Jornal escolar como lugar de entrecruzamentos de práticas, memórias e culturas (Santa Catarina, década de 1940)
School newspapers as loci for the interconnection of practices, memories and cultures (Santa Catarina, 1940s)
CristianiBereta da Silva[1]
Resumo
Jornais escolares, salvos das sanhas do tempo são memórias arquivadas das escolas, das suas práticas e sujeitos. O Anjo da Guarda, assinado por estudantes (com mediações e interferências docentes), publicado entre 1942 e 1951, é uma materialidade com memória do Grupo Escolar Padre Anchieta, de Florianópolis. Este artigo apresenta o jornal e o contexto de sua produção e objetiva refletir sobre dimensões das práticas e culturas escolares, históricas e políticas em suas páginas manuscritas e caprichosamente ilustradas. Compreende-se que este documento pode ser capaz de informar singularidades próprias a cultura escolar, ainda que sob o âmbito da prescrição. Seus textos, notas e imagens são vestígios das relações estabelecidas entre a Igreja Católica e o Estado catarinense na escolarização da infância. Neles também se pode observar leituras do passado e expectativas do futuro em meio ao projeto político de nacionalização, levado a cabo desde as primeiras décadas do século XX, recrudescido no Estado Novo e reverberado nas décadas seguintes.
Palavras-chave:Jornal escolar; Memória; Cultura política.
Abstract
School newspapers, saved from the ravages of time, are records of school memories, of its practices and subjects. Student-penned, teacher-supervised school newspaper Anjo da Guarda, published from 1942 to 1951 at Padre Anchieta, a school group based on Florianópolis (capital city of the Brazilian southern state of Santa Catarina), is one such school memory record. This paper presents the newspaper and its context of production and reflects on how the school’s cultures and practices interconnected with historical and political dimensions in the handwritten and beautifully illustrated pages of the school newspaper. This document is viewed as capable of informing school-culture singularities, albeit under control. Its texts, notes and images are traces of the relations between the Catholic Church and the state of Santa Catarina in child education, where readings of the past and expectations for the future are noticeable in the midst of the political nationalization project afoot since the first decades of the 20th century, intensified in the late 1930s with Estado Novo and echoed in the following decades.
Keywords: Schoolnewspaper; Memory; Schoolculture; Politicalculture.
Memória e jornais escolares: algumas questões à guisa de introdução
DATAS MEMORÁVEIS
1929 – O Exmo. Sr. Arcebispo comprou uma casa na Pedra Grande e fundou a escola São Luiz.
Janeiro de 1934– A escola passou a Grupo Escolar Arquidiocesano Padre Anchieta.
19 de março de 1935 – Inauguração do Retrato do Padre Anchieta com a presença de Sua Excia. Revma.
Maio de 1936 – Construção do novo prédio escolar.
3 de maio de 1940 – Professoras e alunos prestam homenagem ao Sr. Arcebispo colocando o retrato de Sua Excia. no gabinete da diretora; aderiu a solenidade a Exmo. Interventor Dr. Nereu.
1º de setembro de 1940 - Dia triste...
31 de maio de1941– Viva! Surge o novo prédio. Benção do edifício. 3 retratos ilustres, 3 patronos (Orleans, 1942, p.17. Destaques do Original)[2].
O estudante Carlos Orleans é o repórter da seção chamada “Nós”, do 2º ano X, do jornal escolar Anjo da Guarda, de maio de 1942. Nela, as “datas memoráveis” do Grupo Escolar Arquidiocesano Padre Anchieta ganham destaque e merecem, inclusive, o adorno de uma fotografia da inauguração do novo prédio, um ano antes.
Figura 1: “Datas Memoráveis”
Fonte: Datas, Anjo da Guarda, 1942, p.17.
Frações recortadas, intervalos de tempo, datas são índices de memória. Neste caso, da escola, desde a sua fundação. Os três patronos citados são o presidente Getúlio Vargas, o Arcebispo Metropolitano, D. Joaquim Domingues de Oliveira, e o interventor estadual, Nereu Ramos. Ao lado de Padre Anchieta, são os personagens destacados no jornal entre 1942 e 1948. Referências a santos, hagiografias e acontecimentos ligados à Igreja Católica, se mesclam aos políticos locais ou nacionais e ocupam espaço junto a heróis e efemérides cívicas. As histórias narradas no Anjo da Guarda, todas manuscritas, com ilustrações feitas com lápis de cor ou por meio de colagens variadas, incluindo fotografias como se pode observar na Figura 1, registram singularidades próprias à escola e aos seus sujeitos. Informam também dimensões das relações estabelecidas entre as culturas escolar, histórica e políticas expressadas em ritos cotidianos de um tempo passado.
A pesquisa “Jornais escolares como culturas de memória: vestígios de presentes passados entre práticas culturais e políticas”[3] considera esses materiais patrimônio histórico-educativo, memórias tangíveis das escolas do passado (Silva, 2020b). Nessa acepção, podem ser pensados como “restos da escola”, ou seja, “materialidades com memória” (Escolano Benito, 2017, p.227). Como fontes históricas, são “memórias arquivadas”, primeira etapa da operação historiográfica tratada por Paul Ricoeur (2007). Tais articulações não deixam dúvidas das referências cruzadas entre memória e história, neste artigo. Desde a emergência do problema da memória como preocupação histórica, na década de 1970 (Brefe; Nora, 2010), os historiadores têm se dedicado em compreender as relações entre memória e história, marcando suas diferenças e, algumas vezes, estabelecendo oposições. “Memória e história se opõem”, já afirmou Jean-Pierre Rioux (1998, p.308). Sem pretensões de participar desse debate especificamente, parto do pressuposto de Paul Ricoeur (2007, p.100) de que a memória é matriz da história no sentido de que ela “continua sendo a guardiã da problemática da relação representativa do presente com o passado”. Para esse filósofo, memória e história são esferas distintas, mas irremediavelmente entrecruzadas, a começar porque compartilham um objeto comum: o passado. Por regimes diferentes ambas constroem representações sobre ele. Todo e qualquer documento histórico preservado encerra, em sua natureza, a lembrança do ocorrido, encerra o testemunho de sujeitos individuais e coletivos do passado.
Alguns dos testemunhos preservados, escolhidos como relevantes por operações variadas, que incluem relações de poder, passam pela etapa de arquivamento, são legados ao futuro. “Será preciso, contudo, não esquecer que tudo tem início não nos arquivos, mas com o testemunho” (Ricoeur, 2007, p. 156). O problema da fidelidade da memória é onipresente, contudo, pensar nas “deficiências ou fraquezas da memória” não anula o fato de que historiadores não possuem outro recurso em relação ao passado, senão a própria memória. Não temos nada melhor que ela “para significar que algo aconteceu, ocorreu, se passou, antes que declarássemos nos lembrar” (Ricoeur, 2007, p.40). Na operação historiográfica, passo irrenunciável é o confronto dos testemunhos para se lidar com a memória. E, nesse processo, faz bem reconhecer que seja como operação cognitiva ou como prática, a memória não é subordinada à história. Por sua vez, a história não é, e nem poderia ser, subordinada à memória. Ambas possuem suas próprias dinâmicas de elaboração e de autonomia, portanto. Passado e tempo histórico são diferentes. O passado é o referente último e exclusivo da memória, já a história apreende um passado histórico, irredutivelmente orientado por três posições temporais: a do passado em que se situa o ocorrido; o intervalo de tempo entre este passado e a posição temporal do historiador e, por fim, o tempo da escrita. O Anjo da Guarda contém representações de um passado que já não existe, mas que chega ao presente como vestígios dele. As perguntas feitas a este documento devem considerar as variações dos tempos e espaços que ele conserva, tanto quanto as variações do tempo e espaço em que eu, como historiadora me situo, no presente, ao escrever este artigo.
O Grupo Escolar Padre Anchieta deu origem à Escola Estadual de Educação Básica Padre Anchieta, localizada bem próxima ao antigo prédio de sua fundação, em 1929, na mesma rua Rui Barbosa[4], em Florianópolis. A instituição não conseguiu preservar os jornais escolares produzidos neste período ou outros documentos históricos da época. Segundo Diana Vidal (2005), em geral, as escolas preocupam-se em guardar documentos com valor comprobatório da vida escolar de estudantes e docentes. Mesma atenção não é dada à documentação histórica. Certamente que existem razões práticas para isso, pois guardar e preservar documentos exigem, no mínimo, espaço físico, condições técnicas e recursos humanos. Mas também se sabe que documentos do fazer ordinário da escola, como livros didáticos considerados “antigos”, “desatualizados” e atividades de escrita variadas, que incluem jornais escolares, muitas vezes foram (e são) descartados por não serem compreendidos como importantes para serem legados ao futuro.
Os jornais inventariados na pesquisa, a qual este artigo constitui parte dos seus resultados, são capazes de informar sobre práticas escolares do passado, mas também experiências que transcendem o espaço educativo. Muitos jornais trazem aniversários, casamentos, nascimentos e mortes das pessoas da comunidade como “notícias sociais”. Também descrevem a própria comunidade, quantas casas têm, como é o rio ou a estrada, como é a escola, a igreja etc. Noticiam secas, fortes chuvas, ataque de gafanhotos e até as epidemias que as assolam, como o sarampo, mas, a maior parte, claro, trata da escola, suas práticas e seus sujeitos. Trazem textos, notas e imagens (desenhadas ou coladas) que narram atividades variadas do cotidiano escolar, tais como festividades, homenagens, poemas recitados ou cantos ensaiados, livros lidos, exercícios praticados, prêmios recebidos em competições, nomes listados como distinção de honra e mérito nas classes etc. Ainda que de forma prescrita e controlada pelos docentes, há muitos exemplos de que os estudantes participavam do processo de sua elaboração.
Estas práticas são aqui compreendidas como vestígios da cultura escolar. ViñaoFrago (2008) a define como “toda a vida” de uma determinada instituição educativa. Há o destaque aqui para a singularidade, pois o conjunto de teorias, princípios, normas, rituais, práticas, inércias etc. consolidadas ao longo do tempo, em forma de tradições, regularidades e regras prescritas ou não ditas, são compartilhadas pelos sujeitos que fazem parte de uma determinada escola, num determinado tempo. É no interior da escola, em sua própria realidade, portanto, que processos e políticas, que lhe são exteriores, são apropriados, e que podem não corresponder necessariamente aquilo que foi postulado, prescrito (Escolano Benito, 2017).
No Estado Novo, com reverberações posteriores, as culturas política e histórica ganharam particular relevância.Ângela de Castro Gomes (2007, p.49) chama a atenção para o grande investimento feito no Estado Novo, em estabelecer “uma cultura política nacional” por meio de relações com as “iniciativas estatais de política cultural”. Nesta articulação a cultura histórica emerge como “dimensão constitutiva e estratégica da cultura política”. Ancorar o presente no “passado como tradição” fazia parte de “um esforço consciente e avultado para redescobrir esse ‘passado histórico’ enquanto realidade fundamental para a compreensão da nação” (Gomes, 2007, p.57).
Cultura política é um “fenômeno plural” que se refere a sistemas complexos de representações coerentes ou rivais entre si, que determinam a compreensão dos sujeitos sobre a organização da sociedade na qual tomam parte, dos sistemas de poder, dos comportamentos políticos etc. (Berstein, 2009, p.32).Expressada tanto individualmente quanto coletivamente é uma cultura compartilhada, sujeita a mudanças, adaptações e que emerge num dado momento, em resposta a problemas enfrentados pela sociedade e para as quais apresenta soluções. Esta resposta constrói-se também por meio de leituras do passado voltadas a futuros. Se se compreende a cultura histórica de uma forma mais abrangente, como proposta por JörnRüsen (2009), ou seja, como a manifestação do passado, no espaço público, épossível observar algumas articulações entre as culturas escolar, histórica e política nas páginas do Anjo da Guarda. Heróis, comemorações cívicas, eventos sacros e profanos, são os substratos das histórias ali narradas. É comum que se busque no passado referências que podem ser mobilizadas como exemplares. Certamente que não é qualquer passado, mas sim aquele em que se forja uma continuidade com o presente, como uma tradição capaz de justificar decisões em meio a disputas e litígios sobre projetos de sociedade, de futuro.
Para enfrentar esta discussão trabalhei com oito exemplares publicados entre 1942 e 1948[5], ultrapassando, portanto, a especificidade da conjuntura política estadonovista:
Quadro 1: Exemplares localizados do jornal Anjo da Guarda no APESC
Anos |
Mês de publicação |
Exemplares |
Páginas |
1942 |
n.1 mar. n.2 mai. |
2 |
16 e 28 |
1943 |
nov. |
1 |
22 |
1944 |
n.5 mai. |
1 |
16 |
1946 |
abr. n.7 mai. |
2 |
12 e 16 |
1947 |
abr. |
1 |
16 |
1948 |
n.17 nov. |
1 |
24 |
Fonte: Elaborado por CristianiBereta da Silva.
Para o “confronto dos testemunhos” foram selecionadas outras fontes históricas do período. Todos os documentos da escola citados foram encontrados no Arquivo Público do Estado de Santa Catarina (APESC)[6]. Eles são provenientes do Departamento de Educação e ficaram sob guarda e preservação no arquivo, provavelmente quando este foi criado, em 1960[7].Estão no fundo nomeado como “Escolas/Grupos Escolares”. Nele, além dos jornais, estão também relatórios de inspeção, de reuniões pedagógicas, de funcionamento das associações auxiliares da escola e atas diversas de escolas catarinenses.
O artigo está organizado em duas partes. Na primeira o objetivo é apresentar o Grupo Escolar Padre Anchieta e o contexto de produção de seu jornal. Na segunda parte explorar-se-á o Anjo da Guarda com o objetivo de observar dimensões dos entrecruzamentos das culturas escolar, histórica e política nas práticas narradas ali.
Uma escola católica na ilha de Santa Catarina
A Escola São Luiz foi criada em 1929. Sua concepção fez parte de um conjunto de mudanças nas práticas sociais, políticas e culturais em Florianópolis, em curso desde o final do século XIX. A preocupação com a modernização e o progresso aceleraria transformações urbanas importantes na cidade, cujo marco foi a construção da ponte Hercílio Luz (inaugurada em 1926). Ainda neste contexto a importância da educação, e por sua vez, das escolas em instruir as crianças, ensiná-las sobre a ordem e o civismo sob a lógica republicana, ganharia centralidade nos discursos de políticos e intelectuais. Já no campo religioso foi um período de substituição das práticas do catolicismo “luso-brasileiro” pelo catolicismo “romanizado” (Dallabrida, 2005). Durante o século XIX, as “irmandades leigas, com suas respectivas igrejas, congregavam diferentes camadas da sociedade local e eram administradas por mesas diretoras formadas por leigos”. A posição ocupada pelos padres, nestas práticas, era secundária. Isso mudaria paulatinamente, dando lugar ao chamado “catolicismo romanizado”, pautado em “produzir fiéis disciplinados, piedosos, submissos à hierarquia clerical e civil, e praticantes dos sacramentos, ministrados exclusivamente pelo clero” (Dallabrida, 2005, p.104).
Até a década de 1920, o padre alemão Francisco Xavier Topp foi o principal articulador da romanização do catolicismo em Florianópolis, reestruturando práticas católicas, desde as administrativas até as pastorais. Sob sua liderança, congregações religiosas europeias atuaram, “particularmente, na fundação de escolas, com o intuito de afirmar a intervenção social da Igreja Católica e fazer frente à laicização do sistema escolar público” (Dallabrida, 2005, p.104). Nesse movimento, além dos cursos secundários voltados às famílias mais ricas, parte do clero e congregações investiram na instrução daquelas consideradas “desfavorecidas”, criando cursos primários, principalmente nas paróquias.
Em 1915, nos primeiros meses do episcopado de D. Joaquim Domingues de Oliveira, foi criada a Escola São José, no bairro da Figueira[8], tendo como primeiro diretor o Padre Luiz Schüller. Em 1929, em terreno adquirido pela Mitra Metropolitana no bairro Pedra Grande, começa a funcionar a Escola São Luiz, instalada junto à provisória Capela de São Luiz. Ambas as instituições fundadas com a mesma finalidade: atender aos mais “desfavorecidos”, dentro dos princípios católicos (Dallabrida, 2005). Esta segunda escola teve como primeiro diretor o padre Frederico Maute, professor do Ginásio Catarinense.Administrativamente era uma unidade anexa ao Grupo Escolar Arquidiocesano São José. Dirigidas pelo arcebispado, mas subsidiadas pelo Estado, que inclusive pagava os salários dos diretores, docentes e demais funcionários. Na década de 1940 foram incorporadas à administração estadual, que passou a pagar o aluguel dos dois prédios em que elas funcionavam, à Mitra Metropolitana[9].
Inicialmente, escola e capela compartilhavam a mesma casa, de número 64, à rua Frei Caneca, em Pedra Grande. Virgílio Várzea (1984, p.55), em seu livro sobre a Ilha de Santa Catarina, publicado em 1900, descreve o “arrabalde Pedra Grande” destacando sua longínqua localização em relação ao centro “quase uma légua do coração da cidade”. No final do século XIX, começariam a ser construídas as primeiras chácaras de propriedade das famílias mais ricas, destacando-se a casa do comerciante português Joaquim Manoel da Silva, de 1879[10]. Na colina, em direção ao interior, ocupavam os pequenos sítios, com criação de animais e cultivos de hortaliças. O nome Pedra Grande, segundo Virgílio Várzea (1984, p.55), vinha desde os “tempos primitivos” e devia-se a um “monólito redondo, elevando-se do seio d'água como um zimbório maciço, à esquerda de quem vai de São Luís (cais)”[11].
Em mapa do centro da cidade, de 1920[12], observa-se que os bairros urbanos tradicionais se localizavam no entorno da Catedral, irradiando-se em direção à baía Sul.Já na baía Norte, em direção às “planícies do Itacorubi” e a “freguesia da Trindade”, situavam-se, nesta ordem: os bairros Praia de Fora, Mato Grosso, São Luiz e Pedra Grande. Praia de Fora e Mato Grosso foram descritos como os “mais chiques” e ocupados pela “aristocracia” da cidade por Virgílio Várzea (1984). Eram áreas rurais que se tornaram gradativamente, a partir do final do século XIX, vetores da expansão urbana das famílias mais ricas, que ali construíram suas chácaras. No presente correspondem ao perímetro no entorno das ruas Esteves Junior, Trompowsky e Bocaiúva, habitado por famílias ricas até o presente (Pozzo, 2010). São Luiz e Pedra Grande, eram áreas afastadas do centro urbano e que no presente compreendem o bairro da Agronômica.
Em 1933, a capela provisória deu lugar à construção da Igreja Nossa Senhora de Lourdes e São Luiz e a escola ganhou prédio próprio, ao lado.
Figura 2: Igreja Nossa Senhora de Lourdes e São Luiz e o prédio onde funcionou o Grupo Escolar Padre Anchieta, até julho de 1970[13]
Fonte: Fotografia da década de 1970. Autor desconhecido. Acervo pessoal de Maria de Lourdes Santos.
Na Figura 2 é possível observar a igreja e o centro social, onde a escola funcionou até julho de 1970. Com a melhoria das instalações e já contando com 243 alunos matriculados, em 1934, foi desanexada do Grupo Escolar Arquidiocesano São José e equiparada aos grupos escolares de segunda classe[14], com a denominação de Grupo Escolar Arquidiocesano Padre Anchieta (Folha oficial, 1934, p.5). Em março, deste ano, o jornal República noticia a inauguração do novo grupo:
Será também amanhã às 10 horas inaugurado solenemente o Grupo Escolar Padre Anchieta, no pitoresco arrabalde de Pedra Grande, ao lado da capela de São Luiz Gonzaga. A essa solenidade comparecerão as altas autoridades no Estado, sendo que, por ocasião, será realizada uma festa escolar (Grupo, 1934, p.2. Grifos meus).
Na época Pedra Grande era considerada área rural. As instalações da Escola São Luiz não se comparavam aos dos outros três grupos escolares existentes na capital: Lauro Müller, Silveira de Souza (públicos) e o Arquidiocesano São José. Contudo, é de se supor que havia razões objetivas e simbólicas que oportunizaram que a escola fosse equiparada a um grupo escolar, mesmo que de segunda classe, naquele momento.
No campo educacional as primeiras décadas do século XX foram marcadas por transformações importantes. Na década de 1930, as matrículas no primário aumentaram 30%. Sua expansão mirava as camadas populares, pois os discursos apontavam para a necessidade de educá-las, civilizá-las para o progresso da nação.Em 1931, a Reforma Francisco Campos tornou os exames de admissão ao ginásio obrigatórios e regulados nacionalmente, o que significou, na prática, em operações de seleção e exclusão de milhares de crianças que não conseguiam ser aprovados nas provas. Cursar um primário que poderia dar acesso ao secundário (ou seja, que preparasse aos exames) se tornou expectativa daqueles que passaram a significar a continuidade dos estudos como fundamental para o acesso a postos de trabalhos reconhecidos socialmente, com melhores salários (Silva, 2020a).
As escolas isoladas, que majoritariamente ofertavam o primário, sobretudo nas áreas rurais, eram associadas ao Império, ao “atraso”. Já a modernidade, aos grupos escolares, “templos da civilização”, “vitrines da República” (Gaspar da Silva; Teive, 2009, p.32). Muitas famílias, mesmo as mais pobres, atingidas por estes enunciados e práticas, foram instadas a acreditar na necessidade da escolarização como prerrogativa das promessas de futuro que o projeto republicano encampava. Além disso, era distintivo realizar o primário em um grupo escolar, em vez de uma escola isolada, que carregava a insígnia do atraso. Estas projeções certamente interessavam as famílias dos estudantes da Escola São Luiz e conviriam as práticas da Igreja Católica, em sua cruzada de civilizar e produzir fiéis disciplinados. De todo o modo, promover a Escola São Luiz a grupo escolar foi mais um indício da aliança entre Igreja Católica e Estado. O fato é que, em 1934, existiam apenas quatro grupos escolares na capital catarinense, dois públicos e dois arquidiocesanos.
Em 1º setembro de 1940, a escola sofreu um incêndio, as causas não são informadas nos documentos que fazem menção a ele.Reformado, o novo prédio foi inaugurado em 31 de maio de 1941, com solenidade e presença de autoridades, como o Interventor Nereu Ramos, o arcebispo D. Joaquim Domingues de Oliveira, Ivo d'Aquino, Secretário do Interior e Justiça; Elpídio Barbosa, diretor interino da Educação, dentre outros, além de docentes, diretores e estudantes do grupo e de outras escolas. A cerimônia é registrada no Diário Oficial, de 2 de junho de 1941, e o discurso inaugural, do Monsenhor Harry Bauer, ocupa quase duas colunas deste impresso. Alguns trechos dele são representativos das relações mantidas entre a Igreja e Estado:
Este edifício do Grupo Escolar Arquidiocesano, notavelmente melhorado, representa uma realização inadiável, com efeito, dentro das possibilidades da Mitra Metropolitana, colaborando com a educação popular, desde o início do seu episcopado, sua Excia. Revma. o Sr. Arcebispo Metropolitano penetrou-se da alta missão evangelizadora que trazia, promovendo, criando, amparando, difundindo por todo o Estado, a escola-molde, a fim de que assegurados ficassem os direitos confessionais das populações católicas [...].Bem haja o governo que, como o de sua Excia., numa nítida compreensão do que seja direito e liberdade de consciência, postulados hoje em dia sujeitos às depredações de ideologias exóticas e condenáveis, como se vê no Velho Mundo, promove a felicidade de um povo que o venera e o respeita [...]. E eis aí, porque sua Excia. Revma., nosso venerando e querido Arcebispo Metropolitano,[...] fez questão de que se homenageassem os vultos proeminentes que fulgem na aurora luminosa deste nosso Brasil Novo – suas excias. o sr. dr. Getúlio Vargas e dr.Nereu Ramos. Estes três vultos de governantes devotados à causa do ensino e da educação serão patronos deste educandário. Seus retratos, a cuja inauguração breve se procederá, serão a imagem simbólica de suas vidas gloriosas, dedicadas ao bem do povo e ao progresso da Pátria (Bauer, 1941, p.3-4. Grifos meus).
O discurso coloca os “três vultos de governantes” lado a lado, trabalhando pela educação, pelo bem do povo e do progresso. Eles são os “patronos do educandário”, seus retratos serão inaugurados com festa e noticiados nos jornais locais e da escola, após essa cerimônia. Há aí uma aliança explícita entre Estado e Igreja Católica. Para Dallabrida (2001, p.73) o elo vinha se fortalecendo desde as crises e instabilidades geradas internamente pela “Guerra do Contestado” e externamente pela Primeira Guerra. Em busca da ordem social, o clero se aliou às tropas legalistas dos governos estadual e federal contra os “fanáticos” e, em 1917, a diocese de Florianópolis declarou apoio e solidariedade aos governos, prometendo cooperação “em favor da ordem pública”. Desde então atuavam em sintonia com o objetivo de produzir “sujeitos ordeiros, produtivos, patrióticos e católicos”. Em 1941, com o velho mundo novamente em perigo, “ensanguentado por loucos visionários”, o discurso também destaca a posição de liderança da Igreja Católica para reger as nações, naquele contexto de crise. Na cultura estadonovista, os “inimigos comuns”, especialmente os “comunistas e estrangeiros”, mais uma vez atualizariam as velhas alianças.
Na sequência desta fala informa-se, com mais enaltecimentos à Nereu Ramos, que a Administração Estadual passaria a se responsabilizar integralmente pelas escolas arquidiocesanas, que não renunciaram o status de católicas a partir desta mudança. Os documentos das escolas seguiram ora omitindo ora mantendo “arquidiocesano” em seus nomes. De concreto, o que se pode afirmar é que a educação primária não estava mais no centro das atenções da arquidiocese, naquele momento. Na década de 1940 a Igreja tinha penetração privilegiada nas escolas. A partir de 1934, o ensino religioso passou a constar oficialmente dos programas das escolas primárias brasileiras. Em 1935, Nereu Ramos assinou o decreto que o regulamentou nos estabelecimentos públicos e privados do Estado (Santa Catarina, 1935).Mesmo que “facultativo” e “respeitando as doutrinas religiosas dos alunos”, é notório que o ensino religioso nas escolas catarinenses era ofertado a todos e se limitava ao católico, à exceção das privadas não confessionais de outras religiões. As escolas paroquiais criadas “para se contrapor às escolas públicas laicizadas pelo regime republicano” (Dallabrida, 2005, p.113) haviam se consolidado, cumprido sua finalidade. Mesmo com períodos de discordâncias, a depender de alguma decisão política contrária a seus interesses, a Igreja Católica manteve a aliança com o Estado. Essa relação deixou marcas na educação catarinense, persistiu estruturando de modo importante a cultura escolar e a forma como se relacionava com as culturas política e histórica, com traços perceptíveis até o presente.
Associações auxiliares da escola: o contexto de produção do Anjo da Guarda
“Uma homenagem ao nosso Patrono” é o texto que abre o primeiro número do Anjo da Guarda, de março de 1942. A biografia do Padre Anchieta, ocupa mais de duas páginas, e é assinada pela estudante do 4º ano, Célia Margarida de Brito (1942). Ao texto seguem-se notas variadas sobre o funcionamento das associações auxiliares da escola, professoras orientadoras, membros, ações ou eleição de novas diretorias. O Clube de Leitura, é orientado por Dona Hilda Dominoni; o Pelotão da Saúde, por Dona Helena Borba; a Caixa Escolar, Dona Glorinha, a Biblioteca, Dona Hilda Teodoro Vieira. Há descrições, como “O que li na biblioteca”, da estudante Isolina Teixeira, do 4º ano; felicitações de aniversários, agradecimentos por brindes recebidos do comércio da cidade etc.
Contando capa e contracapa, são 16 páginas. Cópia dele foi enviada ao Departamento de Educação, pela diretora Isaura Veiga de Faria, em 08 abril de 1942. No ofício, dirigido a Elpídio Barbosa, ela escreve:
Tenho o prazer de comunicar-vos que a 19 de março do corrente ano, 8º aniversário da fundação deste Grupo Escolar, instalamos o “Círculo de Pais e Professores” que adotou por Patrono, vivamente aplaudido, Monsenhor Francisco Topp. Com visível interesse, ouviram os srs. pais minha exposição de motivos: significação, importância e finalidade do Círculo. Singelo programa cívico-familiar ornou a solenidade, apresentando-se também o primeiro número da Revista Escolar “O Anjo da Guarda” – de que vos remeto um exemplar. Aclamados com entusiasmo os exmos. Dr. Getúlio Vargas, egrégio Presidente, dr. Nereu Ramos e D. Joaquim Domingues, encerrou-se com o Hino Nacional. Saudações respeitosas (Faria, 1942, p.3).
Há um relatório, de 25 de novembro de 1948, que indica que o jornal teria sido fundado em 1939: “O jornal do Grupo Escolar Padre Anchieta foi fundado em maio de 1939. É manuscrito e a sua tiragem é de 17 números, sendo 2 no corrente ano” (Relatório, 1948, p.14. Grifo meu). Esse registro, contudo, não confere com a informação da diretora, Profa. Isaura Veiga de Faria, no ofício enviado ao Departamento, como se pode observar na transcrição. Nele ela informa sobre a solenidade “cívico-familiar” organizada para a apresentação do Círculo de Pais e Professores e do primeiro número do Anjo da Guarda.É possível que o registro do ano de 1939 limite-se à fundação e não ao seu funcionamento de fato. Pelas atas e relatórios encontrados na pesquisa compreende-se que era comum, primeiro registrar a fundação das associações auxiliares, pois, ao menos em parte, atendia-se às diretrizes do Departamento, e só posteriormente elas iam sendo instaladas e passavam a funcionar. Processo que podia demorar, a depender das condições efetivas da escola.
A documentação oficial expedida no período é marcada por enfáticas orientações e exigências dirigidas aos inspetores, diretores e professores sobre a necessidade de as escolas criarem associações auxiliares e fazê-las funcionar corretamente. Os ofícios, com jornais anexos, enviados ao Departamento, como o exemplo mostrado, estavam entre as exigências do Departamento de Educação. Os textos assinados pelos diretores, em sua maioria, buscavam não apenas informar o cumprimento das instruções, mas também mostrar a adesão da escola ao projeto político instaurado, conferindo importância e legitimidade às suas práticas.
As associações auxiliares das escolas ganharam centralidade nas políticas públicas educacionais em Santa Catarina, a partir de 1935. Na década de 1930 o Departamento de Educação – representado principalmente por Luiz Sanchez Bezerra da Trindade, que ocupava sua direção; Elpídio Barbosa, subdiretor técnico; e João dos Santos Areão, Inspetor Federal de Nacionalização do Ensino – teve seu trabalho marcado por políticas com fins de modernizar o sistema educacional do Estado. Neste contexto de reformas, a formação dos professores teve como foco a atualização dos métodos de ensino praticados até então, tidos como atrasados, baseados em repetição e memorização. Investia-se, assim, na adoção de métodos considerados renovados, capazes de preparar para a vida e para o trabalho. As associações, nas escolas, deveriam permitir que os estudantes vivenciassem atividades concretas ligadas à “vida adulta”, exercitando cooperação, respeito às autoridades e serviço à nação. Bem por isso deveriam promover a difusão e o aperfeiçoamento da língua portuguesa e a apropriação de sentidos pátrios e morais. Cumpririam, assim, o objetivo de preparar os estudantes para o futuro, afinal era “Tudo pela grandeza do Brasil”, frase repetida em vários exemplares dos jornais e em correspondências oficiais (Ver Figura 3), na década de 1940.
Umas das políticas instituídas de Departamento de Educação, voltadas à “atualização do professorado”, e assim, tornar o ensino nas escolas catarinenses mais “moderno e prático”, foram as “Semanas Educacionais”. Ocorridas em diferentes cidades a partir de 1936, elas objetivavam “fazer conhecidos os novos parâmetros do ensino, segundo as recomendações do Departamento, debatendo as questões pertinentes à prática pedagógica que se delineavam” (Bombassaro, 2006, p.17). A modernização do ensino e a campanha de nacionalização centralizavam em sua programação, orientações sobre a criação e funcionamento das associações auxiliares e como elas atuariam na nacionalização das escolas, especialmente as das zonas coloniais.
A imprensa local noticiava estas atividades e informava, como resultado positivo, a fundação de novas associações nas escolas, após a realização das Semanas. Ainda em 1936 chama a atenção que o República, tenha criado uma coluna especial listando novos títulos de jornais escolares que o Departamento de Educação recebia.Em 8 de dezembro, noticiou:
Prosseguindo na publicação que iniciamos por estas colunas, demos hoje a relação dos novos jornais que se vão organizado nos grupos escolares e escolas rurais do Estado. Essa organização, como a dos clubes agrícolas, bibliotecas e museus, devemos a realização das semanas educacionais que, graças a orientação nova do ensino, vem norteando os trabalhos escolares com diretrizes mais seguras e eficientes. Com a lista abaixo, completamos o número de jornais até hoje recebidos pelo Departamento de Educação, que se eleva a 131 jornais (Semanas, 1936, p.7.Grifos meus).
No Diário Oficial também se publicam listas dos jornais recebidos pelo Departamento de Educação, discriminando títulos, escolas e municípios. Essa estratégia fazia parte das políticas centralizadoras e autoritárias dirigidas ao sistema educativo do Estado. As associações auxiliares tornavam-se instrumento importante da cruzada civilizadora e nacionalizadora empreendida pelo Estado desde o final do século XIX, mas recrudescida nos anos de 1937 a 1945. A Circular n.7, de 12 de abril de 1937, dava instruções para a elaboração do jornal escolar aos professores. Luiz Sanchez Bezerra da Trindade (1941, p.27) explica que sua confecção estava sendo bastante divulgada, mas considerava: “conveniente dar as instruções que se seguem, para que deles desapareçam as falhas que vimos observando”. Segue-se uma lista com seis pontos, dentre eles o destaque de que eram os estudantes que deveriam ser os responsáveis pela sua elaboração, ocupando funções como diretor, gerente e repórteres.
Convém destacar que a presença de jornais nas escolas catarinenses não era novidade há algum tempo. Há registros de sua existência, já a partir de 1895 (ver Silva et al., 2023). O próprio Prof. João dos Santos Areão, primeiro diretor do Grupo Escolar Jerônimo Coelho, em Laguna, havia criado o jornal A Escola, em 1914. Contudo, foi no período estadonovista que se observa certa singularidade em Santa Catarina. Os documentos informam a importância atribuída aos jornais. Uma das razões repousa no fato de que eles, juntamente com a Liga Pró-Língua Nacional, eram compreendidos como capazes de concretizar a intenção nacionalizadora do governo. As crianças catarinenses precisavam aprender a ser brasileiras e a demonstrar seu “são patriotismo”. Os jornais escolares eram um importante instrumento de nacionalização do ensino, mostrando textos escritos em língua vernácula, variadas práticas de culto à pátria e aos seus dirigentes. Eles sintetizavam leituras do passado e projetos de futuro no âmbito da cultura escolar, principalmente ao divulgarem as atividades das outras associações auxiliares.Algumas associações, inclusive, ultrapassaram a década de 1950, mesmo após o final das fiscalizações e obrigatoriedades. Há jornais, por exemplo, que seguiram sendo produzidos até a década de 1970, reiterando o mesmo modelo prescrito nas décadas de 1930 e 1940 (Cunha; Silva, 2020, Silva; Vieira, 2024). O que indica a força do aparato administrativo do Estado, que conseguiu estabelecer uma eficaz rede de controle sobre a escola e seus sujeitos, deixando marcas duradouras sobre seu funcionamento e suas práticas.
Por outro lado, foi graças a esse aparato de controle, que milhares de jornais escolares puderam ser preservados, tornando-se memórias arquivadas. Documentos como circulares, atas e relatórios de diferentes jornais informam que, quando manuscritos, as escolas faziam, no mínimo, três cópias de cada exemplar, duas para ela, sendo uma para arquivo e outra para a circulação entre os estudantes e comunidade, e uma terceira que se destinava ao envio, junto da correspondência, ao Departamento de Educação. Na capital, cada jornal recebia, na capa ou em uma das páginas, carimbo, com a data do seu recebimento (Ver Figura 4), e um visto, um grande L maiúsculo, sinal de que havia sido “lido” (Ver Figura 5). Foi dessa forma que o Anjo da Guarda chegou ao presente. Todos os exemplares foram elaborados pelos estudantes das quatro classes primárias, ao menos todos os créditos são dados a eles ou a sua classe. A partir de 1946, passa a incluir os estudantes do curso complementar[15].
As capas do Anjo da Guarda trazem a informação de que é uma revista, já atas e relatórios o chamam de jornal. As instruções expedidas pelo Departamento de Educação davam essa flexibilidade na tipologia do “jornal escolar”, que poderia ter o formato de uma revista, ou ser “falado”[16]. Em razão das políticas do período, da documentação e, principalmente pelas suas características, observadas em conjunto com os demais periódicos localizados, optei em chamá-lo de jornal.
Cada classe aparece como responsável por seções específicas até 1944, intituladas como “Nós”; “Nosso Cantinho”; “Nossa Página”; “Colunas”; “Vamos Ler” etc. Há também notas específicas de outras associações auxiliares, que podem aparecer dentro dessas seções ou então em separado, como o caso da Liga Pró-Língua Nacional, cujas ações ganham destaque.
Figura 3: Liga Pró-Língua Nacional, no jornal
Fonte: Liga, Anjo da Guarda, nov. 1943, p.15.
Desde o primeiro exemplar as produções dos estudantes mais velhos iniciam e os mais jovens fecham o jornal. A página do 1º ano do Primário, que aparece por último, traz desenhos, colagens e pequenos versos.As produções, em geral, possuem autoria informada. Mas há também créditos apenas à classe, responsável por determinada página. O jornal possui uma equipe formada por “repórteres” que podem ou não ser “copiadores”, além dos “desenhistas”, juntamente com o “diretor” e o “gerente”. Certamente que há uma professora que organiza a equipe e o jornal. Neste caso, supõe-se que seja a diretora, Profa. Isaura Veiga de Faria, auxiliada pelas docentes das classes. Mas elas não aparecem nos créditos, nem mesmo nas atas localizadas sobre o funcionamento do jornal.
Possivelmente eram recrutados os estudantes que se destacavam de alguma forma na escrita, na habilidade ou gosto em desenhar para compor a equipe responsável. Maurina Correa é destaque nas “Sabatinas”, seção do jornal, e é repórter, em 1942. Em 1943, deixa a função pois passa a ocupar a presidência da Liga Pró-Língua Nacional. Alguns permanecem mais tempo, como Carlos Orleans, que alternou funções de repórter e copiador nos exemplares de 1942 a 1944. Observa-se que há textos que ele assina e outros que copia e outro colega assina. Caso da coluna do 3º ano Z, intitulada “Alerta” (1944, p.7-8), que traz um texto narrando a “Batalha do Riachuelo”.Nos créditos indica-se ele como copiador e o aluno Ênio Machado, como autor.Já descrições da sala de aula ou de paisagens são escritas e assinadas pela mesma pessoa. Nas colunas destinadas aos 1º anos, se preserva as letras dos estudantes nos pequenos versos e frases que assinam (Ver Figura 7). Não se observa uma diferença muito grande entre meninos e meninas quanto a autoria. Alguns números possuem mais autoras meninas, como os de 1942, em que o número de março tem 7 meninas e 5 meninos nos créditos. Já o de maio, 11 meninas e 9 meninos. Em outros a maioria é de meninos, como em 1947, 10 meninos e 7 meninas. Mas essa diferença flutua e não é muito mais expressiva que isso. Se era intencional ou não uma representação mais equânime, as fontes localizadas não informam.
Os textos e notas aparecem com diferentes formas de letras. Também há intervenções com caneta de outra cor, corrigindo pequenos erros. Provavelmente de uma docente. O que indica que não são copiados apenas por um estudante ou apenas por um adulto.Tal prática era duramente rechaçada pelo Departamento de Educação, que expedia circulares chamando a atenção de que os jornais precisavam ser feitos pelos estudantes e não pelos docentes. A Circular n. 2, de 2 de janeiro, de 1942, trata diretamente do funcionamento das associações e chama a atenção de que “os professores só deviam ser os orientadores ou animadores, e só então em caso de desconhecimento de um ou outro ato deviam auxiliá-los” (Santa Catarina, 1943a, p. 3). De todo o modo, em todos os jornais inventariados pela pesquisa, é possível perceber maior ou menor intervenção dos adultos da escola. Não é diferente com o Anjo da Guarda, mas nele os estudantes participam de sua elaboração.
Nos oito exemplares localizados, o corpo do jornal é de papel almaço e as capas e contracapas são de folha de ofício. Todas as capas, à exceção de segundo número, de 1942, trazem a figura de um anjo. As crianças não estão representadas apenas no décimo sétimo número, de 1948. Anjo e crianças podem portar adereços como livros escolares, bíblia ou brinquedos. A maioria traz também um mastro com a bandeira hasteada. Um dos modelos (Figura 6), que traz a figura de um anjo que guarda crianças saudando a bandeira, é o mesmo usado em três edições, alterando apenas as cores das roupas.
Figura 4: Capa - Primeiro Modelo |
Figura 5: Capa – Segundo Modelo |
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Fonte:Anjo da Guarda, n.1, 1942. |
Fonte:Anjo da Guarda, n.2, 1942.
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Figura 6: Capa - Terceiro Modelo |
Figura 7: Capa - Quarto Modelo |
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Fonte: Anjo da Guarda, n.7, 1946. |
Fonte:Anjo da Guarda, n.17, 1948. |
Os textos vêm acompanhados de ilustrações feitas à mão e figuras coloridas coladas, como flores, crianças estudando, lendo ou brincando, também santos e personagens políticos. Há variados retratos de Getúlio Vargas, Nereu Ramos e Dom Joaquim Domingues de Oliveira, em preto e branco, que parecem ter sido recortados de algum jornal ou revista. Eles marcam presença em diferentes exemplares. Apenas duas mulheres aparecem e uma única vez: a diretora Isaura Veiga de Faria, em novembro, de 1943, e a primeira-dama do Estado, Beatriz Pederneiras Ramos, no quinto número, de 1944. A imagem da diretora é uma fotografia em preto e branco colada na página, assim como a foto do novo prédio inaugurado (Ver figuras 1 e 8).
Figura 8: Colagens e ilustrações na seção “Nós”, do 1º Ano Z |
Figura 9: Colagens e ilustrações, na página do 4º ano |
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Fonte: Anjo da Guarda, nov., 1943, p.19. |
Fonte:Anjo da Guarda, n.5, mai.; 1944, p.1. |
Sempre manuscritos os exemplares mantêm ao longo dos anos características estéticas e recorrência de temas. A maior parte dos textos e notas descreve atividades escolares e extraescolares, principalmente as organizadas pelas associações auxiliares da escola. O conteúdo é organizado em páginas divididas em duas colunas verticais ou horizontais. Os exemplares encontrados possuem quantidade de páginas que variam de 12 a 28 (contando as capas), e que trazem acontecimentos que ocorreram em intervalos três ou quatro meses. A maioria dos jornais escolares do período possuía em geral 4 páginas, com textos narrando atividades ocorridas num só mês. Mas nesse universo, há outros exemplos, trimestrais ou quadrimestrais, que excedem 16 páginas.
Culturas escolares, políticas e históricas nas páginas do Anjo da Guarda
O Livro
Eu tenho um livro muito bom. Meu livro tem a capa amarela e dentro estão as páginas, onde leio as lições.É um livro do 3º ano, Série Fontes. As páginas são feitas de papel fino e a capa é grossa. Os livros são feitos na tipografia. Não devemos ler todos os livros que encontramos, somente os bons. Meu livro é muito útil, pois nele aprendo muitas coisas boas (Lobo, 1942, p.14. Grifos meus).
O estudante do 3º ano X, Alcides Lobo, assina um pequeno texto em que descreveu seu livro da Série Fontes. Esta coleção, composta por Cartilha Popular, Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto Livros de Leitura, foi distribuída gratuitamente na rede de ensino público e adotada também nos estabelecimentos de ensino privados catarinenses, entre a década de 1920 e até meados da década de 1950. Seu autor, o professor Henrique da Silva Fontes, reconhecidamente católico, fazia parte do seleto grupo de “homens públicos e das letras” de Santa Catarina, tendo ocupado diferentes cargos políticos e administrativos, inclusive o de Diretor da Instrução Pública, entre 1919 e 1926.A Série Fontes reunia lições, textos, fábulas e poesias de autores locais, nacionais e internacionais centrados no ufanismo patriótico, nos valores morais, cívicos e católicos. Representam o “empenho da intelectualidade sintonizada com o projeto de Nação na formação do caráter viril, do bom cidadão, do vigor físico, moral, estético e mental da raça” (Silva; Flores, 2010, p.81). As descrições dos livros lidos, “somente os bons”, além de outras práticas, contidas no Anjo da Guarda informam dimensões das articulações entre as culturas escolar e política. O projeto político chegava por meio de discursos variados, inclusive cartilhas e livros de leitura.
Livros lidos, consultados, visitas à biblioteca São João Bosco, são ações do Clube de Leitura e são contadas no jornal. Além das práticas de leitura, o jornal traz exercícios e descrições (da sala de aula, de paisagens etc.). Também se escreve sobre as sabatinas, as entregas dos boletins, as premiações aos melhores estudantes. Fala das visitas recebidas de inspetor, de padres, de colegas, como as estudantes do Colégio Coração de Jesus, em cruzadas eucarísticas. O Pelotão de Saúde noticia os curativos feitos, os remédios distribuídos. A Caixa Escolar sempre lembra aos estudantes da importância da sua doação e o que é feito com o dinheiro. Em 1942, eram 1$000 de cada um, por mês. No primeiro número, informa-se que “distribuiu 200 blocos, 100 cadernos de desenho, 100 brochuras, 200 cadernos de caligrafia, muitas borrachas. Sendo pobres todos os alunos, a caixa ajuda muito” (Caixa, 1942a, p.10). Nem todos parecem cumprir com as doações, sempre se chama a atenção para a luta da equipe em seguir “honrando os compromissos da Caixa”. Em maio do mesmo ano, encomendou “blocos de borrão” e avisa “com a graça de Deus temos conseguido com que pagar as despesas feitas até agora. E, para adiante, confiamos em Deus e na boa vontade de todos os coleguinhas” (Caixa, 1942b, p.12). Nos exemplares de 1946 e 1948 os movimentos de caixa indicam déficits, e há apelos: “Ajudai a Caixa Escolar Meus Amiguinhos!” (Caixa, 1946, p.6).
Entre práticas escolares, as políticas. Uma competição interna, cujo prêmio foi uma bola, dá indícios de como escola participou da Campanha Nacional da Borracha e como os estudantes a significaram. Em “Nossas Colunas”, do 2º ano Z, escreve-se:
No dia 11 de julho a nossa diretora reuniu todos os alunos no pátio e falou sobre a campanha da borracha. Ela instituiu o prêmio para a turma que trouxesse mais borracha. O prêmio era uma bola. O entusiasmo foi grande entre as crianças. Cada classe queria arranjar mais que a outra. [...] A borracha arranjada por nossa classe pesou 25 kg e 500. Em primeiro lugar estava o 3º ano, mas o 4º ano X arranjou mais borracha e ficou em 1º lugar. A nossa classe tirou o 4º lugar (Como, 1943, p.9).
Em 1942, os presidentes Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt firmaram os “Acordos de Washington” que, de modo geral, previa o envio de matérias-primas estratégicas aos Estados Unidos, e, em troca este forneceria ajuda técnica e financeira ao Brasil, durante a Segunda Guerra. Além de enviar trabalhadores do Nordeste à Amazônia no esforço deaumentar a produção de borracha,uma campanha nacional de arrecadação do material usado foi implementada em todo o país, em 1943. Patrocinada pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), com a cooperação do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP) e Departamento de Educação, em Santa Catarina a campanha circulou nos jornais locais e no Diário Oficial, nos meses de junho e julho. Todos deviam se concentrar no “esforço de guerra”, a borracha era matéria-prima fundamental para a vitória.
Circulares enviadas as escolas possuíam o mesmo tom e enunciados, como por exemplo, a Circular n.67, de 18 de junho de 1943 que salientava o “esforço de guerra”, chamava a atenção de que as crianças deveriam ser mobilizadas e indicava que a coleta deveria ser realizada entre os dias 1ª a 15 de julho (Santa Catarina, 1945, p.59). O Diário Oficial publicava a quantidade recebida, reproduzindo os telegramas enviados pelos municípios com a quantidade arrecadada. Em 17 de julho, na capital, em frente à prefeitura, na praça XV de Novembro, encerrava-se a campanha num ato público, com a presença de autoridades e delegações escolares. Os discursos proferidos na ocasião foram reproduzidos no Diário Oficial (Santa Catarina, 1943b, p.1) e informam a adesão das escolas. Nas páginas do Anjo da Guarda, o lema “Tudo pela Grandeza do Brasil”, que aparecia em documentos oficiais, era replicado (Ver figura 3). A escola atendeu ao pedido, a diretora falou aos estudantes e os convocou a participar. Porém, a competição e o prêmio usados para estimulá-los parecem ter sido muito mais significativos para o 2º Ano Z, do que o “esforço de guerra” tão repetido nos discursos que circularam no período. Foi uma semana de “festa”!
As práticas escolares descritas no Anjo da Guarda informam um cotidiano de solenidades, rituais e simbolismos que envolvem o sentido patriótico, moral e religioso. As atividades da Liga Pró-Língua Nacional são as mais representativas. A Liga é a responsável pelos “álbuns em desfile”, geralmente cartazes explicativos sobre aspectos relacionados à geografia e à história do Brasil. A equipe confeccionava os álbuns e depois, seus representantes percorriam as classes mostrando e explicando as grandezas da nação.Também é ela que organiza a programação de inúmeras “festinhas” em homenagem a personagens históricos ou políticos, geralmente patronos das salas.
A homenagem a Tiradentes, “mártir da independência” e patrono do 4º ano, teve a programação detalhada no segundo número, de 1942, na página assinada pela Liga. Segundo a descrição, a festa foi realizada no dia 23 de maio, às 9h no pátio da escola e contou com a presença de todos os alunos. Teve hasteamento e saudação à bandeira, declamação de poesias, cantos e culminou com a colocação do retrato de Tiradentes na sala de aula, feita “ao som de hinos patrióticos e sob salva de palmas, vivas ao Brasil e assistida por uma comissão de alunos de todas as classes” (Homenagem, 1942, p.8).
As efemérides e acontecimentos da história do Brasil, narradas pelas crianças, informam articulações instigantes entre as culturas históricas e políticas no cotidiano da escola. Aniversários de Getúlio Vargas, Nereu Ramos, D. Joaquim Domingues de Oliveira, compartilham espaço com comemorações coletivas, Descobrimento do Brasil, Independência, Proclamação da República, o dia do Estado Novo etc. Estes dias eram sempre marcados por algum tipo de festividade na escola ou fora dela. O exemplar publicado em 1943, que reúne atividades dos meses de julho a novembro, tem bons exemplos. Nas “Páginas do 4º Ano X”, de responsabilidade dos estudantes Maria H. Melo, “copiadora”, e José Goes, “desenhista”, descrevem-se diferentes comemorações:
A 10 de novembro de 1937 o presidente Dr. Getúlio Vargas deu ao povo uma nova constituição. O Brasil entrava em uma nova fase só de interesses nacionais. Agora o nosso presidente pode trabalhar em benefício do Brasil porque não há mais políticos em nosso país. E com a nova constituição vieram novas ideias e novas forças a todos os brasileiros. Eis porque dia 10 de novembro é feriado (Melo; Goes, 1943, p.7).
Na sequência uma nota sobre as festas naquele mês, ocorridas na escola: “Diante do Pavilhão hasteado nas festas do dia da Bandeira, encerramos as comemorações do Estado Novo e da Proclamação da República” (Melo; Goes, 1943, p.8). O aniversário de Nereu Ramos, ocorrido em 3 de setembro, também é comemorado, no pátio do quartel da Força Policial do Estado:
As 10h30 todos os Grupos, o Colégio Catarinense, o Abrigo de Menores, o Instituto Coração de Jesus e o Liceu Industrial estavam ali.Às 11 horas começou a festa que constou de cantos orfeônicos pelos alunos do Instituto de Educação e da Dança da Terra. A Dança da Terra foi executada por crianças, representando as três raças, indígena, portuguesa e africana. [...] Também foi entronizado no gabinete do Comandante, O Crucificado. Outras festas foram realizadas para continuar as homenagens ao Dr. Nereu (Nossas colunas, 1943, p.10. Grifos meus).
O ritual descrito indica apropriações sobre a ideia de povo brasileiro. A “Dança da Terra”, provavelmente uma composição de Heitor Villa-Lobos, executada pelas crianças, parece querer reforçar a ideia sobre a formação do “povo brasileiro”. Equação posta no século XIX, na construção do Estado-Nação. O problema à época foi equacionado pela contribuição das três raças, sendo os portugueses os responsáveis pela civilização. No jornal, a equação é naturalizada, as três raças aparecem desenhadas a lápis de cor, ilustrando o texto. É o povo!Outro detalhe importante, a descrição da entronização da cruz de Cristo, no gabinete do Comandante. Integrações entre o sacro e o profano, apropriações de sentidos de pertencimentos, povo, nação, pátria, ocorriam em diferentes camadas, que se entrecruzavam na escola e fora dela. Personagens políticas e históricas dividem espaço com as religiosas no Anjo da Guarda. Mas também fora da escola, no espaço público.
Comemorações como o do “Dia Pan-Americano”, em 14 de abril, são oportunidades para se observar outras interações políticas. Instituído em 1931, em homenagem à criação da União Pan-Americana, a data ganhou ênfase no contexto da Segunda Guerra. Era parte do esforço dos Estados Unidos em construir uma ideia de cooperação mútua entre os países americanos, estrategicamente sob sua liderança. As escolas são atingidas por estas políticas, a data, que constava do calendário escolar catarinense, em 1936 (Outras, 1936, p.32), é ressignificada no Estado Novo.Alzira Roza, do 4º ano, descreve a “parada escolar” de 1942:
No dia 11 de abril realizou-se a 1ª parada escolar do ano de 1942. A parada devia ser feita no dia 14, que é o dia Pan-Americano. Mas como o nosso Estado hospedava ilustres homens de todas as capitais do Brasil, o Dr. Nereu Ramos quis mostrar-lhes o grau de adiantamento da instrução em nosso Estado, fazendo desfilar os alunos de todos os estabelecimentos de ensino. Nós nos preparamos para esta formatura com marchas sérias pelo pátio, ao som dos nossos tambores. O dia 11 amanheceu lindo, convidativo para um passeio. Às 8h vieram dois ônibus nos buscar e nos levaram para o ponto de concentração dos escolares, defronte ao asilo de órfãs. Às 9h começou o desfile. Na sacada do Cine Rex havia um alto-falante que irradiava a marcha tocada pela banda de música que estava na frente do Palácio do Governo. Os alunos desfilaram garbosamente. Cada grupo tinha à frente o Pavilhão Nacional. Terminado o desfile fomos ao Departamento de Educação receber um pão saborosíssimo. Que saudades deste dia! (Parada, 1942, p.5-6).
Há profusão de materiais de divulgação da União Pan-Americana, produzidas por ela, junto aos relatórios escolares que detalhavam como era feita a comemoração nas escolas. Num tempo ainda sem televisões, eram principalmente as escolas que faziam circular os discursos patrióticos, cívicos e morais. Não só o Anjo da Guarda narra essas comemorações, elas aparecem em vários outros jornais, de escolas e cidades diferentes. Ideias de cooperação e de liderança dos Estados Unidos para a promoção da paz são apropriadas e circulam. Findada a Guerra e o Estado Novo, as representações seguem repercutindo. Em abril, de 1946, o dia Pan-Americano é lembrado juntamente ao aniversário da morte do presidente Roosevelt:
A data de ontem, 12 de abril faz nos lembrar um grande nome: Roosevelt. Faz justamente um ano de sua morte. O mundo deve a este nome ¾ da sua glória e a paz alcançada com o sacrifício de tantas vidas ao esforço; a cooperação de Roosevelt, grande parte do seu sucesso. Este grande presidente representa para todos nós o estímulo de grandes realizações. A América não perdeu com a morte, o seu grande presidente porque ele viverá sempre no coração daqueles que souberem ser gratos. Paz a sua alma! A data de amanhã, 14, é dedicada a União Pan Americana que é uma organização internacional mantida pelas vinte e uma nações da América, com o fim de consolidar a amizade e a paz entre elas (Atividades, 1946, p.1-2).
Em diferentes histórias, chama a atenção a gratidão/reverência às autoridades constituídas na escola e fora dela. Paz, educação e alimento são os principais alvos de agradecimento. A comida ou o lanche servido aos estudantes ganham destaque nas descrições de atividades festivas. A inauguração da cozinha e a sopa que passou a ser servida, por exemplo, são motivos de demonstrações de gratidão: à diretora, Isaura Veiga de Faria, a Nereu Ramos, a primeira-dama Beatriz Pederneiras Ramos, que além da sopa, lhes deu o “agasalho”, e sempre a D. Joaquim Domingues de Oliveira.
A Cozinha
Houve uma festa bonita. O dr. Nereu Ramos e o Sr. Arcebispo vieram assisti-la [...]. Agora temos sopa na hora do recreio. Eu gosto muito de olhar os meus colegas quando estão tomando sopa. Com a sopa temos mais vontade de estudar as lições. Viva o Sr Arcebispo! Viva o Dr. Nereu Ramos (A cozinha, 1943, p.17).
A nossa sopa
No ano passado inaugurou-se a cozinha do nosso bom grupo. [...] Há dias em que a sopa é de feijão e também há dias em que é de verduras. As verduras são fornecidas pela Penitenciária do Estado (Cordeiro, 1944, p.2).
Na comemoração dos 13 anos da inauguração do grupo escolar, as descrições deram destaque à “macarronada argentina” oferecida pela diretora. Num dos textos, constante na página do 2º ano X, “Nosso Cantinho” (1947, p.6), escreve-se: “Com grande destaque a nossa sopa estava deliciosa! Naquele dia nossa boa diretora transformou ela numa saborosa macarronada argentina”. Num passeio na semana da criança, em 1948, os estudantes foram visitar a Igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro do Estreito (continente), de ônibus pago com recursos da Caixa Escolar. Na descrição: “passamos um dia muito alegre. As professoras recomendaram aos alunos que levassem lanches e frutas para uma salada. Mas a Sra. Diretora também distribuiu pães, frutas e até vinho para a salada” (Viva, 1948, p.40).
Certamente em 1948 não eram todos “desfavorecidos”, possivelmente havia estudantes de outras camadas sociais, da região ou próxima a ela, mesmo assim as histórias narradas indicam que a maioria dos estudantes eram pobres. Agradeciam agasalhos, cadernos, mata-borrões, remédios e lanches recebidos. Mas outras experiências também aparecem. Iam à Igreja, ao lado da escola, ouviam e eram atingidos por discursos sobre patriotismo, dever, progresso. Eles eram o futuro de uma nação, que, naquele contexto, era católica e, assim, benemérita. O jornal divulgava as atividades e ao mesmo tempo informava as adesões às políticas prescritas.Mas os sujeitos da escola se apropriavam e ressignificavam as prescrições de forma singular, em consonância com as especificidades da cultura escolar que a produziu e que é produzida por ela. As histórias contam sobre sociabilidades, experiências compartilhadas, confirmando a importância da escola como espaço formativo, para além do instrucional, e sobretudo, de socialização.Nos apelos cívicos, o prêmio prometido, as competições, o lanche eram o destaque. Eles iam de ônibus para as atividades extraclasse, realizadas no centro da cidade. Atravessaram a ponte Hercílio Luz para ir o Estreito passar “o dia das crianças”. Quantos estudantes do Grupo Escolar Padre Anchieta andaram de ônibus pela primeira vez nessas atividades?
Considerações Finais
No Anjo da Guarda, assim como em outros jornais escolares do passado, inscrevem-se experiências, tradições, ritos, representações. Inscrevem-se projetos de futuro, sim porque os sujeitos do passado que lhes deram condições de existência, tinham um futuro. Com ele, temores, expectativas.Eles “foram como nós, sujeitos de iniciativa, de retrospecção e de prospecção (Ricoeur, 2007, p.392). Refletir sobre esse passado pode contribuir para a construção de sentidos sobre nossa história, sobre nossa existência particular e em sociedade, e, assim, quem sabe construir futuros alternativos mais significativos.
Entende-se que as páginas deste jornal são capazes de informar singularidades próprias à escola e seus sujeitos, mas também dimensões das relações estabelecidas entre a Igreja Católica e o Estado catarinense na educação das crianças. De igual maneira, podem oportunizar reflexões sobre como as práticas instauradas pelo projeto político de nacionalização, levado a cabo desde as primeiras décadas do século XX e recrudescido no Estado Novo, circularam nesta escola, na década de 1940.
Uma das inspirações para a escrita deste artigo é o fato de a Escola de Educação Básica Padre Anchieta ser campo de estágio supervisionado do curso de licenciatura em História da UDESC há alguns anos. Docentes e estudantes sabem pouco do passado de sua escola. Estudantes, quando os jornais lhes foram mostrados, demonstraram interesse, mas não pareciam atribuir algum outro significado para além de reconhecer que se tratava de um “artefato estranho”, vindo de um passado muito distante, sem relação com o presente. Um dos objetivos ao elaborar um catálogo com os jornais escolares catarinenses encontrados em bibliotecas e arquivos do Estado, foi justamente permitir que docentes e estudantes possam conhecer os jornais da sua escola.
Alguns podem se perguntar: em que medida preservar memórias, importa a história das escolas tão assoladas por problemas demandados no presente? Certamente enfrentar os inúmeros desafios impostos às escolas no presente é tarefa árdua, mas um desses desafios está também em reconhecer que é neste espaço que historicamente as sociedades disputam memórias sobre si mesmas. Para Augustin Escolano Benito (2017, p.185) “a memória, definitivamente, é um componente estruturador de toda a cultura da escola”. Passamos muito tempo de nossas vidas na escola. No passado, menos que hoje, é certo. A história da Educação no Brasil, informa que a democratização do acesso à escola foi lenta, processo ainda inacabado, a considerar a evasão e abandono no Ensino Médio.Contudo, é inegável que o tempo da escola nos marca, interpela, são memórias que constroem subjetividades ou identidades narrativas, segundo Paul Ricoeur (2010). Talvez os jornais escolares se conhecidos, ou mesmo usados em aulas como fontes históricas, possam contribuir para que o passado possa ser ressignificado pelos estudantes. Que eles possam reconhecer a persistência do passado no presente em crenças, comportamentos, instituições.
Depois de 41 anos, o Grupo Escolar Padre Anchieta mudou de endereço. O aviso n.2, de 19 de julho de 1970, da Igreja Nossa Senhora de Lourdes e São Luiz (Sobierajski, 2012, p.52) informa a mudança da escola para as novas instalações, construídas no terreno ao lado do Educandário XXV de Novembro (Abrigo de Menores).Em 1971, com a LDB 5.692, passou a se chamar Escola de Educação Básica Padre Anchieta.No presente atende aos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. O bairro não é mais Pedra Grande, nem rural, sequer distante do centro. Mas ainda é uma escola que preserva traços de sua história, segue recebendo estudantes provenientes das camadas populares. Depois dos aterros da região, entre fins dos anos 1960 e início de 1970, e construção da avenida Beira Mar Norte, década de 1980, o espaço da escola passou a ser contestado.Situa-se entre uma área considerada “nobre”, alvo de grande especulação imobiliária, e a região de morros e comunidades que formam o Maciço do Morro da Cruz. Os sujeitos da escola resistem.
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Aceito em 01/12/2024.
[1]Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora titular do Departamento de História, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bolsista produtividade em pesquisa do CNPq. Brasil. E-mail: cristianibereta@gmail.com| https://orcid.org/0000-0003-2304-0307
[2] Os excertos de fontes transcritos tiveram a grafia atualizada para as atuais regras ortográficas com o objetivo de facilitar a leitura. Também foram suprimidos pequenos erros nos textos dos jornais, pois a cultura escrita não é o foco da análise.
[3] Desenvolvida por integrantes do grupo de pesquisa Ensino de História, Memória e Culturas (CNPq/UDESC), tem como uma das suas ações inventariar jornais de escolas primárias e secundárias catarinenses, publicados desde o final do século XIX até a década 1970. Sob minha coordenação, envolve docentes e estudantes vinculados à graduação e pós-graduação da UDESC, a saber: Prof. Dr. Vitor Marcelo Vieira; discentes do doutorado, Anne Caroline Peixer Abreu Neves, Reginaldo Paulo Giassi e MalconTonini; discentes do mestrado, Ariane Cristina Batista e Alessandra Kuster, graduandos em História, bolsistas IC, Carlos Henrique Gesser, Eduardo Mafei Estácio Dutra e Ryan Venera Martins. Um catálogo com mais de 1300 títulos, de 1895 a 1975, teve uma versão preliminar publicada e está disponível online (Silva et al., 2023). Outras ações incluem análises diacrônicas e sincrônicas de jornais com séries mais longas desse conjunto. A pesquisa é financiada pelo CNPq, por meio de bolsas, e pela FAPESC, em forma de apoio à infraestrutura dos grupos de pesquisa da UDESC e por meio do Edital de Chamada Pública Universal n. 21/2024.
[4] Em direção ao centro, a mesma rua passa a se chamar Frei Caneca.
[5] Há atas do jornal que indicam que ele seguiu sendo publicado até 1951, porém, estes anos não foram localizados.
[6] Talvez seja o arquivo com a maior quantidade de jornais escolares do Brasil, informação que se pretende confirmar até o final da pesquisa. São 207 códices que reúne exemplares publicados entre 1941 e 1953. Registro a atenção e colaboração que a gerência de documentação do APESC dispensou às demandas do projeto, sempre fundamental quando se trata de localização e inventário de fontes em arquivos. Cito aqui Maria de Fátima Lunardelli Silvestre; Jovani Fiori e Bruno de Souza Ferreira, com quem estive mais em contato, mas estendo os agradecimentos a toda a equipe.
[7] A Gerência de Recuperação Documental não encontrou o termo de recebimento deste acervo, mas considera provável que ele tenha sido “naturalmente” herdado pelo arquivo quando este foi instituído. Isso porque a Lei nº 2.378, de 28/06/1960, criou o arquivo ligado à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Justiça. Até 1952 esta secretaria incorporava também a educação e a saúde, ou seja, o Departamento de Educação também era subordinado a ela.
[8] Em 1922, a instituição passa à condição de Grupo Escolar Arquidiocesano São José; em 1983, já uma escola estadual, muda a denominação para “Professor Henrique Stodieck”. Ao contrário da Escola São Luiz, a São José situava-se em área considerada urbana. O bairro da Figueira ficava no entorno das atuais ruas Conselheiro Mafra, Felipe Schmidt e Francisco Tolentino. Renata Pozzo (2010, p.82) afirma que os bairros das antigas áreas centrais de Florianópolis, eram “extremamente pobres”. No século XIX eram habitados por escravizados, estivadores, marinheiros, pescadores, lavadeiras e “mulheres perdidas”. Característica que se manteve até a década de 1920, quando as reformas urbanas no centro os expulsariam para os morros da ilha ou do continente.
[9] O último registro encontrado de contrato de locação e valores de aluguel pago pelo Estado à Mitra Metropolitana, pelos dois prédios, foi no Diário Oficial, de 17 de setembro de 1970 (Santa Catarina, 1970, p. 2).
[10] Em 1907 foi vendida para o também comerciante Luiz Carvalho. Hoje conhecida como “Casarão Rosa” ou “Casarão da Rui Barbosa”, foi também residência de ex-governadores da família Ramos. Em 1965 passou a ser sede do Santa Catarina Country Club, lugar de eventos e festas da “alta sociedade”. O prédio foi tombado pelo Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Natural (SEPHAN) por meio um decreto municipal, em 1979. Com as transformações urbanas da região, após os aterros que deram origem à Beira Mar Norte, nos anos 1977 a 1981, os edifícios substituíram as chácaras. A área foi incorporada pelo condomínio Residencial Country Club, nos anos 2000 e se tornou seu salão de festas (Sobierajski, 2012; Stroisch, 2022).
[11] José Luiz Sobierajski (2012, p.14) afirma que essa pedra ainda existe e está junto ao edifício Franz Liszt, situado entre a rua Frei Caneca e a avenida Mauro Ramos, nº 3.214.
[12] Conforme mapa de Renata RogowskiPozzo (2010, p. 84).
[13] Em 1984, a igreja e o centro social, onde havia funcionado o Grupo Escolar Arquidiocesano Padre Anchieta, foram demolidos, após laudos técnicos que atestaram abalos em sua estrutura. Em seu lugar, foram construídas as novas instalações da Paróquia Nossa Senhora de Lourdes e São Luiz Gonzaga, concluídas na década de 1990 (Sobierajski, 2012).
[14] As escolas classificadas como “primeira classe” eram aquelas situadas nos centros urbanos e que possuíam as melhores instalações, oferta de recursos, condições de ensino etc. Eram modelos de excelência. As que tinham instalações mais modestas, em geral mais distantes dos centros urbanos, eram as de “segunda classe”. Em sua maior parte, escolas reunidas, que depois de um tempo de funcionamento e demonstrando atender as exigências mínimas de funcionamento de um grupo escolar, tinha sua classificação alterada.
[15] Criado em 1945, por meio do Decreto nº 3.097 (Santa Catarina, 1945, p.2). Curso Complementar, também conhecido como Normal Primário, funcionava anexo aos grupos escolares e formavam professores para atuar em escolas isoladas.
[16] São escassos os registros quanto ao funcionamento dos jornais falados, mas existem. O Grupo Escolar Rui Barbosa, de Joinville, além de publicar O Brasil, manuscrito, tinha os “jornais falados”: A Voz do Estudante e Cruzeiro do Sul, que possuíam programas transmitidos por meio alto-falantes, funcionando principalmente em festividades na escola.