O útero, uma criação para o mal: a representação do papel das mulheres do filme Hereditário (2018)
The womb, a creation for evil: the representation of the role of women in the film Hereditary (2018)
Iuri Furini Lopes da Silva[1]
Evelane Mendonça de Oliveira[2]
Gleudson Passos Cardoso[3]
Resumo
Este artigo apresenta uma análise fílmica-historiográfica das mulheres no cinema, com enfoque na indústria de terror, através do filme Hereditário. Inicialmente, contextualizando a figura da mulher dentro do gênero do terror desde seus primórdios até o uso de sua imagem na indústria fílmica atualmente. Ao notar o papel destas mulheres na indústria hollywoodiana dos filmes do gênero de terror, notamos um ponto de similitude nos filmes, não apenas no estereótipo feminino, mas também em seu arquétipo. Em seguida, remontaremos à alegoria das mulheres de Hereditário e o seu arquétipo dentro do drama para desenvolvimento de seu enredo, discorridos através dos conceitos desenvolvidos por Jung e Matraga.
Palavras-chave: Gênero; Longa-Metragem; Terror.
Abstract
This article presentes a filmic-historiographic analysis of women in cinema, focosing on horror industry, through the film Hereditary. Initially, contextualizing the figure of women within the horror genre from the beginnings to the use of its imagem in the film industry today. When noting the role of these woman in the Hollywood industry of horror films, we notice a point of similarity in the films, not only in the famale stereotype, but also in their archetype. Next, we will go back to the allegory of woman from Hereditary and their archetype witin the drama to develop its plot, discussed through the concepts developed by Jung and Matraga.
Keywords: Gender; Feature Filme; Terror.
Introdução
O gênero de terror, não apenas no cinema, mas também na literatura, não é um gênero tão aprazível para todos os públicos, visto o seu alto teor de imaginário, sangue, figuras animalescas e brutais. Mas além disto, o gênero carrega muitos fãs e coleciona inúmeros filmes icônicos que são relembrados até os anos atuais.
O desenvolvimento do medo do público se tornou economicamente positivo, principalmente na segunda metade do século XX, mas este gênero, no cinema, tem uma história anterior a este ápice. Filmes como O Gabinete do Dr. Caligari (Wiene, 1921), O Médico e o Monstro (Robertson, 1920), O Fantasma da Ópera (Julian; Sedgwick, 1925) e principalmente Nosferatu (Murnau, 1921), produzidos na década de 1920, foram os percussores do gênero do terror no cinema, e muitos deles baseados em clássicos da literatura.
Hereditário, filme de 2018, dirigido, roteirizado e produzido por Ari Aster, um filme de gênero de terror com o subgênero sobrenatural, nos leva a refletir sobre diversos pontos abordados ao longo do longa-metragem. Um deles será abordado neste presente trabalho, a inserção do papel das mulheres dentro do gênero do terror.
As mulheres vistas neste gênero são abordadas como frágeis, perseguidas, ligadas diretamente à criação da mente do antagonista ou até mesmo elas se tornam as antagonistas.
Como exemplo, temos a personagem Laurie Strode, vivida por Jamie Lee Curtis, nos longas da franquia Halloween. Laurie, uma estudante do ensino médio se torna perseguida pelo famoso antagonista Michael Myers desde o ano de lançamento do primeiro filme, em 1978. No mesmo longa, vemos Myers desenvolver a sua psicopática e sociopátia a partir do assassinato da sua própria irmã, a partir daí, as mulheres se tornam o principal alvo de Myers.
Passando por uma visão voyeurista e até mesmo de um ponto econômico, as mulheres dentro do gênero do terror se tornam atrativas para o público e até mesmo um clichê dentro deste gênero.
As mulheres e a indústria cinematográfica do terror
Em 1930, inicia-se a grande era do terror em Hollywood, que não deve passar despercebido aos olhares dos historiadores que este contexto seria o da “grande depressão” pela crise da bolsa de valores de Nova York, em 1929 (Santos, 2021). Outros estudos podem se especificar mais nessas relações representativas da época. Citamos este fato apenas para aludir a origem do gênero terror nos cinemas com o lançamento de Frankstein em 1931. CasperTybjerg (2004) vê a perspectiva dessas produções como uma espécie de catarse: liberação de emoções ou tensões reprimidas (presentes no inconsciente).
Pensar criticamente o cinema implica reconhecer o impacto social desse meio de comunicação e procurar conhecer as nuanças da linguagem cinematográfica e sua capacidade de evidenciar ou mesmo criar padrões de conduta que marcam limites sociais ou estimulam transgressões ao status quo (Kamita, 2017, p. 1393).
Conforme iria melhorando a situação político-econômica do país, muda-se também o imaginário da população, alimentada pelas produções culturais que refletiam no cinema com a criação do “HappyEnd” (Santos, 2021), em que o protagonista iria conseguir se salvar da situação problema da narrativa, dando a ela um desfecho positivo. Isso também impactará o terror.
Um ponto crucial é, sem dúvida, o destaque da mulher enquanto protagonista na propagação, sucesso e bom desempenho do cinema como forma de entretenimento (Alves; Coelho, 2015). Em Hollywood, as atrizes que participavam dos filmes davam um show à parte no filme, tendo momentos especiais, específicos, que alteravam toda a disposição do filme. Seja o enquadramento, a trilha sonora ou até mesmo a iluminação em suas cenas.
Desta forma, a elite produtora das produções cinematográficas percebe o impacto sócio-cultural produzido por essas mulheres nos filmes, embora dentro do universo diegético[4] o seu impacto seja quase mínimo. Autoras como Paula Alves e Paloma Coelho (2015) nos mostram que os impactos, na narrativa, causados pelas personagens femininas eram quase mínimos, levando-as a afirmar que a representação feminina no cinema é feita por presenças e ausências, questionando depois a qualidade dessa presença e as causas das ausências. Por isso, é necessário a realização de uma pesquisa para o estruturar o papel das mulheres, socio e historicamente, para a construção de um papel cinematográfico (Lopes, 2006).
As representações de gênero realizadas pelo cinema geram modelos a serem seguidos em sociedade, como afirmam Paula e Paloma: “Desse modo, o cinema produziria representações de gênero, ao mesmo tempo em que essas representações seriam interpretadas e reconstruídas subjetivamente pelos espectadores” (Alves; Coelho, 2015, p. 161).
Essas representações gerariam um padrão narrativo a ser utilizado nas histórias fílmicas de Hollywood, que não deixa de seguir, claro, o roteiro já elaborado por Campbell (1997) do monomito ou a jornada do herói; que acompanharia um protagonista masculino, que após sair de um lugar ou situação conhecido(a), passa por provações, encontra-se com uma personagem feminina que o distrai de seu objetivo, nega isso, aprende ou adquire algo novo em um novo lugar ou situação desconhecida e finalmente retorna ao universo conhecido transformando-o.
As mulheres não têm um papel efetivo ou significante nessas narrativas (portadoras de significados e não criadoras deles) e quando isso ocorre são depreciativos, como por exemplo simbolizarem as tentações dentro do monomito. Estas primeiras personagens do cinema tinham poucas falas e estavam postas às narrativas para serem “salvas” pelo protagonista, simbolizar o seu desejo ou interesse amoroso. Eram quase que objetos muito belos que serviam apenas de apreciação do personagem e dos telespectadores (Santos, 2021). Por isso, Lopes (2006) cita que essa representação social baseada nos poderes sociais e históricos das mulheres segue um estereótipo, que tem poder de criar um novo estereótipo na sociedade.
Saindo do universo diegético, e trazendo ao debate a dissertação de Luciana Cristina Santos, conversando com as proposições anteriores de Alves e Coelho, a autora traz uma perspectiva de análise psicanalista em torno da relação filme-telespectador sobre a figura feminina, formulada pelas clássicas autoras do cinema feminista Elizabeth Ann Kaplan e Laura Mulvey. Em seu livro “Prazer virtual e cinema narrativo” (1989), Mulveycomenta sobre a necessidade de abstração da narrativa estereotipada do cinema hollywoodiano para uma narrativa experimental, utilizando o distanciamento brechtiano[5].
É importante ponderar que E. Ann Kaplan e outras autoras do cinema feminista não desconsideram as proposições de Freud e Lacan como misóginas, muito pelo contrário, elas reconhecem seus estudos como tal; mas a autora afirma que é importante estudar à ótica da psicanálise justamente por ter sido desenvolvida em uma lógica masculina, o que contribui muito para desvendar o “olhar masculino” (Mulvey, 1983).
Tanto Alves e Coelho (2015) como Santos (2021) falam da importância de entender a relação que o público estabelecia com as personagens femininas dispostas na tela do cinema, e para isso salientam:
O cinema clássico narrativo (o cinema de Hollywood – Hegemônico em todo o mundo) constrói suas personagens baseadas em rótulos e estereótipos, ou seja, em características padronizadas e esperadas de cada grupo social: masculinidade e feminilidade, características padronizadas de comportamento para mocinhos e bandidos, os heróis, que muitas vezes, atores e atrizes já possuem, mas que são especialmente “exagerados” pelas lentes do cinema (Alves; Coelho, 2015, p.162).
Em 1920, Hollywood cria o que conhecemos hoje como Star System (Alves; Coelho, 2015), que seria um método de valorização da imagem dos atores e atrizes e seus modos de vida, criando padrões e normatizando comportamentos que vão ser seguidos pelos espectadores. É interessante notar a venda de alguns filmes com roteiros extremamente genéricos que são lançados (ainda hoje, alguns estúdios insistem nessa fórmula) e que rendem apenas por terem tais celebridades no elenco. “As performatividades de gênero passam a ser reproduzidas na vida social” (Alves; Coelho, 2015, p.162), e suas representações também. Como também explana Lopes em um trecho:
Por um lado, falar em arte de mulheres e arte gay aparecia como um esforço militante de fazer falar na história do cinema e na atualidade sujeitos silenciados, o que foi logo articulado a um processo de segmentação do mercado, na criação de festivais e mostras pelo mundo afora, mas que adotará estratégias mais recentes de politizar mesmo as relações entre identidade e consumo. Por outro lado, o interesse pelo espectador iria realizar uma primeira desconstrução do paradigma hollywoodiano do olhar masculino/objeto feminino. Ou seja, com exceção do melodrama, os gêneros cinematográficos eram feitos em grande medida para um público masculino ou para quem se colocava na sua posição (Lopes, 2006, p. 383).
Na década de 1950, essa apreciação sobre personagens vazias que estavam presentes apenas para esbanjar suas belezas, direciona Hollywood a mais um conceito que seria o de Sexy Symbol (Alves; Coelho, 2015). Atores, e principalmente atrizes, se tornavam símbolos de sensualidades e sexualidades para tais contextos históricos. Portanto, a observação à mulher no cinema está praticamente estagnada entre o desejo e a competição, reflexo total da cultura patriarcal; “O desenvolvimento do cinema como indústria está nitidamente ligada à beleza da estrela feminina [...] Ela era a marca do potencial sedutor do cinema, e por consequência, do espetáculo da mercadoria” (Alves; Coelho, 2015, p.163).
Os espectadores (especialmente os masculinos) então assistiam as personagens femininas dentro das duas concepções do olhar masculino desenvolvidos por Mulvey (1983) com a psicanálise: sádico-voyeurista (em que o telespectador sente satisfação em assistir as punições, perigos e castigos aos quais as personagens são submetidas, sem estar no espaço diegético, ou seja, “sem ela saber que está sendo observada”) e o olhar escopofólico-fetichista (fetichizando o corpo feminino). Já as mulheres assistiam para pegar as novas condutas a serem seguidas.
Esses olhares e perspectivas masculinas são perigosos e cruéis porque são reproduzidos na sociedade. Quando o cinema hollywoodiano se espalha ao redor do mundo, consolidando as produções norte-americanas, vão sedimentando no imaginário popular essas perspectivas dessas representações de gênero e a maneira de lidar com o feminino em sociedade. Mulvey aponta até mesmo como a mulher, mesmo na própria língua, é tratada como “o outro” (Kamita, 2017).
As relações de poder entre gêneros se estreitam no cinema por serem produzidos, em sua grande maioria, protagonizados (é dado o poder de conduzir a história), e olhado (é quem tem o poder sobre a narrativa) pela ótica masculina; apesar de as autoras já citadas, e outras como Sarah Arnold e Carol J. Clover (Santos, 2021) criticarem, pesquisarem, confrontarem o cinema predominantemente masculino e proporem o “cinema de mulheres”. Dentro dessa perspectiva:
Lauretis (1984) também discute a figura da mulher no cinema. Retomando a noção de Barthes da “civilização da imagem”, ela afirma que o cinema consiste em uma máquina de representação que produz imagens, mas também reproduz a mulher como imagem. Suas reflexões apontam para a dimensão política da expressão estética, de maneira que um filme é definido não apenas pelo que ele diz, mas pelo que é mostrado e pela forma como é mostrado (Alves; Coelho, 2015, p. 165).
Para Lopes (2006, p. 388), “enfocar um cinema de mulheres e uma escrita feminina implica dizer que o corpo deixa de ser objeto do voyeurismo masculino e assume uma concretude, uma história”.
“Historicizando” isso tudo, antes de adentrar propriamente dito na situação das representações e arquétipos femininos no filme objeto deste artigo (Hereditário, 2018), é importante relembrarmos o tratamento dado às mulheres no mundo ocidental quanto à sua representação na mentalidade e na História.
As representações masculinas ocidentais em torno da imagem da mulher sempre foram dicotômicas e extremas entre loucas ou frias, selvagens e submissas, Evas e Marias, ardilosas e ignorantes; isso tudo se dá por representarem o “desconhecido” para o homem e, associando com o conceito elaborado por Laura Mulvey (1983): “o outro”. Estar atrelado ao significado do “outro” é ser o “diferente da norma”, o que faz pensar que o mundo segue uma norma e essa não engloba você. A mulher causa medo no homem, por isso a emergência de manter sua superioridade em relação a ela e a controla-la.
Vânia Nara Pereira Vasconcelos (2005) recorre à Silvia Nunes e H. Bloch para explicar a associação masculina feita em relação a mulher com o carnal. Mística, pelo simples fato de dar à luz, as mulheres são associadas ao desregramento sexual desde a idade média até o renascimento. Em trabalhos como o de José Eliezer Mikosz (2017), ao analisar o mito de Lilith,o autor percebe que dentro desta narrativa, “o homem sente que precisa moralizar a mulher [...]” (Mikosz, 2017, p. 06).
Entre vários exemplos a serem citados do mundo judaico-cristão, estão: Eva, Lilith, Maria e Maria Madalena; as mulheres são temidas, odiadas, observadas, admiradas, desejadas, etc. Além de se ter uma dicotomia dentro da figura da mulher, seja ela santa, pura e recatada como Maria, ou transgredida pelo mundo, se tornando pecadora, assim como Maria Madalena e Eva. Ora, o nascimento da humanidade é precedido pelo pecado, onde essa discussão se torna um paradoxo para a Igreja.
Sempre mantendo a distância do sujeito (sujeito norma, homem portanto, já que as mulheres seriam “o outro”). Este ápice da falta de compreensão da realidade feminina leva a absurdos históricos como a escrita do MalleusMaleficarum(Kraemer; Sprenger, 2015), o manual da caça às bruxas, e a própria inquisição em si. O tribunal do santo ofício materializou o perigo que a mulher representa na mentalidade ocidental masculina.
Nos séculos XVIII e XIX, com o advento do iluminismo, o discurso da submissão feminina não se alinhava ao discurso de liberdade, fraternidade e igualdade; o que fez com que ele fosse transformado em: “Para eles, a mulher não pode mais ser considerada inferior ao homem, ela deve ser complementar a este, ou seja, o fato deles serem biologicamente diferentes os fazem ter funções sociais também diferenciadas” (Vasconcelos, 2005, p. 08).
A própria História tradicional e política, feita principalmente por homens, representa suas mulheres de forma extremamente arquetípica e por meio de representações sociais do feminino. Mendes descreve que as mulheres não foram priorizadas nas escritas historiográficas (da ciência que estuda as ações do “homem” no tempo):
As mulheres eram invisíveis aos olhos dos historiadores e sua atuação desconsiderada nas narrativas históricas. Foi com as reverberações dos movimentos feministas e de mulheres na década de 1960 e 1970, que personagens femininas começaram a figurar trabalhos acadêmicos (Mendes, 2013, p. 29).
O interesse pela história feminina foi direcionado a uma abordagem específica da história que seria a de “gênero”, excluindo as vivências femininas do âmbito social, cultural, econômico, etc. (Mendes, 2013). Até mesmo as personagens mais emblemáticas e mais revolucionárias possíveis, tinham seus feitos narrados e depois eram destinadas a retornar aos seus espaços privados (o lar, lugar feminino).
Maria Ligia Coelho Prado (1999) observa isso quando analisa a participação feminina nas lutas de independência política da América Latina (narradas por biógrafos homens que se lançaram a escrever sobre a vida dessas revolucionárias), citando até mesmo uma luta de representações para formular identidades nacionais: “A constância da presença dos heróis nacionais na produção desses historiadores liga-se, de um lado, à edificação da nação e, de outro, à perspectiva dominante na época, que conferia fundamentalmente aos ‘grandes homens’ a realização dos feitos históricos” (Prado, 1999, p.30).
Sempre desumanizadas, seja para animalizá-las ou para torná-las indivíduos extremamente “divinizados” distantes da realidade humana:
Nas narrativas, a linguagem empregada evidencia os objetivos edificantes dos textos e nos apresenta um retrato de mulher ideal, construído como exemplo para as gerações futuras. As mulheres eram modestas, dedicadas, altruístas, generosas e abnegadas. Em torno delas, foi moldado um padrão de respeitabilidade a partir do qual sua vida ganhava um lugar digno na galeria das figuras nacionais [...] Suas ações respondiam aos apelos do coração [...] dessa maneira, o circuito da mulher [...] é o do coração (Prado, 1999, p. 46).
Essa discussão é importante porque a História, como forma de representação, também carrega consigo uma carga simbólica nas situações de seus fatos, semelhante às projeções feitas pelo cinema que são formuladas a partir do imaginário coletivo popular: “O que, porém, poderia ser mais objetos da História do que esta busca de sentido, este renovar incessante das tentativas de explicar alianças, enredos, desejos, intenções, do que este tecer e retecer da tessitura social?” (Pesavento, 1995, p. 25).
O mal se torna hereditário através da mulher
A habilidade que o terror tem, como gênero cinematográfico de produzir e reproduzir discursos sobre os temores e valores morais de determinada sociedade é amplamente debatido [..]. No livro ‘A Dança macabra’ (2012), Stephen King discute a capacidade do gênero de envolver multidões, abordar temores íntimos e tocar questões sociais. (Santos, 2021, p. 15).
Dentro desta perspectiva, o cinema mainstream, e outros gêneros como o terror, acabam tendo que “conversar” com um público bastante distinto e para tal feito é importante utilizar papéis sociais e personagens que já estejam sedimentados no imaginário e inconsciente coletivo (Anaz, 2020) do grande público: “A operacionalidade do gênero consiste na efetivação das normas que o regulam [...] no cinema esses papéis são exacerbados. Ou seja, se na vida real ‘performamos’ características de gênero, no cinema esses estereótipos são intensificados” (Alves; Coelho, 2015, p. 162).
Santos (2021) percebe que a presença da mulher nos filmes de terror em que analisa na sua dissertação (Hereditário, 2018; Invocação do mal, 2013; It: A coisa, 2017) é plural, indo de personagens crianças, adolescentes, adultas e idosas. Apesar desta diferença, o papel da mãe é com certeza o que se encontra em maior evidência, segundo a autora: “A presença da mãe será destacada, já que alude a segurança e proteção familiar” (Santos, 2021, p. 28).
É correto afirmar então que essas personagens assumem uma carga alegórica ao serem transportadas ao universo diegético, gerando representações desses papéis na sociedade. Ancorada nos estudos de Louro, a autora afirma:
Louro alerta que representações distintas e divergentes circulam e produzem efeitos sociais. ‘Algumas delas [...] ganham uma visibilidade e uma força tão grandes que deixam de ser percebidas como representações e são tomadas como sendo a realidade’ (LOURO, 2000, p.9). Para a autora, ‘ser homem e ser mulher constituem-se em processos que acontecem no âmbito da cultura’ (LOURO, 2008, p.2). Porém, em nossa sociedade, a norma que se estabelece, historicamente, remete ao homem branco, heterossexual, de classe média urbana e cristão. Os ‘outros’ sujeitos sociais se definirão e serão denominados a partir dessa referência. ‘Desta forma, a mulher é representada como ‘o segundo sexo’ (LOURO, 2000, p. 09) (Santos, 2021, p.23).
Retornando ao cinema de terror, dentro dos filmes analisados por Santos (2021), o Hereditário (2018) é o filme mais recente a ser lançado e também o de menor bilheteria dentre os três. Apesar disso, o seu impacto cultural é notório. O filme foi citado diversas vezes, em canais comunicativos distintos, como: “perturbador”, “marcante”, “reflexivo”, levando até mesmo o portal “Revista bula” a declarar: “o filme que os cientistas consideram o mais agonizante e perturbador da história” (Revistabula, 2024). Tornando-se, inclusive, a terceira maior bilheteria da distribuidora A24 (Ingresso.com, 2024).
Hereditário (2018) conta com uma maioria feminina no “mise in scène”, mas este mesmo quadro não se repete na produção e idealização do filme. Foram analisados aqui em três sites especializados na elaboração de críticas e resenhas fílmicas, portanto, que relatam as fichas técnicas dos filmes, sendo eles: Portal Exibidor, AdoroCinema e Filmow; e o que foi constatado é que os cargos de diretor, roteirista, produtor e produtores executivos são todos preenchidos por homens, o que pode fazer com que a narrativa se desenvolva a partir do “olhar masculino” de Mulvey e do voyeurismo de Lopes.
Segundo Carol J. Clover, o voyeurismo teorizado por Laura Mulvey pode ser facilmente observado em filmes de terror que investem significativa parte de suas narrativas, acompanhando mulheres ‘em primeira pessoa” (Santos, 2021, p.25). O principal foco do olhar diegético, a grande maioria dos personagens do filme, mas ausente da idealização do mesmo fora das telas. Alves e Coelho (2015) trazem importantes informações sobre este quadro, não só de Hereditário (2018) e outros filmes de terror, mas quanto ao cinema como um todo:
O resultado da modelagem estatística também apresentou evidências de que a probabilidade da protagonista ser mulher está associada ao sexo do diretor, do roteirista, do fotógrafo, e ao gênero do filme. Estima-se que a vantagem em favor de protagonista mulher em relação à protagonista homem é 120% maior quando a diretora é mulher do que quando o diretor é homem; e é o dobro quando a roteirista é mulher do que para um roteirista homem. Estima-se também que a vantagem em favor de protagonista mulher em relação à protagonista homem é 150% maior para filmes de ficção do que para documentários. Conclui-se que a probabilidade da protagonista ser mulher é maior quando as equipes de direção, roteiro e fotografia incluem mulheres (Alves; Coelho, 2015, p.173).
Apesar de utilizar papéis sociais “mais fáceis” de serem “aceitos” (bem recebidos) pelo grande público, por já estarem presentes na mentalidade ocidental em relação a feminilidade (mãe, filha, avó, místicas, diabólicas, sedutoras, suscetíveis ao mal, e até mesmo ele encarnado), Santos (2021) comenta o fato de essas personagens serem representações arquetípicas e não estereotipadas, de acordo com Anaz: “Os arquétipos equivalem aos personagens redondos ou complexos, sendo os bidimensionais ou planos apenas estereótipos” (Anaz, 2020 p. 263).
A proposição das personagens de Hereditário (2018) serem complexas e tridimensionais seria equivalente ao fato de, em sua maioria, elas representarem mais de um simples arquétipo. Muitas vezes, personagens como Ellen e Annie carregam códigos que remetem a arquétipos que são inclusive contrastantes entre si, o que faz suas personagens saírem da planificação do esteriótipo; tornando-as mais completas segundo as idealizações de Anaz (2020).
Em geral, a autora (Santos, 2021) observa, ao analisar as personagens femininas dos três filmes que são o objeto de sua dissertação, as seguintes conclusões:
As mulheres aparecem como protagonistas e coadjuvantes de destaque. Desempenhando papéis fundamentais no reconhecimento do mal, vítimas e heroínas por características que, tradicionalmente, identificam-nas como mulher. Também, o mal é personificado em presenças femininas [...] A família de Annie em Hereditário (2018) é vitimizada pela própria matriarca (Santos, 2021, p.14).
Apesar de “a mãe transformada em ameaça é comum aos três filmes” (Santos, 2021, p.37), acompanharemos agora o panorama teórico criado por Santos (2021) em relação aos arquétipos, observados no filme Hereditário, atribuídos às personagens femininas. Dentre as personagens do filme, serão analisadas: Ellen, Annie, Charlie, Joan e Bridget; relacionando sempre com suas representações culturais fora do espaço diegético.
Ellen Leigh
Ao iniciar sua análise sobre Ellen, que seria a matriarca da família, mãe de Annie e vó de Peter e Charlie, essa é a personagem que introduz a família Graham aos eventos que se sucederão ao decorrer do filme. A autora comenta sobre os aspectos relacionados ao estereótipo de mal-feminino, que a personagem compartilha com Annie e Charlie também. Segundo Santos: “Ela pode parecer bonita por fora, mas o mal pode residir dentro” (Santos, 2021, p. 50), a natureza feminina estava ligada ao maligno então, bonita por fora e corrupta por dentro. Todas essas concepções nos trazem a ideia de sedução e mistério, aspectos que muitas vezes, no ocidente, são associados a seitas religiosas, alegoricamente (Ceia, 1998). Importante destacarmos como a beleza, ligada à sexualidade são interligadas ao pecado da luxúria e a outros pecados de carne, altamente condenados na Bíblia: “Da mesma forma, quero que as mulheres se vistam modestamente, com decência e discrição, não se adornando com tranças e com ouro, nem com pérolas ou com roupas caras, mas com boas obras, como convém as mulheres que declaram adorar a Deus” (Bíblia, 1 Timóteo 2: 9-10).
Ellen se envolve em um culto a um demônio chamado Paimon que precisava de um hospedeiro masculino para vir à terra. Ellen se empenha nessa tarefa, e ao decorrer do filme (aos 94 minutos), vemos cenas em que sua filha Annie, vasculha retratos antigos de sua mãe e vê a mesma com um grupo de pessoas (o resto da seita a Paimon), vestindo um véu de noiva.
Figura 01: “casamento” de Ellen
Fonte: Hereditário (2018).
Na cena final do filme (120 minutos) o retrato de Ellen aparece com a reunião da seita para receber Paimon em um corpo masculino. Neste quadro a expressão “queenleigh” aparece.
Figura 02: “Queen Leigh”
Fonte: Hereditário (2018).
Quando unimos o fato de que a seita comemora Ellen vestida de noiva e depois quando alcançam o seu grande êxito a referenciarem como “Queen”, nos dá a ideia de que Ellen se “casou” com Paimon. Complementando essa ideia, durante a cena em que Annie se reúne com seu grupo de apoio emocional (que se inicia aos 19 minutos), a personagem cita um irmão que ela teve e que cometeu suicídio por problemas mentais. Na explanação, a personagem explica que Charles, seu irmão, foi laudado e “delirava” a respeito de sua mãe “querer colocar alguém dentro de seu corpo”.
Essa passagem do filme é reveladora quando entendemos toda a complexidade do filme, em que Ellen, antes de arquitetar a possessão de Charlie, tentou realizar a mesma situação em Charles. Sobre seu relacionamento com Paimon, uma das personagens mais sedimentadas na mentalidade ocidental da atrelação ao mal e monstruoso, seria a bruxa. Apoiada em Bárbara Creed, Santos (2021) comenta sobre o medo que a bruxa traz por ser uma imagem castradora aos homens, nas palavras de Creed: “A bruxa é perigosa, astuta, capaz de desestabilizar as fronteiras entre o racional e o irracional, o simbólico e o imaginário. É uma criatura abjeta, associada ao abjeto [...] que habita coisas abjetas” (Creed, 1993, p. 286).
Ela sempre é ligada a atos sexuais, sendo declaradas até mesmo no próprio MalleusMaleficarum(Kraemer; Sprenger, 2015) como pessoas que fariam sexo com o próprio demônio. O MalleusMaleficarum se torna, além de um manual de caça às bruxas, uma fonte preservada sobre a misoginia pregada na época.Em um trecho, Kraemere Sprengerexplicam por que as mulheres são mais suscetíveis ao pecado com demônios:
A razão natural para isto é que ela é mais carnal que o homem, como fica claro pelas inúmeras abominações carnais que pratica. Deve-se notar que houve um defeito na fabricação da primeira mulher, pois ela foi formada por uma costela de peito de homem, que é torta. Devido a esse defeito, ela é um animal imperfeito que engana sempre. ((Kraemer; Sprenger, 2015, primeira parte, questão VI).
O ato do matrimônio e a maternidade, este último também para a personagem Joan, prende a própria Ellen nesse campo simbólico. A maternidade dela é uma representação cultural do arquétipo da mãe castradora e da mãe má.
Como os arquétipos, idealizados e teorizados de formas e por pessoas distintas, mas principalmente por Jung (2014) e Durand (2002), são noções metodológicas utilizadas pela História Cultural que consistem em ideias de formas primárias que originam uma imagem no inconsciente que pode ser apreendida pelo consciente futuramente (e, para Durand, a vida em coletivo influencia muito essas construções de tais imagens); se apresentam como uma boa estratégia para escrever personagens completos para o entretenimento, estes precisam, para serem tridimensionais (arquetípicos, portanto), comportar mais de um deles e de preferência que se contradizem (Anaz, 2020).
Para entender o arquétipo da mãe má, precisamos discutir o que seria o arquétipo da boa-mãe. Este seria definido da seguinte forma por Sarah Arnold (2013): “Um discurso particular e popular da maternidade de que valoriza o autossacrifício, a abnegação e o cuidado” (Arnold, 2013, p. 37); associado a isto, Santos (2021) também cita Patrícia Di Quinzio que formula a idéia da “maternidade essencial”, em outras palavras, a plenitude materna que Santos (2021) coloca como: “Arnold aponta essa maternidade como naturalmente masoquista, pois o prazer da mãe deriva do autossacrifício e de sua devoção. As conquistas da mulher são determinadas pelo seu sucesso como mãe” (Santos, 2021, p. 43). Para Jung (2014) o arquétipo da mãe faz paralelo à figura alegórica medieval cristã de Maria.
A mãe má seria, então, aquela que transgrede todos esses papéis culturalmente atribuídos à maternidade: “Mãe má não é um arquétipo, mas uma construção multifacetada e contraditória. Segundo Arnold, a única característica que unifica essas representações é a rejeição pelo papel descrito dentro do modelo dominante de família nuclear” (Santos, 2021, p. 30).
A partir de tais postulações, Ellen seria negligente na execução de seu “papel materno”. Seu relacionamento com Annie era extremamente conturbado, fazendo até mesmo a filha se distanciar da mãe durante um tempo (no universo diegético: pelo menos do nascimento de Peter até a gravidez de Charlie), por a mãe ser tão controladora como era. Após a revelação final, o espectador entende que todo controle que Ellen impunha na vida da filha eram tentativas de alcançar seu objetivo final que seria trazer o seu amado à terra. Portanto, todo o controle e maldade impostosà vida de Annie podem ser interpretados como códigos simbólicos que mostram uma representação do arquétipo mãe castradora, como propõe Santos (2021).
Em poucas palavras, esse arquétipo é atribuído a personagens que controlem muito sua prole, e mais do que isso simbolizem a castração em algum sentido, que não necessariamente seria o sexual, mas pode ser entendido também como “castrar o ânimo” do indivíduo, impedindo que sua vontade seja feita, consumada ou soberana de alguma forma. Geralmente, elas “castram” (ou melhor, simbolizam um obstáculo) ao homem (ou vontade masculinas). Citando Bárbara Creed (1993), o texto de Santos (2021) nos apresenta novamente formulações que elucidam esse papel de Ellen na narrativa: “A mãe castradora retoma a vida que ela uma vez criou” (Creed, 1993, p. 306). Todo esse direcionamento e controle na vida da filha, mostra Ellen retomando a vida que ela criou, e mais que isso, já que Charles tinha morrido, a prole de Annie era seu “plano remediador” para a ascensão da entidade cultuada por sua seita.
Annie Graham
Uma vez que contribuem (arte cinematográfica e entretenimento popular) para a circulação e aplicação de normas culturais ao mesmo tempo em que as desafiam ou contrapõem [...] “isso sugere que há alguma coisa específica sobre a maternidade que é (e que torna a mulher) monstruosa” (Harrington apudSantos, 2021, p. 29).
Annie, antes mesmo de ser possuída, de acordo com a citação acima, já era monstruosa. Sendo refém de sua mãe e com todas as coisas impostas sobre sua vida, a personagem acaba reproduzindo os arquétipos de mãe castradora e mãe má na sua dinâmica com seus filhos. Ela é “negligente a este papel” (de mãe) quando até mesmo já tentou matar um de seus filhos em um episódio de sonambulismo, e é castradora com Peter e Charlie por muitas vezes impor sua vontade sob a deles; um exemplo disso seria a sequência que resultaria na morte de Charlie, que se inicia por volta dos 25 minutos de filme, em que nem Peter queria levar a irmã para a festa em que ia, como nem Charlie queria ir também.
Muitas dessas passagens e motivações dos personagens parecem ser naturais dentro do universo diegético, como a passagem que resulta na morte de Charlie, em que Annie só estava “pensando o melhor” para a menina pedindo para que ela tivesse interações sociais, mas é quando lembramos que essas representações culturais são muitas vezes alegóricas, carregam outros significados para fora do universo diegético, e a forma em que o diretor/roteirista/produtor escolhe transpor esses acontecimentos para a tela do cinema não é “inocente”, orgânica ou meramente genuína.
Apesar de tais proposições, por ser uma personagem tridimensional, Annie também carrega códigos simbólicos que a enquadrariam dentro do arquétipo de “boa mãe”, já que a personagem não tem um momento de “prazer” ou pelo menos “satisfação” dentro da narrativa do filme, isso se desconsiderarmos que o seu trabalho seja ou não para ela terapêutico, algo que não foi confirmado pela trama, dando a entender ao contrário na verdade muitas vezes durante o longa, como nos 50 minutos que vemos a personagem exausta e com bloqueios criativos:
Figura 03: Annie exausta ponderando se deveria adiar o prazo da entrega de seu serviço à galeria
Fonte: Hereditário (2018).
Ainda segundo Santos, baseada em Sarah Arnold (2013): “O terror não encontra formas alternativas de representação positiva da maternidade fora da maternidade essencial” (Santos, 2021, p. 43).
Para comentarmos um pouco mais a abnegação e o masoquismo em exercer as funcionalidades da “boa mãe”, precisamos comentar sobre as postulações de Robert Stam (2003) que categoriza o olhar cinematográfico em três tipos: o olhar da câmera (que registra tudo ao seu alcance), o dos personagens (dentro do universo diegético) e, finalmente, o olhar do telespectador (que acompanha a narrativa de fora).
Dentro das perspectivas dos três olhares, percebemos a personagem como esse padrão de “altruísmo” dentro da narrativa, protegendo até mesmo os personagens masculinos de seus verdadeiros sentimentos, que ela exibe em um momento narrativo muito oportuno que são os 56 minutos, na famosíssima cena do jantar da família Graham. O que é interessante de ser analisado é que, neste ponto da narrativa, a personagem já estava envolvida em situações envolvendo o misticismo, o que, segundo Creed: “possessão se torna desculpa para legitimar uma exibição de comportamentos femininos aberrantes que são retratados como depravados, monstruosos e abjetos – e perversamente atraentes” (Creed, 1993, p.164), O que justificaria a mudança de conduta da “boa mãe”.
Em sua dissertação, Santos (2021) comenta que um dos primeiros passos de uma possessão, representada em filmes de terror, seria a persuasão por parte do espírito que deseja aquele corpo. Annie vinha recebido muitos desses sinais até o jantar, durante a narrativa do filme.
Annie então é possuída pela entidade que, na verdade, busca por Peter. Santos afirma que por ser o “gênero” errado (Santos, 2021), as mulheres da família Graham perdem a identidade ao serem receptáculos de Paimon, fazendo alusão à situação alegórica de Ellen, Annie e Charlie serem decapitadas.
O que é mais interessante sobre essa personagem no filme é o que Santos traz em seu quarto capítulo em relação aos olhares fetichistas e sádico-voyeuristas lançados sobre as principais personagens femininas de seus três filmes analisados (Santos, 2021). No primeiro olhar, a autora vai comentar muito mais da narrativa de Bridget e de outras personagens nos demais filmes, mas quando ela passa para a análise do olhar sádico-voyeuristico, a personagem Annie lidera as análises.
Santos (2021) avalia toda a dor e sofrimento corporal e emocional que a personagem está inserida, desde a cena (19 minutos) do desabafo no grupo de apoio em que ela cita o sofrimento pela morte do pai, do suicídio do irmão e lamenta a distância da mãe, até mesmo a própria animalização da personagem em sua possessão e depois sua auto-decapitação (115 minutos).
Figura 04: Annie se decapita
Fonte: Hereditário (2018).
Charlie Graham, Joan e Bridget
Bridget, das personagens analisadas, seria a que teve menos tempo de tela a ser exibida, e mesmo assim são atribuídos mais de um arquétipo a personagem, como jovem/adolescente (Anaz, 2020) e também castradora: “promove emasculação [...]. É ameaça à masculinidade” (Santos, 2021, p. 32-33). A personagem também sofre com a lente fetichista, não só do olhar do espectador, mas dentro do universo diegético também, apontadas por Santos, a partir de suas cenas, como aos 14 minutos em que Peter a cobiça sexualmente.
Charlie sofreria também do olhar sádico-voyeurista do espectador, assim como sua mãe, em que a personagem é vista muitas vezes sofrendo e tendo suas vontades frustradas pela “mãe castradora”. Charlie e Paimon são a mesma coisa (Buzzfeed, 2018), a criança já nasceu possuída devido ao culto de sua avó. Com o passar da narrativa, aos 13 minutos de filme, Santos mostra a evidência da manipulação de Ellen até o nascimento de Charlie, quando a cena em que Annie reproduz a avó amamentando a neta em suas miniaturas.
Figura 05: Annie reproduz a cena em que Ellen amamentava Charlie
Fonte: Hereditário (2018).
A personagem feminina, portanto, se enquadra em todos os códigos simbólicos das representações culturais de “mal-encarnado”, literalmente. “No cristianismo o ‘feminino, particularmente o materno, é construído como impuro especificamente em relação à menstruação e ao parto” (Creed, 1993, p.164).
Abordando um pouco mais as questões semióticas, Santos (2021) fala sobre como EienneSamain (2012) trata de uma imagem que muitas vezes representaria um outro significado diferente daquele que ela iria ter sozinha sem a sua contextualização.Estendemos essa contribuição da autora ao filme e lembramos de dois acontecimentos/ações que remetem à Charlie/Paimon, que são: a luz, que significa a presença do sobrenatural dentro da narrativa, assim como os pombos podem ser mensageiros do sobrenatural (Buzzfeed, 2018), e também os “estalos” que Charlie fazia com a boca, representados nas imagens a seguir:
Figura 06: A “luz” encontra o corpo de Peter jogado no chão após se arremessar da janela
Fonte: Hereditário (2018).
Figura 07: Peter “estala” a língua na boca, assim como a personagem Charlie fazia
Fonte: Hereditário (2018).
Joan é uma personagem que tem muito do “feminino monstruoso” também, já que: “Creed observa que os poderes sobrenaturais das bruxas estão ligados ao seu sistema reprodutivo – por vezes o ciclo menstrual ou a maternidade” (Santos, 2021, p. 45). Vemos a personagem realizando rituais religiosos em dois momentos do filme, nos 90 minutos, em que Annie a procura e a mesma não atende a porta, e na sequência final do filme (aos 120 minutos):
Figura 08: Mesa ritualística na casa de Joan
Fonte: Hereditário (2018).
Figura 09: Coroação final de Peter/Paimon conduzida por Joan
Fonte: Hereditário (2018).
A personagem está ligada ao misticismo desde o momento em que “converte” Annie a ser adequa às mesmas práticas no universo diegético. O mais interessante de se pensar é que o “motivo” (levando em consideração que a personagem não mentiu) que fez tanto Joan, como posteriormente Annie, se envolverem em práticas místicas, de minorias religiosas (tradicionalmente conhecidas como seitas), foi justamente a maternidade e a relação que buscavam ter com seus filhos perdidos; concluindo que “seus poderes” são atrelados à maternidade, parte do ciclo reprodutivo feminino.
A personagem ainda aparece como uma tentação, mas não para Annie, dessa vez para Peter, enquadrando-a no arquétipo da personagem feminina/obstáculo seduzente para o personagem. De forma indireta, ela tenta adiantar os planos do culto tentando fazer com que Peter “saia” (no caso, de seu corpo) e dê espaço para a entidade, “convertendo” o corpo do garoto ao culto, por volta dos 92 minutos de filme:
Figura 10: Joan sendo observada e ouvida por Peter na escola
Fonte: Hereditário (2018).
Considerações finais
Com todas as formulações apresentadas, concluímos que as representações culturais codificadas alegoricamente, em outras palavras “transportadas” às telas do cinema, são arquétipos femininos depreciativos elaborados ao longo da história ocidental. O cinema como entretenimento acabou invadindo o cotidiano das pessoas e ensinando às mesmas, “padrões” normatizadores de tempos pretéritos de longa duração que tendem a ser seguidos pelos espectadores.
As narrativas fílmicas acabam influenciando a subjetividade e o imaginário das sociedades que consomem tais filmes. É importante lembrar que atualmente, no sistema de distribuição de filmes hollywoodianos, e se você for contemporâneo aos lançamentos, a sociedade que produz torna estas produções como produtos culturais que são feitos pensando em um fim ideológico, econômico e político especifico.
O cinema se tornou um palco de embate de narrativas e discursos, e com o impacto cultural que a sétima arte alcançou, influencia todo o cotidiano e a política de quem o consome. Por isso tantas cineastas do cinema feminista abordam as temáticas de restruturação decolonialda sétima arte, com novas formas de enredo, cortes de cenas, perspectivas das histórias contadas, iluminação, trilha sonora, a forma como a narrativa é contada (fugindo da lógica começo-conflito-fim, tradicionalmente masculina e sem ousar transgredir o monomito), que consigam ultrapassar os paradigmas estabelecidos pelo cinema feito por homens (Alves; Coelho, 2015).
Kamita (2017) comenta sobre o descaso que as mulheres vêm sentindo em produções da sétima arte, não participando de forma efetiva ainda nem na frente e nem por trás das câmeras. Sem dúvidas, até porque contabilizamos neste trabalho muitos exemplos em que isso acontece também na historiografia, esse apagamento é histórico e político. Mesmo as primeiras produtoras/diretoras/roteiristas registrando que estavam realizando marcos históricos em serem as primeiras mulheres a fazerem um filme, não tiveram suas obras conservadas e restauradas, sendo muitas delas ainda perdidas ou queimadas em incêndios (da elaboração do MalleusMalleficaum e da santa inquisição, o que mudamos de lá para cá?).
Esse comprometimento com (o cuidado com) as representações femininas deve ser de toda a sociedade e não apenas das mulheres, mas principalmente dos homens por serem os responsáveis pela perpetuação do patriarcado. Santos cita a socióloga Gaye Tuchman para expor algo extremamente preocupante em relação a representação e representatividade no cinema:
Faz um estudo sobre o que ela chamou de aniquilação simbólica: a condenação, banalização ou ausência de determinados grupos de sujeitos sociais, neste caso específico, das mulheres, nos produtos culturais de massa. Tuchman argumenta que ‘a representação no mundo ficcional simboliza ou significa a existência social’ (TuchmanapudSantos, 2021, p. 22).
A representação cultural então não pode vir de um olhar tão cerceador quanto o olhar masculino (Mulvey, 1983). O cinema feminista, e principalmente suas teóricas, são bons norteadores teórico-culturais para uma revolução da forma em que os gêneros são representados em produções cinematográficas a serem estudados/produzidos/consumidos não só por criadores de entretenimento, mas da sociedade ocidental como um todo, já que: “Não basta produzir um filme em bases diferentes, é necessário que haja uma sintonia em relação àqueles que assistem a essas produções sob um novo olhar” (Kamita, 2017, p. 1395).
Para que o pensamento comum comece a ser adepto a outros modos de se fazer cinema, e principalmente representar mulheres, dentre outras coisas, mas já é um bom primeiro passo, precisamos representá-las nas pluralidades que são, distorcendo velhas óticas e conceitos impostos às figuras femininas, e isso só é possível com a participação de mais mulheres no cinema, não só como atrizes, mas também com o trabalho de criação e produção do filme. Morettin afirma:
O autor entende que a principal distinção nos filmes de reconstituição histórica não está na oposição entre ‘os filmes nos quais a história é o quadro’ e os ‘filmes nos quais a história é o objeto (...), pois a verdade das aproximações em história é infinita’. A diferenciação se faz entre aqueles que se inserem nas ‘correntes de pensamento dominantes ou minoritárias – e aqueles que propõem, ao contrário, um olhar independente, inovador sobre a sociedade (Morettin, 2003, p. 31).
Mesmo não sendo um filme de reconstituição histórica, mudando apenas o gênero fílmico, é interessante pensar o alinhamento político a um olhar transgressor em filmes hollywoodianos, principalmente os que se utilizam muito de “conceitos comuns” como o humor e terror, Hereditário (2018), por exemplo.
Apesar da criatividade do diretor Ari Aster de brincar com o estereótipo que conhecemos hoje como “família nuclear”, declarando até mesmo que a história do filme Hereditário (2018) tem sim um “HappyEnd” para a família de Ellen, a verdadeira família da personagem, que no caso seria sua seita (minoria religiosa), quando conseguem seu plano final de finalmente trazer Paimon à terra, comemoram juntos na casa da árvore da família Graham (Buzzfeed, 2018).Ele, infelizmente, não ousa nas representações culturais arquetípicas dos papéis femininos dispostos no filme, pelo contrário, vimos até mesmo um “reforço” dos mesmos.
Bridget é o objeto de desejo de Peter e todas suas aparições giram em torno dela ser seu interesse sexual. Joan é uma “bruxa completa” com ritos e manifestações religiosas voltadas ao misticismo ligados à sua questão maternal. Ela é quem repara a distância que Ellen deixou da família, após a sua morte, e vai “seduzindo” os Graham para dentro do circuito do rito à Paimon. Charlie, o mal encarnado, é o “corpo errado” de Paimon que acaba sofrendo de sua mãe castradora e da influência da entidade, sendo até mesmo decapitada. Por fim, Annie, como boa mãe, má mãe, mãe castradora e mal encarnado, é cerceada e acompanhada do olhar sádico-voyeuristico em toda a narrativa.
Ellen seria a mulher mais autônoma e “dona do próprio destino”, que não está presa ao condicionamento da maldição, mas ela é quem insere sua família na maldição, atrelando à personagem ao mal. Todas suas ações e desejos são condicionados ao seu comprometimento com seu objetivo final: trazer o seu amado demônio a terra.
Em relação a estas representações arquetípicas das personagens e quando associamos aos olhares postulados por Mulvey (1983), sádico-voyeurista e fetichista, dos espectadores em relação às personagens femininas da narrativa cinematográfica; trazendo ao debate também as perspectivas do filme Hereditário (2018) em relação aos olhares postulados por Robert Stam (2003), câmera, diegético e espectador, podemos encontrar possíveis explicações para o grande sucesso e impacto cultural do longa.
Hereditário (2018) apresentou para a sociedade contemporânea apenas os papéis, e principalmente suas representações, que o ocidente vem historicamente criando. Reforça a ideia do olhar masculino, tanto de quem consome quanto de quem produz (e produz quanto produto cultural), postulada por Laura Mulvey. Kornis afirma: “A imagem não ilustra e nem reproduz a realidade, ela a reconstrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num contexto histórico” (Kornis, 1992, p. 238).
Ainda de acordo com a autora: “É preciso reconhecer que há uma manipulação ideológica prévia das imagens, assim como uma articulação da linguagem cinematográfica com a produção do filme e seu contexto histórico” (Kornis, 1992, p. 239), mais uma vez se apresentando como uma alternativa para explicar o tamanho sucesso do filme, já que a sociedade que o produziu é a mesma que o consome (Ferro, 1992).
Como afirma Kamita (2017), o entretenimento tem que se tornar um aliado das mudanças da imagem inferiorizada da mulher. “Nossa Tarefa ao assistir aos filmes de Hollywood é, portanto, desmascarar as imagens, o signo da mulher, para ver como funcionam os significados subjacentes aos códigos” (Kaplan, 1995, p. 38).
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Aceito em 15/12/2024.
[1]Graduando em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Brasil. E-mail: iuri.furini@aluno.uece.br| https://orcid.org/0009-0001-7512-3772
[2]Graduanda em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Brasil. E-mail: evelane.oliveira@aluno.uece.br | https://orcid.org/0009-0001-6329-7943
[3]Pós Doutor em História Medieval pela Universidade do Minho (UMINHO). Professor de História Medieval e coordenador no curso de História na Universidade Estadual do Ceará (UECE). Brasil. E-mail: gleudson.passos@uece.br | https://orcid.org/0000-0002-3674-9254
[4] Contexto que ocorre dentro da trama.
[5] Relativo à ou próprio da técnica dramática que faz uso de exposição dialética e clara, linguagem inteligível e concentração de todos os meios teatrais, visando transmitir uma visão cívica, anárquica, proletária ou revolucionária, ou obrigar a uma reflexão, lançando mão, ademais, de projeções, de canções cujas letras acompanham as ações, de narração lenta dos episódios e de iluminação intensa.