Avaliação das cooperativas de reciclagem durante a pandemia da COVID-19 no município de São Paulo

 

Ednei Rodrigues[1], Giulliana Mondelli2

 

Resumo

No Brasil, a coleta seletiva tem tradição em base social, com a geração de trabalho e renda para as classes em situação de vulnerabilidade social. No entanto, diante da preocupação do eventual contágio pelo contato com resíduos contaminados pelo vírus da COVID-19, o país adotou diversos protocolos que impactaram o sistema de gestão de resíduos e, consequentemente, as classes mencionadas. O presente artigo avalia as atividades das cooperativas de reciclagem (CR) durante a pandemia COVID-19 na cidade de São Paulo, demonstrando o impacto no mercado local de recicláveis e a eficiência dos protocolos sanitários adotados pelas CR. Este trabalho contribui com o registro deste difícil momento sanitário e serve de exemplo para futuros protocolos de gerenciamento de resíduos sólidos.

 

Palavras-chave: Pandemia da COVID-19; Protocolos Sanitários; Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS); Cooperativas de Reciclagem (CR); Central Mecanizada de Triagem (CMT).

 

 

Evaluation of waste pickers organizations' activities during the COVID-19 pandemic in São Paulo City

 

Abstract

In Brazil, the selective collection has tradition in social basis, generating work and income for classes in situations of social vulnerability. Nevertheless, faced with the concern of eventual contagion by contact with waste contaminated by the COVID-19 virus, the country adopted protocols that impacted the waste management system and, consequently, the classes as mentioned above. This paper evaluates the activities of the waste pickers organizations' (WPO) in São Paulo city, during the COVID-19 pandemic, showing the impact on the local recyclables market and the efficiency of the health protocols adopted by the WPO. This work contributes to the registration of this sanitary difficult moment and serve as example for future solid waste management protocols.

 

Keywords: COVID-19 Pandemic; Sanitary Protocols; Brazilian Solid Waste Policy; Waste Pickers Organizations’ (WPO); Material Recovery Facility (MRF).

 

 

Recebido em: 05/09/2024

Aceito em: 24/09/2024

Publicado em: 24/09/2024

 

1 Introdução

A reciclagem de resíduos sólidos nos países desenvolvidos é resultado de uma longa experiência de gestão e educação ambiental até os dias atuais. Desde o século XII, na Europa, os resíduos eram coletados e recuperados informalmente nessa região. Criadores de animais e agricultores recolhiam resíduos de alimentos e dejetos nas cidades, e aplicavam esses insumos como ração animal e fertilizante para plantio. Séculos depois, na era pós-revolução industrial, quando novos materiais surgiram e os meios de produção se distanciaram dos centros urbanos, houve a redução do interesse pela recuperação de materiais menos rentáveis. Como resultado, estes resíduos se acumulavam nas cidades, o que impeliu as autoridades locais a regular os serviços públicos de coleta de resíduos e sua destinação, tornando estes serviços formais, ou seja, regulados (Barles, 1999; Lupton, 2011).

 Como referência, o reconhecimento da reciclagem como essencial começou por razões ambientais e de gestão de recursos. Até a década de 1980, as taxas de reciclagem de resíduos domésticos eram baixas (Wilson et al., 2008). A nova era de gestão integrada de resíduos sólidos mudou as taxas de reciclagem nas últimas décadas. Assim, apesar do aumento dos resíduos sólidos gerados na União Europeia (UE) ao longo desse período, houve redução na quantidade de resíduos sólidos urbanos (RSU) dispostos em aterros sanitários. Em 2016, o total de RSU disposto em aterros sanitários nos 28 países membros da União Europeia (UE-28) passou para 60 milhões de toneladas (118 kg "per capita"), sendo que era de 145 milhões de toneladas (302 kg "per capita") em 1995, ou seja, uma redução de 59 % neste período. Essa redução corresponde a um decréscimo médio anual de 4,1% (EUROSTAT, 2022).

Esses resultados foram alcançados por meio de diversas ações, como a separação na fonte e regulamentações, que determinaram metas de recuperação e penalidades pelo seu descumprimento (Lupton, 2011; Porter, 2002).

A Política de Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) define a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como ferramenta para a gestão de resíduos sólidos no Brasil, sendo o conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos (Brasil, 2010). Atribui entre inúmeros instrumentos: i) a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos e [...]; ii) o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis (Brasil, 2010). Dessa forma, a PNRS vincula de forma encadeada que todos são responsáveis na geração do resíduo até a sua destinação final, incorporando a figura das cooperativas no desenvolvimento da gestão. Assim, como em outros países em desenvolvimento, a coleta para reciclagem é, na maioria dos casos, realizada pelo setor informal e é financiada inteiramente pela venda dos materiais recuperados. No entanto, a relação entre os setores formal e informal permanece tenso. A percepção desfavorável dos municípios sobre quem trabalha no setor de resíduos de forma informal ocorre pela condição precária da operação de coleta e de separação dos materiais realizada pelos catadores (Wilson et al., 2008). 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou em 11 março de 2020 o estado de pandemia (WHOa, 2020). Desde os primeiros casos até o presente, a OMS manteve a divulgação de protocolos importantes para a redução da transmissão do vírus como: procurar a vacinação o quanto antes; guardar distanciamento mínimo de outras pessoas; evitar multidões; usar máscaras faciais quando o distanciamento não for possível ou em locais com pouca ventilação; manter a higiene adequada das mãos e; garantir a limpeza, como a desinfecção, de superfícies de contato regular (WHOb, 2022). Diante da preocupação mundial de eventual contágio pelo contato com resíduos contaminados pelo vírus COVID-19, diversos países adotaram adaptações em seus sistemas de gerenciamento de resíduos que aumentaram a demanda por tratamentos térmicos e disposição final em aterros sanitários (ABES, 2020; APA, 2020; ACRPLUS, 2020).

No Brasil, a coleta seletiva tem apelo social, com geração de trabalho e renda formal e informal para as pessoas em situação de vulnerabilidade social, como os catadores, que, devido à pandemia, viram sua renda desaparecer. Dada a velocidade de contágio da doença, houve, à época, senso comum de que as normas publicadas durante a pandemia fossem emergenciais, como por exemplo: recomendações para os munícipios que mantiveram a coleta seletiva; orientação aos domicílios de que casos confirmados ou suspeitos de contaminação deveriam evitar destinar seus resíduos para coleta seletiva e; orientação para que outros domicílios descartassem seus resíduos em sacos duplos (ABRELPE, 2020). Nesse aspecto, era necessária uma informação mais ampla à população em geral e o interesse da imprensa e das autoridades municipais em disseminar esse cuidado à população, o que não ocorreu. Pouca informação foi veiculada a respeito dos protocolos referentes à disposição de resíduos pelos munícipes.

No Brasil, o uso de tecnologias de tratamento de RSU ainda é incipiente. Mesmo as grandes capitais carecem do uso dessas soluções. São Paulo, por exemplo, foi o epicentro da doença no Brasil (MS, 2022), onde cerca de 98% das 12.000 toneladas de RSU coletados diariamente nos domicílios são encaminhados para aterros sanitários. Além disso, estudos mostram que esses 2% encaminhados para recuperação nas cooperativas de catadores (CR) ou nas Centrais Mecanizadas de Triagem (CMT), geram cerca de 40% de rejeitos no processo de segregação, demonstrando que a quantidade coletada seletivamente não é totalmente encaminhada para recuperação em processos de reciclagem (Andrade, 2017; Jacinto, 2019).

O aterro próprio do município de São Paulo, que tem previsão de encerramento em 2026, atende cerca de metade da geração de RSU. A outra parte já é disposta em aterros privados localizados fora do município. Assim, qualquer fato que represente um aumento na geração de resíduos agrava uma situação já preocupante. Além disso, o início da pandemia da COVID-19 levou à suspensão das atividades das CR (ALESP, 2020) e o aumento do consumo das famílias nas condições do período de quarentena imposto na época (Torkashvand et al., 2021), trouxeram consequências que refletem diretamente na antecipação do fechamento do atual aterro sanitário, resultando em uma situação ambiental ainda mais crítica.

Diante desse contexto, este artigo tem como objetivo avaliar os impactos da pandemia da COVID-19 sobre as cooperativas habilitadas do município de São Paulo, responsáveis pela segregação dos resíduos coletados de forma seletiva em seu território e, consequentemente, sobre a gestão de resíduos no período de 2020 a 2021. Este trabalho contribui com o registro deste difícil momento sanitário e como exemplo para futuros protocolos de gerenciamento de resíduos sólidos.


2 Material e Métodos

 

2.1 Gestão de RSU no Município de São Paulo

O município de São Paulo ocupa o 4º lugar no ranking de cidades mais populosas do mundo (United Nations, 2018). Localizado na região sudeste do Estado de São Paulo, possui área de 1,5 milhões de km². O município gera, em média, 20 mil toneladas de RSU diariamente (entre resíduos domiciliares, resíduos de limpeza urbana e resíduos de pequenos geradores comerciais (geração diária de até 200 litros) (PMSP, 2018). A Lei municipal 13.478/2002 (PMSP, 2002) dispõe sobre a organização do sistema de limpeza urbana e, em seu artigo 21, separou os serviços de limpeza pública e consequentemente de coleta e destinação dos resíduos sólidos urbanos e resíduos de serviços de saúde gerados em dois grandes grupos, quais sejam: i. serviços divisíveis, que incorporam aqueles que é possível identificar o gerador (e.g. resíduos domiciliares e resíduos dos serviços de saúde) e, ii. serviços indivisíveis, que incorporam os serviços de zeladoria, como varrição de ruas e coleta de feiras livres.

Duas concessionárias são responsáveis pela coleta, transporte e destinação dos RSU no município de São Paulo, o equivalente a 12 mil toneladas por dia (PMSP, 2018). Todos os resíduos coletados pelas prestadoras de serviço de serviços divisíveis e indivisíveis são quantificados por meio de balanças instaladas nos pontos de destino dos resíduos. Há cooperativas e catadores autônomos que efetuam a coleta de resíduos secos (recicláveis) e alguns destes não são habilitados pelo município a executarem o serviço, não sendo, portanto, quantificados. Ou seja, uma parcela dos resíduos que são comercializados e reincorporados aos processos produtivos na indústria não são controlados.

 

2.2 Levantamento de Dados Secundários

Para avaliar o impacto da pandemia da COVID-19 sobre as CRs, assim como, a recuperação de materiais no município durante o período em questão, foi necessário o levantamento de dados secundários junto a órgãos públicos, gestores municipais e responsáveis pela CRs. A base de dados da pesquisa foi fornecida pela Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB) e sua sucessora, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de São Paulo (SPRegula).


2.3 Cooperativas de Reciclagem (CRs)

Dados da prefeitura indicam que a coleta seletiva é executada em 76% de seu território (PMSP, 2021). Os RSU coletados de forma seletiva (resíduos secos), são destinados às 25 cooperativas de materiais recicláveis existentes, conforme sua capacidade individual. Todas estão inseridas no programa socioambiental de coleta seletiva de resíduos recicláveis (SMS, 2007), as quais assumiram o papel de protagonistas no sistema de valorização dos resíduos do município.

Adicionalmente, duas centrais mecanizadas de triagem (CMT), que iniciaram suas atividades em 2014, recebem o material da coleta seletiva e possuem gestão compartilhada entre: i) as concessionárias, responsáveis pela manutenção e fornecimento de insumos inerentes à produção e, ii) uma cooperativa habilitada pela prefeitura, responsável pelos cooperados que efetuam o controle de qualidade dos materiais separados mecanicamente pelos equipamentos. De acordo com as diretrizes da Resolução Nº 109/AMLURB/2017 (AMLURB, 2017), a receita produzida com a venda dos recicláveis é destinada ao Fundo das Centrais de Triagem Mecanizadas. Metade desse fundo é reservado para o custeio das despesas com manutenção e com a operação de triagem, equipamentos, espaço físico e veículos das cooperativas habilitadas. A outra metade do fundo é destinada, depois de custeadas as despesas legais obrigatórias, aos cooperados das Cooperativas com Termos de Colaboração vigentes com a AMLURB. A Figura 1 apresenta o município de São Paulo, as CMT’s e as CRs habilitadas em 2022.

 

Figura 1 - Localização do Município de São Paulo, das CMT's e das CRs habilitadas em 2022.

Mapa

Descrição gerada automaticamente

 

Com o objetivo de preservar a saúde pública, temendo possíveis contaminações durante a pandemia da COVID-19, a AMLURB determinou a imediata paralisação das atividades exercidas nas 25 cooperativas habilitadas sob sua gestão, após o decreto de calamidade pública emitido pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em 20 de março de 2020 (ALESP, 2020).

Devido à existência das CMT’s, não houve a necessidade de interrupção da coleta seletiva durante a pandemia da COVID-19, visto que a triagem mecanizada reduz o contato manual entre os cooperados e os resíduos, e que, associado a outros protocolos de controle, como o uso da máscara facial, desinfetantes e diferentes horários de entrada e refeição, possibilitou a continuidade da operação das CMT’s. O cenário apresentado no município de São Paulo foi diferente do adotado em grande parte do Brasil onde, diante das condições de trabalho em muitos locais onde ocorre a catação de materiais recicláveis, houve a orientação para a suspenção dessas atividades (ABES, 2020).


2.4 Protocolos Aplicados

Diante da pandemia da COVID-19, além do impacto na saúde que a cada dia contava mais casos de mortes e infecções, havia a urgência do aumento dos serviços de saúde e das medidas de restrição social (JHU, 2021). Todos esses impactos estão relacionados à geração de resíduos. Consequentemente, houve a necessidade de medidas de controle para evitar a infecção daqueles profissionais que desempenham atividades relacionadas ao tratamento e à disposição de resíduos, pois a manutenção da coleta e tratamento dos RSU gerados é medida essencial, que garante a saúde pública e evita outros impactos ambientais. Vários países possuem regras e procedimentos específicos aplicados aos seus sistemas de gerenciamento de resíduos sólidos, mas ajustes nesses procedimentos foram necessários, como precaução contra a exposição e possível contaminação dos envolvidos na cadeia de gerenciamento de resíduos sólidos (ADEME, 2022; ISS, 2020; OSHA, 2020).

 

2.5 Elaboração do Formulário de Pesquisa junto às CRs

O objetivo da pesquisa realizada junto às CRs foi verificar os impactos da pandemia sobre suas atividades, face às condições que se impunham na fase de pandemia, durante os anos de 2020 e 2021 no município de São Paulo, sob a ótica dessas entidades. Para tanto, foi elaborado um questionário sobre atendimento aos protocolos de controle da pandemia regulamentados (SGM, 2020; ALESP, 2020; Dias et al., 2022), como o uso obrigatório de máscaras faciais, a desinfecção prévia do ambiente laboral, quantidade de cooperados em cada cooperativa e a avaliação do mercado de venda de materiais, naquele período.

As entidades que aceitaram participar concordaram com um Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) e responderam um questionário contendo 11 perguntas sobre sua operação durante a pandemia, totalizando 12 perguntas.

A ferramenta digital utilizada foi o serviço <Google Forms> para formulários online. Esta ferramenta tem política de dados e privacidade condizente com a legislação nacional, e não repassam os dados a terceiros. O envio do formulário de pesquisa, contato e resposta das cooperativas ocorreu entre novembro de 2021 e janeiro de 2022. A metodologia foi aprovada pelo Comitê de Ética via Plataforma Brasil.

 

2.6 Avaliação da Operação das Cooperativas na Pandemia

Após contato estabelecido com a PMSP, por meio da AMLURB, essa autoridade forneceu os contatos das cooperativas habilitadas em fevereiro de 2021. Os representantes dessas entidades foram contatados para esclarecimentos relacionados à pesquisa e avisá-los sobre o envio do questionário para preenchimento, pois a pandemia ainda creditava altos números de infectados e existiam medidas de restrição de acesso vigentes à época da pesquisa, que impossibilitaram a visita presencial às entidades. Nesta tentativa, houveram poucas entidades que responderam à demanda. Em abril de 2021, foi solicitado auxílio à AMLURB para a verificação, junto às CRs, se havia qualquer fator de dificuldade em relação ao preenchimento do questionário. Em junho de 2021, a AMLURB esclareceu que as CRs tiveram dificuldade de preencher o material, seja pela falta de recursos (e.g. computador), seja pela dificuldade no entendimento das questões discursivas. Diante dos pontos levantados e após uma discussão sobre a melhor forma para se obter o retorno das entidades, ficou claro que o questionário deveria ser na forma de questões objetivas, com um mínimo de questões discursivas, que exigissem a colocação de dados, face às dificuldades de preenchimento do primeiro formulário. O questionário foi reformulado, desenvolvido em plataforma eletrônica, com a premissa de fácil preenchimento, inclusive pelo celular.  Assim, em novembro de 2021 foi enviado à AMLURB o endereço eletrônico do questionário e essa autoridade o distribuiu às CRs homologadas pelo município. Após o apoio da AMLURB, a pesquisa alcançou, em janeiro de 2022, 23 respostas de 25 possíveis. Assim, apenas duas cooperativas não responderam e a pesquisa alcançou 92% de adesão.

 

3 Resultados e Discussão

 

3.1 Impacto da Pandemia sobre os RSU

Após levantamento dos dados secundários, a Figura 2 apresenta a evolução da relação entre os resíduos da coleta seletiva e da coleta indiferenciada (não segregada) no período de 2010 a 2022. Os dados são referentes ao RSU coletado pelas concessionárias, que é pesado em balanças localizadas nos equipamentos públicos de destinação de resíduos, como estações de transferência e aterros sanitários. Não há registro do material coletado de forma informal, atividade realizada por outros atores, além das concessionárias de serviços. Esses atores, como mencionado, CRs e catadores autônomos, coletam os resíduos disponibilizados pelos munícipes antes da passagem do veículo que realiza a coleta formal. Neste contexto, verifica-se que a quantidade de resíduos secos coletados em 2021 (SPRegula, 2023) remete às quantidades coletadas em anos anteriores a 2015, enquanto também há a redução da quantidade de resíduo domiciliar não segregado, o que mantém a relação entre o resíduo coletado seletivamente e o total coletado em cerca de 2% no município de São Paulo nos anos de 2021 e 2022, e que chegou a 2,5% em 2020, melhor índice do período estudado.

 

Figura 2 - Variação relativa da geração de resíduos domiciliares no município de São Paulo, de 2010 a 2022.

 

A Figura 2 mostra quedas consecutivas na geração de resíduos domiciliares entre os anos de 2019 e 2022, porém ocorreu grande oscilação da quantidade de resíduos da coleta seletiva durante os anos de 2020 e 2021, quando, respectivamente, houve um aumento de 17,41% e uma redução de 27,27% no ano seguinte. Diante da dicotomia entre a queda de geração de RSU total e a variação da coleta seletiva, é necessário esclarecer que, em 2020, primeiro ano de pandemia, vigoravam as medidas de restrição social, causando mudanças no comportamento das famílias, que em casa consumiam refeições e solicitavam a entrega de produtos que geravam embalagens de único uso, como também havia o desconhecimento sobre as vias de contaminação do vírus SARS-CoV-2. O cenário à época causou uma redução da atividade da indústria da reciclagem, que incluiu a atividade informal de coleta. Assim, todos os resíduos disponibilizados pelos munícipes foram coletados pelas concessionárias e seguiram para as CMT’s, justificando o aumento de recicláveis em 2020, apesar da quantidade total de resíduos domiciliares totais (seletivos + não segregados) gerados apresentar decréscimo de 1,24% no mesmo período. Este fato está relacionado à diminuição da atividade econômica, que tem impacto direto no consumo e assim, na geração de resíduos sólidos.

O peso da participação do serviço informal de coleta volta a ser verificado em 2021, quando houve diminuição de apenas 6,02% na geração de RSU total em relação a 2020, frente a uma redução dos resíduos destinados à coleta seletiva de 27,27%. A volta da atividade das cooperativas não homologadas, dos catadores autônomos e daquelas pessoas que buscaram na reciclagem uma alternativa de receita durante a menor atividade econômica, concorreram entre si, o que diminuiu o material coletado pelas concessionárias e segregado nas cooperativas homologadas pela Prefeitura do Município de São Paulo (PMSP).

Em 2022, o total coletado nos domicílios voltou a apresentar decréscimo de 1,31%, totalizando uma queda de geração de 8,4% entre 2019 e 2022 (SPRegula, 2023). No mesmo período, a coleta seletiva também apresentou uma diminuição de 12,7%. Assim, durante o período de pandemia, não é possível afirmar que houve qualquer mudança de hábito da população, seja pela redução dos hábitos de consumo, seja pela melhor segregação dos resíduos visando sua valorização. Os resultados da Figura 2 refletem a queda de geração ao longo do período pela diminuição do consumo das famílias e a manutenção de cerca de 2% da fração de RSU coletada de forma seletiva no município de São Paulo.

 

3.2 Evolução da destinação da coleta seletiva e quantidade de cooperativas habilitadas

Embora não tenha impactado a coleta seletiva, a medida que suspendeu as atividades nas CRs (ALESP, 2020) provocou o comprometimento da renda dos catadores dessas organizações, que viram suprimida a fonte de renda para suas necessidades de subsistência. Diante desse cenário, o município instituiu o pagamento de um auxílio individual aos catadores cadastrados nas CRs habilitadas com atividades suspensas. O recurso financeiro para custear a distribuição de ajuda aos associados habilitados foi custeado pelo Fundo Paulista de Centrais de Triagem Mecanizadas (AMLURB, 2014).

Para a retomada das atividades das cooperativas manuais, a AMLURB contratou, em agosto de 2020, a Fundação Instituto de Administração (FIA) para elaboração e implementação do plano de ação de retomada das atividades das associações e cooperativas que integram o Programa Socioambiental de Coleta Seletiva de Resíduos Recicláveis do Município de São Paulo. O objetivo da contratação foi alterar processos e adotar medidas de proteção que evitassem a transmissão do vírus naqueles locais (FIA, 2020). À época, houve preocupação sobre o número de associados que retornariam às atividades, pois, em levantamento efetuado pela FIA e pela AMLURB sobre os cooperados cadastrados nas cooperativas, foi constatado que cerca de 47% da população de cooperados pertenciam ao grupo de risco (acima de 60 anos de idade, gestantes e lactantes e portadores de doenças crônicas) ou eram responsáveis por crianças menores de 10 anos, dispensadas das aulas, perfis aos quais era recomendado o isolamento, e, portanto, não estariam aptos para o retorno ao trabalho naquele momento (FIA, 2020).

As atividades nas cooperativas foram retomadas gradativamente a partir de outubro de 2020, mas somente em janeiro de 2021 todas voltaram a operar. As atividades foram acompanhadas pelos técnicos de AMLURB, que verificaram os protocolos estabelecidos pelo estudo da FIA.

Como resultado da verificação, as cooperativas habilitadas atenderam principalmente aos protocolos estabelecidos, adotando práticas como: i. distanciamento social em áreas comuns; ii. Distanciamento de pessoas em correias transportadoras e tabelas de triagem; e iii. equipamentos de limpeza e higienização e áreas de recepção dos resíduos. Durante o acompanhamento da retomada, entre outubro de 2020 e janeiro de 2021, não foram identificados casos de contágio no local de trabalho (FIA, 2020). As cooperativas habilitadas se engajaram no controle das atividades, garantindo a saúde de seus membros e, consequentemente seu funcionamento.

Dados secundários fornecidos pela SPRegula (2023) apresentam a evolução das quantidades provenientes anualmente da coleta seletiva nas cooperativas habilitadas e nas CMT’s entre 2015 e 2022, como também o número de cooperativas habilitadas em operação a cada ano (Figura 3).

 

Figura 3 - Evolução da quantidade recebida de RSU da coleta seletiva e do número de cooperativas habilitadas pela PMSP, entre os anos de 2015 e 2022.

 

Em 2015, com o início da operação das CMT’s, mesmo com capacidade ociosa, o município ampliou a área de cobertura do programa de coleta seletiva do município e garantiu o processamento de todo o material coletado por meio das novas instalações de processamento dos resíduos. A estratégia adotada resolveu o problema de descontinuidade eventual dos serviços de coleta seletiva, que ocorreu nos anos anteriores. O cenário anterior à instalação das CMT’s era composto exclusivamente de entidades de separação manual que possuíam determinada capacidade instalada e grande exposição à sazonalidade do mercado de venda dos produtos recuperados. Por exemplo, quando o mercado de embalagens arrefecia suas atividades no final do ano, pois já havia produzido todas as embalagens necessárias para aquele período, o interesse pela recuperação do material diminuía e, consequentemente, o seu preço de mercado também. A baixa na demanda provocava falta de receita e evasão dos cooperados, que buscavam outras fontes de renda. Todo o contexto incapacitava as entidades de receberem mais resíduos, o que causava a descontinuidade do serviço, já que os caminhões permaneciam carregados até que houvesse espaço em alguma entidade para descarga. A expansão do serviço aumentou em 32% a quantidade de resíduos na coleta seletiva, passando de 65.832 t em 2014 para 86.632 t em 2015. Nesse contexto, as CMT’s processaram cerca de 65% dos resíduos coletados na coleta seletiva até 2019.

Como consequência da pandemia e das medidas de contenção impostas, que incluíram a suspensão das atividades das cooperativas no início de 2020, as CMT’s processaram 91% dos resíduos naquele ano. Segundo representante de cooperativa habilitada, durante o início da pandemia, o aumento do valor coletado verificado em 2020 pode ser atribuído à diminuição da coleta seletiva informal que ocorre antes da passagem da coleta regular (Rodrigues, 2021). Em 2021, a quantidade de resíduos coletados pela coleta seletiva voltou ao patamar abaixo de 80 mil toneladas, com a diminuição das medidas de restrição e retorno das atividades informais, fator que corrobora esse argumento.

Até 2015 a PMSP, através da AMLURB, cadastrou diversas entidades interessadas no recebimento do material da coleta seletiva em função dos problemas anteriormente mencionados de recebimento. Esta política permaneceu até 2016, quando teve início um programa de reavaliação de todos os locais de recebimento, tanto em estrutura física quanto em regularidade documental, o que resultou nas 25 unidades habilitadas pelo programa municipal a partir de 2020.

Nota-se que em 2020 houve um aumento de 17% na quantidade de resíduos disponibilizados na coleta seletiva. Estudos realizados nas CMT’s (Jacinto, 2019; Correa et al., 2022) relataram que a qualidade do material disponibilizado pelos munícipes, somado à falta de um mercado estabelecido para os diversos tipos de embalagens plásticas, resultam em índice de rejeito de cerca de 40% nestas unidades de segregação e valorização, mesma relação alcançada pelas CRs, como mencionado no estudo de Rodrigues (2020a). Como resultado, a quantidade de material efetivamente recuperada pelo município de São Paulo, que segue para transformação na indústria, é de cerca de 60% da massa coletada de forma seletiva. O que denota a necessidade de mais políticas públicas para melhoria dos índices de eficiência apresentados, visando o cumprimento das metas ambientais estabelecidas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES) (Brasil, 2022).

 

3.3  Resultados dos Questionários aplicados às CRs

 

3.3.1        Quantidade de cooperados

O objetivo da questão foi levantar a quantidade de cooperados em cada cooperativa e, eventualmente, o risco associado à aglomeração de pessoas. 43% das cooperativas apresentaram entre 21 e 50 cooperados e 35% das cooperativas declararam possuir acima de 50 integrantes. Assim, a maioria das cooperativas conveniadas (78%) do Município de São Paulo reúne quantidade de pessoas suficiente para gerar aglomerações, que representam riscos de contágio de agentes etiológicos. É evidente que diante deste cenário são necessários protocolos de higiene e combate à proliferação de agentes de doenças contagiosas, como foi o caso do vírus SARS-CoV-2.

 

3.3.2        Tempo de armazenamento antes de serem separados (tempo entre a chegada do resíduo e sua colocação na esteira de separação)

O contato dos cooperados com os resíduos é grande, visto que diferentemente de unidades mecânicas de separação, nas cooperativas de operação manual os sacos contendo os resíduos necessitam ser abertos. Há uma pré-seleção para remover materiais indesejados e posterior encaminhamento à esteira, onde os cooperados de maneira positiva (retiram o que vai para venda) e selecionam os materiais que seguirão para recuperação na indústria. Diante deste quadro e da possibilidade de contágio com materiais que ainda poderiam conter o vírus ativo, as cooperativas foram orientadas a reter o material antes de seu processamento. A pesquisa apresentou como resultado que 35% das cooperativas declararam reter os materiais por pelo menos 24 horas, 30% das cooperativas declararam reter os materiais por até 48 horas e 10% das cooperativas declararam reter os materiais acima de 48 horas. Esses números indicam que 74% das cooperativas conveniadas que participaram da pesquisa adotaram como um de seus protocolos de prevenção a retenção de resíduos em seus pátios antes de sua manipulação. A pesquisa não avaliou se as cooperativas que declararam processar os resíduos logo após seu recebimento (26%) o faziam por decisão ou por não possuírem área suficiente para reter os resíduos recebidos antes de seu processamento. O fato é que existem cooperativas que possuem limitação de tamanho de suas áreas de operação.

 

3.3.3        Comportamento reportado pelas cooperativas sobre a evolução do mercado de materiais recicláveis durante o período de pandemia

A resultado da pesquisa apresentou que 48% das CRs acreditam que a pandemia piorou o valor de venda dos materiais, enquanto 43% acreditam que melhorou e 9% que permaneceu estável. Neste caso, é necessária uma avaliação do cenário amplo do impacto do período de pandemia sobre as atividades das cooperativas.

No início de 2020, as restrições sanitárias impediram o funcionamento das cooperativas, inclusive algumas indústrias recicladoras também pausaram suas atividades até a constatação dos riscos de contágio no manuseio dos produtos recuperados. Esta desaceleração do segmento representou uma queda nos valores dos principais materiais recicláveis vendidos pelas cooperativas. Em estudo realizado com uma amostra de 147 cooperativas do Brasil (34% do Estado de São Paulo), Dias, Abussafy e Gonçalves (2022), indicam queda de 29% na receita bruta das cooperativas (média comparativa entre os meses de março, abril e maio de 2019 e 2020). Todavia, houve alta significativa na receita bruta da mesma amostra de cooperativas em 2021.

O aumento da receita registrado em 2021 é resultado do crescimento da demanda pelas embalagens pós consumo utilizadas para as entregas aos consumidores do comércio digital, alternativa essa que cresceu durante a pandemia devido às medidas de isolamento social e do aumento dos valores unitários dos materiais recuperados, devido à sua escassez no mercado. As medidas restritivas impostas também impactaram as cooperativas e as indústrias de reciclagem (Fontes, 2021; CNI, 2021). Portanto, o aumento da demanda e a restrição da oferta causaram o aumento dos preços unitários dos materiais recicláveis em 2021. Os valores voltaram ao equilíbrio apenas no início de 2022.

Os resultados da pesquisa de opinião sobre a evolução do mercado reciclável durante a pandemia (2020-2021) apresentaram divergências nas respostas apresentadas, porém, foi dependente da referência que a cooperativa utilizou para a resposta. Para aqueles que se basearam no início da pandemia em 2020, o cenário piorou. Por outro lado, para aqueles que se referiam a 2021, o mercado apresentou melhora quando o preço unitário dos resíduos segregados pelas CRs aumentou.

 

3.3.4        Quantidade de cooperados diagnosticados com COVID-19 em 2021

Os resultados apresentados na pesquisa evidenciaram que a adoção dos protocolos sanitários e sociais propostos às cooperativas para retorno de suas atividades foram eficazes. Como duas cooperativas não responderam à esta questão e três cooperativas registraram entre 21 e 50 casos, 78% das cooperativas que participaram tiveram menos de 10 casos. Importante mencionar que, segundo informação da AMLURB/ FIA (2020), o número de cooperados nas 25 cooperativas habilitadas era de cerca de 800 pessoas. O resultado reflete o mesmo observado por Dias, Abussafy e Gonçalves (2022), que atribuíram a baixa incidência de casos de COVID-19 entre os cooperados à rápida adaptação aos protocolos de controle exigidos. Os resultados obtidos foram declarados pelas diretorias das cooperativas e casos de subnotificação podem ter ocorrido.

 

3.3.5        Existência de pré-tratamento dos resíduos antes da manipulação como prevenção à COVID-19 e outras doenças infeccionas.

A questão sobre a existência de pré-tratamento antes da manipulação dos resíduos foi elaborada com objetivo de avaliar se além do período de retenção dos resíduos antes de sua manipulação havia outro protocolo de prevenção. A pesquisa apresentou que dez (43%) das cooperativas relataram efetuar tratamento prévio dos resíduos antes de sua efetiva manipulação. Entre estes protocolos de tratamento prévio uma cooperativa citou como ação a borrifação de água sanitária sobre os resíduos, sete o aguardo de até 72 horas para sua manipulação, uma realiza ambas as providências e duas cooperativas, apesar de relatar que há um tratamento prévio, mencionaram apenas o uso de EPI’s na justificativa da questão. O restante das cooperativas respondeu que não possuíam tratamento prévio à manipulação, grupo que representa 57% das cooperativas que participaram da pesquisa.

 

3.3.6        Equipamentos de proteção individual (EPI) utilizados durante as atividades de contato com os resíduos

As cooperativas conveniadas declararam quais EPI’s são utilizados no processo de seleção dos materiais presentes nos resíduos. Verificou-se que as luvas e botas fazem parte do cotidiano de 100% das cooperativas que participaram da pesquisa, como também as máscaras faciais, que variam entre a N95, cirúrgica e algodão. Os aventais e roupas de proteção são utilizados em 96% das cooperativas conveniadas e os óculos de proteção em 83% delas. A utilização de protetores auriculares é restrita a 26% da amostra e o uso de mangotes e perneiras foi declarado por 3 cooperativas, ou 13% da amostra.

 

3.3.7        Protocolos de limpeza relacionados no maquinário e/ou veículos de transporte dos resíduos

A pergunta sobre protocolos sanitários adotados em relação aos equipamentos de uso comum nas cooperativas, como prensas e veículos, apresentava alternativas, porém havia campo para incluir ações adicionais. Como resultado, 83% das entidades declaram higienizar os equipamentos a cada uso, 4 declaram que seguem os protocolos estabelecidos pela AMLURB/FIPE (2020), 1 declarou utilizar capas de proteção individualizada para veículos, 1 declarou lavar o equipamento a cada uso, 1 declarou não possuir veículos ou equipamentos e 2 declararam que não havia protocolos definidos.

O resultado demonstra que houve manutenção do protocolo de higienização dos equipamentos após a conclusão das ações de implementação dos protocolos sanitários promovidos pela AMLURB/FIPE 2020.

 

3.3.8        Protocolos internos de prevenção ao contágio por COVID-19 durante o trabalho

Além dos protocolos de higienização e limpeza dos equipamentos, outras ações rotineiras foram implementadas para evitar a propagação da doença, pois aumentaram a proteção dos catadores e concederam a continuidade das atividades. As respostas do questionário apresentaram a manutenção dos protocolos sanitários pelos OMS até o início de 2021, quando a pesquisa foi respondida. Por exemplo, o desinfetante para as mãos fazia parte de 100% do cotidiano dos catadores, enquanto o distanciamento do trabalho e as máscaras faciais foram usados em 87% das organizações e 78% adotaram o controle da temperatura corporal no início. Além disso, 65% faziam uso de café e almoço intercalados na utilização dos refeitórios e 39% praticavam horas de trabalho deslocadas entre os catadores para evitar aglomeração nos vestiários. No entanto, 13% das organizações ainda praticavam outras ações, incluindo limpeza diária no local de trabalho e proibição de compartilhar objetos. Uma cooperativa da amostra declarou efetuar pesquisa sobre atividades de seus cooperados no fim de semana.

 

3.4      Impacto da COVID-19 sobre as cooperativas no município de São Paulo

Diante da pandemia houve a necessidade de fechamento das cooperativas no município de São Paulo, porém houve a preocupação do poder público em mitigar o impacto social que o desprovimento de renda desse grupo causaria. Além das cooperativas habilitadas, a prefeitura assistiu outros profissionais ligados à cadeia de recuperação de materiais. A prefeitura também preocupada com a exposição dos cooperados, quando do retorno às atividades, elaborou um plano específico com protocolos de controle.

O conjunto de cooperativas habilitadas integram cerca de 834 cooperados (Rodrigues, 2020b) e 17 cooperativas declararam que houve menos de 10 casos de trabalhadores infectados com o vírus da COVID-19, entre o retorno das entidades em outubro de 2020 e o início da pesquisa em outubro de 2021. É necessário mencionar que fora do ambiente, esses trabalhadores estavam expostos a riscos de contágio de agentes etiológicos mais intensos, devido a questões sociais às quais estavam inseridos. Como exemplo, em geral essa população utiliza transporte público e vive em ambientes reduzidos com maior número de pessoas, fatores que contribuem para aumento da quantidade de infecções. 

O aumento da demanda por materiais recuperados durante a pandemia pela necessidade de produção de embalagens e a restrição da oferta, em razão das medidas de restrição que diminuíram a segregação de materiais e a produção das indústrias, causaram o aumento dos preços unitários dos materiais recicláveis em 2021. Os valores voltaram ao equilíbrio apenas no início de 2022, com a diminuição das medidas restritivas e consequente retorno ao novo normal.

Além da luva e do calçado de segurança, os óculos de proteção e a máscara facial foram incorporados à rotina das unidades como medida protetiva individual durante o ano de 2021. Outros protocolos, como a higienização de equipamentos e ambientes, o uso de álcool em gel e as medidas de distanciamento entre pessoas durante a jornada tornaram possível a continuidade das atividades, mesmo com os altos índices de contaminação registrados no município em 2021, período em que o número de infectados passou de 1.466.191 (01/01/2021) para 4.456.108 (31/12/2021) (SEADE, 2022).

Diante do retorno da “normalidade” das atividades profissionais em 2023, decorrentes da redução de medidas de restrição e, face à falta de recursos que estas entidades estão submetidas, o fornecimento de itens como máscara facial, óculos de proteção e álcool em gel, não foi mantido pela maioria das entidades. Outros protocolos de higienização e distanciamento também foram descontinuados, o que retornou as entidades à mesma condição de 2019, ano anterior à pandemia, no que tange aos recursos utilizados nas atividades de segregação e protocolos praticados durante a pandemia (Rodrigues, 2021).

 

4 Considerações finais

Este trabalho traz uma pesquisa inédita realizada durante a pandemia da COVID-19 com as CRs do município de São Paulo, que responderam sobre os protocolos que foram adotados e elucida a dificuldade que há no levantamento de dados e informações junto a essas entidades, dada a falta de recursos presentes em suas operações. Esse fato que ressalta a necessidade de melhores políticas públicas para a valorização desses atores, que tem papel fundamental na recuperação de materiais em São Paulo. 

Em 2020, durante a pandemia da Covid-19, São Paulo suspendeu as atividades das CRs habilitadas, mas houve a continuidade do serviço de coleta seletiva no município. A triagem do material coletado ocorreu nas Centrais Mecanizadas de Triagem.

Diante da pesquisa, foi possível verificar o peso da participação do serviço informal de coleta seletiva no município, pois houve aumento de 17,41% dos resíduos coletados seletivamente durante o período de restrição das atividades e redução de 27,27% no ano seguinte, em 2021, quando houve o retorno ao “novo normal”.

Embora a maioria dos trabalhadores das cooperativas pertença ao grupo de risco, houve poucos casos relatados de infecção pelo vírus da COVID-19. Fato atribuído ao cumprimento dos protocolos estabelecidos que preveniram novas infecções. Ressalta-se que as cooperativas mantiveram todos os cuidados necessários durante a pandemia, o que garantiu a continuidade das atividades e a saúde daqueles que ali trabalham.

Dado o bom resultado verificado sobre as medidas adotadas pelas CRs, a pesquisa torna-se importante registro dos protocolos necessários para o controle da contaminação entre os envolvidos na operação da gestão de resíduos sólidos durante futuros eventos como foi a pandemia pela COVID-19.

 

5 Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação Universidade Federal do ABC, por meio do Processo n. 23006.002360/2020-43, assim como o Comitê de Ética da mesma Universidade. As bases de dados foram fornecidas com o auxílio da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (AMLURB) e sua sucessora no período da pesquisa, a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de São Paulo (SPRegula).

 

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[1]Engenheiro Civil, DS.c, Brasil, Ecourbis Ambiental S.A., Superintendente de Engenharia, edneirodri07@gmail.com; https://orcid.org/0000-0003-0528-4594; https://lattes.cnpq.br/8577752392688887.

2Engenheira Civil, DS.c, Brasil, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Professora Assistente Doutora; g.mondelli@unesp.br; https://orcid.org/0000-0001-9010-4353; http://lattes.cnpq.br/3712096397575312; Financiado por Fundação Universidade Federal do ABC, Processo n. 23006.002360/2020-43.