As reconstruções da memória: os 40 anos do golpe de 1964 e da ditadura militar na imprensa escrita de Blumenau
Reconstructions of memory: the 40th anniversary of the 1964 coup and the military dictatorship in the written press of Blumenau
Edison Lucas Fabricio[1]
Resumo
A proposta do artigo é refletir sobre as representações dos 40 anos do golpe civil-militar na imprensa escrita de Blumenau. Lugar de emergência de discursos, irrupção de memórias, produção de silêncios e marcado por clivagens diversas, o jornal é uma fonte fundamental da história do tempo presente. Assim, conclui-se que a imprensa escrita foi um importante instrumento de reflexão e debate na esfera pública, que promoveu discussões sobre legados, rupturas e permanências da ditadura militar.
Palavras-chave: Golpe de 1964; Memória; Imprensa.
Abstract
The purpose of this article is to reflect on how the 40th anniversary of the civil-military coup was represented in Blumenau's written press. A place where discourses emerge, memories erupt and silences are produced, marked by various divisions, the newspaper is a fundamental source for the history of the present time. The conclusion is that the written press was an important instrument for reflection and debate in the public sphere, which promoted discussions about the legacies, ruptures and permanence of the military dictatorship.
Keywords: 1964 coup; Memory; Press.
Introdução
“A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja menos vão esgotar-se em compreender o passado se nada se sabe do presente” (Bloch, 2001, p. 65). Esta é uma das célebres frases de Marc Bloch na obra Apologia da História ou o ofício do historiador. Compreender o presente, como chegamos a ser o que somos, interrogar o quanto de passado ainda temos no presente, eis um dos objetivos primordiais da pesquisa histórica. Ainda nessa direção, Michel Foucault asseverava a necessidade de fazermos uma ontologia crítica do presente, a fim de percebermos as condições de possibilidades dos discursos, suas emergências, mas também as interdições, os silêncios e silenciamentos, aquilo que é possível dizer dentro de certos limites produzidos por relações de saber e poder em cada contexto histórico e discursivo. Enfim, “produzir uma história que sempre se refere a uma atualidade” (Foucault, 1981).
A partir das premissas acima, neste ano de 2024, como não deixar de interrogar o já sexagenário golpe civil-militar de 1964?[2] Trata-se de uma daquelas efemérides que marcam o calendário político e que tem repercussões nos âmbitos social e cultural, pois para as novas gerações tem um potencial pedagógico no campo dos direitos humanos e no da educação para a democracia. Contudo, mesmo diante da importância da data, o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não realizar manifestações oficiais, pronunciamentos ou cerimônias em relação ao golpe de 1964 e à ditadura militar. Alguns veículos de imprensa viram no gesto um “pedido de silêncio” sobre a ditadura (Correio Brasiliense)[3], ou uma forma deliberada “para ignorar” os 60 anos do golpe militar (Folha de São Paulo)[4].
Sacrificar a memória em função da conciliação de interesses militares e da governabilidade parecer ter sido a “solução de compromisso”[5] diante do contexto político desenhado com a tentativa de golpe do dia 08 de janeiro de 2023. Assim sendo, o cenário político de 2024 traz contornos muito nítidos de um crescimento global dos movimentos políticos de direita, com vitórias expressivas em países europeus e nos Estados Unidos da América, cuja invasão ao Capitólio abalou uma das democracias mais tradicionais do mundo.
Assim, 2024 marca um período em que as condições de enunciação de discursos críticos ao golpe de 1964 e à ditadura militar ficaram ainda mais limitados. O anterior presidente da república, um militar da reserva, não escondia o seu apreço pelas duas décadas de ditadura, o desprezo pelas políticas de direitos humanos e reparação, e sua admiração por conhecidos algozes daquele sombrio período. Assim, logo que assumiu o governo, tratou de ocupar espaços na estrutura administrativa com mais de 8 mil militares. Somado aos fatos anteriores, deve-se acrescentar a conivência de muitos militares, inclusive os de alta patente, ao longo do ano de 2023, com os acampamentos que suplicavam por uma ruptura institucional a partir dos numerosos quartéis espalhados no território nacional.
Todos os elementos acima citados ajudam a compreender a cautela do governo em fazer qualquer tipo de evento de rememoração dos 60 anos do golpe de 1964. Todavia, mesmo diante das recomendações do governo, houve a dissidência de oito ministros que se manifestaram sobre a questão.[6] No entanto, se o contexto de 2024 tem sido pouco favorável às rememorações sobre 1964, o mesmo não pode ser dito das ocasiões em que se discutiu com maior abertura o legado da ditadura. Estes foram os casos dos cinquenta anos (2014), que também ficaria marcado pela divulgação do relatório da Comissão Nacional da Verdade, e o da rememoração dos 40 anos do golpe (2004). Em ambos os casos, para além das inciativas levadas a cabo pelas instituições do estado brasileiro, deve-se ressaltar o importante papel desempenhado por setores da imprensa brasileira.
Sendo assim, este texto versará sobre a emergência de discursos e a irrupção de memórias – muitas delas antagônicas –, na imprensa escrita, parte importante da chamada esfera pública. É importante destacar que a última década vem sendo marcada por uma mudança importante: a crise dos meios de comunicação tradicionais e o fortalecimento das redes sociais como arenas da disputa políticas. Vários jornais e revistas, com décadas de tradição, diminuíram suas edições impressas ou simplesmente as encerraram de forma definitiva. Este fenômeno tem sido visto como um dos sintomas da erosão democrática vivida na última década, visto que a multiplicação de discursos sem respaldo factual e a formação das chamadas bolhas ideológicas têm contribuído para a polarização política e a ascensão de grupos de extrema-direita. Desta forma, 2004, contexto de rememoração dos 40 anos do golpe de estado, ainda era marcado por um distinto regime discursivo na esfera pública.
Jornais: representações e disputas
René Rémond, ao pensar a política como um domínio específico de estudos, assinalou que o campo político tem expandido seus termos. O campo político ampliou seus objetos, fontes e fronteiras, pois “o político não tem fronteiras naturais. Ora ele se dilata até incluir toda e qualquer realidade [...]. Ora ele se retrai ao extremo”. Segundo o autor, os meios de comunicação, por exemplo, não são objetos propriamente políticos, mas, “podem tornar-se políticos em virtude de sua destinação” (Rémond, 1996, p. 447). Na esteira de Rémond, também definindo os contornos do campo político, Pierre Rosanvallon assinala tratar-se do “lugar onde se articulam o social e sua representação, a matriz simbólica onde a experiência coletiva se enraíza e se reflete ao mesmo tempo” (Rosanvalon, 1995, p. 12).
Os meios de comunicação, a imprensa escrita, e os jornais mais especificamente, são fontes fundamentais para a pesquisa histórica. Através dos jornais podemos empreender um exercício de compreensão do universo de crenças, imaginários e ideologias políticas que marcaram diferentes grupos sociais em determinados períodos da história. E é importante retomar a ideia de representação do social enunciada acima por Rosanvallon, pois ela também se alinha parcialmente à noção de representação elaborada por Roger Chartier para o amplo campo da história cultural. Para este historiador francês, as disputas pela classificação, delimitação e imposição das representações legítimas da ordem social são tão relevantes quanto as lutas econômicas, trata-se de “localizar os pontos de afrontamento tanto mais decisivos quanto menos imediatamente materiais” (Chartier, 1990, p. 17). Uma vez que,
As representações do mundo social [...] são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. [...] Por isso, essa investigação sobre as representações supõe-nas estando sempre colocadas num campo de concorrências e de competições cujos desafios se enunciam em termos de poder e dominação (Chartier, 1990, p. 17).
Maria Helena Capelato, no seu livro Imprensa e História do Brasil, nos mostra que a imprensa é uma importante fonte para compreensão das lutas políticas e sociais. “Nos vários tipos de periódicos e até mesmo em cada um deles encontramos projetos políticos e visões de mundo representativos de vários setores da sociedade”. Assim, a interpretação dos discursos veiculados nos jornais permite acompanhar a circulação de ideias em uma determinada época. O jornal “permite ao pesquisador captar, com riqueza de detalhes, o significado da atuação de diferentes grupos que se orientam por interesses específicos” (Capelato, 1988, p. 34).
Todavia, é recomendável não se entusiasmar em demasia com a fonte jornalística. O jornal pode nos revelar um imenso universo inexplorado, mas é preciso evitar a ingenuidade, é preciso tratá-lo enquanto indício, fragmento de uma época, como uma dentre tantas representações. Neste sentido, Claudio Pereira Elmir alerta para a necessidade de leitura cuidadosa dos jornais.
O jornal jamais pode ser visto como um dado, a partir do qual abstraímos os elementos de uma suposta realidade. O jornal, como um conjunto de páginas, é o receptáculo de textos que exigem de nós uma leitura diferente daquela que fazemos todos os dias em nossa porta. [...] a leitura deve ser meticulosa, deve ser demorada, deve ser exaustiva – e muitas vezes é mesmo enfadonha. [...] é preciso não desconsiderar, assim, a defasagem que existe entre a formulação do discurso inscrito no periódico em relação a nossa experiência de leitura (Elmir, 1995, p. 21-25).
Vistos como fontes privilegiadas para decifrar representações e construções culturais da realidade de uma época, os jornais tendem naturalmente para a disputa política. Essa dimensão já é perceptível no nascedouro da nação brasileira. Jornais e panfletos foram utilizados de forma abundante para influenciar os rumos do país a partir de 1822 (Martins; Luca, 2006). Por este motivo, José D’Assunção Barros afirma que “o jornal nunca deixou de ser um meio de comunicar ideias e de interferir na sociedade” (Barros, 2023, p. 64).
Sendo assim, reunindo as orientações acima, é importante pontuar alguns elementos metodológicos que guiarão a exploração da fonte jornalística, principalmente a partir dos apontamentos de Claudio Pereira Elmir (1995) e Tânia Regina de Luca (2005). Para estes autores, é importante pensar os elementos pré-textuais e textuais. Na primeira dimensão, é necessário considerar o contexto histórico de produção do jornal, identificar os proprietários do periódico, os principais jornalistas e a legitimidade social; deve-se também conhecer a periodicidade e a tiragem, bem como analisar quem anuncia no periódico e a disposição de anúncios e reportagens nos espaços das páginas, Já do ponto de vista textual, deve-se levar em conta que o jornal se dirige a um leitor determinado e que o historiador faz uma leitura intensiva de um texto que não era previamente direcionado a ele; a análise também não deve ser isolada, mas estar inserida ao menos em uma série mais ampla; por fim, o texto não deve impressionar em demasia o historiador, mas também não deve ser tratado com exagerado ceticismo.
Uma história presente: as reconstruções da memória na imprensa escrita
O Jornal de Santa Catarina, popularmente conhecido como O Santa, e atualmente publicado em formato de revista semanal, surgiu em 1971, nos conhecidos anos de chumbo da ditadura militar, e em Blumenau, cidade com uma longa tradição de periódicos impressos e com inserção na macrorregião do Vale do Itajaí.
O Santa, no ano de 2004, fazia parte de um conglomerado de mídia do grupo Rede Brasil Sul (RBS), fundado ainda na década de 1950 por Maurício Sirotsky Sobrinho no Rio Grande do Sul e que se expandiu para Santa Catarina no final dos anos 1970, tendo adquirido a TV Coligadas de Blumenau na década seguinte e o Santa nos anos 1990. O Grupo RBS possuía dezenas de estações de rádio e televisão, tais como a RBS TV, Rádio Gaúcha e Rádio Atlântida; vários portais na internet; e uma rede articulada de jornais impressos e digitais, tais como Zero Hora (Porto Alegre), Diário Catarinense (Florianópolis), A Notícia (Joinville), dentre outros. Nesse contexto, o Santa (Blumenau) tinha a função de produzir notícias e conteúdos regionalizados, colocando o Vale do Itajaí e suas particularidades em destaque.
O Santa já conquistou quatro prêmios Esso, principal premiação do jornalismo brasileiro, sendo que duas ocasiões foram anteriores a 2004. Não é possível precisar a tiragem para o ano de 2004, mas em 2006 teria alcançado uma circulação média de 18 mil exemplares (Moser, 2016, p. 148). Além disso, teria passado por uma série de transformações técnicas, como a introdução impressão colorida e a mudança do formato standart para o tabloide, em 2004. Mas na época da série de reportagens sobre o golpe de 1964 ainda era produzido no primeiro formato.
Esse ambiente jornalístico desafiador é descrito por Marcos Roberto Espíndola, um dos editores entre 1995 e 2002 e um dos principais jornalistas que assinava as matérias relacionadas ao golpe de 1964.
Ali vivemos uma experiência muito bacana que foi a criação de um núcleo de reportagem, onde nós repórteres éramos quem definia as grandes apostas, as séries, as reportagens [...] Ali estava um grupo de guris novos, impetuosos, críticos, mas com sede de viver a reportagem, algo que naquela época ainda era a razão de ser de um jornal. Ser repórter de impresso naquela época era ainda algo de grande responsabilidade. O jornal era standard e tínhamos espaço para produzir. Daí que o trabalho crítico e interpretativo tinha que prevalecer nas reportagens. Como ainda não estávamos no boom da internet, o nosso foco era realmente na reportagem regional. Tínhamos que ir para a rua, pensar em pautas locais, naquilo que realmente influenciava o cotidiano das pessoas (Espíndola, 2014, citado por Moser, 2016, p. 161).
Para além do olhar crítico da equipe de reportagem e do ambiente de liberdade de criação, é preciso lembrar que em 2004 o contexto político era de uma abertura para o diálogo democrático que se consolidava desde a década anterior. Desde meados da década de 1990 havia iniciativas importantes no campo da memória e reparação dos crimes da ditadura militar. É o caso da criação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e do Programa Nacional de Direitos Humanos, ambos surgidos sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. No governo seguinte, o do presidente Lula, iniciado em 2003, foram fortalecidas as políticas de memória e reparação, tal como a Comissão de Anistia e o lançamento de novos programas nacionais de direitos humanos, bem como a construção de monumentos, memoriais e homenagens às vítimas da ditadura.
É nesse ambiente demarcado pela abertura política que podemos analisar a importância dos meios de comunicação de massa, e especialmente o jornal elemento fundamental da esfera pública, mas também como espaço do político, no sentido de ser produtor de práticas discursivas e lugar de memória. Dito de outro modo, o jornal pode ser uma caixa de ressonância de debates travados em casas legislativas ou espaços políticos informais, ou ainda onde se fabricam pautas políticas, atuando neste caso como um protagonista do debate político.
Na edição do dia 27 e 28 do mês de março de 2004, o Jornal de Santa Catarina anunciava que durante as próximas edições iria produzir uma série de reportagens especiais por ocasião do aniversário do golpe civil-militar de 1964 e sobre suas repercussões na região do Vale do Itajaí. À época, o editor-chefe era Edgar Gonçalves e a maioria das reportagens e entrevistas foi produzida e assinadas pelos jornalistas Marcos Espíndola, Patrícia Lima, Danielle Fuchs,
As matérias anunciadas trouxeram uma profusão de imagens, discursos e representações do golpe civil-militar. Tratava-se de fotos antigas, testemunhos de políticos, empresários, ex-presos políticos e seus familiares; um grande quebra-cabeças, mas com algumas peças aleatórias, que não se encaixavam coerentemente no conjunto. Assim, os leitores passaram, durante aquela semana, a se familiarizar com “personagens da história” local – alguns anônimos até aquele momento; já em outros casos, tratava-se de conhecidas cartas do jogo político regional e estadual.
Tal iniciativa nos leva a repensar essas irrupções de memórias no espaço público. Muitas delas, anteriormente, confinadas no silêncio do privado. Para muitos setores sociais, passados quarenta anos, era a hora de fazer um exercício interpretativo da última grande ruptura da história política brasileira, tratava-se de repensar ou construir uma compreensão desse momento que marcou profundamente o país e as trajetórias individuais de muitos brasileiros. A irrupção dessa memória sobre o golpe e a ditadura militar nos convida a pensar os silenciamentos aos quais esteve ligada a memória regional. Se, depois de quarenta anos, é preciso lembrar, é porque, para usar a expressão de Henry Rousso, esse passado não passou totalmente, pois ainda existem questões mal resolvidas, recalques, traumas, zonas sombrias, pois “a história da memória, não sendo no fundo senão uma manifestação, entre outras, das interrogações atuais e palpitantes sobre certos períodos ‘que não passam’” (Rousso, 2006, p. 95).
Mas é preciso atentar para o fato dessas memórias palpitantes, e por muito tempo sufocadas, irromperem com força no espaço público. Por mais de duas décadas a regra comum foi a do esquecimento e da negação. Mas, como assinala Jeanne Marie Gagnebin, “impor um esquecimento significa, paradoxalmente, impor uma única maneira de lembrar – portanto um não lembrar, uma ‘memória impedida’ [une mémoireempêchée], diz Ricoeur, uma memória que vai lutar, brigar para poder voltar” (2010, p. 179).
Memória, fenômeno multifacetado por excelência, não ficou também à margem de interesses mercantis. Para Andreas Huyssen, vivenciamos a emergência de uma política e de uma cultura da memória, na qual há uma grande demanda geracional pelo passado, que se tornou algo passível de comercialização. Temos vivenciado “uma comercialização crescentemente bem-sucedida da memória pela indústria cultural do ocidente [...], o passado está vendendo mais do que o futuro. Mas por quanto tempo, ninguém sabe” (Huyssen, 2000, p. 15, 24). Para o autor, passamos de uma cultura modernista, em que as ações eram pautadas num futuro redentor, através da ciência, da técnica e do progresso, para uma cultura da memória, na qual o passado tem sido o argumento para diversos movimentos sociais. É o deslocamento de futuros presentes para passados presentes. Diante das frustrações e da perda de utopias quanto ao futuro, causadas em parte pela barbárie da guerra, dos totalitarismos e das ditaduras, lançamo-nos à nostalgia do passado. Nunca em nossa história, o passado foi tão evocado como na contemporaneidade. Nas últimas décadas proliferaram-se arquivos, museus, documentários, filmes, novelas, autobiografias, até cidades inteiras foram reconstruídas para saciar a sede de passado de nossos contemporâneos. A memória em nossa sociedade ganhou centralidade a ponto de presenciarmos excessos de memória. Todavia, Huyssen nos alerta “se nós estamos, de fato, sofrendo de um excesso de memória, devemos fazer um esforço para distinguir os passados usáveis dos dispensáveis. Precisamos de discriminação e rememoração produtiva” (2000, p. 31). Para este autor, não é possível pensar as memórias traumáticas sem levar em conta a espetacularização e a mercadorização das mesmas, mas adverte que, a mercadorização não as banaliza necessariamente, pois não há
espaço puro fora da cultura da mercadoria, por mais que possamos desejar um tal espaço [...]. Questões cruciais da cultura contemporânea estão precisamente localizadas no limiar entre a memória dramática e a mídia comercial. [...] O trauma é comercializado tanto quanto o divertimento e nem mesmo para diferentes consumidores de memórias (Huyssen, 2000, p. 21, 22).
Mas não devemos ser pessimistas quanto aos meios de comunicação comerciais
No cenário mais favorável, as culturas de memória estão intimamente ligadas, em muitas partes do mundo, a processos de democratização e lutas por direitos humanos e à expansão e fortalecimento das esferas públicas da sociedade civil. Desacelerar em vez de acelerar, expandir a natureza do debate público, tentando curar as feridas provocadas pelo passado, alimentar e expandir o espaço habitável em vez de destruí-lo em função de alguma promessa futura, garantindo o “tempo de qualidade” – estas parecem ser necessidades culturais ainda não alcançadas num mundo globalizado, e as memórias locais estão intimamente ligadas às suas articulações (Huyssen, 2000, p. 34-35).
Na mesma direção de Huyssen podemos acompanhar a crítica de Beatriz Sarlo aos usos do passado. Para Sarlo, vivemos sob a égide da mania preservacionista, da auto-arqueologização. Num estado de memória, as políticas de musealização nos conduzem a uma teatralização da memória. A reconstrução de certos conteúdos e aspectos do passado se transformou numa demanda comercial no capitalismo da pós-modernidade (2007, p. 11).
A partir de uma perspectiva crítica sobre os usos comerciais do passado é também possível refletir sobre as reconstruções da memória do golpe e da ditadura militar no Vale do Itajaí. A edição de 27 e 28, sábado e domingo, inaugurava a série de reportagens “Tanques nas ruas” e descrevia o ponto inicial:
O dia 31 de março ficou marcado como o início de um período que se fez sombra sobre a história brasileira. Deflagrado há 40 anos, o golpe militar representou para alguns o enérgico ponto final ao clima de radicalização e anarquia que se instaurava. Para outros, uma demonstração da incapacidade das elites de conviver com as contradições do país.[7]
Esta primeira inserção discursiva já anunciava o tom da linha editorial nas próximas abordagens. Tratava-se de um discurso convincente de condenação, inferido a partir da imagem de tanques nas ruas e período sombrio que se iniciava. Contudo, o periódico também endossa a imagem de um país caótico, retratado sobretudo pelas forças políticas de oposição à João Goulart e às Reformas de Base. É importante mencionar que dados de pesquisa de opinião do Ibope da época
mostram que, às vésperas de ser deposto, em março de 1964, Joao Goulart tinha boa aprovação na opinião pública das grandes cidades brasileiras, com 45% de “ótimo” e “bom” na avaliação de governo, e 49% das intenções de voto para 1965. Apenas para 16% dos entrevistados o governo era “ruim ou péssimo”, e 59% eram a favor das reformas anunciadas no Comício de 13 de março (Napolitano, 2014, p. 47).
Na sequência, o jornal ainda anunciava que até quarta-feira, 31, iria publicar “uma série de reportagens que resgata história de pessoas ligadas a Blumenau que testemunharam fatos marcantes”.[8] Sendo assim, a primeira reportagem da série trazia o sugestivo título “Espionagem no Vale do Itajaí”. Tratava-se da história de Horst Krischnegg, um espião que se infiltrou na célula comunista da cidade para repassar informações para o DOPS-SC. Gaúcho, Horst já havia trabalhado anteriormente para o órgão no Rio grande do Sul. “Semanalmente enviava relatórios detalhados das atividades dos ‘camaradas’. Acompanhava as reuniões no escritório de Chico Pereira e acabou por assumir o cargo de segundo-secretário do comitê na cidade”. Segundo o jornal, nos relatórios havia até informações de propostas de ações violentas do grupo, sabotagem, atentados contra autoridades religiosas, empresários da cidade, etc. Segundo Chico, “o partido vivia uma situação de semilegalidade e nossas reuniões sempre foram abertas e por isso a segurança ficou frágil”. Segundo o jornal, Horst havia morrido em Itajaí há cerca de dois anos.[9]
O surgimento de uma organização comunista em Blumenau deve ser visto no contexto mais amplo da Guerra Fria. Desde a década de 1950, em várias partes do mundo ocorria a oposição acirrada entre soviéticos e estadunidenses. A América Latina se tornava um território estratégico para barrar o avanço socialista, especialmente depois da Revolução Cubana e a adesão ao socialismo. No Brasil, desde a insurreição comunista de 1935, a ação de membros do PCB era vista como um problema de segurança nacional. Daí o surgimento de uma estrutura estatal de polícia política, incumbida principalmente de vigiar os movimentos sociais e políticos de oposição ao governo.
No período do pós-guerra ocorre a consolidação econômica de Blumenau como um dos principais polos têxteis do país. O desenvolvimento das indústrias também trouxe consigo um alto crescimento do número de operários e de suas demandas políticas. O PCB catarinense, observando o crescimento do operariado blumenauense, decidiu enviar Francisco José Pereira para organizar uma célula do partido na cidade em Blumenau, mesmo na ilegalidade desde 1947. O PCB teve curta existência em Blumenau, surgiu em 1960 e foi dissolvido em 1964, quando seus principais membros foram aprisionados. Francisco Pereira, oriundo de Florianópolis, que anteriormente havia sido advogado nas greves de mineiros na cidade de Criciúma, contou com o esforço de membros como o relojoeiro Erwin Loeschner, o sindicalista Ilton Zimmermann e o advogado Herbert Georg para a organização do partido na cidade (Martins, 1995, p. 200-202).
A infiltração do agente do DOPS na célula comunista de Blumenau é um indício do fértil imaginário desse contexto de Guerra Fria e das estratégias da contenção do chamado inimigo interno, no vocabulário das políticas de segurança nacional. Nesse imaginário político, especialmente nos momentos de crise, o mito da conspiração ou do complô ocupava um importante lugar, e por essa razão é preciso infiltrar agentes para descobrir seus planos, segredos e intenções.
O tema da conspiração maléfica sempre se encontrará colocado em referência a uma certa simbologia da mácula: o homem do complô desabrocha na fetidez obscura; [...] Homens da sombra, os homens do Complô escapam por definição às regras mais elementares da normalidade social. Constituem, no interior de toda comunidade consciente de sua coerência, um corpo exógeno obscuramente submetido às suas próprias leis, obedecendo apenas a seus próprios imperativos ou a seus próprios apetites. Surgidos de outra parte ou de parte alguma, os fanáticos da conspiração encarnam o Estrangeiro no sentido pleno do termo. [...] A ameaça que representam é aquela que jamais deixou de obsedar os sonhos das cidades pacíficas: a do vagabundo, do nômade que ronda as casas felizes. [...] A do intruso que se introduz nos lares prósperos para levar-lhes a perturbação e a ruína. A insegurança e o medo começam com a passagem dos desconhecidos que vagueiam na noite (Girardet, 1987, p. 17).
Eram justamente estas representações que, por muito tempo haviam povoado o imaginário anticomunista em Blumenau. Assim se acreditava que esses agentes, alguns vindos de outros lugares, seriam capazes de atos de violência e brutalidade, que mediriam esforços em desorganizar o idílio comunitário, trazendo a discórdia à próspera e ordeira cidade. Essa visão é percebida em uma entrevista publicada na edição do dia 30 de março.
No Santa, a matéria tinha o sugestivo título: “O confronto que não aconteceu”. Nela, há o depoimento de Hans Prayon, na época diretor de uma importante indústria têxtil de Blumenau, a Cia Hering. Segundo o depoente, havia um clima tenso que tomava conta do empresariado nos dias do golpe. “Não tínhamos noção do que estava acontecendo ou do que viria a acontecer, mas lembro que o comunismo estava no ar”. Prayon assinala que, nas duas semanas anteriores ao golpe, o comandante do 23º BI de Blumenau havia convocado uma reunião com os empresários da cidade, a fim de preveni-los quanto às possíveis invasões de fábricas por comunistas, e chegou até sugerir o armamento dos funcionários para proteger as instalações industriais, ideia demovida por Prayon, que pensava ser perigoso armar civis. Como medida substitutiva e menos letal, teria sugerido que se usassem as mangueiras do Corpo de Bombeiros para conter os possíveis invasores.[10]
O depoimento de Hans Prayon permite perceber as relações pouco protocolares entre empresários e militares, estes últimos preocupados em exercer o papel de polícia patrimonial. Salta aos olhos também a arriscada sugestão de armamento e a dimensão da paranoia anticomunista presente no imaginário do período. Distante desse universo mitológico, a realidade teimava em ser mais modesta. Os comunistas da cidade, em sua maioria, eram velhos conhecidos e não chegavam a uma dezena. As histórias de dois deles, os únicos ainda vivos em 2004, são narradas nas edições de 29 e 30 de março.
A primeira delas, “Um líder vermelho e perigoso em Blumenau”, narrava em três parágrafos as ações do líder comunista Francisco Pereira em Blumenau. A narrativa centra-se apenas nas descrições do agente do DOPS, que qualificava Pereira como um “elemento perigoso e capaz de qualquer atentado contra a segurança da pátria” e no processo de fuga, em Curitiba, com o camarada e advogado Herbert Georg, e posterior asilo na Embaixada da Bolívia e exílio no Chile (Pereira) e depois Alemanha Oriental (Georg). O artigo não proporciona espaço para descrever aspectos relacionados à personalidade de Francisco Pereira, seu trabalho jornalístico e no campo do direito e nem mesmo a forma como foi detido, uma vez que não era bem-quisto por grupos patronais da cidade e líderes religiosos anticomunistas, inclusive responsáveis pela formação de uma “força civil” encarregada de sair à procura e aprisionar os comunistas da cidade (Fabricio, 2019).
Imagem 1: Matéria sobre a trajetória de Francisco José Pereira
Fonte: Jornal de Santa Catarina, 30 de março de 2004.
Ainda nesse tema das prisões de membros do PCB, tem-se a reportagem “à espera do golpe”, que narrava a história de Alfredo José Gonçalves. À época, Gonçalves tinha 25 anos, era leiturista da Empresa Força e Luz e filiado ao PTB, agremiação política legal à qual também estava vinculado o Presidente da República, João Goulart. O leiturista estava convicto de que o golpe de 31 de março não tomaria grandes proporções e no dia 02 de abril saiu para trabalhar normalmente, quando, pelo meio-dia foi abordado por um policial numa banca de revistas na rua XV de novembro: “Gonçalves, o doutor Jucélio (Jucélio Costa, na época delegado de polícia em Blumenau) quer falar contigo. Você está preso por ordem do alto comando revolucionário”. Gonçalves, afirma à reportagem não ter sido fisicamente torturado, mas não ter escapado da violência psicológica. O preso político chegou a ser interrogado por cinco diferentes investigadores por cerca de 30 horas na “roleta”. Um dos investigadores teria sugerido o suicídio ao leiturista: “Estamos no nono andar. Por que você não se atira e acaba com esse sofrimento? O que vem pela frente pode ser pior ainda. – De forma alguma vou fazer o trabalho de vocês”, teria afirmado Gonçalves.[11]
A prática da tortura não foi algo que nasceu com o golpe de 1964. Ela existe desde tempos mais remotos e tem sido uma das dimensões da modernidade que se quer civilizadora. Na história do Brasil, a prática do suplício, que parecia ser um instrumento de estado restrito ao Antigo Regime e ao período colonial, esteve presente também com intensidade na história republicana, especialmente nos períodos ditatoriais. A partir de 1964, segundo Relatório Brasil Nunca Mais, foram praticadas “quase uma centena de modos diferentes de tortura”. Assim, do ponto de vista psicológico, “a tortura visava imprimir à vítima a destruição moral pela ruptura dos limites emocionais” e criar um “clima psicológico aterrorizante, favorável à obtenção de confissões que enredassem, na malha repressiva, o maior número de pessoas” (Arquidiocese de São Paulo, 1985, p. 32, 43, 83).
Ainda na mesma edição foi divulgada a matéria “O Brasil se veste de cinza”, que apresentava depoimentos de Carlos Fernando Priess, advogado e sindicalista em Itajaí, um dos primeiros a ser preso na chamada Operação Limpeza. Priess tinha uma relação estreita com os comunistas de Blumenau, vários documentos recolhidos nas residências e escritórios dos advogados Georg e Pereira eram correspondências dele ou o referenciavam de forma direta (Fabricio, 2019). Após a prisão de Priess, assim como ocorreu com Gonçalves, houve a prática da tortura psicológica para obtenção de informações. Segundo o advogado, os detidos foram perfilados em um paredão, os militares atiraram em um rapaz, que saiu ensanguentado e carregado por policiais. Tempos depois, Priess soube que se tratava apenas de uma simulação para obter confissões.[12]
A edição de 29 de março, segunda-feira, trouxe a história de Elicinho Cunha, primeiro tenente da reserva, na época deslocado para Itajaí para conter uma suposta movimentação do sindicalismo portuário. “Recebemos a mais importante das missões: garantir o sucesso da intervenção militar e livrar o Brasil do comunismo. Era um inimigo pouco conhecido na época”. Ao retornar a Blumenau, Elicinho e uma força de 140 soldados, foi recebido com festa pela população, senhoras e moças colocavam flores nas pontas dos fuzis e na lapela das fardas dos militares, o desfile se transformou em festa popular, segundo o jornal, com direito a serpentina, confete e presença de autoridades. Passados quarenta anos, período suficiente para reelaborações de memórias, apesar de concordar com o papel do Exército na “salvação” do Brasil do comunismo, o tenente acredita que o poder deveria ter sido devolvido a um civil e encerrado o governo militar em Castello Branco, pois “o papel do Exército é garantir a segurança da nação e não governá-la”.[13]
A edição de 30 de março traz uma pequena, mas significativa matéria: “a tortura se transforma em instrumento de estado”. É a história de Higino João Pio, primeiro prefeito eleito em Balneário Camboriú e dado como morto em 03 de março de 1969, nas dependências da Escola de Aprendizes de Marinheiro, em Florianópolis. Segundo o jornal, o crime foi o único a ser admito pelo estado. Segundo depoimento do filho da vítima, seu pai morreu por causa de suas ligações, especialmente a amizade com João Goulart, com quem praticava pescaria nas ocasiões em que o presidente vinha à Balneário Camboriú, onde possuía propriedades. Ainda segundo filho, Pio foi preso no dia 12 de fevereiro e voltou somente 12 dias depois, em um caixão lacrado, “onde só foi possível ver o rosto do pai, bastante machucado”. Segundo a narrativa dos militares, Pio teria cometido suicídio através de enforcamento. Situação análoga ocorreria seis anos depois, em caso que ganhou mais visibilidade e repercussão, a morte do diretor de jornalismo da TV Cultura, Wladmir Herzog. Somente em 1997, o estado reconheceu que a morte de Higino Pio fora motivada por perseguições políticas “sob a responsabilidade do Estado”, visto ter ocorrido em instalações da Marinha Brasileira.[14]
Ainda na edição de 30 de março foi publicada outra pequena reportagem, “A prisão 48 horas após a revolta”, que traz o testemunho de Gertrudes Georg, esposa de Herbert Georg, um dos líderes comunistas presos nas primeiras horas do golpe.[15] A viúva lembra com detalhes a ação dos militares por ocasião da prisão do marido. A casa foi invadida e a biblioteca de 4,5 mil títulos foi saqueada em busca de materiais que comprovassem a ligação com o comunismo: “tínhamos alguns jornais escritos com tinta vermelha e eu escondi para que eles não levassem embora. Eles achavam que qualquer coisa vermelha era comunista”. Herbert Georg foi preso no dia 02 de abril, quando se dirigia ao trabalho. Posteriormente, foi levado a Florianópolis, onde se juntou a outros sete membros do PCB de Blumenau (Krause, 2012). Depois da transferência do grupo a Curitiba, os comunistas daquela cidade conseguiram organizar a fuga dos advogados Georg e Francisco Pereira. Georg se encontrou com a esposa em Montevidéu e partiu para a Alemanha. Contudo, uma doença cardíaca ceifaria sua vida em 1969, não o permitindo que visse a redemocratização do seu país.
Imagem 2: Gertrudes segura o retrato de Herbert Georg em entrevista ao Santa. Foto de Artur Moser
Fonte: Jornal de Santa Catarina, 30 de março de 2004.
Na mesma edição de 30 de março, mantendo a pluralidade de vozes, o periódico trouxe uma matéria de sugestivo título: “Não houve golpe”. Tratava-se de uma entrevista com o ex-governador do Estado de Santa Catarina, Carlos Konder Reis, que na época do golpe exercia o posto de senador e, durante o governo Médici, cogitou-se que assumiria o Ministério da Justiça. Para Reis,
em 31 de março não houve nem revolução, nem golpe militar, o governo desmoronou. [...] A democracia não foi ferida. Esta afirmação que a mídia está fazendo de que houve ditadura não é verdadeira. Durante todo o período da chamada revolução houve eleições. O regime era um regime autoritário, coisa diferente de ditadura.[16]
Antônio Carlos Konder Reis foi um dos nomes mais importantes da família Konder, um dos clãs mais tradicionais e poderosos e da elite política do Vale do Itajaí. Foi deputado estadual e federal, pela União Democrática Nacional (UDN) e Aliança Renovadora Nacional (ARENA), por vários mandados consecutivos desde os anos 1940, até ser eleito senador no período anterior ao golpe de 1964. Ocupou o cargo de senador entre 1963 e 1975, desde a escalada autoritária até os anos de chumbo dos governos Costa e Silva e Médici, quando os relatos de tortura se tornaram cada vez mais corriqueiros no Brasil e na imprensa estrangeira. Em 1975, Konder Reis se tornou “governador biônico” de Santa Catarina, na linguagem política do período que criticava o domínio político dos militares também nas administrações estaduais e municipais, pois Konder fora eleito de forma indireta pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina, cargo no qual ficaria até 1979, ano da Lei de Anistia simbolizou a abertura para um período de transição para a democracia. Sendo assim, o negacionismo da ditadura realizado por Konder Reis é a posição política de um agente público que participou ativamente da manutenção do regime militar e que está parcialmente correto quando declara que havia eleições, mas erra ao não afirmar que muitas eleições não eram pelo voto popular, mas de forma indireta; e que a eleição mais importante, a da Presidência da República, deixou de acontecer de forma direta por duas décadas, fazendo surgir o grande movimento das “Diretas já”. O ex-governador também silencia sobre o fato de a ditadura ter fechado o congresso nacional por quatro vezes, ter cassado vários mandatos e ter instituído o bipartidarismo.
Na edição do dia 31 de março foi veiculada uma matéria que trazia um caso que destoava das habituais perseguições empreendidas pela ditadura. Com o título “os primeiros atos da repressão”, ela narrava as memórias de Eunice Monteiro, viúva do coronel do Exército, Geraldo da Silva Monteiro, que atuava na cidade de Blumenau. O oficial não foi afastado de suas funções nas imediatas semanas de abril, mas no mês de outubro, quando o novo regime já se consolidava através Ato Institucional Nº 1 e da chamada “Operação Limpeza”, que não poupou nem mesmo os militares legalistas (Fico, 2001).
Para Eunice Monteiro, o coronel havia sido punido por posicionamentos anteriores ao golpe de 1964. Ainda na conturbada transição de poder entre Jânio Quadros e João Goulart, no ano de 1961, a 5ª Região Militar, subordinada ao 3º Exército (Porto Alegre), apoiou a obediência à Constituição Federal, que determinava a posse de Jango. Assim, em 1964, Geraldo da Silva Monteiro teve que se afastar de suas funções “por causa das acusações de comunismo” e nem mesmo poderia se ausentar da região, visto que mensalmente precisava se apresentar ao quartel em Blumenau. Até a anistia de 1979, o militar recebia apenas um salário mínimo e não conseguia exercer outras atividades diante das acusações a ele imputadas.[17]
Ainda na edição de 31 de março, outra entrevista funciona como fio condutor da matéria. Trata-se da reportagem “a morte nos porões da ditadura”. Ela traz o depoimento de GertrudMayr, mãe de Frederico Eduardo Mayr, natural de Timbó, e morto aos 23 anos nas dependências do DOI/Codi, em São Paulo, no ano de 1972. “O jovem é lembrado pela mãe, hoje com 78 anos, como alguém que lutava pelos direitos humanos e por uma sociedade mais justa e igualitária, e não como um subversivo comunista”. Frederico Mayr, estudante de arquitetura e membro do Movimento de Libertação Nacional (MOLIPO), foi acusado de ser assaltante de bancos e condenado a três anos de prisão logo no início da ditadura, mas processo judicial teria sido inocentado. Contudo, diante da possibilidade de prisão, passou a viver na clandestinidade, até ser baleado e preso por agentes do DOI/Codi paulista. Mesmo ferido, teria passado 72 horas em um dos mais cruéis mecanismos de tortura, a “cadeira do dragão”, não resistindo e vindo a falecer. Nesse ínterim, a família continuava sem informações e Frederico foi enterrado sob nome falso de Eugênio Magalhães Sardinha, em uma vala no Cemitério Dom Bosco, no distrito de Perus em São Paulo (Vannuchi, 2021). A vala foi descoberta em 1990, após reportagem investigativa do jornalista Caco Barcellos, mas os restos mortais do estudante seriam devolvidos à família em 1992, após um trabalho minucioso pelo Departamento de Medicina Legal da Universidade de Campinas (UNICAMP). Após uma década, o depoimento da mãe à reportagem revela um trabalho de reelaboração da memória, marcada pelo trauma, mas ao mesmo tempo consciente da importância do trabalho de luto. GertrudMayr, apesar de vítima de múltiplas violências do estado, diz sentir-se uma “felizarda” por ter recuperado os restos mortais do filho: “só eu sei a diferença que isso faz”.
Janaina Teles, ao refletir sobre a transição do período ditatorial para o democrático, identifica na publicação do Relatório Brasil Nunca Mais e na abertura da vala de Perus dois episódios fundacionais da memória social da repressão. Ambos simbolizam uma história aberta a atribuição de novos sentidos, tal como reflete Paul Ricoeur. “Ainda que os feitos não sejam apagáveis e não se possa desfazer o que está feito, nem fazer com que o que sucedeu não suceda mais, o sentido do que passou, pelo contrário, não está fixado de uma vez por todas” (Ricoeur, 1999, apudTeles, 2012, p. 263).
Depois deste longo inventário sobre as matérias do Santa, resta tecer algumas considerações provisórias. A maioria das matérias produzidas para a série “Tanques nas ruas” foi assinada por jornalistas. Todavia, em nenhum momento o jornal expressou sua posição sobre a questão. Nos dois editoriais, Opinião da RBS e Opinião do Santa, nota-se a ausência de um posicionamento institucional objetivo e direto quanto ao golpe de 1964 e a ditadura militar. Mas o silêncio não foi somente da direção do jornal, na página que publica as opiniões dos leitores houve apenas uma manifestação. Trata-se do artigo “Faz 40 anos...”, escrito pelo professor Ivo Theis, da Universidade Regional de Blumenau.
Em “Faz 40 anos...”, o economista recomenda um olhar mais amplo e conjuntural, mencionando que a ruptura golpista já havia sido ensaiada em momentos anteriores, desde a morte de Getúlio Vargas. Mas em 1964 é que teria se iniciado o mais “longo período de trevas”, com vidas perdidas, escondidas, disfarçadas e exiladas. Naquele momento, após quase vinte anos de redemocratização, com duas gestões de Fernando Henrique Cardoso e o iníciodo segundo ano do primeiro mandato de Lula, o professor se pergunta: “que lições ficaram, 40 anos depois, destes tempos negros?” E responde que, em primeiro lugar, “ninguém tem o direito de retirar direitos de outrem”. Em segundo lugar, que “governos eleitos democraticamente tem que se reportar à cidadania”. Desta última sentença, o autor deriva a falsa equivalência de que “um governo eleito pelo povo que descumpre compromissos não se diferencia, fundamentalmente de um governo autoritário”. Por fim, na sua visão, bastante idealista e pouco prática, os perigos que rodavam as instituições democráticas só seriam escoimados com “a imaginação”, com o “povo que toma seu destino nas próprias mãos”, visto que os brasileiros estariam “de saco cheio de governos democráticos que descumprem compromissos, talvez queiram reinventar a sua democracia”.[18]
Por fim, ainda nesse espaço aberto aos leitores do Jornal de Santa Catarina, tem-se ainda a poesia do escritor e professor de História, Viegas Fernandes da Costa, reproduzida abaixo na mesma disposição que se encontra no periódico. As palavras e os versos carregam rica polissemia e referências intertextuais profundas.
1964[19] acorda na madrugada a cidade, o cachorro, os conjuros o pé nos chinelos e o passo arrastado dois homens armados na porta batem! as mãos procuram a faca, a fala procura a voz “quem é?” indecisa pergunta “polícia!” incisiva resposta porta, chave, maçaneta dois homens frustrados fardados abandonaram esposas no leito alojaram a arma no coldre do peito gritaram “abra!” tonitruante trovão as mãos procuram a chave, a fala procura a voz “já vai” suplicante resposta “arrombamos?” implicante pergunta o tapa, o escarro, a infâmia
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o pijama conspurcado na lama o corpo lançado no limbo camburão onde há mais, “três” - calcula arrancados do sono, insones famílias aguardam, guardam as lembranças da cama esposas que se entregam ao estupro “posso salvá-lo?” desesperada proposta “podes salvá-lo!” sorriso e lascívia a cela, o catre, a surra o silêncio rasgado por gritos “não sei” “Os nomes!?” quaisquer... João, Silvina, José porrada na cara, nas costas, nos pés o corpo molhado, amarrado, tremula o dínamo trabalha, o louco gargalha “mata!” “enterra!” “é um comuna!” pendura na coluna e fuzila! Viegas Fernandes da Costa |
Considerações finais
Walter Benjamin, nas suas teses sobre a filosofia da história, reflete sobre o entrelaçamento entre passado, presente e futuro e o papel fundamental do historiador/a. Para esse filósofo de origem judaica e vitimado pelo nazismo, “o dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E ele não tem cessado de vencer” (Benjamin, 1994, p. 224). Nessa perspectiva, o historiador estaria em posição privilegiada de mediador entre o passado e o povir, como demiurgo de um horizonte de expectativas e esperanças, mas também como responsável por evitar o esquecimento e, num movimento de dever de memória, promover a justiça aos mortos, apagados pelas lógicas de poder.
Se é fundamental não esquecer, também é perceptível que o presente vive inflacionado de memória, uma memória persistente, como se o “passado nevasse sobre nós”, nas palavras de Régine Robin. Daí a necessidade da elaboração de “uma ética da responsabilidade sem cair nos abusos da memória”. Uma vez que “esse excesso de memória que nos invade hoje poderia ser apenas uma figura do esquecimento, pois a nova era do passado é a saturação [...]. Saturação por inversão de signos, suspensão de um passado próximo, mas não pensado, não criticado, não decantado” (Robin, 2016, p. 20-22).
Essas duas perspectivas, de Benjamin e Robin, ajudam a pensar os elementos ético-políticos da rememoração do golpe de 1964 e da ditadura militar em Blumenau, enquanto uma história presente. No ano de 2004, as condições de possibilidade discursivas possibilitaram a emergência de memórias no espaço público da qual a imprensa faz parte e produziram um ambiente de reflexão sobre um passado difícil e que teima em não passar totalmente, constituindo-se em objeto privilegiado da História do Tempo Presente. Esse presente espesso, com muitas camadas de significado, não tem deixado de exercer um fascínio no historiador, e uma “vontade de ‘reagir’, isto é, de tentar explicar o presente” (Chaveau; Tétard, 1999, p. 15, 16). Trata-se uma presença física do historiador no tempo e tema que estuda e que, mais do que um cronista de seu tempo, ele quer compreender, realizar uma ontologia crítica desses múltiplos laços que ligam passado e presente, historiador e sociedade.
Sendo assim, é história do tempo presente que busca aprofundar o debate sobre as relações entre presente e passado, sobre a memória e seus usos políticos e comerciais. Esta visão possibilitou uma aceitação maior dos testemunhos diretos e a recusa de um determinismo estrutural sobre o indivíduo e sua subjetividade. Neste sentido, houve uma revalorização dos depoimentos para a construção da narrativa histórica.
Os depoimentos, os testemunhos diretos, os relatos em primeira pessoa, todos eles remetem a um fenômeno que Michel Pollack chamou de “memórias subterrâneas” (Pollack, 1989, p. 3-15). Levando em consideração as condições de possibilidade discursivas existentes em 2004, a ocasião do aniversário do golpe de 1964 foi um momento propício para que houvesse uma irrupção de memórias, para que atingissem a superfície do debate público através da imprensa escrita. Muitas destas memórias foram reformuladas, deslocadas. Alguns personagens tiveram que conviver com a vergonha de ter participado de um processo que instalou uma ditadura no país. Para outros, o colaboracionismo e o protagonismo naquele regime político não representaram uma mácula, visto que se apelou para o negacionismo do caráter ditatorial do regime. Por fim. Alguns familiares de vítimas da ditadura optaram por construir uma memória ligada à luta por democracia, direitos humanos e uma sociedade igualitária. Todavia, como mostrou Marcelo Ridenti, as reconstruções da memória muitas vezes não levam em conta o fato daquela geração dos anos 1960 não ter grande apreço pela democracia, especialmente quando adjetivada como burguesa em oposição à democracia popular (Ridenti, 2004, p. 53-66).
O golpe de 1964 e a ditadura militar deixaram marcas profundas na subjetividade das testemunhas desse doloroso processo histórico. Assim sendo, a rememoração dos 40 anos do golpe proporcionou a abertura para interrogações em torno da memória, esse lugar habitado por emoções, sentimentos, que às vezes podem ser sombrios quando adquirem a forma de ressentimentos, ódios e rancores. Portanto, não é possível abordar 1964 e os anos que se seguiram, bem como a memória desse tempo sem levar em consideração a dimensão sensível e delicada das narrativas, os esquecimentos, silêncios, ocultamentos, lapsos, não-ditos (Ansart, 2004, p. 15-36).
Diante da “aceleração da história”, do império do efêmero e da massificação da informação pelos meios de comunicação, cumpre ao historiador questionar as construções e reconstruções da história e da memória, analisar o papel cívico e democrático desempenhado pela imprensa em determinados contextos, mas também a demanda por usos políticos e comerciais do passado, pois é preciso estar atento para que, a despeito dos fascismos e neofascismos, “os mortos estejam em segurança” (Benjamin, 1994).
Agradecimentos
CAPES.
Referências bibliográficas
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Aceito em 01/12/2024.
[1]Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor colaborador na Universidade Regional de Blumenau e na Rede Estadual de Santa Catarina. Brasil. E-mail: efabricio@furb.br| https://orcid.org/0000-0003-4337-4654
[2] É importante mencionar que existe um complexo debate sobre a natureza do golpe de 1964 e da posterior ditadura. Há argumentos a favor de uma natureza civil-militar, no que diz respeito à ruptura, perspectiva à qual este artigo se filia; mas também há interpretações segundo as quais o próprio regime teria sido civil-militar, ou ainda empresarial-militar. Esta última perspectiva não é endossada neste artigo, embora se admita que houve colaboracionismo e consentimento de grupos e instituições. Neste texto, partilha-se a visão de que “se a preparação do golpe foi de fato ‘civil-militar’, no golpe, propriamente, sobressaiu o papel dos militares. [...] As sucessivas crises do período foram resolvidas manu militari e a progressiva institucionalização do aparato repressivo também demonstra a feição militar do regime. [...] Se podemos falar de um golpe civil-militar, trata-se, contudo, da implantação de um regime militar – em duas palavras: de uma ditadura militar” (Fico, 2004, p. 52).
[3] ÉBOLI, Evandro. Lula pede silêncio sobre 60 anos do golpe de 1964 e não é atendido. 06/04/2024. https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/04/6832668-lula-pede-silencio-sobre-60-anos-do-golpe-de-1964-e-nao-e-atendido.html Acesso em: 05 out 2024.
[4] FEITOSA, Cézar ; SEABRA, Catia. Ministério cancela ato sobre 60 ano do golpe militar após decisão de Lula. 12/03/2024.https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/03/ministerio-cancela-ato-sobre-60-anos-do-golpe-militar-apos-decisao-de-lula.shtml. Acesso em: 05 out 2024.
[5] Essa expressão foi popularizada no ano de 1961, período em que os militares pressionaram o vice-presidente João Goulart a desistir de assumir a Presidência da República. Daí que a “solução de compromisso” tenha sido arrancar de Goulart a aceitação de um governo parlamentarista, no qual um conselho de ministros limitava o poder presidencial.
[6] PODER 360. Mesmo com silêncio de Lula, 8 dos 38 ministros lembram 60 anos do golpe. 31/03/2024. https://www.poder360.com.br/governo/mesmo-com-silencio-de-lula-7-dos-38-ministros-lembram-60-anos-do-golpe/ Acesso em: 05 out 2024.
[7] Jornal de Santa Catarina. Blumenau, 27 e 28 de março de 2004. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos.
[8] Jornal de Santa Catarina. Blumenau, 27 e 28 de março de 2004. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos.
[9] Jornal de Santa Catarina. Blumenau, 27 e 28 de março de 2004. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos.
[10] Jornal de Santa Catarina. Blumenau, 30 de março de 2004. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos.
[11] Jornal de Santa Catarina. Blumenau, 27 e 28 de março de 2004. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos.
[12] Idem.
[13] Jornal de Santa Catarina. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos, 29 de março de 2004.
[14] Jornal de Santa Catarina. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos, 30 de março de 2004.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] LIMA. Patrícia. “Os primeiros atos da repressão”. Jornal de Santa Catarina. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos, 31 de março de 2004.
[18] THEIS, Ivo Marcos. Faz 40 anos... Jornal de Santa Catarina. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos, 30 de março de 2004.
[19] COSTA, Viegas Fernandes da. 1964. Jornal de Santa Catarina. Arquivo Municipal José Ferreira da Silva. Coleção de periódicos, 30 de março de 2004.