Responsabilidade Compartilhada: ações do poder público municipal em relação ao descarte de resíduo eletroeletrônico
João Pedro de Oliveira Souza[1]
Gilberto Venâncio Luiz[2]
Michele Morais Oliveira Pereira[3]
Cauane Pereira da Silva[4]
Ana Cristina Ferreira[5]
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi de analisar as ações de responsabilidade do poder público Municipal em relação ao descarte de resíduo eletroeletrônico. A pesquisa é caracterizada como exploratória descritiva. Foram pesquisadas 72 cidades do estado de Minas Gerais, com população igual ou superior a 50.000 habitantes. Os dados foram organizados em uma planilha do software Excel e as análises foram conduzidas utilizando o software estatístico livre JASP. As técnicas de análise empregadas incluíram análise de frequência, análise de correlação, frequências cruzadas e testes de médias não-paramétricos, visto que as variáveis não apresentaram distribuição normal. Foi identificado que a maioria dos municípios submetidos à análise dispõe de regulamentações próprias relacionadas à gestão de resíduos sólidos, abrangendo aproximadamente 98,61% do total, correspondendo a 71 municípios. Desses municípios, 93% (66) possuíam um Projeto de Coleta e Tratamento de Resíduos implementado. Quanto a coleta de resíduos eletroeletrônicos, constatou-se que aproximadamente 41,27% dos municípios faziam divulgações em seus websites e nas plataformas de redes sociais oficiais. Contrapondo essa parcela, cerca de 59,72% das prefeituras não apresentaram informações acessíveis. A gestão sustentável de resíduos eletroeletrônicos requer responsabilidade compartilhada entre governos, empresas e sociedade civil. A legislação específica, projetos de coleta e cooperação entre diferentes atores são essenciais para minimizar impactos no meio ambiente e saúde pública. Ações como logística reversa, mais pontos de coleta, ecoeficiência e parcerias público-privadas são necessárias. A criação de legislação específica também é fundamental.
Palavras-chave: Gestão de Resíduos; Descarte; Resíduo Eletroeletrônico; Prefeituras.
Shared Responsibility: Actions of the Municipal Public Authority Regarding Electronic Waste Disposal
Abstract
The objective of this research was to analyze the responsibilities of the Municipal public authorities regarding the disposal of electronic waste. The research is characterized as exploratory descriptive. Seventy-two cities in the state of Minas Gerais with a population of 50,000 or more inhabitants were surveyed. The data were organized in an Excel spreadsheet, and the analyses were conducted using the free statistical software JASP. The analytical techniques employed included frequency analysis, correlation analysis, cross-tabulations, and non-parametric mean tests, as the variables did not show a normal distribution. It was identified that the majority of the municipalities analyzed have their own regulations related to solid waste management, covering approximately 98.61% of the total, corresponding to 71 municipalities. Of these municipalities, 93% (66) had an implemented Waste Collection and Treatment Project. Regarding the collection of electronic waste, it was found that approximately 41.27% of the municipalities made disclosures on their websites and official social media platforms. In contrast, about 59.72% of the municipalities did not provide accessible information. The sustainable management of electronic waste requires shared responsibility among governments, companies, and civil society. Specific legislation, collection projects, and cooperation between different actors are essential to minimize impacts on the environment and public health. Actions such as reverse logistics, more collection points, eco-efficiency, and public-private partnerships are necessary. The creation of specific legislation is also fundamental.
Keywords: Waste Management; Disposal; Electronic Waste; Municipalities.
Recebido em: 09/08/2024
Aceito em: 01/09/2024
Publicado em: 01/09/2024
1 Introdução
De acordo com os dados contidos no relatório intitulado "The Global Waste Monitor" de 2020, o território brasileiro testemunhou, no ano de 2019, a geração significativa de mais de 2,1 milhões de toneladas de resíduos eletroeletrônicos, também conhecidos como E-Waste. Esta nação ocupa a quinta posição no ranking dos maiores produtores globais de E-Waste, situando-se atrás da República Popular da China, cuja produção atingiu o impressionante montante de 10,1 milhões de toneladas, dos Estados Unidos da América, responsáveis por 6,9 milhões de toneladas, da Índia, que gerou aproximadamente 3,2 milhões de toneladas, e do Japão, com um registro de cerca de 2,5 milhões de toneladas. Fazendo um recorte específico para a América Latina, o Brasil ostenta a posição de liderança como o principal produtor de resíduo eletroeletrônico na região, conforme documentado por Forti et al. (2020).
É importante ressaltar que o Brasil adotou medidas normativas para enfrentar a questão dos resíduos sólidos, incluindo o E-Waste, por meio da instituição da Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelecida pela Lei nº 12.305, em 2 de agosto de 2010 e, posteriormente, regulamentada pelo Decreto nº 10.936, de 12 de janeiro de 2022. Esses marcos legais delineiam os princípios, objetivos e instrumentos dessa política, bem como estabelecem diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos. Adicionalmente, a legislação estabelece a importância da responsabilidade compartilhada entre os consumidores, o poder público e as empresas, visando abordar eficazmente os desafios relacionados à gestão adequada dos resíduos sólidos no país (Brasil, 2010; Brasil, 2022).
Conforme delineado no artigo 3º do Decreto nº 10.936, os atores envolvidos na cadeia de produção, distribuição e consumo de produtos, nomeadamente fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, são atribuídos com a responsabilidade integral sobre o ciclo de vida dos referidos produtos. Adicionalmente, o artigo 6º do mencionado decreto estabelece que a responsabilidade pela eficácia das ações relacionadas ao gerenciamento de resíduos sólidos é compartilhada entre o Poder Público, o setor empresarial e a sociedade em geral.
Embora exista um arcabouço legal que regula o tratamento de resíduos sólidos, é inegável que os resíduos provenientes de equipamentos eletroeletrônicos continuam a representar um desafio persistente no Brasil. De acordo com o relatório “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil – 2023”, divulgado em dezembro de 2023 pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), o país contava com aproximadamente 1.262 pontos de entrega voluntária de resíduos eletroeletrônicos, distribuídos em 307 municípios e abrangendo 25 estados federativos, além do Distrito Federal (ABREMA, 2023).
Com base nesse contexto delineado, emerge a seguinte indagação que serve de base para o presente artigo: que ações vêm sendo executadas pelo poder Público Municipal em relação ao descarte de resíduo eletroeletrônico no Brasil? Nesse sentido, o objetivo deste artigo é analisar as ações de responsabilidade do poder público Municipal em relação ao descarte de resíduo eletroeletrônico. Especificamente, pretende-se analisar ações das prefeituras em relação a implementação de políticas, regulamentações e parcerias que visam garantir a destinação adequada desses resíduos eletroeletrônicos, protegendo o meio ambiente e a saúde pública.
Para realização da pesquisa foram analisadas ações, listadas na internet e sites do Governo Federal, de 72 prefeituras do estado de Minas Gerais com acima de 50.000 habitantes no ano de 2023. O motivo deste recorte se deve ao fato de as cidades terem até 2 de agosto de 2023, para os Municípios elaborarem o plano intermunicipal de resíduos sólidos, conforme descrito no Artigo 54, inciso III, da Lei 12.305 de 2010.
A realização deste estudo se justifica pela crescente problemática global dos impactos ambientais e de saúde pública decorrentes do descarte inadequado de resíduo eletroeletrônico. Devido à relevância de um país populoso como o Brasil na geração de tais resíduos, é crucial examinar as ações da administração pública local (gestão dos municípios) em relação a esse problema complexo e multifacetado.
Cabe destacar que, predominantemente, os estudos sobre descarte de produtos eletroeletrônicos foram realizados em países desenvolvidos (Demajorovic et al., 2016). A análise proposta neste artigo busca, portanto, preencher esta lacuna no conhecimento e ainda destaca a importância das prefeituras na implementação de políticas, regulamentações e parcerias direcionadas ao descarte responsável de resíduo eletroeletrônico.
2 Revisão de Literatura
2.1 Definição e características do resíduo eletroeletrônico
O desenvolvimento econômico e tecnológico global observado nas últimas décadas, associado ao aumento da qualidade de vida, impulsionou um crescimento significativo no consumo de produtos eletroeletrônicos. Esse aumento substancial na demanda, por sua vez, resultou na geração de um volume considerável de Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos (REEE), comumente denominados resíduo eletroeletrônico, em todo o mundo. Esse cenário tem suscitado preocupações crescentes em relação à gestão adequada desses resíduos, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento (Arenhardt et al., 2016). Os REEE compreendem uma variedade de dispositivos obsoletos, como televisores, telefones celulares, eletrodomésticos portáteis, computadores e outros aparelhos que desempenham um papel fundamental na melhoria da qualidade de vida da sociedade. Embora cada categoria de equipamento apresente composição específica, de maneira geral, todos eles compartilham a presença de diversos metais, plásticos e vidros em sua constituição (Forti et al., 2020).
Pesquisas conduzidas na China por Cai et al. (2020) demonstraram que o resíduo eletroeletrônico contém substâncias potencialmente tóxicas e prejudiciais à saúde humana, em grande parte devido à presença de metais pesados nos equipamentos. Além disso, o descarte inadequado desses resíduos representa uma ameaça ambiental significativa. A conscientização sobre os danos ambientais resultantes do resíduo eletroeletrônico parece carecer da devida atenção, com organizações e governos frequentemente priorizando seus interesses próprios, como evitar custos adicionais relacionados à reciclagem adequada, e manter acordos políticos e econômicos que favorecem a indústria de eletroeletrônicos. Portanto, é crucial implementar uma gestão eficaz desses resíduos, minimizando assim o impacto adverso sobre o meio ambiente e a saúde humana.
A falta de processos adequados de reciclagem pode levar à contaminação do solo e da água, além de expor trabalhadores a materiais perigosos. O manuseio de resíduo eletrônico por cooperativas sem o devido conhecimento pode resultar em práticas perigosas, como quebrar monitores com martelos, liberando substâncias tóxicas. Além disso, a baixa conscientização pública e lacunas na legislação dificultam a implementação de sistemas eficazes de logística reversa e reciclagem (Demajorovic et al., 2016).
Os equipamentos relacionados à tecnologia da informação e comunicação, como computadores e dispositivos de telefonia móvel, representam a maior parcela dos resíduos eletroeletrônicos descartados. Como ressaltam Guo e Yan (2017), entre os vários tipos de resíduos eletroeletrônicos, os telefones celulares ocupam uma posição de destaque, exigindo uma gestão cuidadosa e responsável para mitigar seu impacto ambiental. O telefone celular se destaca como o principal contribuinte para o acúmulo de resíduo eletroeletrônico, em grande parte devido ao ciclo constante de incentivo à compra que impulsiona os consumidores a adquirir novos modelos com frequência. As indústrias de tecnologia, movidas por um mercado altamente competitivo, lançam constantemente versões atualizadas com funcionalidades aprimoradas, gerando uma demanda contínua por substituição. Esse fenômeno resulta em um volume crescente de aparelhos descartados, muitos dos quais contêm materiais perigosos e não são adequadamente reciclados.
Essas considerações destacam a complexidade do cenário do resíduo eletroeletrônico e a necessidade premente de abordagens abrangentes para lidar com esse problema, com foco na mitigação dos impactos ambientais e na promoção da saúde pública.
2.2 Responsabilidade Compartilhada no descarte de resíduos eletroeletrônicos
O descarte inadequado de resíduos eletroeletrônicos é uma questão de relevância crítica, uma vez que esses dispositivos albergam substâncias tóxicas, como mercúrio, chumbo, cádmio e outros metais pesados, bem como materiais plásticos que podem persistir no ambiente por décadas. Estas substâncias têm o potencial de contaminar ecossistemas terrestres e aquáticos, ameaçando a fauna, a flora e a saúde humana (Duarte et al., 2020).
Neste contexto, a abordagem da responsabilidade compartilhada emerge como uma estratégia essencial para mitigar os impactos negativos associados ao descarte de resíduos eletroeletrônicos. A responsabilidade compartilhada implica uma colaboração coordenada entre múltiplos stakeholders, incluindo o poder público municipal, fabricantes, consumidores e empresas de reciclagem (Nollkaemper, 2018). Esta abordagem busca remediar as lacunas frequentemente presentes na responsabilidade individual, distribuindo a responsabilidade legal por resultados relacionados a resíduos entre vários atores.
Para uma responsabilização compartilhada existe a necessidade de legislação sobre o descarte e reciclagem de resíduo eletroeletrônico, isso devido ao rápido crescimento desse tipo de resíduo e pelos riscos ambientais e de saúde associados. Estruturas legais eficazes são essenciais para gerenciar o resíduo eletroeletrônico de forma sustentável, promover a reciclagem e mitigar os impactos nocivos (Hiral, 2023). A falta de leis abrangentes para a gestão de resíduos eletroeletrônicos resulta frequentemente em práticas inadequadas de descarte, como a queima a céu aberto e o despejo em aterros sanitários, conforme apontado por Eastman (2024).
A ausência de uma legislação específica para o descarte e reciclagem de resíduos eletroeletrônicos em cidades de pequeno porte impõe riscos substanciais ao meio ambiente e à saúde pública. Este desafio em regiões em desenvolvimento, onde a infraestrutura e as políticas públicas são inadequadas para lidar com o problema de forma eficaz. O manejo inadequado desses resíduos libera substâncias tóxicas, colocando em risco o meio ambiente e a saúde das populações, além de expor trabalhadores do setor informal de reciclagem a condições perigosas, com sérios impactos à sua saúde (Venkatesh; Murthy; Ramakrishna, 2022; Valeria, 2022).
A PNRS confere aos municípios a responsabilidade de promover a coleta seletiva de resíduos, incluindo o resíduo eletroeletrônico, facilitando sua disposição adequada. Adicionalmente, os municípios são encarregados de promover a implementação da logística reversa, um sistema que viabiliza o retorno de produtos eletroeletrônicos pós-consumo aos fabricantes para reciclagem ou descarte ambientalmente responsável.
No entanto, Segundo Cardoso et al (2023), para uma gestão de resíduos eletroeletrônicos eficaz são necessários acordos de compromisso e ações educacionais são fundamentais para promover a responsabilidade compartilhada e melhorar a eficiência nos procedimentos de recuperação da logística reversa. O estudo enfatiza a importância dos acordos de compromisso entre instituições governamentais e empresas envolvidas na gestão do resíduo eletroeletrônico. Essas parcerias são cruciais para promover a responsabilidade compartilhada no gerenciamento de resíduos eletroeletrônicos. Dessa forma, Brasil (2022) o poder público, nas esferas federal, estadual e municipal, deve desenvolver planos de gerenciamento e tratamento de resíduos sólidos, estabelecendo acordos setoriais e parcerias público-privadas. Além disso, a participação de cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis deve ser fomentada.
Na visão de Garcia et al. (2016), os consumidores também desempenham um papel fundamental, sendo responsáveis por escolher o descarte adequado de seus dispositivos eletroeletrônicos, em vez de simplesmente descartá-los no resíduo comum. Koshta; Patra; Singh (2022) sugerem que aumentar a conscientização e a educação dos usuários sobre os impactos ambientais do resíduo eletroeletrônico pode aumentar significativamente as taxas de participação. Reforçando essa visão, Cardoso et al (2023) destaca também, que ações educacionais são necessárias para aumentar a eficiência nos procedimentos de recuperação da logística reversa de resíduo eletroeletrônico. Isso é essencial para garantir que todas as partes interessadas entendam suas funções e responsabilidades.
Andersen e Halse (2023) afirmam que, educar os consumidores sobre a importância do descarte adequado de resíduo eletroeletrônico e os benefícios das práticas de economia circular pode aumentar seu envolvimento no processo de gerenciamento, levando a uma melhor circularidade no manuseio de resíduo eletroeletrônico. Assim, os consumidores esperam cada vez mais transparência sobre o ciclo de vida dos produtos, incluindo como eles são reciclados ou descartados. Essa demanda pode levar os governantes e, principalmente os fabricantes, a melhorarem suas práticas de compartilhamento de informações em relação às opções de tratamento e reciclagem de resíduo eletroeletrônico.
A responsabilidade compartilhada se estende ao setor empresarial, que pode adotar práticas de produção mais sustentáveis, incluindo o design de produtos com menor conteúdo de substâncias tóxicas e maior facilidade de reciclagem (Garcia et al., 2016). Em complemento, Gureev e Grishin (2023) identificaram que muitos países desenvolvidos estabeleceram diretrizes que exigem que os produtores reduzam substâncias perigosas em produtos eletroeletrônicos e garantam o descarte e a reciclagem responsáveis. Com base na responsabilidade do setor empresarial, Gureev e Grishin (2023) destacam o conceito de Extended Producer Responsibility (EPR), isto é, Responsabilidade Estendida do Produtor, enfatizando como sendo crucial para o gerenciamento de resíduos eletroeletrônicos. Isso obriga os produtores a assumirem a responsabilidade por todo o ciclo de vida de seus produtos, incluindo o descarte.
A EPR é uma abordagem política que responsabiliza os produtores por todo o ciclo de vida de seus produtos, especialmente depois que eles se tornam resíduos. Isso inclui a responsabilidade pela coleta, reciclagem e descarte seguro dos produtos quando eles não forem mais utilizáveis. Pela EPR transfere-se a responsabilidade do gerenciamento de resíduos dos consumidores para os produtores, incentivando-os a projetar produtos com considerações sobre o fim da vida útil (Patra; Mishra, 2024)
A colaboração entre governos municipais, agências governamentais, organizações não governamentais e a comunidade é vital para abordar os desafios da gestão de resíduos sólidos de forma eficaz. Nesse sentido, Koshta; Patra; Singh (2022) indicam que uma abordagem colaborativa envolvendo as partes interessadas, incluindo fabricantes, consumidores e formuladores de políticas, é essencial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de gerenciamento de resíduo eletroeletrônico.
Chu et al, (2024) apresentam um modelo de reciclagem compartilhada para resíduo eletroeletrônico baseado em metas, incorporando mecanismos de crédito e políticas de financiamento para incentivar produtores e recicladores, chamado de Target Responsibility System (TRS), isto é, Sistema de Responsabilidade por Metas. Nesse sistema o governo desempenha um papel crucial na implementação de ações de crédito ou punições com intuito de incentivar os produtores a desenvolverem e compartilharem sistemas de reciclagem de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos. Nesse sentido, os autores sugerem que penalidades e subsídios governamentais são cruciais nos estágios iniciais do modelo de reciclagem.
A política de incentivos aos consumidores também pode ser uma importante ferramenta no processo de descarte e reciclagem de resíduo eletroeletrônico. Koshta; Patra; Singh (2022) indicam que fornecer incentivos, como recompensas financeiras ou fácil acesso a instalações de reciclagem, pode motivar os usuários a apoiarem os esforços de gerenciamento de resíduo eletroeletrônico propostos pelos governos e empresas.
A gestão de resíduo eletroeletrônico eficaz deve ser abordada considerando tanto as políticas governamentais quanto a conscientização pública e as estratégias empresariais. Regulamentações governamentais que incentivem a criação e o desenvolvimento de empresas de reciclagem de resíduos eletroeletrônicos são fundamentais para promover a gestão adequada desses resíduos (Cao et al., 2016). Além disso, a concepção de mineração urbana surge como uma abordagem sustentável para a recuperação de materiais valiosos de resíduos eletroeletrônicos, reduzindo a necessidade de locais convencionais para descarte deste tipo de resíduo (Nicolai; Lana; Santos, 2016).
A mineração urbana envolve a extração e a recuperação de metais e outros recursos preciosos presentes nos dispositivos eletroeletrônicos descartados, reduzindo assim os impactos ambientais. A mineração urbana é conduzida por empresas do setor de reciclagem e gestão de resíduos eletroeletrônicos, que possuem conhecimentos técnicos e tecnologias necessárias para realizar a extração dos materiais valiosos contidos no resíduo eletroeletrônico (Nicolai; Lana; Santos, 2016).
É importante também a cooperação entre governo, setor empresarial, sociedade civil e demais atores envolvidos para promover a efetiva implementação da responsabilidade ambiental pós-consumo. Destaca-se que estratégias e boas práticas podem ser adotadas para melhorar a gestão de resíduos, como a criação de sistemas de logística reversa, estímulo à ecoeficiência e o estabelecimento de parcerias entre diferentes setores (Moreira et al., 2016).
Em resumo, a gestão responsável de resíduos eletroeletrônicos requer a cooperação e a participação ativa de diversos atores, desde o poder público e o setor empresarial até os consumidores e catadores informais. A responsabilidade compartilhada e a adoção de práticas sustentáveis são cruciais para mitigar os impactos negativos do descarte inadequado de resíduo eletroeletrônico, contribuindo para a saúde ambiental e a qualidade de vida das comunidades.
3 Procedimentos Metodológicos
3.1 Tipo de Pesquisa
Pretende-se desenvolver uma investigação levando em consideração as ações do poder público municipal em relação à responsabilidade compartilhada em relação à coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico. A pesquisa é caracterizada como exploratória descritiva, pois visa identificar e proporcionar informações (Andrade, 2017) sobre ações das prefeituras em relação ao descarte de resíduo eletroeletrônico. Além disto conforme proposto por Gil (2019) visa familiarizar-se com o tema e colocá-lo em evidência. Trata-se de uma pesquisa descritiva e documental visto que foram coletados dados na internet, conforme especificado na próxima seção.
3.2 Coleta de Dados
Foram pesquisadas 72 cidades do estado de Minas Gerais, com população igual ou superior a 50.000 habitantes na qual foram coletados os dados necessários em dados disponibilizados pelas prefeituras pesquisadas em seus websites e redes sociais, nas câmaras legislativas municipais, em sites de notícias locais das cidades pesquisadas, além das bases de dados federais, tais como Sistema Nacional de Informações Sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – SINIR (BRASIL, 2023a) e o Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento – SNIS (BRASIL 2023b) e, também, na plataforma colaborativa de Informações de Saneamento Básico no Brasil (INFOSANBAS, 2023). A coleta de dados foi realizada durante o período de janeiro a maio de 2023. Segue-se abaixo (Quadro 1) a lista das cidades analisadas.
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Quadro 1: Lista das cidades pesquisadas |
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|
Posição |
Cidade |
Posição |
Cidade |
|
1 |
Belo Horizonte |
37 |
Itaúna |
|
2 |
Uberlândia |
38 |
Paracatu |
|
3 |
Contagem |
39 |
São João Del Rei |
|
4 |
Juiz de Fora |
40 |
Patrocínio |
|
5 |
Montes Claros |
41 |
Itajubá |
|
6 |
Betim |
42 |
Manhuaçu |
|
7 |
Uberaba |
43 |
Caratinga |
|
8 |
Ribeirão das Neves |
44 |
Unaí |
|
9 |
Governador Valadares |
45 |
Viçosa |
|
10 |
Divinópolis |
46 |
Curvelo |
|
11 |
Sete Lagoas |
47 |
Alfenas |
|
12 |
Santa Luzia |
48 |
Timóteo |
|
13 |
Ipatinga |
49 |
Outro Preto |
|
14 |
Ibirité |
50 |
João Monlevade |
|
15 |
Poços de Caldas |
51 |
Três corações |
|
16 |
Pouso Alegre |
52 |
São Sebastião do Paraíso |
|
17 |
Patos de Minas |
53 |
Lagoa Santa |
|
18 |
Teófilo Otoni |
54 |
Janaúba |
|
19 |
Vespasiano |
55 |
Cataguases |
|
20 |
Varginha |
56 |
Formiga |
|
21 |
Conselheiro Lafaiete |
57 |
Januária |
|
22 |
Sabará |
58 |
Mariana |
|
23 |
Barbacena |
59 |
Frutal |
|
24 |
Araguari |
60 |
Pedro Leopoldo |
|
25 |
Nova Lima |
61 |
Ponte Nova |
|
26 |
Araxá |
62 |
Itabirito |
|
27 |
Nova Serrana |
63 |
Pirapora |
|
28 |
Passos |
64 |
Congonhas |
|
29 |
Itabira |
65 |
Bom Despacho |
|
30 |
Muriaé |
66 |
Extrema |
|
31 |
Esmeraldas |
67 |
Três Pontas |
|
32 |
Ubá |
68 |
Campo Belo |
|
33 |
Lavras |
69 |
Lagoa da Prata |
|
34 |
Pará de Minas |
70 |
São Francisco |
|
35 |
Ituiutaba |
71 |
Guaxupé |
|
36 |
Coronel Fabriciano |
72 |
Bocaiúva |
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Fonte: IBGE (2022) |
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Para montar o perfil das cidades foram usadas informações disponíveis no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2023), sendo coletada informações sobre a população de cada município, do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, índice de Gini e do Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDHM). Na coleta de dados sobre resíduos sólidos e de resíduo eletroeletrônico foi usado o roteiro de perguntas baseado nas responsabilidades dos municípios descritas na Lei 12.305, de 2 de agosto de 2010 e no Decreto 10.936, de 12 de janeiro de 2022. A seguir o roteiro de questões que orientaram as buscas:
· Existe Legislação Municipal sobre resíduos sólidos?
· Existem projetos de coleta e tratamento de resíduos sólidos?
· A coleta e tratamento são feitos de que maneira?
· Existe legislação municipal específica sobre resíduos eletroeletrônicos?
· Tem alguma empresa ou associação que faça coleta e descarte do resíduo eletroeletrônico?
· A prefeitura disponibiliza informações sobre a coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico?
· Se sim na questão anterior, essas informações são fáceis de serem encontradas?
· Existem, na cidade, projetos de coleta de resíduo eletroeletrônico?
· Qual o número de pontos de coleta de resíduo eletroeletrônico?
· Qual a quantidade de resíduo eletroeletrônico descartado por ano?
As perguntas foram respondidas com base nas informações obtidas nos websites mencionados anteriormente, e foram realizadas análises de documentos e dados oficiais provenientes das bases de dados citadas.
3.3 Análise dos Dados
Após a etapa de coleta de dados, procedeu-se à organização destes em uma planilha utilizando o software Excel. As análises subsequentes foram realizadas por meio do emprego do software estatístico JASP, versão 0.16.4. Dentre as técnicas de análise utilizadas, incluíram-se análise de frequência, análise de correlação, análise de frequências cruzadas e a realização de testes de médias não-paramétricos, devido à ausência de distribuição normal nas variáveis consideradas.
4 Resultados e Discussões
4.1 Caracterização Geral dos Municípios
Com base nos critérios de seleção dos municípios descritos nos procedimentos metodológicos, foram escolhidas 72 cidades, que são as mais populosas do estado de Minas Gerais. É importante destacar que essas cidades estão dispersas em diversas regiões de planejamento do estado, com uma concentração particularmente significativa nas regiões Central e Sul de Minas, representando 33,3% e 16,7% da amostra, respectivamente. Essas regiões se destacam por sua densidade populacional, bem como por sua influência econômica, social e ambiental no contexto estadual.
Em relação à distribuição populacional dos municípios investigados, a maioria (56,95%) apresentou populações abaixo de 100 mil habitantes, enquanto 31,94% das cidades possuíam entre 100 mil e 299 mil habitantes. Entretanto, é importante mencionar que a presença de cidades com mais de 250 mil habitantes influenciou a média populacional, resultando em um valor médio de 172.401 habitantes. Contudo, a concentração populacional nas 8 maiores cidades corresponde a cerca de 45% da população total, o que distorce a média populacional. Nesse contexto, a mediana foi calculada como uma medida mais representativa, situando-se em 96.294 habitantes. A utilização da mediana contribui para eliminar o viés imposto pelas maiores cidades na análise.
O PIB per capita é uma métrica crucial para avaliar a riqueza de um município, historicamente associada a um maior engajamento em questões de sustentabilidade e meio ambiente. Portanto, o conhecimento da média do PIB per capita desempenha um papel relevante na caracterização dos perfis municipais e na possibilidade de comparações com estudos anteriores. Notavelmente, a média do PIB per capita observada foi de R$39.118,86, posicionando-se abaixo da média nacional, que foi de R$50.193,72 (IBGE, 2023). No entanto, os municípios analisados exibiram um coeficiente de Gini médio de 0,508, aproximando-se consideravelmente da média nacional, que é de 0,510. Conforme Piacentini (2014), valores próximos a 0,5 ou superiores indicam uma desigualdade acentuada na distribuição de riqueza.
4.2 Resíduos Sólidos e Eletroeletrônicos
No contexto da pesquisa, foi identificado que a ampla maioria dos municípios submetidos à análise dispõe de regulamentações próprias relacionadas à gestão de resíduos sólidos (Quadro 2), abrangendo aproximadamente 98,61% do total, correspondendo a 71 municípios. Desses municípios, 93% (66) possuíam um Projeto de Coleta e Tratamento de Resíduos implementado em suas respectivas jurisdições. As modalidades de coleta eram diversas, com 24 cidades (33,33%) realizando-a de forma própria, 32 cidades (44,44%) optando pela terceirização, e 16 cidades (22,22%) adotando um modelo misto, envolvendo tanto a gestão direta quanto a participação de empresas privadas. Os resultados apresentados estão de acordo com as proposições de Brasil (2022). O poder público, em todas as suas esferas, deve desenvolver planos próprios de gerenciamento e tratamento de resíduos sólidos, bem como estabelecer acordos e parcerias público-privadas, além de promover a participação de cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.
No que concerne à existência de legislação específica relacionada ao descarte de resíduos eletroeletrônicos (Quadro 2), constatou-se que 34 dos municípios analisados (47,22%) dispunham de regulamentações pertinentes a esse segmento. Entretanto, em relação aos 38 municípios restantes, não foi possível identificar legislação específica em pesquisas realizadas nos websites das prefeituras e em buscas gerais relacionadas às respectivas cidades.
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Quadro 2 - Legislação sobre resíduos sólidos e descarte de resíduo eletroeletrônico |
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Legislação Municipal sobre resíduos sólidos |
Frequência |
Percentual |
|||
|
Sim |
71 |
98,61% |
|||
|
Não |
1 |
13,89% |
|||
|
Projeto Coleta e Tratamento de Resíduos Sólidos |
Frequência |
Percentual |
|||
|
Sim |
67 |
93,06% |
|||
|
Não |
5 |
69,44% |
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Legislação Municipal sobre descarte de resíduos eletroeletrônicos |
Frequência |
Percentual |
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Sim |
34 |
47,22% |
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Não |
38 |
52,78% |
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Fonte: Dados da Pesquisa (2023) |
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É relevante salientar que, dentre esses 38 municípios, a maioria, representando 71,05% (27), corresponde a cidades de porte médio-pequeno, com população variando entre 50 e 99 mil habitantes. Segundo Eastman (2024), a falta de legislação para o descarte de resíduo eletroeletrônico em cidades pequenas representa desafios em todo o mundo. Muitas dessas cidades carecem de leis abrangentes de gerenciamento de resíduo eletroeletrônico, o que leva a métodos inadequados de descarte, como queima a céu aberto e despejo em aterros sanitários.
No entanto, é importante destacar que todos os 72 municípios da amostra realizavam a coleta de resíduos eletroeletrônicos, com 50 cidades (69,44%) optando pela participação de empresas privadas na gestão e descarte adequado desses resíduos, enquanto as outras 22 cidades optavam por realizar essa tarefa de forma própria. Esses dados ressaltam a relevância do papel do poder público municipal na gestão de resíduos sólidos e a importância das parcerias público-privadas, particularmente no que se refere ao resíduo eletroeletrônico, como também apontado por Cao et al. (2016) e Cardoso et al. (2023) em suas pesquisas.
Na avaliação da quantidade de pontos de coleta de resíduos eletroeletrônicos e o volume de resíduo recolhido, observou-se que a mediana correspondente foi de 6 pontos de coleta por município e 2,0 toneladas de resíduos eletroeletrônicos coletados. Importante ressaltar que, devido à presença de outliers, optou-se por não utilizar a média aritmética dos dados, uma vez que as cidades de maior porte exerciam uma influência desproporcional sobre essa métrica, elevando-a a valores consideravelmente mais elevados.
Os resultados indicam que o número de pontos de coleta é relativamente baixo nos municípios pesquisados. De acordo com a ABRELPE (2023), apesar dos esforços, uma parcela significativa dos resíduos sólidos no Brasil ainda não é gerenciada adequadamente, sendo comuns métodos de descarte inadequados. Portanto, os resultados sugerem que há espaço substancial para melhorias na coleta e gerenciamento de resíduo eletroeletrônico nos municípios. Segundo Moreira et al. (2016), uma solução para essa problemática é a criação de sistemas de logística reversa, com aumento no número de pontos de coleta para descarte desse tipo de resíduo. Para isso, Cardoso et al. (2023) sugerem o fomento de acordos de compromisso e ações educacionais para melhorar os processos de recuperação da logística reversa.
No contexto da disseminação de informações relacionadas à coleta de resíduos eletroeletrônicos, constatou-se que aproximadamente 41,27% dos municípios incluídos na amostra disponibilizavam divulgações em seus websites e nas plataformas de redes sociais oficiais. Contrapondo essa parcela, cerca de 59,72% das prefeituras não apresentaram informações acessíveis sobre a coleta de resíduos eletroeletrônicos em seus websites ou nas redes sociais associadas. Entre as cidades que optaram por divulgar essas informações, 26 delas as apresentaram de forma clara e de fácil acesso. Entretanto, em 3 cidades, embora as informações estivessem disponíveis, sua obtenção exigiu um esforço de busca considerável, tornando-as menos acessíveis aos cidadãos e interessados.
Esses achados evidenciam a variação significativa na transparência e acessibilidade das informações relacionadas à coleta de resíduos eletroeletrônicos, destacando a necessidade de padronização e maior clareza na divulgação desses dados, a fim de promover uma participação mais efetiva dos cidadãos no processo de logística reversa e no descarte adequado desses resíduos. Sobre essa necessidade de maior clareza nas informações, Andersen e Halse (2023) afirmam que os consumidores esperam mais transparência sobre como os produtos descartados ou reciclados são processados. Os referidos autores relatam que governantes e fabricantes precisam melhorar suas práticas de compartilhamento de informações quando se trata de descarte e reciclagem de resíduo eletroeletrônico.
4.3 Relação entre características das cidades e a coleta de resíduo eletroeletrônico
Foi realizada uma Análise de Correlação entre as variáveis População, IDHM, PIB Per Capita e Índice de Gini com as variáveis Número de Pontos de Coleta (NPC) e Quantidade de Resíduo Eletroeletrônico Descartado (QLED), conforme apresentado na Tabela 1. Como as variáveis não apresentaram distribuição normal foi utilizado o Coeficiente de Rho de Spearman. Com base nessa análise verificou-se que o tamanho da população estava correlacionado de forma positiva com a quantidade de resíduo eletroeletrônico descartado (r=0,566) e com número de pontos de coleta resíduo (r=0,640).
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Tabela 1: Coeficientes de Correlação |
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Variáveis |
População |
IDHM |
PIB Per Capita |
Gini |
QLD |
NPC |
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População |
1 |
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IDHM |
0.363* |
1 |
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PIB Per Capita |
0.049 |
0.497* |
1 |
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Gini |
0.022 |
0.263* |
-0.036 |
1 |
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QLD |
0.566* |
0.257* |
0.088 |
0.151 |
1 |
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NPC |
0.640* |
0.402* |
0.261* |
0.114 |
0.372* |
1 |
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Fonte: Dados da Pesquisa (2023) |
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* Coeficiente significativo ao nível de α = 0,05 |
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Observou-se uma correlação positiva baixa (r=0,257) entre o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e a quantidade de resíduo eletroeletrônico descartado. Isso sugere que municípios com um IDHM mais alto tendem a gerar uma quantidade relativamente maior de resíduo eletroeletrônico. Isso pode ser atribuído ao maior consumo de produtos eletroeletrônicos em áreas mais desenvolvidas.
Foi observada também uma correlação moderada (r=0,402) entre o IDHM e o número de pontos de coleta de produtos eletroeletrônicos. Isso indica que municípios com um IDHM mais elevado tendem a ter uma quantidade maior de pontos de coleta disponíveis para seus residentes. Isso pode refletir um maior compromisso das áreas mais desenvolvidas com a gestão sustentável de resíduos.
A pesquisa identificou uma correlação positiva baixa (r=0,261) entre o número de pontos de coleta e o Produto Interno Bruto (PIB) Per Capita dos Municípios. Isso sugere que municípios com um PIB per capita mais elevado tendem a investir em infraestrutura de coleta de produtos eletroeletrônicos de forma mais extensa. Essa correlação pode indicar uma ligação entre o desenvolvimento econômico local e a disponibilidade de locais de coleta de resíduos eletroeletrônicos.
As correlações encontradas em relação às variáveis Número de Pontos de Coleta (NPC) e Quantidade de Resíduo Eletroeletrônico Descartado (QLED) com os indicadores socioeconômicos (IDHM, PIB per capita e Índice de Gini) dos municípios estão de acordo com as proposições de Nikou e Sardianou (2023), que afirmam que localidades com maior justiça socioeconômica tendem a ter melhores sistemas de coleta de resíduo eletroeletrônico. Isso é atribuído à alocação equitativa de recursos e a estruturas regulatórias eficazes que incentivam práticas de descarte responsável. Contudo, algumas correlações foram baixas e outras não significativas, demonstrando que existem outros fatores que influenciam essa relação. Dessa forma, Boubellouta e Kusch-Brandt (2020) relatam que há uma relação complexa entre crescimento econômico e gerenciamento de resíduo eletroeletrônico.
Com o propósito de aprofundar a análise dos dados, foram realizados testes para investigar a relação entre as variáveis "Existência de Legislação Municipal sobre descarte de resíduo eletroeletrônico" e "Existência de Empresa ou Associações que realizam coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico" com as variáveis "Quantidade de Resíduo Eletroeletrônico Descartado (QLED)" e "Número de Pontos de Coleta (NPC)". É relevante destacar que as variáveis QLED e NPC não exibiam uma distribuição normal, o que levou à aplicação do teste de hipótese de Mann-Whitney, conforme recomendado por Luiz (2024) como medida para avaliar a diferença entre as médias das cidades. Para tanto, as hipóteses nulas testadas foram as seguintes:
· H01: Não existe diferença entre cidades com ou sem legislação sobre descarte de resíduo eletroeletrônico em relação a QLED.
· H02: Não existe diferença entre cidades com ou sem legislação sobre descarte de resíduo eletroeletrônico em relação ao NPC.
· H03: Não existe diferença entre cidades com empresa/associações que faziam coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico em relação a QLED.
· H04: Não existe diferença entre cidades com empresas/associações que faziam coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico em relação ao NPC.
Após a realização das análises estatísticas correspondentes a essas hipóteses, os resultados (Tabela 2) obtidos indicaram que não há evidências estatisticamente significativas para rejeitar as hipóteses nulas. Ou seja, com base nos p-valores calculados, que foram maiores que o nível de significância adotado (Alfa = 0,05), podemos concluir que: não há diferença estatisticamente significativa na quantidade de Resíduo Eletroeletrônico Descartado (QLED) entre cidades que possuem legislação específica sobre o descarte de resíduo eletroeletrônico e cidades que não possuem essa legislação e, que não há diferença estatisticamente significativa no Número de Pontos de Coleta (NPC) entre cidades que possuem legislação específica sobre o descarte de resíduo eletroeletrônico e cidades que não possuem essa legislação.
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Tabela 2: Existência de Legislação Municipal sobre descarte de resíduo eletroeletrônico e QLED e NPC |
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W |
|
P |
Rank-Biserial Correlation |
SE Rank-Biserial Correlation |
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|
NPC |
|
774.000 |
|
|
|
0.148 |
|
0.198 |
|
0.136 |
|
|
QLED |
|
712.500 |
|
|
|
0.456 |
|
0.103 |
|
0.136 |
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Fonte: Dados da Pesquisa (2023) |
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Após a condução das análises estatísticas correspondentes a essas hipóteses, os resultados obtidos (Tabela 3) indicaram que a hipótese H03 foi aceita, uma vez que não houve diferença estatisticamente significativa na quantidade de Resíduo Eletroeletrônico Descartado (QLED) entre cidades que contavam com empresas ou associações dedicadas à coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico e cidades que não possuíam essas entidades. Essa descoberta sugere que a presença de empresas ou associações não influenciou de forma estatisticamente significativa a quantidade de resíduos eletroeletrônicos descartados nas cidades analisadas.
No entanto, em relação à hipótese H04, os resultados (Tabela 3) apontaram que houve uma diferença estatisticamente significativa no Número de Pontos de Coleta (NPC) entre cidades com empresas ou associações dedicadas à coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico (mediana 7,0 pontos) e cidades que não possuíam essas entidades (mediana 4,5 pontos).
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Tabela 3: Cidades com empresas/associações que faziam coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico em relação a QLED e NPC |
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W |
|
P |
Rank-Biserial Correlation |
SE Rank-Biserial Correlation |
||||||
|
NPC |
|
742.000 |
|
|
|
0.019 |
|
0.349 |
|
0.148 |
|
|
QLED |
|
618.000 |
|
|
|
0.409 |
|
0.124 |
|
0.148 |
|
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Fonte: Dados da Pesquisa (2023) |
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Portanto, a presença dessas empresas ou associações teve um impacto estatisticamente significativo no número de pontos de coleta disponíveis nas cidades estudadas. Porém, o coeficiente rank-bisserial (rB) foi de 0,349. Segundo Goss-Sampson (2018) esse coeficiente deve ser interpretado de forma semelhante ao “r” de Pearson. Isso demonstra que a diferença entre as medianas tem um efeito moderado.
Consequentemente, com base nas diferenças apresentadas nesses resultados, pode-se afirmar que a presença de empresas ou associações dedicadas à coleta e descarte de resíduo eletroeletrônico não afetou a quantidade de resíduos eletroeletrônicos descartados nas cidades analisadas, mas teve uma influência significativa no aumento do número de pontos de coleta disponíveis. Esses resultados têm implicações importantes para a gestão de resíduos eletroeletrônicos em nível municipal, destacando a relevância da colaboração entre entidades privadas e o poder público na melhoria das infraestruturas de coleta desses resíduos, conforme afirmam Cao et al. (2016), Nollkaemper (2018) e Koshta, Patra e Singh (2022), e que tem previsão legal conforme a Política Nacional de Resíduos Sólidos (BRASIL, 2022).
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5 Considerações Finais
Neste estudo, pode-se concluir que o princípio da responsabilidade compartilhada é de vital importância para a gestão sustentável dos resíduos eletroeletrônicos. A existência de legislação específica, a implementação de projetos de coleta e tratamento de resíduos, bem como a colaboração entre diversos atores, emergem como elementos fundamentais na promoção de uma gestão eficaz desses resíduos. Tais medidas não apenas minimizam os impactos negativos no meio ambiente e na saúde pública, mas também constituem uma base sólida para a construção de um futuro mais sustentável.
Em um contexto prático, pode-se inferir que a cooperação entre governos, empresas e sociedade civil é imprescindível para a implementação de estratégias e boas práticas que aprimorem a gestão de resíduos eletroeletrônicos. Isso inclui o estabelecimento de sistemas de logística reversa, o aumento da disponibilidade de pontos de coleta de resíduo eletroeletrônico, a promoção da ecoeficiência e a formação de parcerias entre o setor público e a iniciativa privada para a coleta e descarte adequado desses resíduos.
Os resultados deste estudo também atestam a eficácia da pesquisa realizada, fornecendo informações valiosas sobre as ações dos poderes públicos municipais em relação ao descarte de resíduos eletroeletrônicos. Eles esclarecem as relações complexas entre o desenvolvimento humano, a gestão de resíduos e a logística reversa de produtos eletroeletrônicos. Tais insights são de grande relevância para os formuladores de políticas públicas e empresas que buscam promover a sustentabilidade ambiental e o envolvimento dos consumidores na economia circular.
É importante reconhecer que este estudo enfrentou limitações, especialmente no que diz respeito à coleta de informações via internet, com algumas fontes apresentando dados desatualizados ou incompletas. No entanto, as informações obtidas proporcionam uma visão geral das ações das prefeituras e constituem uma base sólida para análises posteriores. Como sugestão para futuras pesquisas, recomenda-se a inclusão de municípios com população inferior a 50.000 habitantes, bem como a exploração das práticas de coleta e tratamento de resíduos sólidos e eletroeletrônicos em áreas rurais. Outra abordagem seria focar na análise das legislações e regulamentações relacionadas ao descarte de resíduo eletroeletrônico em nível municipal examinando as leis existentes com intuito de identificar lacunas e propor medidas para fortalecer a responsabilidade compartilhada nesse contexto. Isso permitiria uma compreensão mais abrangente e aprofundada da gestão de resíduos em diferentes contextos municipais.
6 Agradecimento
Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG pelo apoio financeiro, para execução do projeto do qual este artigo faz parte.
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[1] Graduando em Administração pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba; joao.souza69@ufv.br; https://orcid.org/0000-0002-2395-4689; http://lattes.cnpq.br/8914099271847681.
[2] Professor do Curso de Administração da Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba; gilberto.luiz@ufv.br; https://orcid.org/0000-0003-4826-2571; http://lattes.cnpq.br/0356105882396787.
[3] Professora do Curso de Administração da Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba; michele.pereira@ufv.br; https://orcid.org/0000-0001-8859-447X; http://lattes.cnpq.br/3525315184001756.
[4] Graduanda em Administração pela Universidade Federal de Viçosa – Campus Rio Paranaíba; cauane.silva@ufv.br; https://orcid.org/0000-0001-5592-2203; http://lattes.cnpq.br/7325825160381180.
[5] Professora do Curso de Administração da Universidade Federal de Viçosa – Campus Florestal;
ana.c.cristina@ufv.br; https://orcid.org/0000-0002-4726-1086; http://lattes.cnpq.br/5799938246999708.