PRINCIPAIS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DAS USINAS DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS DE CONSTRUÇÃO E DEMOLIÇÃO (URCD’S): UM ESTUDO DE CASO EM CARAGUATATUBA-SP
Leonan Malaguti Ferreira[1]
Luís Mateus Genova2
Nathália Soares Costa3
Urânia Tuan Cardozo4
Resumo
Em busca de melhorar o equilíbrio entre o homem e a natureza, crescentes estudos e ações vêm sendo aplicados para gerar o mínimo de resíduos possíveis, extrair o mínimo de recursos naturais e reciclar o máximo a fim de melhorar nossa qualidade de vida e do planeta. A construção civil é responsável por uma grande parcela do impacto ambiental causado, sendo a área que consome maior quantidade de recursos naturais e gera a maior quantidade de resíduos sólidos. Diante disto, reciclar os Resíduos da Construção e Demolição (RCD)é essencial. Em busca de melhorar a sustentabilidade do setor, o presente trabalho visa entender os desafios da implantação de uma Usina de Reciclagem de Resíduos de Construção e Demolição (URCD) com ênfase em um estudo de caso na cidade de Caraguatauba-SP, Brasil. O trabalho apresenta uma revisão básica do tema, dados sobre a atual situação da gestão dos RCD’s no município, também como relatos de visitas nos órgãos responsáveis da cidade e consulta de bases online disponíveis. Um dos principais desafios identificados foi a falta de informação perante os órgãos governamentais para que pudesse se estabelecer estratégias para implementação das URCD.
Palavras-chave: Resíduos sólidos; Resíduos de Construção e Demolição; Usinas de Reciclagem de Resíduos da Construção e Demolição; Sustentabilidade; Caraguatatuba.
MAJOR CHALLENGES IN THE IMPLEMENTATION OF SOLID WASTE (C&DW) RECYCLING PLANTS: A CASE STUDY IN CARAGUATATUBA-SP
Abstract
In search of improving the balance between humans and nature, increasing studies and efforts to generate the least possible waste, to extract the minimum amount of natural resource, and to recycle as much as possible to improve our quality of life and of the planet. The construction industry is responsible for a significant portion of environmental impact, being the sector that consumes the largest amount of natural resources and generates the most solid waste. In front of this, recycling Construction and Demolition Waste (C&DW) is essential. In an effort to improve the sector's sustainability, this work aims to understand the challenges of implementing a Construction and Demolition Waste (C&DW)Recycling Plant with emphasis on a case study in the city of Caraguatatuba, Sao Paulo, Brazil. This article presents a basic review of the topic, data on the current situation of C&DW management in the municipality, as well as reports from visits to responsible city agencies and consultation of available online databases. One of the main challenges identified was the lack of collection and dissemination of information to governmental agencies so that strategies could be established for the implementation of a Solid Waste Recycling Plant.
Keywords: Solid Waste; Construction and Demolition Waste; Construction and Demolition Waste Recycling Plants; Sustainability; Caraguatatuba.
Recebido em: 11/06/2024
Aceito em: 14/07/2024
Publicado em: 18/07/2024
1 Introdução
Atualmente, as cidades brasileiras têm se desenvolvido cada vez mais, causando grandes alterações em sua infraestrutura. A construção civil é agente atuante diretamente neste processo, cujo avanço é um dos principais responsáveis pela promoção socioeconômica da sociedade (Capaz; Nogueira, 2015). A indústria da construção civil é uma das mais importantes para a melhoria da qualidade de vida nas cidades, sendo em alguns países europeus responsável por 25% do PIB, empregando mais de 30 milhões de cidadãos. Todavia, o ramo da construção civil é um dos maiores responsáveis pelos impactos e degradação do meio ambiente, chegando a consumir em seus processos 75% de recursos naturais (Pinto, 1999). O resultado disso é um volume elevado de resíduos sólidos urbanos (RSU) lançados na natureza ou em locais inadequados, dos quais, os Resíduos de Construção e Demolição (RCD) ou Resíduos da Construção Civil (RCC) correspondem a aproximadamente metade de todo o montante gerado (Borges et al., 2015). Em 2023, a ABREMA (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente), publicou um panorama evidenciando que no Brasil são geradas cerca de 77,1 milhões de toneladas de resíduos sólidos da construção civil no ano de 2022 (ABREMA, 2023).
A reciclagem dos resíduos da construção civil não é algo que surgiu nos tempos modernos. Pesquisas arqueológicas demonstram que desde o período da Roma Antiga é realizada a reciclagem de entulho. Um grupo de arqueólogos descobriu na cidade de Pompeia, grupos soterrados de resíduos descartados fora dos muros da cidade, sendo alguns apenas de materiais de construção, como cerâmica e gesso, que nitidamente passaram por um processo de triagem. Além disso, a pesquisa ainda relata que na construção de algumas estruturas da cidade foram utilizados materiais reaproveitados como ladrilhos, ânforas, pedaços de argamassa e gesso (Simon,2017).
Mesmo com a ideia de reaproveitar os resíduos da construção e demolição datada nos primórdios da civilização romana, a primeira aplicação significativa da reciclagem de entulho só foi ocorrer após a segunda guerra mundial. Com a destruição massiva gerada pela guerra, as cidades europeias se viram obrigadas a reutilizar o entulho para possibilitar a reconstrução de suas cidades. Foi então aplicada pela primeira vez os processos de triagem e britagem do entulho, seguido de sua reutilização na produção de concreto e argamassa (Krug, 2017).
Já no contexto brasileiro, para promover a reciclagem e a destinação ambientalmente adequada dos RCD, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) classificou os tipos de resíduos da construção e demolição a partir da Resolução 307/2002, auxiliando, portanto, nos processos de separação e reciclagem. A classificação desses resíduos é disposta em 4 classes, sendo elas:
•Resíduos classe A: os melhores para o processo de reciclagem, sendo possível reciclá-los até mesmo dentro da própria obra. São eles: materiais cerâmicos, blocos, tijolos, telhas, argamassa, concreto e solos de terraplanagem;
•Resíduos classe B: são os resíduos que podem ser reciclados, porém para outros fins, diferentes da construção. São eles: papel, papelão, metais, vidros, madeiras e gesso;
•Resíduos classe C: são os materiais que não podem ser reciclados, ou que sua reciclagem é extremamente inviável;
•Resíduos classe D: são os materiais considerados perigosos, cuja exposição pode causar danos à saúde do trabalhador. Alguns exemplos são: tintas, solventes, vernizes e materiais de amianto.
Segundo Marques Neto (2003) e Córdoba (2010), a maior parte dos RCD’s são de classe A, os quais podem ser convertidos em agregados e reutilizados (Figura 1). Tais materiais representam cerca de 70% do volume total dos produtos em que são utilizados, como estruturas de concreto e pavimentação (Ribeiro, 2013), apresentando desta forma um mercado lucrativo. No Brasil, o consumo de agregados em grandes regiões metropolitanas chegou a cerca de 4t/hab./ano (Bauer, 2019).
Figura 1: Produção em massa de agregados reciclados.

Fonte: MB Geologia e Meio Ambiente (2017).
Segundo uma pesquisa setorial realizada pela Associação Brasileira para Reciclagem de Resíduos da Construção Civil e Demolição (ABRECON) em 2020, em 2019 já haviam sido instaladas no Brasil cerca de 300 usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, sendo um terço delas administradas por iniciativa pública e dois terços por iniciativa privada (ABRECON, 2020). A ABRECON realizou o Encontro Nacional das Usinas de Reciclagem de RCD, no qual foi possível identificar que cerca de 82% das usinas de reciclagem do país são microempresas, geralmente localizadas em grandes metrópoles com mais de 100 mil habitantes, possuem menos de 20 funcionários e recebem em média 2 mil metros cúbicos de resíduo por mês (ABRECON, 2021).
Em 2018, na cidade de Caraguatatuba – São Paulo, foi iniciado o projeto de uma usina de reciclagem de resíduos da construção civil, juntamente com a publicação do Decreto 994/2018 (Caraguatatuba, 2018), que dispõe sobre o Plano de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civile Volumosos – RCC e dá outras providências. O projeto foi proposto como uma medida para solucionar a constante problemática de descarte inadequado que afeta a cidade, poluindo o meio ambiente e por vezes invadindo espaços de vias públicas (Prefeitura Municipal de Caraguatatuba, 2018). Entretanto, após cerca de 3 anos de funcionamento, a usina foi desabilitada, regredindo o panorama do gerenciamento de RCD do município, levantando dúvidas sobre o porquê a usina foi desabilitada e qual a atual destinação adequada dos entulhos da construção civil em Caraguatatuba. Visando entender os desafios de implementar e manter as URCD’s, o presente trabalho analisa, com base na literatura, os critérios para sua viabilidade, também como discute os problemas práticos, levando de exemplo o caso local do município paulista.
2 Materiais e Métodos
2.1 Desafios encontrados para reciclagem dos RCD’s na literatura
Para o início dos estudos, foram realizadas pesquisas bibliográficas em artigos, revistas e trabalhos científicos, com o objetivo de criar um repertório a fim de aprofundar os conhecimentos sobre o assunto. Os sites de busca utilizados para a construção do fichamento foram os seguintes: “Scielo”, “Google Acadêmico” e “Portal de Periódicos da CAPES”. Estes apresentam um grande acervo tanto em artigos nacionais como internacionais, tanto recentes como antigos, indexando editoras e revistas de maior rigor científico.
2.2 Estudo de caso dos RCD’s de Caraguatatuba
Com intuito de analisar os problemas práticos encontrados para implementação de uma URCD na região de Caraguatatuba-SP, no final do ano de 2023 foram feitas visitas em locais de coleta de RCD e visita à Secretaria de Meio Ambiente Agricultura e Pesca (SEMAAP). Também foram consultados relatórios nos sites governamentais, como da prefeitura e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), assim como notícias da região que relatam a situação vivida pela população. As principais informações encontradas são apresentadas em resultados e discutidas.
3 Resultados e Discussão
3.1 Desafios encontrados para reciclagem dos RCD’s na literatura
Uma característica do mercado de agregados é que seu custo de transporte é um dos maiores dentre todo o processo de reciclagem, podendo chegar a ser superior ao custo de produção. Internacionalmente aceita-se como viável o transporte de pedreiras que estão localizadas até cerca de 50 km do seu mercado consumidor. A partir desta distância o processo deixa de ser lucrativo na maioria dos casos (Bauer, 2019). Essa é uma das características mais importantes que devem ser consideradas no processo de implantação de uma URCD. Uma usina implantada em um local muito distante de seu mercado consumidor não apresenta perspectiva de sucesso, já que o frete torna o preço do material reciclado pouco competitivo em relação aos materiais convencionais, sendo mais viável para o consumidor buscar o produto natural.
Outro fator de grande importância para o sucesso de uma URCD é o volume de entulho de entrada junto à quantidade de agregados que serão consumidos, observando que, ao mesmo tempo que a usina deverá suprir à quantidade de agregados requeridas por seus consumidores, caso uma quantidade muito grande dele seja produzida sem consumo, será necessária a criação de um estoque. É difícil determinar indicadores de consumo e geração de agregados, já que esses dependem de fatores que variam conforme a população, como por exemplo, os hábitos de consumo e fatores socioeconômicos. (Konrad, 2015). Um método utilizado para estimar a geração de RCD foi desenvolvido por Pinto (1999), o qual estipula que para cada metro quadrado de área construída, cerca de 150 quilos de resíduos são produzidos. Tem-se também que para cada metro cúbico de resíduos produzidos, cerca de 1,2 toneladas são entulho.
Dentre os possíveis clientes de uma URCD, aparecem de forma dominante as construtoras, sendo até mesmo proveitosa a realização de uma parceria entre as empresas. De modo geral, o preço de venda do agregado reciclado deve estar entre a faixa de 50% e 75% do agregado recolhido de fonte natural para que o negócio seja lucrativo (Miranda, 2020).
Galarzaet al. (2015) elaboraram um estudo de caso para reciclagem de RCD em Porto Alegre - RS para confecção de blocos de concreto. Para obtenção da matéria-prima para seu posterior tratamento, a usina contou com o apoio da prefeitura para doação dos entulhos. Portanto, o único custo da usina para captação da matéria-prima foi o do transporte interno na coleta do RCD até a usina. Após esse procedimento, o autor analisa o gasto com equipamentos e mão de obra para obtenção do preço final do bloco de concreto feito de materiais reciclados e com a resistência adequada. O resultado desse estudo demonstrou um preço final de venda do bloco de concreto 25% abaixo do preço de mercado encontrado, provando a viabilidade não só ambiental, mas econômica para a reciclagem de Resíduos da Construção e Demolição.
Como visto nesse estudo, o envolvimento da prefeitura é indispensável e traz benefício à todas as partes envolvidas: a empresa de reciclagem consegue matéria-prima de baixo custo e há menor disposição final de RCD’s em aterros de construção civil. O consumo de brita corrida de materiais cerâmicos pode ser utilizado na construção. Além de ser vantajoso para o órgão público, auxilia em uma das maiores problemáticas do processo de reciclagem de resíduos da construção civil no Brasil, que é conseguir destinação para o material cerâmico reciclado, visto que o principal uso deste é em bases e sub-bases de pavimentos (Miranda, 2020). Por fim, a prefeitura gasta menos recursos tratando tais resíduos, trazendo além do benefício de custo direto da matéria-prima, um benefício indireto de custo através da diminuição do gasto público, ou impostos para tratamento desses resíduos.
Referente a logística para reciclagem de resíduos de pequenas obras, Baptista Junior e Romanel (2013) apresentam a importância de todos os agentes envolvidos para o sucesso da viabilidade da reciclagem dos RCD. O setor público deve disponibilizar ecopontos para coleta, como também deve informar, conscientizar e incentivar os moradores à utilização desses locais. A conscientização pode ser feita de várias formas, como propaganda, canais de comunicação, educação escolar, universidades etc. Já os pequenos geradores como profissionais da área, engenheiros, arquitetos e consumidores devem descartar seus RCD nos ecopontos para que cheguem no seu destino correto e ocorra de fato, a reciclagem.
Mesmo com todos os pontos anteriores atendidos, a usina ainda não será viável caso possua uma gestão ruim, como por exemplo, contratação de mão-de-obra não qualificada ou escassa na região. A entrada de resíduos na usina sem antes passar por um processo de triagem básica também pode se tornar um problema, forçando a usina a realizar a separação de resíduos impróprios como carcaças de animais e móveis. Caso esse seja o caso, a obtenção de lucro pela empresa será extremamente dificultada, podendo levar ao fechamento (Miranda, 2020).
Existem diversos exemplos de países que conseguem aplicar a reciclagem de RCD’sde forma integral, eficaz e eficiente, garantindo ao país uma economia lucrativa no setor. Um exemplo é a Dinamarca, que a mais de 15 anos já recicla mais de 90% de todo o resíduo da construção produzido no país. Alguns fatores que auxiliaram para este processo de reciclagem e despertaram o interesse pelo reaproveitamento, foram as altas taxas cobradas pela geração de RCD e também o custo elevado para deposição de RCD em aterros (Miranda, 2020). Outro exemplo semelhante é o da Holanda, que desde o ano 2000 já recicla 95% de todo o resíduo sólido da construção civil produzido no país. Diferente da Dinamarca, que impôs altas taxas para deposição de RCD em aterros, a Holanda fortaleceu a área por meio do fechamento completo da cadeia de reciclagem: gerador, transportador, setores público e privado, além de grande incentivo à programas de pesquisa sobre o uso de agregados eincentivo à criação de empresas de reciclagem (Miranda, 2020).
Entretanto, existem também países europeus, como Portugal, Espanha e Itália, que nos anos 2000 não reciclavam sequer 5% dos seus RCD’s. Tal discrepância com os países citados anteriormente justifica-se devido as grandes reservas naturais de agregados, o elevado montante de matéria-prima virgem na região, resultando em um preço baixo para consumo e dificultando o processo de reciclagem por não ser um processo lucrativo na região (Miranda, 2020). Estes exemplos provam que os fatores naturais da região onde se planeja implantar a usina, exercem influência sobre a viabilidade de uma usina de reciclagem de resíduos sólidos.
3.2 Estudo de caso dos RCD’s de Caraguatatuba
3.2.1 Antiga Usina de Reciclagem e a nova Parceria Pública-privada (PPP)
A cidade de Caraguatatuba fica localizada no litoral
norte do estado de São Paulo (Figura 2). De acordo com o censo de 2022, a
cidade possui cerca de 135 mil habitantes e uma área de 485 mil km². A cidade
foi escolhida para o estudo pois possuía em anos anteriores uma usina de
reciclagem de resíduos da construção civil, a qual foi desativada.
Figura 2: Cidade de Caraguatatuba e sua localização.

Fonte: Elaborado pelos autores.
Em visita à Secretaria de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca (SEMAAP) da cidade de Caraguatatuba, constatou-se que vem sendo elaborado, desde 2022, um Plano de Parceria Público-privada (PPP). O objetivo do PPP é regularizar a situação dos resíduos da cidade quanto ao processo de reciclagem e descarte, por meio da recuperação da Área de Transbordo e Triagem (ATT) localizada no bairro do Barranco Alto. No mesmo local, onde antes estava localizada a Usina de Reciclagem de Resíduos da Construção e Demolição que atuava no município nos anos de 2018 e 2019.
Em visita na ATT, era possível observar seu funcionamento, onde os resíduos eram triados e encaminhados para fins adequados, como aterros para resíduo sólido urbano. Para RCD ou restos de madeira e poda.A ATT possuía equipamentos como britadores e trituradores, em que processavam os resíduos e depois encaminhavam para propósitos adequados, como a poda triturada para adubo, e os RCD’s processados para agregados em obra do município.
A usina em questão recebia e reciclava cerca de 8 mil toneladas de
resíduos mensalmente (Prefeitura Municipal de Caraguatatuba, 2019). Entretanto,
foi desativada devido a diversos problemas, entre eles: a mão-de-obra escassa e
desqualificada presente na cidade e ao descarte incorreto de materiais
destinados a usina pelos cidadãos, como carcaças de animais e móveis quebrados,
forçando a usina a exercer um processo de triagem e separação extra, como
exibido na figura 3.
Figura 3: Resíduos impróprios para reciclagem de agregados.

Fonte: Fórum Internacional de Resíduos Sólidos (2019).
A PPP visa terceirizar toda a parte de gestão dos resíduos em uma única empresa ou consórcio delas, tendo intuito de otimizar a gestão dos RSU. Atualmente, a responsabilidade da coleta de resíduos é dividida entre a prefeitura e 4 outras empresas, onde cada uma toma conta de algum setor específico. A terceirização, segundo o estudo da prefeitura, poderá otimizar a gestão, gerando economia, maior liberdade de atuação, e mitigação de alguns problemas. É importante ressaltar que por limitações legais, a prefeitura não pode comercializar os agregados reciclados como uma empresa, podendo apenas utilizá-los em obras públicas. Portanto, uma vantagem do PPP é que a terceirização possibilita a venda dos agregados para outras empresas privadas, aumentando as possibilidades para melhoria no custo de sua operação.
A PPP contou com múltiplas audiências públicas entre os períodos de março e julho de 2022, buscando garantir a ampla participação das comunidades, movimentos e entidades sociais de Caraguatatuba. O projeto teve como objetivo inicial um regime de concessão pelo prazo de 20 anos. A PPP permite que o governo municipal delegue serviços a iniciativa privada e desta forma possa priorizar sua atenção a outras áreas importantes como saúde e educação.O projeto em questão, sob a modalidade de concessão administrativa, envolve a execução de serviços integrados de limpeza pública e manejo de resíduos sólidos, através da coleta, transporte, tratamento, destinação e disposição final de resíduos sólidos.
3.2.2 Panorama atual de reciclagem dos RCD’s em Caraguatatuba
Foram também coletados, durante a reunião com a SEMAAP, dados sobre como está sendo realizada a coleta, a triagem e a reciclagem dos resíduos da construção civil no município, visto que a usina deixou de atuar em 2019.
Os resíduos inertes, tanto domiciliares como da construção civil, são acondicionados em ecopontos distribuídos pelo município e coletados por caminhões da prefeitura, sob gestão da SESEP (Secretaria de Serviços Públicos) de Caraguatatuba. Existem atualmente no município 4 ecopontos funcionais distribuídos nos seguintes bairros: Golfinhos, Martim de Sá, Massaguaçu e Tinga. Nos ecopontos podem ser coletados: equipamentos domésticos, sobras de poda, pneus, óleo de cozinha, resíduos eletrônicos, pilhas, baterias de equipamentos eletrônicos, madeiras e RCD no volume máximo de 1 m³.
A SEMAAP relatou que o município ainda sofre bastante com a falta de comprometimento do cidadão caraguatatubense no descarte correto dos RCD’s. O descarte incorreto de entulho, além de ilegal, causa diversos problemas, como o entupimento dos bueiros e galerias pluviais, que consequentemente potencializam alagamentos e inundações. Esta atividade errônea ocorre apesar dos diversos esforços que o município exerce para conscientizar a população sobre ecopontos e a coleta seletiva realizada no município. A SEEMAP afirma que é realizada a conscientização através de panfletos, palestras, visitação em escolas e publicação de vídeos no Youtube. A secretaria ainda declarou que houve relutância por parte da população quanto a instalação do ecoponto no bairro Massaguaçu, sendo promovidos protestos e manifestações pelos moradores do bairro.
Quanto aos RCD, estes estão sendo transportados pela prefeitura até a ATT desativada, onde atuava a usina, e estão sendo depositados nesse local. Não há nenhum controle sobre a quantidade e volume dos materiais que estão sendo dispostos na ATT. A prefeitura aguarda a aprovação da PPP para que essa possa regularizar a atual situação e reativar a ATT antes que sua capacidade se esgote. Além dos serviços de coleta realizados pela prefeitura, existem atuando no município 14 empresas legalizadas de caçambeiros que também realizam a coleta de resíduos da construção, respeitando o limite de 3m³ por caçamba determinados no decreto municipal de 2018 (Caraguatatuba, 2018). Antes da ATT,alguns caçambeiros licenciados pagavam para dispor os resíduos em áreas particulares licenciadas. Contudo, para se isentarem dessas despesas, alguns caçambeiros, como os demais cidadãos, muitas vezes optavam por dispor esses resíduos em áreas irregulares. Tais irregularidades eram constatadas muitas vezes por denúncias dos munícipes para a prefeitura, como relatado na visita à SEMAAP. Não foi encontrado algum plano periódico de fiscalização e análise de dados dos caçambeiros por parte da prefeitura ou da SEMAAP.
Após a inauguração da ATT, os caçambeiros passaram a ter um local ambientalmente adequado para destinação dos resíduos, o qual recebe grandes quantidades provindas destes profissionais. Embora o processamento dos resíduos na ATT esteja desativado, ela ainda está sendo utilizada como área de destinação, até que a PPP regularize o processamento e adequação da área nos critérios corretos de sustentabilidade.
Com os dados coletados anteriormente, foi possível realizar a montagem do fluxograma exibido na figura 4 que ilustra o trajeto percorrido pelos RCD’s no município de Caraguatatuba. É importante observar, que o ideal que todo os RCD’s sejam destinados às ATT’s, porém é observado na cidade as vezes resíduos despejados em lugares indevidos, seja por empresa ou moradores. Onde planos de fiscalizações podem ser pensados para mitigar esse problema.
Figura 4: Fluxograma do trajeto realizado pelos RCD gerados em Caraguatatuba.

Fonte: Elaborado pelos autores.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) fornece o licenciamento para os caçambeiros. Porém como consultado no site da instituição, existem vários licenciamentos lançados mensalmente para todo o estado. Não havendo um mecanismo fácil de consulta para encontrar os licenciamentos vigente na região de interesse. Isso dificulta encontrar os dados, para uma melhor análise da situação, mesmo que embora, os dados estejam lá. Aperfeiçoamentos e avanços contínuos são necessários na busca por novas estratégias e parcerias públicas-privadas para fiscalizar e propor medidas de reciclagem.
Os resíduos sólidos urbanos gerados em Caraguatatuba também são destinados para o aterro da região, na cidade de Jambeiro-SP, o qual atingirá sua capacidade máxima em até 5 anos, veja Figura 5 (CETESB, 2024). Entretanto, não há informações sobre URCD’s encontradas na região, levando a crer que o RCD’s se destina apenas ao aterro de Jambeiro.
Figura 5: Vida útil dos aterros de resíduos urbanos.

Fonte: Adaptado de CETESB (2024).
4 Conclusão
Conforme verificado na literatura, são diversos os fatores que ditam a viabilidade de uma URCD, como custo do transporte, raio de atuação, volumes de entrada e consumo, coleta de dados e gestão correta. Percebe-se assim que é possível traçar estratégias de sucesso, devido a casos assertivos apresentado na literatura.
Contudo, para calcular-se todos os fatores e propor medidas corretas de construção de URCD e gestão dos resíduos municipais e estaduais, assim como atrair empresas privadas para participação no processo, é necessário uma coleta de dados e divulgação transparente das informações, as quais não foram encontradas, impossibilitando assim uma discussão mais aprofundada.A dificuldade de coleta e divulgação da informação tanto por parte da prefeitura, quanto do estado, principalmente no quesito de informar completamente toda a cadeia de interesse, constitui o principal diagnóstico de um problema que pode ser melhorado. Os siteseos relatos na visita à SEMAAP não deixam claro a quantidade de resíduos coletados, assim como o tratamento final que recebem em Jambeiro-SP.Além disso, os dados não são informados de maneira a poder identificar se os resíduos coletados e descartados provêm de empresas privadas com licenças vigentes, dificultando a consulta.
Por fim, se espera que o presente trabalho exponha as necessidades de transparência da informação quanto à gestão de RCD.Assim, possibilitando que a gestão municipal possa traçar corretas estratégias e medidas viáveis para implementação das URCD,e para que o setor privado possa propor empreendimentos privados viáveis e lucrativos para a reciclagem de resíduos da construção e demolição. Para isso é preciso haver uma busca ativa por informações e dados.
Espera-se que trabalhos futuros possam surgir relatando a nova situação da região com novos dados para debate.
5 Agradecimentos
Agradeço primeiramente aos professores e a todos os que contribuíram de alguma forma para a construção e escrita do presente trabalho. Agradeço também ao IFSP – Caraguatatuba por possibilitar a oportunidade de estudo do tema. E por fim, aos profissionais da SEMAAP que colaboraram em responder nossas perguntas.
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1Engenheiro Civil pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus Caraguatatuba; Brasil, malaguti.ferreira@aluno.ifsp.edu.br; https://orcid.org/0009-0004-6952-4088; http://lattes.cnpq.br/9219136057887550
2Engenheiro Civil, Doutorando em Ciências dos Materiais, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" -UNESP, Brasil., lm.genova@unesp.br, https://orcid.org/0000-0001-8643-0551, http://lattes.cnpq.br/2259926630747956
3Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo, Brasil, Supervisora de operações comerciais na Contemar Ambiental, nscosta@alumni.usp.br, https://orcid.org/0009-0004-3151-0940, http://lattes.cnpq.br/1196828712783348
4Engenheira Civil pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Campus Caraguatatuba; Brasil, Mestranda em Engenharia Civil pela Universidade Federal de São Carlos; uraniacardozo@estudante.ufscar.br; https://orcid.org/0009-0000-2322-913X http://lattes.cnpq.br/2520765582948890