A Igreja Católica como espaço de agenciamento do dito “novo sindicalismo” em Joinville: o caso das greves de agosto de 1979
The Catholic Church as an agent of the so-called “new unionism” in Joinville: the case of the August 1979 strikes
Vinícius José Mira[1]
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar historicamente uma série de greves e movimentos paredistas, ocorridos na cidade de Joinville em agosto de 1979, com um olhar minucioso ao papel desempenhado pela Igreja Católica como espaço de agenciamento do dito “novo sindicalismo” na cidade. Para tal, é feito uso de um conjunto de fontes que incluem a imprensa periódica local, os informes produzidos pela estrutura de espionagem da ditadura militar e panfletos, atas de reuniões, textos datilografados e gêneros textuais semelhantes associados à atividade de movimentos sociais vinculados à Igreja Católica. Como resultado, o texto sustenta que a Igreja Católica emprestou seu prestígio e legitimidade aos esforços de articulação do movimento operário da cidade, sobretudo a partir da inexistência de uma liderança sindical destacada em Joinville nos moldes do “novo sindicalismo” do ABC paulista.
Palavras-chave: Igreja Católica; Sindicalismo; Joinville.
Abstract
This article aims to historically analyze a series of strikes and sit-down movements that took place in the city of Joinville in August 1979, with a close look at the role played by the Catholic Church as an agency space of the so-called "new unionism" in the city. To this end, is made use of a set of sources that include the local periodical press, reports produced by the military dictatorship's espionage structure and pamphlets, meeting minutes, typescripts and similar textual genres associated with the activity of social movements linked to the Catholic Church. As a result, the text argues that the Catholic Church lent its prestige and legitimacy to the efforts to articulate the city's labor movement, especially since there was no prominent union leadership in Joinville along the lines of the “new unionism” of the ABC in São Paulo.
Keywords: CatholicChurch; Tradeunionism; Joinville.
Introdução
A Igreja Católica teve exacerbado protagonismo no contexto das manifestações de resistência à ditadura militar em Joinville, a partir da segunda metade da década de 1970 (Mira, 2022). Para Sirlei de Souza (1998), a existência de Comunidades Eclesiais de Base atuantes é uma evidência de que houve a difusão de práticas de mobilização política e social na cidade no contexto autoritário, posicionando a “evangelização conscientizadora” como um novo ator em cena e expressão de resistência na cidade. Freire (2015) parece concordar com a afirmação superior, ao sustentar que a matriz discursiva da Teologia da Libertação[2] incidiu sobre a condição operária em Joinville, no contexto de resistência ao regime militar.
Ainda a respeito da resistência e de suas interfaces com a Igreja Católica, Iara Andrade Costa (1989, p. 75) estudou os movimentos paredistas de Joinville no contexto de transição política. Partindo da atividade da Pastoral Operária, a autora concluiu que, no contexto de ausência de lideranças operárias na cidade, a Igreja acabou “se deslocando para a esquerda” e exercendo esse papel. Em alguma medida, essa interpretação coincide com a análise de contexto nacional do historiador Scott Mainwaring (2004), que sinaliza que o vazio político estimulou a transformação da Igreja, levando em conta que ela era a única instituição apta a criticar a repressão e o modelo econômico da ditadura, organizar as classes populares e defender os direitos humanos.
Nesse contexto, destacaram-se em Joinville três entidades que optei por chamar de movimentos sociais vinculados à Igreja Católica[3], quais sejam, as Comunidades Eclesiais de Base, a Pastoral Operária e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Os seus personagens foram atores centrais na resistência à ditadura militar e a sua atuação em conjunto se deu em várias frentes, como a questão operária, a defesa dos direitos humanos, a organização comunitária, a mobilização política e a luta pela terra. Em particular, este texto está preocupado com uma série de greves e movimentos paredistas, ocorridos em agosto de 1979, muito associados à militância dos movimentos sociais vinculados à Igreja Católica.
O argumento apresentado é de que, ao denunciar as condições precárias dos trabalhadores industriais em Joinville, a Igreja Católica contribuiu com sua influência e autoridade às iniciativas de organização do movimento operário local. Os trabalhadores se valeram do prestígio e legitimidade da Igreja Católica para irrupção de um novo modelo de negociação dos conflitos de classe na cidade, no contexto em que o dito “novo sindicalismo” era uma novidade em Joinville. Quer dizer, a Igreja Católica foi um espaço de agenciamento, tendo em vista a instrumentalização desempenhada pelos operários da proteção oferecida pelos setores religiosos, ao mesmo tempo que interesses semelhantes (entre os trabalhadores e os movimentos sociais vinculados à Igreja Católica) fizeram da organização da classe trabalhadora uma luta em comum.
Como fonte, é feito uso da imprensa periódica local, dos informes produzidos pela estrutura de espionagem da ditadura militar e de panfletos, atas de reuniões, textos datilografados e gêneros textuais semelhantes associados à atividade de movimentos sociais vinculados à Igreja Católica.
Metodologicamente, o manuseio dos documentos produzidos pela estrutura de espionagem da ditadura militar se vale das contribuições de diversos trabalhos a respeito do assunto. Em Como eles agiam, Carlos Fico (2001) fala de uma “desconfiança sistemática” que perfez as práticas de espionagem e inculpação do Sistema Nacional de Informações. Essa desconfiança sistemática também aparece na obra de Marcos Napolitano (2018, p.128), que destaca a dimensão de guerra interna da máquina repressiva da ditadura militar, onde “todos eram suspeitos até que se provasse o contrário”; e no trabalho de Mariana Joffily (2014, p.17), onde consta que “o contexto histórico e político conduziu a uma tendência a superestimar a gravidade das transgressões”. Mas, para além dos informes cotidianos da espionagem, os subsídios documentais do Sistema Nacional de Informações (SISNI) estão recheados de anexos com materiais alusivos à atividade desses religiosos que estavam sendo vigiados (recortes de jornal, panfletos, manifestos, atas de reuniões, etc.), o que fornece valiosos recursos para uma análise da sua atuação.
A respeito do uso da imprensa, foi feito uso dos periódicos A Notícia, Extra e Jornal de Joinville. Mais do que retratos da opinião pública, eles são entendidos como extensões dos interesses de seus proprietários e, em menor medida, de seus colunistas e redatores. Nesse sentido, a historiadora Maria Helena Capelato (1988) aponta que os jornais não são nem transmissores imparciais e neutros dos acontecimentos, nem fontes documentais desprezíveis em função de sua subjetividade. Eles são agentes inseridos na vida social em busca de seus interesses e é isso que o historiador deve estudar. Nesse sentido, são de grande valor as contribuições teórico-metodológicas de Tania Regina de Luca (2008), a respeito dos periódicos como fonte histórica. Além dos aspectos metodológicos da análise dos noticiários, destaco os imbricamentos entre o conteúdo da publicação em si e o lugar social ocupado pelo periódico, seus interesses financeiros e suas ligações cotidianas. Os jornais são locais privilegiados para encontrar dados sobre a sociedade, seus costumes, suas questões econômicas e políticas (Capelato, 1988). Em direção semelhante, José D’Assunção Barros (2021) indica a necessidade de se atentar a aspectos além do conteúdo do jornal em si, tais como o lugar de produção, a materialidade, a polifonia e as seções temáticas que compõem o periódico. O historiador deve desenvolver uma sensibilidade com a materialidade histórica do noticiário, atentando-se para a identificação do periódico e seus aspectos gráficos e editoriais (Cruz; Peixoto, 2007).
Os demais documentos utilizados, panfletos, atas de reuniões, textos datilografados e gêneros textuais semelhantes associados à atividade de movimentos sociais vinculados à Igreja Católica, foram consultados no acervo documental do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz, outrora nomeado Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Joinville, um dos objetos deste artigo. Em sua grande maioria, o acervo documental consultado é composto por textos datilografados de relatórios de encontros regionais de entidades como a Pastoral Operária e dos materiais informativos produzidos por esses movimentos. Essas fontes se associam a um processo maior de âmbito nacional: a partir do final da década de 1970, há uma dinâmica de articulação entre os movimentos ligados à Igreja Católica e associações populares, organizações sindicais, agremiações estudantis e entidades culturais (Cruz, 2013). Isso é bastante perceptível no caso da Pastoral Operária em âmbito nacional. A alta capilaridade do movimento é visível no apoio recebido da cúpula da CNBB e da participação dos trabalhadores nas bases da Igreja. Canais de comunicação como periódicos e boletins de alta tiragem contribuíam nesse sentido (Silva, 2020).
O texto está doravante dividido em duas partes. Na primeira delas, faço uma breve apresentação da Pastoral Operária, das Comunidades Eclesiais de Base e do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, buscando caracterizar a sua atuação em Joinville. Na segunda parte, analiso historicamente os movimentos grevistas de agosto de 1979 e o papel da Igreja Católica como espaço de agenciamento do dito “novo sindicalismo” em Joinville.
A tríade de movimentos sociais vinculados à Igreja Católica
Em se tratando das Comunidades Eclesiais de Base, elas parecem ter sido um caso emblemático no que diz respeito à resistência à ditadura militar na cidade de Joinville-SC no contexto da transição política, a partir da segunda metade da década de 1970. Em abril de 1981, a Agência Curitiba do Serviço Nacional de Informações (SNI) compilou informações sobre a atividade de grupos religiosos do período de outubro de 1980 a abril de 1981 na sua jurisdição (Santa Catarina e Paraná). Como conclusão, o informe relata a opção preferencial pelos pobres tomada pela Igreja Católica, por meio da disseminação das CEBs, que transforma questões justas em atos contestatórios. Conforme consta:
A opção preferencial pelos pobres numa atenção especial para a justiça social, e o apoio às aspirações justas dos operários e agricultores por uma vida mais digna, tem sido o pensamento e objeto mais intenso da Igreja nos dias atuais, não só da Igreja Católica como também da Igreja Protestante, até então mais conservadora, embora esta última, esteja representada por uns poucos líderes radicais. É através da disseminação de “Comunidades de Base”, que a Igreja Católica tem atuado com maior intensidade agindo e influenciando em vários campos. Ao abraçar as mais diversas causas, dentre do espírito propugnado, muitos de seus líderes, pela radicalização, transformam questões justas em atos contestatórios, dificultando as suas resoluções (SNI, 1981).
É interessante observar que o ímpeto incriminatório que move a própria dinâmica dos informes da espionagem da ditadura militar acabou fazendo uma síntese bastante acertada das Comunidades Eclesiais de Base: por meio da opção preferencial pelos pobres, a Igreja Católica se engajou em atos contestatórios em defesa de questões justas. Segundo Sales Jr. e Aguiar (2020, p.110):
A comunidade de base é um pequeno grupo de vizinhos de uma mesma comunidade (favela, aldeia ou zona rural popular) que se reúnem regularmente para rezar, cantar, celebrar, ler a Bíblia interpretando-a conforme o contexto de sua própria existência. Paulatinamente, as discussões e atividades da comunidade ampliam-se, em geral, com a ajuda do clero, e começam a incluir tarefas sociais: luta pela moradia, eletricidade, esgoto ou água nos bairros urbanos, lutas por terra no campo, contribuindo para a formação ou o desenvolvimento de diversos movimentos sociais.
Em Joinville,essa dinâmica foi percebida em um contexto de crescimento demográfico da cidade além daquilo que os serviços públicos eram capazes de comportar. De acordo com Facchini e Pedrini (2000, p.83-84):
Nesta etapa das CEBs [mais ou menos entre 1977 e 1982], a organização popular em torno de reivindicações por melhor qualidade de vida, foi intensa e diversificada em várias frentes de trabalho, respondendo às necessidades concretas que o contexto situacional exigia. Destacamos reivindicações nas seguintes áreas: educação, transporte coletivo, solo urbano e direito a pleno emprego.
Cabe destacar que Joinville passou de aproximadamente 70 mil pessoas, no início da década de 1960, para mais de 236 mil duas décadas depois (Gruner, 2017). Uma parte da Igreja esteve associada a esse processo no que diz respeito, por exemplo, à luta contra o déficit habitacional e o desemprego vivido pela cidade, sendo, inclusive, acusada de se beneficiar “ideologicamente” da “questão do migrante” (Coelho, 2011; Facchini; Pedrini, 2000).
Dois anos depois, um outro informe sobre a situação do clero no Paraná e em Santa Catarina produziu conclusões semelhantes. Além das já mencionadas causas justas que se convertem em ações contestatórias, o documento destacou a atuação das CEBs na questão do desemprego e do movimento dos sem-terra, por meio do trabalho de conscientização no campo e na periferia das cidades. O informe ainda diagnosticou a vantagem do modelo das CEBs para atingir os leigos da Igreja Católica e abordar de temas de natureza sócio-política e econômica (SNI, 1983).
Com efeito, esses são os principais motivos que fizeram com que as Comunidades Eclesiais de Base inquietassem a estrutura de espionagem do regime. O engajamento, mobilização e conscientização dos leigos da Igreja Católica em pautas de cunho sócio-político e econômico, para além da atividade-fim religiosa, são sintomáticos do ocaso do regime e, em alguma instância, contribuíram para ele. A título de exemplo, a descoberta dos mecanismos de exploração e dominação no mundo do trabalho foram uma das consequências da atuação das CEBs. Como um dos resultados desse processo, greves eclodiram na cidade de Joinville. Posto isso, é preciso falar sobre a Pastoral Operária.
Um informe de maio de 1980 sobre os recentes acontecimentos no campo psicossocial no Paraná e em Santa Catarina colocou a Pastoral Operária de Joinville em evidência. Nele consta que
Em JOINVILLE/SC a Pastoral Operária da Diocese local, apoiada pelo Bispo Dom GREGÓRIO WARMELING e pela Comissão Pastoral Operária do Estado de Santa Catarina, teve destacada atuação durante os últimos movimentos reivindicatórios e grevistas do operariado local, bem como deu apoio ao movimento grevista do ABC além de defender a participação dos religiosos de S. Paulo e Santo André aquele acontecimento (SNI, 1980a).
O referido apoio do bispo de Joinville, Dom Gregório Warmeling, não parece ser uma insinuação incriminatória por parte do agente do SNI que produziu esse informe. Nos muitos relatórios de encontros regionais da Pastoral Operária que consultei no acervo documental do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz era recorrente que dom Gregório fosse a ponte entre os militantes leigos e os bispos catarinenses.
Um encontro estadual da Pastoral Operária aconteceu na Paróquia Nossa Senhora das Graças, em Lages, no final de outubro de 1984. Representantes das oito dioceses catarinenses estiveram presentes, totalizando cem participantes. O objetivo do evento era realizar aprofundamento teológico sobre o clamor do povo na bíblia e refletir sobre o sindicalismo e a CUT. Na ocasião, dom Gregório participou de toda a reunião e proferiu a fala inicial, intitulada O Clamor do povo na Bíblia, em que associou o episódio bíblico do calvário a uma posição assumida por Cristo para conscientizar o mundo da contradição social entre classe dominante e dominada e para apresentar o projeto divino por meio da dinâmica Opressão-Clamor-Libertação. Após a análise de conjuntura do mundo do trabalho em cada uma das dioceses, o encontro estadual teve como uma de suas deliberações solicitar “a Dom Gregório que levasse aos Bispos do Regional [Sul IV da CNBB – Santa Catarina] o apelo para que assumam a Pastoral Operária em suas Dioceses” (Pastoral Operária, 1984).
Conclusão semelhante já havia sido obtida no encontro regional de Pastoral Operária realizado alguns anos antes, entre 07 e 09 de setembro de 1979. Como mostrarei na sequência, essa data sucede um “agitado” mês de agosto da Pastoral Operária de Joinville. Por ora, cumpre dizer que a deliberação a nível regional era que “Dom Gregório seja o apóstolo e nosso porta-voz junto aos outros bispos (na Assembleia Regional); coloque em que pé está a PO e as conclusões deste encontro, para que na Assembleia se estude como assumir a PO em âmbito regional” (Pastoral Operária, 1979).
A solicitação foi bem-sucedida, conforme relatado no relatório do encontro regional seguinte da Pastoral Operária, de abril de 1980, realizado em Joinville um pouco antes do informe do SNI em questão, ao tratar do intercâmbio das pastorais de Joinville e Curitiba. Dom Gregório esteve presente e relatou que levou o assunto aos seus colegas epíscopes e a Regional Sul IV da CNBB assumiu a Pastoral Operária. Como consequência disso, esse encontro de abril de 1980 serviu para formar a Comissão de Pastoral Operária Regional de Santa Catarina, com predomínio de representantes joinvilenses, a cargo da parte executiva, e dom Gregório Warmeling designado como bispo responsável (Pastoral Operária, 1980).
Ainda falando do informe de maio de 1980 do SNI, o documento mencionou a greve dos químicos e farmacêuticos em Joinville, na seção de Movimento Operário do informe, como aquela que mais mereceu destaque em Santa Catarina. Baseado nas contribuições da historiadora Iara Andrade Costa (1989), é possível perceber que o movimento dos químicos e farmacêuticos foi bastante representativo. Ele está inserido em um contexto das primeiras articulações reivindicatórias em Joinville, entre julho e agosto de 1979. Segundo a autora, “este movimento deixou claro à população joinvilense que as poderosas, eficientes, justas fábricas de material plástico não são tão justas quanto se pensava ou alguns alardeavam” (Costa, 1989, p.45). O informe ainda relata as articulações em Joinville para apoiar a greve dos metalúrgicos do ABC, tais como arrecadar fundos por meio da venda de material (jornais e panfletos, por exemplo).
É perceptível o papel da Pastoral Operária e dos movimentos sociais ligados à Igreja, de maneira geral, na articulação dos atos contestatórios. A grande frequência com que certas entidades e personagens apareceram nos informes da comunidade de informações e o incômodo causado nas elites empresariais locais corrobora isso.
Além da Pastoral Operária e das Comunidades Eclesiais de Base, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Joinville foi uma das entidades vinculadas à Igreja Católica com relevante atuação a partir do final da década de 1970 e início da década de 1980. O CDDH foi inaugurado em setembro de 1978, com a vinda do Arcebispo de São Paulo, Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns. O conteúdo do estatuto aponta para a vinculação da entidade à Igreja Católica. Embora um órgão da sociedade civil, o CDDH é inspirado nos “valores fundamentais do homem e do Evangelho”. São objetivos da entidade, conforme artigo 2º do estatuto:
I - Divulgar, promover e defender os direitos individuais e coletivos, constantes de leis, da Constituição brasileira, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela ONU, e de outros documentos pertinentes de outras organizações.
II - Promover a formação de pessoas e de grupos de pessoas capazes de esclarecer, ajudar e orientar os cidadãos e grupos de cidadãos, no que concerne seus direitos, obedecido o princípio da subsidiariedade.
III - Promover atividades, palestras, cursos, pesquisas da realidade, publicações sobre os Direitos Humanos e sua aplicação.
IV - Buscar soluções no sentido de eliminar injustiças, revelando as violações dos Direitos Humanos e suas causas de forma a permitir a aplicação da lei e da justiça.
§ único - O Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Joinville, poderá para a execução de seus fins colaborar ou aceitar colaboração de outras entidades (SNI, 1980b).
Ou seja, o escopo de atividades da instituição contemplava ações de divulgação e defesa dos principais marcos normativos nacionais e internacionais de proteção de direitos individuais e coletivos. Conforme Facchini e Pedrini (2000), o CDDH serviu, como instituição civil, para dar amparo jurídico às ações das Comunidades Eclesiais de Base.
Não apenas no estatuto a vinculação à Igreja Católica é manifesta. A matéria na imprensa local que anunciou a fundação da instituição anunciou que se tratava de uma entidade da Igreja para a defesa dos direitos humanos, iniciativa da Paróquia Cristo Ressuscitado. Como motivadores, o padre Luiz Facchini, principal representante em Joinville do setor do clero considerado “progressista”, relatou um processo de amadurecimento das Comunidades Eclesiais de Base e a necessidade do centro para lidar com problemas sociais como a criminalidade e falta de habitações em Joinville. Em particular, é relatado que houve a tentativa por parte do sacerdote de criar uma Comissão de Justiça e Paz, a exemplo do que foi feito pelo Cardeal Arns na Arquidiocese de São Paulo, mas não foi possível pois essa reuniria apenas profissionais liberais e pessoas das elites da cidade, diferentemente do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, em que a presença massiva de indivíduos oriundos das Comunidades Eclesiais de Base presumivelmente garantiria a representação das classes populares que experimentam os problemas sociais de Joinville (A Notícia, 1978).
O Centro de Defesa dos Direitos Humanos, assim como a Pastoral Operária, foi instituição pioneira em Santa Catarina. Nesse sentido, o CDDH atuou como centro de referência para difusão desse modelo de organização civil. Foram recorrentes os encontros com integrantes de instituições semelhantes para debates sobre a sua atuação. Sua inauguração, em setembro de 1978, contou com a presença do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, notório membro da Igreja Católica brasileira na defesa dos direitos humanos e na luta pela democracia.
Rememorando a criação do CDDH, a religiosa Irma Kniess (2009) falou de uma grande movimentação na Igreja, das Comunidades Eclesiais de Base e das organizações operárias. Nesse sentido, ela destaca uma passagem de Luiz Inácio da Silva por Joinville, no ano de 1978. A partir da presença deste então líder sindical do ABC paulista e dos contatos dos padres de Joinville com os sacerdotes de São Paulo, ocorreu a formação do Centro de Direitos Humanos de Joinville. Somado à vinda do Cardeal dom Paulo Evaristo Arns para inauguração o CDDH, esse evento pode ser entendido como um indício dos contatos dos padres e dos movimentos sociais vinculados à Igreja de Joinville com os de São Paulo. Nesse contexto, a tríade Pastoral Operária – Comunidades Eclesiais de Base – Centro de Direitos Humanos já estava se azeitando e a sua atuação no mundo do trabalho e na sociedade em geral seria evidente nos anos seguintes.
Como um desdobramento da atividade do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, destaco a criação Comitê de Solidariedade ao Desempregado em Santa Catarina, em agosto de 1981, e a Associação dos Desempregados de Joinville, em março de 1983. As duas entidades ganham um caráter de resistência e de defesa dos Direitos Humanos quando se leva em consideração a forma como a atividade considerada subversiva era combatida em Joinville durante o processo de transição política. Diferentemente das prisões e mortes que vigoraram no país nos anos de chumbo, em Joinville durante a transição política, o movimento operário era combatido com o desemprego e, por conseguinte, com a fome e o desespero. Soma-se a isso, o “fantasma do desemprego” que assombrou Joinville: a partir da segunda metade da década de 1970, a maioria das empresas da cidade diminui a intensidade de contratação de funcionários, mas a mão-de-obra migrante não parou de chegar (Freire, 2015; Gruner, 2017).
A título de encaminhamento, a atuação em rede foi uma estratégia mobilizada por esses religiosos na circunstância de resistência à repressão e à perseguição promovida pela ditadura militar. Isso pode ser constatado tanto na alta hierarquia da Igreja, como no caso dos bispos, quanto nas organizações de cunho social surgidas no interior da Igreja Católica, que atuaram como centros de referência e difusão de certas noções e práticas do clero dito progressista.
Além dos casos já citados, de encontros regionais, de contatos dos religiosos com os grandes centros do país e de circulação física de pessoas e intelectuais de ideias no interior da Igreja Católica, cito brevemente, na sequência, um outro episódio para enriquecer a discussão proposta por este trabalho: entre os dias 18 e 19 de junho de 1982, o bispo de Santo André, Dom Cláudio Hummes, esteve em Joinville a convite de Dom Gregório Warmeling. O objetivo da vinda era realizar palestras a respeito da encíclica papal Laborem Exercens, publicada no ano anterior pelo papa João Paulo II, que trata do trabalho humano (SNI, 1982). Trata-se de uma encíclica que se inscreve na tradição da doutrina social da Igreja, em particular a respeito da preocupação com o trabalho (Kujawski, 2020). Palestras foram realizadas na Paróquia Cristo Ressuscitado, na FURJ (atual UNIVILLE), na Paróquia da Paz (da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) e no bairro Boa Vista (provavelmente na Igreja da Imaculada Conceição), contando com a presença de membros das CEBs, da Pastoral Operária, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos, do PT e da Igreja Luterana. Cabe destacar que Dom Cláudio Hummes, bispo de Santo André, participou na denúncia das estruturas desumanas de trabalho e no posterior apoio estrutural às Greves do ABC, a partir de 1978 (Souza, 2015; Silva, 2020). Assim sendo, a presença do bispo de Santo André em Joinville é uma pista da rede de laços do operariado local com os grandes centros industriais do país – e com os movimentos socias vinculados à Igreja Católica, por sua vez –, e da inspiração do modelo a ser seguido pela Pastoral Operária de Joinville na mediação das relações de trabalho.
A esse respeito, as Greves do ABC marcam o retorno dos trabalhadores aos movimentos paredistas, desta vez sob a égide do “novo sindicalismo”. O pioneirismo metalúrgico é somado a greves organizadas por outras categorias, tais como bancários, petroleiros e professores, em um contexto de notável ascensão da classe trabalhadora no Brasil, marcada pela pujança mobilizatória e o protagonismo sindical (Santana, 2017). Todo esse processo se associa ao esgotamento do chamado “milagre econômico” cujo o preço a ser pago pelos trabalhadores foi alto demais: ampliação das desigualdades sociais e regionais, concentração de renda, empobrecimento da população, êxodo rural etc. (Pardo; Earp, 2017; Santos, 2022; Napolitano, 2018).
Tendo apresentado de maneira bastante breve as atividades empreendidas pela Pastoral Operária, pelas Comunidades Eclesiais de Base e pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos, o próximo item do texto tratará dos movimentos grevistas de agosto de 1979 e o papel da Igreja Católica como espaço de agenciamento do dito “novo sindicalismo” em Joinville.
A Igreja Católica como espaço de agenciamento do dito “novo sindicalismo”
“Ação ou efeito de agenciar; ato de negociar; negociação. Ação de mediar pessoas com interesses em comum” (Agenciamento, 2024).
A Pastoral Operária de Joinville foi a primeira organização dessa ordem em Santa Catarina. Sua atuação pioneira é apontada como intimamente ligada à primeira greve eclodida em Joinville no contexto da ditadura militar. É atribuída à Pastoral Operária a distribuição de um panfleto (Figura 1), também assinado pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos, logo após uma denúncia de más condições de trabalho em uma indústria local e a demissão daqueles envolvidos na reivindicação de seus direitos.
Figura 1: Versão digitalizada do panfleto “Eu vi a aflição do meu povo”
Fonte: Acervo do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz. Digitalizado pelo autor (2024).
O panfleto Eu vi a aflição do meu povo é um bom exemplo da atuação da Pastoral Operária. Há uma astuciosa releitura bíblica, perceptível pela citação literal de um versículo do livro do Êxodo no título do panfleto, explicitamente associando as dificuldades do tempo presente com a opressão sofrida pelo povo hebreu no Egito. Soma-se a isso a instrumentalização da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do discurso do papa João Paulo II em sua recente visita à América Latina.
Esse emblemático caso já foi analisado por outras produções historiográficas locais. Segundo Costa (1989, p.39):
Apesar da desunião e da aparente alienação do trabalhador joinvilense, um fato, veio uni-los pela solidariedade de classe. A denúncia foi feita pela Pastoral Operária que publicou um documento “Eu vi a Aflição do Meu Povo”... e desencadeou uma das maiores polêmicas na cidade, e o rompimento da primeira greve na região, depois de tantos anos de passividade.
Algo parecido consta na obra de Freire (2015, p.178-179), referindo-se à existência de “um manifesto datilografado sob o título: ‘Eu vi a aflição do meu povo’”:
Além dos casos citados, denunciava ainda a demissão de trabalhadores por participarem de reuniões da Pastoral [Operária], sendo lido em celebrações litúrgicas de algumas paróquias e no rádio. O assunto, então, ganhou dimensões imprevisíveis e passou a predominar nas conversas dos operários nas fábricas.
O material foi distribuído nas portas das igrejas católicas na missa de domingo (29 de julho) e a repercussão foi imediata. Dois dias depois, na terça-feira, dia 31 de julho, a Metalúrgica Schulz assinou uma nota, publicada na primeira página da imprensa joinvilense no dia seguinte, chamando de inverídicos “os fatos narrados num manifesto apócrifo”. É possível afirmar que, nesse momento, a repercussão das denúncias já era de dimensão estadual, levando em conta que a nota inicia se posicionando “face às notícias divulgadas pela imprensa e rádio locais, assim como de outras cidades catarinenses”. A nota ainda afirma que, segundo a diretoria da empresa, foi mantido contato com dom Gregório, que garantiu que desconhecia as iniciativas da Pastoral Operária e que se comprometeu a tomar as providências cabíveis. A nota concluiu afirmando que reina a mais absoluta tranquilidade entre os trabalhadores da empresa (Metalúrgica Schulz, 1979). Ledo engano!
Como um desdobramento da difusão do panfleto Eu vi a aflição do meu povo, movimentos grevistas eclodiram nas principais indústrias da cidade. Contando com o apoio da Pastoral Operária, uma a uma as grandes empresas joinvilenses foram atingidas pelos movimentos paredistas nos anos finais da ditadura militar. Em um primeiro momento, em agosto de 1979, os alvos foram as metalúrgicas.
No mesmo dia em que a empresa publicou a nota apresentando a sua versão dos fatos, o Jornal de Joinville apontou a ameaça de greve na Metalúrgica Schulz. Segundo o que o vice-presidente da empresa relatou à redação do periódico, já havia um suspeito pela autoria do manifesto: “Trata-se de um padre de Joinville”. “Ele quis se referir ao padre Fachini, o que citou mais tarde”, apontou o texto. A notícia de primeira página ainda sinaliza o contato de dom Gregório pedindo que a nota não fosse publicada até que ele se certificasse da veracidade das denúncias: “se o panfleto tiver fundo de verdade, eu o endosso. Já rompi com um governador e topo qualquer parada. Mas não admito mentiras, como não admito que envolvam a Diocese neste caso”, afirmou o bispo (Jornal De Joinville, 1979a).
No mesmo dia 31, quando a nota e a ameaça de greve foram publicadas, os dois personagens supracitados se encontraram para uma análise da situação, dom Gregório e o vice-presidente do Grupo Schulz. Ao que tudo indica, o teor da conversa foi confidencial, pois ambas as partes envolvidas nada declararam a respeito ao serem questionadas pela imprensa (Jornal De Joinville, 1979b).
O mesmo Jornal de Joinville não entendeu a relutância de dom Gregório em condenar a Pastoral Operária. De acordo com um curto trecho de caráter opinativo intitulado Receio?, “ninguém entendeu o receio do bispo Dom Gregório, em relação à nota da Pastoral Operária de Joinville” (Jornal De Joinville, 1979c). Talvez a posição eminentemente conciliatória que era esperada do epíscope não justificava uma suposta omissão frente às denúncias. Quando o esperado pronunciamento do bispo veio, no final de agosto, vários estabelecimentos industriais já haviam sido atingidos pelas greves.
No dia 02, 300 operários da Metalúrgica Douat paralisaram suas atividades, exigindo um aumento salarial de 60% e reclamando das precárias condições de trabalho, tais como a baixa qualidade da comida do refeitório, a falta de uniforme de trabalho e a ausência de chuveiros nas dependências da empresa. No mesmo dia, o governo estadual enviou para Joinville o secretário de Relações do Trabalho e Integração Política, Fernando Bastos, para mediar as negociações entre patrões e empregados (A Notícia, 1979a).
Em se tratando da mediação, aliás, essa paralização foi organizada sem participação do sindicato competente. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos e na Indústria do Material Elétrico, Orlando Silva, e o responsável pela agência do Ministério do Trabalho, DálcioHolske, foram surpreendidos pelo movimento e foram recebidos com certa animosidade na concentração em frente à fábrica. Indícios dos limites desse tipo de representação sindical seriam perceptíveis em outros momentos de agosto de 1979.
Em assembleia realizada na Liga de Sociedades com cerca de 400 operários e alguns policiais à paisana infiltrados, o sindicalista Orlando Silva defendeu a posição dos patrões, apontando que a empresa não teria condições de arcar com os 60% solicitados, alegando riscos de demissão em massa. Ainda que irredutíveis, os grevistas concordaram em uma proposta de aumento de 30% para quem ganha até dois salários mínimos e 10% para quem recebe entre dois e cinco salários mínimos, além de manutenção dos preços cobrados nas refeições na fábrica. Também foram eleitos representantes entre os operários grevistas para representar o movimento nas negociações com a empresa (Extra, 1979a; A Notícia, 1979c).
Após três dias úteis parados, a greve foi encerrada quando os trabalhadores aceitaram a proposta de aumento imediato de 18% para quem ganha até dois salários e 10% para quem ganha entre dois e cinco salários mínimos e um novo reajuste de 12% para meados de outubro, além do não desconto na folha de pagamento dos dias de greve, o fornecimento de macacões como uniforme de trabalho e a garantia que os grevistas não seriam demitidos (A Notícia, 1979d).
Os tempos haviam mudado e muita gente foi pega de surpresa. Eram as primeiras movimentações reivindicatórias de cunho paredista e grevista em pelo menos 15 anos na cidade. O editorial de A Notícia, publicado no mesmo dia em que a paralização na Douat foi anunciada, evocou os sentidos atribuídos à Manchester Catarinense[4] como mantras para a conciliação e a desmobilização:
JOINVILLE, como cidade industrial, deve manter a serenidade. É preciso que façamos justiça às nossas mais significativas tradições de cidade ordeira, pacata, produtiva, onde ao lado da produção de riquezas, viva um povo ainda mais unido nas horas perigosas, capaz de, com a mesma inteligência e talento com que produz, saber manter a serenidade e resolver suas pendências pelo diálogo e pela conciliação, virtudes que sempre estiveram presentes ao longo da nossa história (A Notícia, 1979b).
Conteúdo de similar teor foi publicado no Jornal de Joinville alguns dias depois. Sob o título Joinville (não muito) pacata, foi argumentado que “A nossa cidade há muito tempo que deixou de ser pacata e ordeira. Nos últimos dois meses está sendo sacudida por acontecimentos inéditos. Denúncias às empresas, pedidos de aumentos salariais com ameaça de greve e por último a deflagração da greve dos metalúrgicos” (Jornal de Joinville, 1979e).
Semelhante à nota publicada pela Metalúrgica Schulz, a Sociedade Joinvilense de Medicina se manifestou na imprensa a respeito do episódio do atendimento médico aos operários da Schulz. Uma das mortes foi associada a um ataque cardíaco, enquanto a outra, malgrado o atendimento no ambulatório da empresa, não pôde ser evitada em função do estado de saúde grave do paciente. A agressão contra o trabalhador, por seu turno, foi justificada em nome da “defesa da moral, duramente atingida no exercício da profissão”. Concluindo, a nota afirma o entendimento dessa associação profissional de que
tal feito é passível de ocorrer no dia-a-dia de qualquer profissional e por isso, sob hipótese alguma, pode ser associado a acontecimentos outros e explorado num panfleto sem assinatura e distribuído às portas de igrejas católicas com o objetivo de denegrir o conceito da laboriosa classe médica que tem sempre contribuído na legítima defesa da comunidade joinvilense, não medindo esforços para dar de si a máxima atenção para todos (Sociedade Joinvilensede Medicina, 1979).
É importante pontuar que esse tipo de posicionamento da Sociedade Joinvilense de Medicina a respeito dos sindicatos não era exatamente inédito. Exatamente cinco anos antes, em agosto de 1974, a entidade tinha tomado atitude semelhante. Nessa circunstância, a Sociedade Joinvilense de Medicina chamou de demagógicos os sindicatos que criticaram o “aumento indiscriminado e exorbitante” do preço dos atendimentos médicos em ambulatórios e consultórios particulares (Jornal de Joinville, 1974). Ainda que aparentemente bastante alheia à política local, a entidade não tardava a defender os interesses da sua categoria profissional quando julgava necessário.
Na semana seguinte, foi a vez da Indústria Schneider. Mais de uma centena de trabalhadores paralisaram suas atividades exigindo um aumento salarial de 30%, fornecimento de uniformes e melhoria das condições sanitárias das instalações fabris. Mais uma vez, o sindicalista competente, Adalcino Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Oficinas Mecânicas, se colocou ao lado da empresa nas mediações, afirmando que ela não cederia às demandas dos grevistas (A Notícia, 1979e).
Seriam eles “pelegos”? Questionado sobre as acusações, Orlando Silva, do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos e na Indústria do Material Elétrico, não aparentou preocupação com a alcunha: “é um prazer ser chamado de pelego, porque atualmente são poucos os existentes” (Jornal de Joinville, 1979d). As tensões nas negociações mediadas pelos sindicalistas entre trabalhadores e patrões podem ser indícios do esgotamento de um certo tipo de sindicalismo, pejorativamente chamado de “pelego”, concomitantemente à ascensão de um outro, bastante inspirado no ABC paulista.
Um editorial do jornal Extra, vinculado ao MDB local, ao defender as greves por melhores salários e condições de trabalho mais humanas, denunciou a posição desconfortável em que as lideranças sindicais foram colocadas:
A constatação é de um dirigente sindical de Joinville, que apesar de estar longos anos na presidência da entidade, jamais tinha participado de uma greve. Compelidos a dirigir a greve em função do cargo ocupado, os presidentes dos sindicatos de trabalhadores de Joinville, sentiram-se de repente numa posição bastante incômoda. Habituados a pisar em tapetes macios, à comodidade de um gabinete ultra mobiliado, os líderes sindicais, pressionados pelos trabalhadores, vítimas de anos de opressão econômica e social, estas figuras do trabalhismo nacional, ficaram a descoberto (Extra, 1979b).
Para efeito de comparação, as lideranças sindicais locais estavam bastante afinadas com o regime autoritário vigente. Em 1975, a VIII Semana Sindical e o VII Encontro Estadual de Trabalhadores foram realizados simultaneamente na última semana de abril, para que seu encerramento coincidisse com a visita do general-presidente Ernesto Geisel a Joinville, em 1º de maio (A Notícia, 1975a). Recheado de autoridades políticas e empresariais, o evento foi enaltecido pela imprensa local por denotar “clima propício ao efetivo entendimento entre as classes trabalhadoras e as autoridades constituídas”, muito diferente do sindicalismo trabalhista de outrora, “elemento de desagregação, incapaz de cumprir a sua finalidade” (A Notícia, 1975b).
Ao que parece, os movimentos grevistas tiveram uma dinâmica “de baixo para cima”, pois sua deflagração escapou do controle dos sindicatos ditos “pelegos”, pouco acostumados a campanhas reivindicatórias mais combativas. Nessa dinâmica que o papel da Pastoral Operária foi crucial. Quer dizer, a Igreja Católica foi um espaço de agenciamento do dito “novo sindicalismo”, por meio da denúncia das más condições de trabalho, colocando a questão na ordem do dia na opinião pública da cidade e fomentando a conscientização dos operários locais frente às injustiças a que estavam expostos, ao mesmo tempo em que foi um espaço de agenciamento por parte dos trabalhadores, que instrumentalizaram a prática religiosa para as reivindicações no mundo do trabalho. Além disso, o sucesso da campanha grevista dos trabalhadores de uma determinada empresa acabou sendo um modelo a ser seguido pelos demais.
Um dia após os trabalhadores da Indústria Schneider declararem greve foi a vez dos operários da Metalúrgica Duque. Aproximadamente 700 trabalhadores entraram em greve. As reivindicações eram de aumento salarial de 60%, adicional de insalubridade, redução do preço das refeições na fábrica, ônibus especiais para os trabalhadores e fornecimento de uniformes (A Notícia, 1979f). Ambas as greves terminaram com os trabalhadores aceitando a proposta patronal de reajustes parcelados e melhoria nas condições de trabalho (A Notícia, 1979g; 1979h).
Somado aos movimentos paredistas e grevistas da Douat, Schneider e Duque, amplamente retratados na imprensa local, o trabalho de Iara Andrade Costa (1989), particularmente preocupado com os movimentos paredistas entre 1979 e 1985 em Joinville, também fez menção a movimentações entre julho e agosto na Metalúrgica Joinvilense, Metalúrgica Schulz, empresas de ônibus e o já citado movimento de químicos e farmacêuticos, valendo-se como fonte para tal um boletim da Pastoral Operária de Joinville que eu não localizei nos acervos documentais consultados. Ao que parece, no caso dessas empresas, as conquistas de aumento salarial e melhores condições de trabalho se deram nas assembleias com o sindicato, sem necessidade de greve, de tal forma que os movimentos não acabaram repercutindo na imprensa local.
Ou seja, o saldo de agosto de 1979 é de conquistas trabalhistas em cinco metalúrgicas da cidade (Schulz, Douat, Joinvilense, Schneider e Duque), sendo em três delas a partir de greves, além das empresas de ônibus e dos químicos e farmacêuticos. Resultado bem significativo para a cidade em que a classe empresarial se orgulhava de seu povo pacato e ordeiro. Indo além, se em nível nacional o “novo sindicalismo” marcou o retorno dos trabalhadores às greves, em Joinville não era exatamente um retorno, mas uma novidade. Algumas das greves aconteceram em empresas com décadas de atuação sem nenhum registro de movimento paredista.
O secretário de Relações do Trabalho e Integração Política, Fernando Bastos, que havia sido enviado pelo governo estadual para Joinville se reuniu com o Padre Facchini e relatou suas impressões à imprensa. Achou-o “profundamente inteligente e idealista”, mas não “comunista, como tantos afirmam”. Prossegue ele: “não acredito que estas greves estejam sendo montadas nas sacristias das igrejas, não acredito mesmo” (Jornal de Joinville, 1979f).
Fazendo o caminho inverso das declarações, é possível afirmar que era atribuído, injustamente ou não, ao sacerdote da Paróquia Cristo Ressuscitado a responsabilidade pelos movimentos grevistas. Se verdade, esse papel era desempenhado nos bastidores, pois, com exceção do panfleto do final de julho, não existem menções a um papel ativo de religiosos nas negociações grevistas. Julgo mais provável que os leigos que militavam na Pastoral Operária tenham tido protagonismo nas reivindicações em suas empresas, a partir de agenciamentos operários do espaço católico.
Um relatório produzido pela Pastoral Operária no ano seguinte, à luz de certo distanciamento temporal dos movimentos grevistas, dá valiosas pistas para entender a atuação católica no mundo do trabalho.
Meses mais tarde [nos círculos bíblicos da Paróquia Cristo Ressuscitado], chegamos à conclusão de que não adiantaria nada a gente se reunir sem tentar influir no sindicato de nossa categoria. Foram descobertas as datas-base de diversas categorias. Isso ajudou o pessoal a atuar nas campanhas salariais respectivas. Nessa época, os grupos foram se multiplicando em diversos bairros da cidade. Praticamente, as categorias mais importantes recebem influência decisiva da PO no desenvolvimento das campanhas salariais (Comissão de Pastoral Operária, 1980).
É provável que o “entrismo” da Pastoral Operária fez com que, ainda que pouco numerosos, seus militantes fossem decisivos nos movimentos paredistas e grevistas que tanto ameaçaram as grandes empresas da cidade. Cumpre dizer que, no caso das indústrias metalúrgicas e de material elétrico, as estimativas davam conta de aproximadamente 10 mil trabalhadores (8 mil deles sindicalizados), enquanto algumas poucas centenas militavam na Pastoral Operária.
Simbolicamente, ainda em agosto, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos e na Indústria do Material Elétrico de Joinville e sua respectiva associação patronal negociaram uma antecipação salarial escalonada de 26%. Mais do que benevolência dos patrões e dos líderes sindicais, era preciso fornecer resposta às greves que atingiram várias empresas importantes do setor metalúrgico (A Notícia, 1979i). Algo semelhante aconteceu nas empresas ligadas ao ramo de fiação e tecelagem. A iminência de movimentos grevistas foi freada com a concessão de aumento salarial antecipado. Ainda segundo a mesma matéria, os trabalhadores que mais se empenharam nos movimentos paredistas estavam sendo demitidos pelas empresas. O mesmo valeu para aqueles que foram identificados como possíveis “agitadores” em empresas que ainda não haviam sido atingidas pelas greves, como a Docol e a Tupy (Extra, 1979c).
A resposta de dom Gregório Warmeling aos acontecimentos de agosto veio apenas no final do mês. Defendendo a Pastoral Operária e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos, ele apontou que é dever da Igreja marcar presença no mundo operário por meio de seu engajamento de cunho religioso e social, alheio a qualquer sistema político ou ideologia, desenvolvendo no trabalhador a consciência de sua dignidade de pessoa humana. A opção preferencial pelos pobres, preconizada por Puebla, ocorrida no início de 1979, é sinalizada como ponto de partida para se posicionar frente ao “escandaloso e antievangélico desequilíbrio econômico consequência de estruturas econômicos-sociais” (Warmeling, 1979). Se no final de julho as classes empresariais queriam que dom Gregório Warmeling condenasse a Pastoral Operária, o pronunciamento, ainda que bastante conciliatório e moderado, demonstrou o apoio do epíscope ao trabalho desenvolvido pelos movimentos sociais associados à Igreja.
É emblemático que os principais alvos das greves tenham sido as metalúrgicas. Com efeito, o setor eletro-metal-mecânico era o carro chefe da indústria joinvilense. A título de exemplo, em 1985, a cidade representava 64,3% da indústria metalúrgica e 63,8% da mecânica de Santa Catarina. Essa liderança no setor é resultado de um conjunto de empresas que se expandiu rapidamente ao se vincular à industrialização pesada nacional da segunda metade da década de 1950 e, a partir da década seguinte, cresceu fortemente a partir de sua associação ao projeto nacional de industrialização, à participação do governo catarinense no fornecimento de transporte, crédito e energia, e à condução desempenhada pelas empresas de médio e grande porte do setor (Goularti Filho, 2007).
As repercussões do “agosto de 1979” em Joinville foram nacionais. No primeiro número do Boletim da Comissão de Pastoral Operária, de setembro/outubro de 1979, editado pela Diocese de Volta Redonda com circulação nacional, o panfleto Eu vi a aflição do meu povo foi reproduzido na íntegra, acompanhado de uma charge fazendo referência ao episódio dos trabalhadores acidentados reconduzidos à fábrica pelos médicos da empresa, sob ordens do patrão (Figura 2).
Figura 2: Charge do Boletim da Comissão de Pastoral Operária
Fonte: Boletim da Comissão de Pastoral Operária (ano I, n. 1, set./out., 1979, p.5). Acervo do Centro de Direitos Humanos Maria da Graça Braz.
Em um contexto que o dito “novo sindicalismo” ainda poderia ser considerado uma novidade no mundo do trabalho, o caso de Joinville era significativo e digno de projeção nacional, no caso do Boletim da Comissão de Pastoral Operária, como indício da expansão daquele modelo de negociação dos conflitos de classe para outros polos industriais do país. Esta é uma outra pista da dinâmica de atuação em rede, estratégia bastante utilizada pelos religiosos na conjuntura de resistência à repressão e à perseguição promovida pela ditadura militar. Sem dúvidas, Joinville foi um centro de referência regional e difusão de certas noções e práticas da Igreja Católica no mundo do trabalho.
Considerações Finais
O objetivo deste texto foi analisar historicamente uma série de greves e movimentos paredistas, ocorridos em agosto de 1979, muito associados à militância dos movimentos sociais vinculados à Igreja Católica.Como fonte, foi feito uso da imprensa periódica local, dos informes produzidos pela estrutura de espionagem da ditadura militar e de panfletos, atas de reuniões, textos datilografados e gêneros textuais semelhantes associados à atividade de movimentos sociais vinculados à Igreja Católica.
Como resultado, é possível afirmar que o ano de 1979 marcou uma nova fase dos movimentos sociais vinculados à Igreja Católica em Joinville. A divulgação do panfleto Eu vi a aflição do meu povo e as consequências da sua difusão, entre julho e agosto de 1979, deram uma nova dimensão ao tipo de atuação religiosa de oposição à ditadura militar. Entre 1979 e 1985, os movimentos sociais vinculados à Igreja Católica fomentaram o engajamento, a mobilização e a conscientização dos católicos leigos em pautas de cunho sócio-político e econômico, para além da atividade-fim religiosa.
Uma a uma, as grandes empresas joinvilenses foram atingidas pelos movimentos grevistas. Eram as primeiras movimentações reivindicatórias de cunho paredista e grevista em pelo menos 15 anos em Joinville. Desdobramento bastante emblemático, levando em consideração que as classes empresariais e políticas da cidade se orgulhavam de seu povo presumivelmente pacato e ordeiro.
Na imprensa, a responsabilidade pelas greves era atribuída ao padre Luiz Facchini, conhecido sacerdote joinvilense que praticava um catolicismo mais engajado em questões de ordem política e socioeconômica. Se a acusação era verdadeira, esse papel era desempenhado nos bastidores, pois, com exceção do panfleto Eu vi a aflição do meu povo, não existem menções a um papel ativo de religiosos nas organizações grevistas. Penso que é mais crível que os católicos leigos que militavam na Pastoral Operária tenham tido protagonismo nas reivindicações em suas empresas.
Ou seja, a Igreja Católica atuou como espaço de agenciamento do chamado “novo sindicalismo” em Joinville, não como agente. Ao denunciar as condições precárias de trabalho em uma indústria da cidade e a demissão daqueles envolvidos na reivindicação de seus direitos, a Igreja contribuiu para a consciência, por parte do operariado local, dos mecanismos de exploração e dominação. Os trabalhadores, por sua vez, agenciaram o espaço católico para suas reivindicações trabalhistas.
Nessa circunstância, ainda que pouco numerosos, os militantes da Pastoral Operária foram decisivos nos movimentos paredistas e grevistas que tanto ameaçaram as grandes empresas da cidade. As mobilizações se deram em uma dinâmica de baixo para cima, tendo em vista que os sindicalistas da cidade foram surpreendidos pela irrupção do movimento e os trabalhadores não necessariamente se sentiam representados por ele.
Por meio das suas entidades, a Igreja Católica emprestou seu prestígio e legitimidade aos esforços de articulação do movimento operário da cidade, sobretudo a partir da inexistência de uma liderança sindical destacada em Joinville nos moldes do “novo sindicalismo” do ABC paulista. A possibilidade de um novo modelo de negociação dos conflitos de classe foi a maior contribuição da Pastoral Operária para o mundo do trabalho da autointitulada Manchester Catarinense.
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Aceito em 26/11/2024.
[1]Doutorando em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bolsista CAPES. Brasil. E-mail: viniciusmira1987@gmail.com| https://orcid.org/0000-0002-4628-3232
[2] A Teologia da Libertação é um movimento social, religioso e teológico constituído a partir da década de 1970, por filósofos, teólogos e religiosos latino-americanos. É tributário da reflexão religiosa e espiritual de experiências da década anterior, de atuação religiosa da Igreja Católica, tais como as Comunidades Eclesiais de Base, a Ação Católica e a Juventude Operária Cristã, sob o marco da “Igreja dos Pobres” (Löwy, 2016). Das características da Teologia da Libertação enumeradas por Michael Löwy, julgo pertinente a este texto destacar a crítica moral e social do pecado estrutural no capitalismo, a opção pelos pobres, o marxismo como instrumento de análise, a releitura bíblica à luz da opressão sofrida pelo povo de Deus e a luta contra a idolatria dos bens materiais no capitalismo.
[3] O termo “movimentos sociais vinculados à Igreja Católica” é impreciso, mas usado na ausência de uma denominação melhor. No decorrer deste trabalho, ele faz referência, sobretudo, às comunidades eclesiais de base, à Pastoral Operária e ao Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Enquanto a última é uma entidade da sociedade civil, cuja vinculação à Igreja Católica se dava pela participação de religiosos, religiosas e católicos leigos nas atividades desenvolvidas, os dois primeiros faziam parte da estrutura da Igreja Católica e contavam com apoio institucional diocesano, a Pastoral Operária como braço da Igreja no mundo do trabalho e as comunidades eclesiais de base como extensão do protagonismo leigo em regiões periféricas de Joinville. Malgrado suas especificidades organizacionais, as três entidades se adequam ao conceito de movimento social proposto por Cristina Nunes (2014, p.135), em diálogo com Charles Tilly e Sidney Tarrow (2006): “o conceito de movimento social implica uma definição dos adversários e um processo de ação coletiva consecutivo que tenta ter consequências políticas por um determinado período”. Esse tipo de ação coletiva contempla: i) “campanhas sustentadas de reivindicações”; (ii) “um conjunto de performances públicas que incluem manifestações, comícios, criação de associações especializadas, encontros públicos, petições, propaganda e lobbying”; (iii) “representações públicas concertadas de respeitabilidade, unidade, número e compromisso”.
[4] Manchester Catarinense é o epíteto atribuído a Joinville que compara a sua importância no processo de industrialização de Santa Catarina no decorrer do século XX ao papel desempenhado pela cidade inglesa de Manchester no contexto da Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, considerada a primeira cidade industrial do mundo. Ainda que a alcunha de “Manchester” seja utilizada pelo menos desde a década de 1920, esse apelido ganhou destaque acentuado durante a ditadura militar, em função das relações próximas entre as elites políticas e empresariais locais e o regime instaurado pelo golpe de 1964, e os sentidos autoritários atribuídos ao epíteto, por conseguinte. Aprofundando o argumento, a longa duração das pretensões de ordem e harmonia em Joinville – perceptível ao coligir trabalhos historiográficos como os de Costa (1989; 1996), Souza (1998) e Gruner (2017) –,confunde-se com os sentidos outorgados ao apelido de Manchester Catarinense.