustentável visando à redução da poluição por plástico.

Criar uma marca que promova as questões ambientais.

Criar uma relação mais harmoniosa e equilibrada entre a natureza e os seres humanos.

F8

Promover a forma que se tem de repensar o modo de viver e de reproduzir para alcançar o desenvolvimento sustentável na gestão.

Fonte: Dados da pesquisa.

Tais objetivos atuaram como um guia para a sequência de eventos, os empreendedores buscaram promover a forma que se tem de repensar o modo de viver e de reproduzir para alcançar o desenvolvimento sustentável na gestão. Os microempreendedores individuais buscaram adaptar seus processos para atuar em conformidade com o ambiente criando modelos de negócios sustentáveis e reduzindo o consumo de produtos poluentes.

4.2.3 Mudança estrutural

            A busca por sustentabilidade impulsionou mudanças significativas nas atividades realizadas pelos microempreendedores.  Isso serviu para impulsionar microempreendedores a buscarem negócios sustentáveis desde a sua criação, bem como ressignificar os negócios já existentes.

Quanto aos quesitos ambientais a criação de produtos com alto valor agregado a partir de materiais descartados pelas indústrias como é o exemplo da moda sustentável, reutilização de papel e utilização de papel reciclado, destinação correta de resíduos e economia de recursos, onde destaca-se a fala do microempreendedor:

“Com certeza, não é fácil, porque trabalhar com resíduos têxteis requer muito estudo. Tudo é feito com técnicas de alta costura, materiais nobres e de acabamentos únicos. O produto final tem que ter qualidade, caimento, conforto, pois não é porque ele é feito de resíduos ou reciclado que é um produto qualquer.” (F4)

 Quanto aos aspectos sociais e econômicos disseminação do conhecimento através de projetos, cursos e eventos; e o envolvimento de toda a comunidade em oficinas e projetos promovendo a inclusão e a geração de renda, o que pode ser observado nas falas de um microempreendedor a seguir.

[...] Então tudo isso foi implantado dentro da nossa comunidade, partilhado e a gente transformou isso, esses estudos, esses aprendizados aqui dentro do nosso território como uma forma de geração de renda para mulheres que estavam em situação de vulnerabilidade social” (F4)

Uma das alternativas sustentáveis aqui no nosso coletivo é o recolhimento do óleo saturado que a própria comunidade nos traz e a gente através de oficinas produz o sabão ecológico com esse aproveitamento né, de forma sustentável, deixando de gerar poluição no meio ambiente e transformando o produto que gera renda para toda a comunidade”. (F4)

Portanto, as mudanças ocorridas a partir da sequência de eventos pelos empreendedores têm transformado procedimentos dentro dessas empresas, com utilização de recursos, melhor manejo de resíduos e promoveram maior conscientização sobre aspectos sociais e ambientais.

4.2.4 Práticas de sustentabilidade

            No contexto da LIS, as práticas de sustentabilidade correspondem aos métodos dentro das operações cotidianas, rotinas e procedimentos (Alves & Silva, 2020; Rechene et al., 2018). Sua formação envolve processos de mudança influenciados por atores interessados em promover esta lógica, a mudança é influenciada pela sequência de eventos e as práticas são inseridas nos processos (Silva, 2015).

            O quadro a seguir apresenta as principais práticas de sustentabilidade evidenciadas nas fontes, as operações, procedimentos e rotinas instituídas através da mudança de estrutura que foram influenciadas pela sequência de eventos na atuação do empreendedor institucional, ou seja, tais práticas são resultado da ação dos três primeiros elementos que constituem a LIS (Alves & Silva, 2017) e constituem a nova lógica institucional (Silva, 2015).

Quadro 3. Práticas de sustentabilidade

Fonte

Prática

F1

Aumento nas práticas de:

Consumo de energia;

Controle de água;

Controle do consumo de papel;

Separação de lixo para coleta seletiva;

Uso de matéria-prima ou material reciclável no processo produtivo;

Destinação adequada de resíduos tóxicos;

Reciclagem de pilhas, baterias e pneus;

Compra ou venda de produtos usados;

Captação de água da chuva ou reutilização da água;

Uso de energia solar.

 

F2

Utilização de produtos que seriam jogados descartados para criação de novos produtos;

Recolhimento de resíduos de óleo e ferro para reciclagem;

Separação do lixo utilizado na atividade comercial;

Reutilização de papel;

Uso consciente dos recursos de produção.

F3

Controle do consumo de energia;

Controle do consumo de água;

Separação do lixo;

Coleta seletiva.

F4

Transformação de materiais da indústria têxtil que seriam descartados em novos produtos com alto valor agregado;

Reaproveitamento de tecido, banner, papelão, papel, jeans, e tudo que é jogado fora pelas indústrias;

Recolhimento do óleo saturado produzido na comunidade para produção do sabão ecológico.

F5

Produção de canudos de vidro reutilizáveis;

Produção de roupas com algodão orgânico.

F6

Separação do lixo para reciclagem;

Contrato com empresas de resíduos sólidos;

Reciclagem de baterias.

F7

Economia no uso de água e energia elétrica;

Reutilização de papel e/ou uso de papel reciclado;

Uso de meio de transporte ecológico.

F8

Reciclagem de resíduos que seriam descartados e transformados em novos produtos.

F9

Realização de evento para promover o empreendedorismo e a sustentabilidade.

F10

Redução do consumo de água;

Separação do lixo para reciclagem;

Redução do consumo de energia e produção de lixo.

Fonte: Dados da pesquisa

 

Nas fontes analisadas, foi possível identificar resultados positivos. Em todos os casos pode-se observar a institucionalização das práticas de sustentabilidade na gestão de seus processos através da repetição de comportamentos.

F2, F4, F5 e F8 destacaram-se pelo empreendedorismo sustentável (dos Santos Portugal et al., 2017) onde foi possível identificar microempreendedores com negócios sustentáveis, negócios que surgiram visando o desenvolvimento sustentável desde a sua criação.  As demais, correspondem a negócios que já estavam em funcionamento e buscaram adaptar seus processos para reduzir o impacto ambiental, como pode-se observar as práticas de redução de consumo de energia e água e a separação do lixo que se destacam como práticas mais realizadas por microempreendedores a mais tempo no mercado.

Apenas F6, que abrange microempreendedores do setor de manutenção e reparação de veículos, observou-se baixa participação em ações sustentáveis e destinação de resíduos, considerando o impacto ambiental deste setor, evidenciou-se baixa conscientização e comprometimento com o meio ambiente, apesar de 70% dos microempreendedores abrangidos relatarem ter ouvido falar em responsabilidade socioambiental.

            Portanto, evidencia-se a existência de uma preocupação por parte dos empreendedores analisados neste estudo em relação à sustentabilidade, a limitação dos recursos naturais e a qualidade de vida das futuras gerações. Desta forma, a promoção da sustentabilidade evidenciada na rotina dos MEIs reforça a existência da LIS (Alves & Silva, 2024) nas práticas sustentáveis realizadas por microempreendedores individuais.

 

5. Considerações finais

            Este estudo teve como objetivo compreender a lógica institucional de sustentabilidade nos pequenos negócios, mais especificamente como os microempreendedores individuais têm se comportado em relação à sustentabilidade. Analisou-se, portanto, as iniciativas de sustentabilidade que vêm sendo praticadas por microempreendedores individuais em seus negócios e se estas têm sido orientadas pela lógica institucional de sustentabilidade.

            A partir da análise dos conteúdos selecionados, evidenciou-se que os principais empreendedores institucionais são os próprios microempreendedores uma vez que eles têm atuado em seus negócios com foco em questões sustentáveis, buscando também inovar em seus negócios. É importante ressaltar também a atuação das instituições governamentais na atuação como empreendedor institucional e no incentivo ao empreendedorismo mais sustentável.

A sequência de eventos tem contribuído para a mudança pois se configura na motivação e criatividade dos microempreendedores. A mudança estrutural evidenciou-se nas estratégias dos microempreendedores implantados em seus negócios para a redução do uso de materiais poluentes e reutilização de materiais que seriam descartados pelas indústrias para criação de novos produtos.

As principais práticas de sustentabilidade realizadas por estes têm sido redução do consumo de energia, água e coleta seletiva do lixo assim como a substituição dos produtos descartáveis bem como a utilização de produtos que seriam descartados como matéria prima para seus negócios.

Não foi possível identificar os quatro critérios para formação da LIS em todos os casos, mas observou-se a existência da lógica institucional de sustentabilidade nas práticas dos microempreendedores individuais.

Os achados deste estudo evidenciam que os microempreendedores têm adotado iniciativas de sustentabilidade em seus negócios e a existência de uma Lógica Institucional de Sustentabilidade nas práticas dos microempreendedores individuais. Isso demonstra a relevância da atuação destes para o alcance de objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e compromissos globais assumidos por governos e organizações.

Como limitação, tem-se que este estudo analisou apenas dados sobre microempreendedores já disponibilizados na internet. Contudo, tais dados são relevantes pois norteiam a compreensão do contexto. Outras técnicas de coleta de dados como entrevistas com microempreendedores a respeito das iniciativas de sustentabilidade poderiam contribuir para o enriquecimento da abordagem. Sugere-se pesquisas futuras que aprofundem na compreensão das iniciativas de sustentabilidade dos microempreendedores e sobre como o governo pode atuar mais ativamente nos incentivos às práticas de sustentabilidade nestes pequenos negócios.

 

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[1] F4 diz respeito a microempreendedores donos de ateliers e oficinas destinados à produção de moda sustentável.