Ganeses da Copa: indícios da formação de um fluxo migratório no tempo presente[1]

Ghanaians at the World Cup: elements of the constitution of a migratory flow in the present time

                                               Michelle Maria Stakonski Cechinel[2]

Gláucia de Oliveira Assis[3]

 

 


Resumo

O presente artigo pretende analisar os recentes fluxos migratórios de ganeses que se deslocaram da República de Gana, na África Ocidental, para o Brasil, a partir de 2014. A hipótese apresentada sugere que o evento da Copa do Mundo Fifa, realizada no Brasil, foi o principal vetor de entrada de migrantes ganeses no país, que, até então, não figurava como destino migratório no histórico dos deslocamentos ganeses. O artigo está dividido em duas seções que discutem, respectivamente, a relação do governo de Gana com o financiamento de torcedores e torcidas organizadas, a partir dos relatos orais de três migrantes ganeses, e as estratégias de permanência dos migrantes após a expiração do “visto da Copa”, segundo os dados administrativos do CONARE, do SINCRE e SISMIGRA.

Palavras-chave: Migrações ganesas; Copa do Mundo; Torcidas organizadas; Brasil; Gana.

 

Abstract

The present article aims to analyze the recent migration flows of Ghanaians who moved from the Republic of Ghana in West Africa to Brazil, starting in 2014. The hypothesis presented suggests that the FIFA World Cup event held in Brazil was the main entry vector for Ghanaian migrants into the country, which until then did not figure as a migration destination in the history of Ghanaian movements. The article is divided into two sections, which discuss, respectively, the relationship of the Ghanaian government with the financing of fans and organized supporters' groups, based on the oral reports of three Ghanaian migrants, and the strategies for the migrants’ stay after the expiration of the “Cup visa,” according to administrative data from CONARE, SINCRE, and SISMIGRA.

Keywords: Ghanaian migrations; World Cup; Organized supporters’ groups; Brazil; Ghana.


 

 

 

É... cada pessoa tem uma história diferente, sabe? Tipo eu, eu tive oportunidade de vir assistir à Copa do Mundo, sabe? Eu vim. Depois vem outro. Depois vem outro. E assim começou, pouco a pouco, pouco a pouco. Um puxa o outro (Guedado, 2018).

 

A inclusão do Brasil na rota migratória de africanos no tempo presente tem sido alvo de uma enorme gama de pesquisas acadêmicas em diversas áreas do conhecimento, afinal, como afirma Sayad (1998), a migração é um “fato social total” e o percurso do migrante é um itinerário epistemológico, constituído na intersecção das ciências sociais. A fim de contribuir com o panorama das pesquisas sobre os novos fluxos migratórios de africanos, em especial de ganeses, este artigo concentra-se no testemunho da trajetória migratória de três sujeitos em deslocamento, que, em suas narrativas, acionam memórias e experiências diferentes, indicam percursos migratórios singulares, mas nos permitem sugerir vetores históricos comuns, que fizeram com que o ano de 2014 se transformasse em um marco na história de acolhimento de migrantes africanos no Brasil.

Para a antropóloga Gláucia Assis, a direção e intensificação dos fluxos migratórios dependem da formação de redes sociais pelos sujeitos em deslocamento, pois, em suas palavras, “[...] à medida que os migrantes se instalam e formam comunidades, tendem a ‘puxar’ outros migrantes e a colocar novas práticas e vivências culturais para as sociedades de emigração” (2017, p. 3). O testemunho do migrante ganês Guedado[4] (2018), epígrafe deste artigo, reforça esta interpretação. O entrevistado utiliza o verbo “puxar” para se referir à emergência da migração de ganeses para o Brasil, a partir de 2014. Segundo Guedado: “[...] Eu vim. Depois vêm outro. Depois vêm outro. E assim começou, pouco a pouco, pouco a pouco. Um puxa o outro” (Guedado, 2018).

Guedado é um jovem migrante de nacionalidade ganesa, que se identifica como pertencente ao grupo étnico[5] uangará[6]. O entrevistado era membro da maior torcida organizada nacional ganesa, a Nationwide Supporters Union [Associação Nacional de Apoiadores] (NSU), e, por este motivo, teve toda a sua viagem ao Brasil financiada pelo governo de Gana, para assistir aos jogos do Campeonato Mundial de futebol masculino organizado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA). Após assistir aos jogos da seleção de Gana na Arena das Dunas, em Natal; na Arena Castelão, em Fortaleza, e no Estádio Mané Garrincha, em Brasília, Guedado decidiu que não retornaria com a sua comitiva para seu país natal, mas que seguiria o caminho que outros de seus conterrâneos já estavam traçando: viajar para São Paulo, procurar ajuda de ganeses que estavam na região para regularizar sua documentação no país e buscar trabalho na capital paulista.

O país de origem de Guedado e dos migrantes deste artigo é a República de Gana, localizada na região ocidental da África sulsaariana, em divisa com a Costa do Marfim, ao oeste; Togo, ao leste, e Burkina Faso, ao norte. Constituída por um longo histórico de fluxos migratórios (Awunbila et al., 2008), Gana possui, atualmente, cerca de 28 milhões de habitantes. Considerado um país economicamente estável, parte importante da sua economia se deve às remessas de dinheiro enviadas do exterior por migrantes para os familiares que permaneceram na terra natal (Ghana, 2014).

Como dito, o presente artigo pretende apresentar três trajetórias migratórias de sujeitos que vivenciaram a experiência de migrar em 2014 para o Brasil. As histórias destes três migrantes inserem-se em um fenômeno contemporâneo de deslocamento de ganeses para o Brasil – que chamou a atenção dos estudos migratórios, da mídia e do governo brasileiro –, e teve como possível impulsionador a vigésima edição da Copa Fifa de Futebol masculino. Naquele ano, o país recebeu milhares de turistas de diversas regiões globais, inclusive de Gana, que teve sua seleção nacional classificada para o torneio. A partir de então, emergiu um novo fluxo migratório oriundo da África Ocidental para o Brasil.

 Partindo, portanto, desta interpretação, pretende-se aqui indicar alguns indícios da conformação deste novo fluxo de deslocamento migratório ganês para o Brasil, destacar a relação do fluxo migratório com políticas internas do governo ganês e apresentar a trajetória de alguns sujeitos nesta nova rota migratória, a fim de compreender como o país se insere como lugar de acolhimento ou passagem nas rotas intercontinentais de migrantes ganeses no tempo presente.

 

Migrantes da Copa: as trajetórias de Guedado, Abo e Okonfo

A Copa do Mundo de 2014 foi a vigésima edição do torneio mundial de futebol masculino da Federação Internacional de Futebol e reuniu seleções nacionais de trinta e dois países para disputar o campeonato no Brasil, entre os dias doze de junho e treze de julho de 2014. Os 48 jogos aconteceram em doze cidades-sede[7], espalhadas por diversas regiões do país, e, além de reunir um número significativo de torcedores nos estádios – um público total de 3.429.873 pessoas, segundo os dados oficiais da FIFA –, alcançou uma audiência de 3,2 bilhões de telespectadores (El Hajji; Ávila, 2019). O fenômeno esportivo e midiático suscitou uma discussão que acabou sendo pauta, também, na edição posterior do torneio, em 2018: o número significativo de jogadores naturalizados convocados por seleções nacionais dos países de acolhimento e não de origem.

A questão foi tema de numerosas matérias veiculadas na mídia, durante e após os jogos realizados no Brasil[8]. Em 2014, por exemplo, a seleção da França contava com 12 jogadores migrantes naturalizados, número que aumentou na edição da Copa do Mundo de 2018, na Rússia: dos 23 convocados franceses, 21 eram migrantes, filhos ou netos de migrantes (El Haji; Ávila, 2019; Freitas, 2019).

Apesar do caso da seleção nacional da França indicar um aumento do número de jogadores migrantes em 2018, a Copa do Mundo FIFA de 2014, realizada no Brasil, ainda possui o maior índice de jogadores naturalizados de todas as edições do campeonato: 85 dentre os 736 jogadores convocados não representaram as seleções nacionais de seus países de origem (El Hajji; Ávila, 2019). Uma pesquisa do periódico holandês Volkskrant indicou, ainda, que dentre os desportistas do evento de 2014[9], 248 possuíam dupla cidadania, o que equivale a cerca de um terço do total de jogadores[10].

Se, em campo, a nacionalidade dos jogadores chamava a atenção dos torcedores e suscitava discussões na mídia sobre assuntos como xenofobia, patriotismo, fronteiras e migrações, fora dele, outro fenômeno migratório intercorria concomitantemente, em consequência do próprio acontecimento do torneio mundial FIFA no Brasil: centenas de homens e mulheres oriundos de Gana, país da África Ocidental, que adentraram as fronteiras nacionais com visto de turismo, em 2014, com a justificativa de assistir aos jogos da seleção do seu país na Copa do Mundo, procuravam as unidades da Polícia Federal para solicitar o reconhecimento da condição de refugiados no Brasil, pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). Segundo Cavalheiro (2014), apenas nove dias após a cerimônia de encerramento do campeonato, 500 cidadãos ganeses já haviam solicitado refúgio no país.

Como indica o autor:

[...] durante o Mundial foram emitidos 8.767 vistos a cidadãos ganeses com uma validade máxima de 90 dias, mas o departamento da Polícia Federal só confirmou a entrada no país de 2.529 indivíduos desta nacionalidade, dos quais, em 12 de julho, 1.132 ainda permaneciam no Brasil (Cavalheiro, 2014, p. 55).

 

Os 8.867 vistos emitidos para cidadãos ganeses nas vésperas do mundial de clubes, citados por Cavalheiro (2014), são decorrentes do cumprimento dos dispositivos presentes na Lei 12.663 de 05 de junho de 2012, aprovada pelas duas casas do Congresso e sancionada pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff (PT), como requisito essencial para garantir o acordo firmado entre o país sede da vigésima edição da Copa do Mundo, Brasil, e a entidade internacional detentora dos direitos do campeonato, a FIFA. É importante frisar que a chamada “Lei Geral da Copa” efetivava institucionalmente os compromissos que o país assumiu, voluntariamente, no momento da assinatura da candidatura para ser anfitrião da edição de 2014 do campeonato mundial de futebol masculino da FIFA e que a prática é habitual: tanto em 2010, quanto em 2006, a África do Sul e a Alemanha haviam, também, assinado dispositivos semelhantes em decorrência das condições de países-sede do evento. Em 2014, no entanto, o sancionamento da Lei Geral da Copa por Dilma Rousseff causou impacto midiático e acusações inadequadas de “ingerência à soberania nacional”. A lei chegou a ter alguns artigos analisados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A ADI 4.976 foi considerada improcedente pelo STF, que não identificou inconstitucionalidade ou ameaça à soberania nacional na normativa assinada pela presidenta.

A Lei 12.663 de 2012 é composta por 71 artigos que tratam das medidas relativas aos eventos da Copa das Confederações FIFA de 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e também à Jornada Mundial da Juventude de 2013. Dentre os dispositivos presentes na normativa de 2012, interessa, de forma singular a este estudo, o Capítulo III, que ordena as formas de concessão dos vistos de entrada e das permissões de trabalho, composto pelos itens Art. 19, Art. 20 e Art. 21 que dispõem, entre outros, os trechos a seguir,

Art. 19. Deverão ser concedidos, sem qualquer restrição quanto à nacionalidade, raça ou credo, vistos de entrada, aplicando-se, subsidiariamente, no que couber, as disposições da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, para: [...] XI - espectadores que possuam Ingressos ou confirmação de aquisição de Ingressos válidos para qualquer Evento e todos os indivíduos que demonstrem seu envolvimento oficial com os Eventos, contanto que evidenciem de maneira razoável que sua entrada no País possui alguma relação com qualquer atividade relacionada aos Eventos.

[...]

§ 4º Considera-se documentação suficiente para obtenção do visto de entrada ou para o ingresso no território nacional o passaporte válido ou documento de viagem equivalente, em conjunto com qualquer instrumento que demonstre a vinculação de seu titular com os Eventos.

[...]

§ 7º Os vistos de entrada concedidos com fundamento no inciso XI deverão ser emitidos mediante meio eletrônico, na forma disciplinada pelo Poder Executivo, se na época houver disponibilidade da tecnologia adequada.

(Brasil, 2012).

 

Entre outras medidas, a Lei da Copa facilitou a concessão de vistos para qualquer espectador que possuísse ingressos, confirmação de aquisição de ingressos válidos para as partidas de futebol, ou para outros eventos associados à Copa, como os cerimoniais de abertura e encerramento. O visto deveria, assim, ser concedido em caráter prioritário e sem qualquer custo e poderia ser solicitado, inclusive, por meio eletrônico. No que diz respeito ao desembarque e entrada de estrangeiros no país, a lei indicava a obrigação da apresentação de documento do passaporte válido, ou o seu equivalente, e qualquer outro comprovante que atestasse o vínculo do passageiro com o evento, no caso a Copa das Confederações de 2013, a Jornada Mundial da Juventude de 2013 e a Copa do Mundo FIFA de 2014.

Em razão, portanto, da lei provisória acima citada, o estrangeiro que comprovasse sua intenção de participar do evento da Copa de 2014 não precisaria apresentar quaisquer comprovantes de tempo de estadia, reserva de hotel/habitação, porte de valor que possibilitasse a permanência durante os dias em território brasileiro, ou passagem de retorno ao país de origem. Para Georg-Uebel (2020), o ano de 2013 inaugurou o início de um novo fluxo de migrantes oriundos de países da África Ocidental para o Brasil. O autor acredita que um dos principais elementos impulsionadores deste trânsito tenha sido o “visto da Copa”, que permitia ao portador a permanência em território brasileiro por 90 dias.

Consequentemente, é possível associar a flexibilização dos vistos e dos requisitos de entrada no país – sem desconsiderar outros fatores importantes, como o, até então, bom desempenho econômico do Brasil durante o governo Rousseff (PT) – com a mudança sensível no panorama das migrações africanas contemporâneas para o Brasil no período do torneio mundial de futebol de 2014. Ao menos é plausível inferir, assim como relata Guedado, migrante uangará de nacionalidade ganesa e autor da frase utilizada como epígrafe deste artigo, que a Copa foi uma grande oportunidade.

Membro da maior torcida organizada de Ghana, a Nationwide Supporters Union [Associação Nacional de Apoiadores] (NSU), Guedado viajou para o Brasil aos 23 anos, com financiamento do governo de Gana, a fim de assistir aos jogos da Copa de 2014 e trabalhar como uma espécie de torcedor contratado pela seleção nacional do seu país. Natural de Acra, morou por muito tempo em Abeka-Lapaz, bairro histórico periférico que é conhecido como zongo settlement[11] [assentamento zongo], localizado na periferia da capital ganesa. Em Gana, Guedado era jogador de futebol, estava aprendendo a costurar e montar cortinas, e alternava, no seu cotidiano, estas atividades com as obrigações religiosas na mesquita. Guedado é muçulmano, como a maioria dos habitantes dos bairros zongos. O entrevistado narra que, por não ter condições de cursar uma faculdade, pois todas as instituições de Ensino Superior em Gana são privadas, dificilmente conseguiria um emprego formal ou em uma instituição pública que pudesse lhe render uma vida mais confortável em seu país, por isso, quando percebeu que a Copa abriria uma oportunidade de trabalho, ele decidiu terminar o seu namoro e organizar tudo para poder vir ao Brasil “com a cabeça aberta para as novas possibilidades”[12].

O governo ganês subsidiou passagens, hospedagens e os ingressos de alguns membros de torcidas organizadas, entre elas a NSU, torcida de Guedado. No caso dele, as passagens aéreas, os ingressos para os jogos da seleção ganesa e as hospedagens em hotéis nas cidades-sede dos respectivos jogos foram despesas pagas, inteiramente, pelo governo. Guedado alega que apenas se encarregou de desembolsar a taxa de $200 dólares pelo visto de turista solicitado na embaixada brasileira em Acra[13]. Segundo o entrevistado:

Guedado: Eu vim pra ser o torcedor do meu país, para torcer pro meu país, então eu tive oportunidade de assistir alguns jogos. Tipo, porque é assim, ó: a entrada não foi direto pro Criciúma, sabe? Primeiro fui na cidade de Natal. Você sabe onde que é, né?

Entrevistadora: Sim.

Guedado: Então, eu fui pra Natal, Fortaleza, Brasília, São Paulo e aqui. Entendeu?

Entrevistadora: Por que você foi para Natal primeiro?

Guedado: Por que o primeiro jogo de Gana, que eu acho que foi contra os Estados Unidos, foi em Natal. O segundo jogo contra a Alemanha e foi em Fortaleza. E o terceiro jogo foi contra Portugal e foi em Brasília. Então, eu tive a oportunidade de ir assistir todos esses jogos.

Entrevistadora: Você comprou todos estes ingressos?

Guedado: Eu não comprei! Eu ganhei os ingressos do governo.

Entrevistadora: Você ganhou?

Guedado: Sim. Mas não é assim fácil... você tem que trabalhar para ganhar esses ingressos. É assim ó: o governo, ele precisa de algumas pessoas para ser os torcedores de Gana, né? Então, você tem que ir ali no campo, ver o jogo e ficar gritando. É... tipo, cantando toda hora pro equipe, sabe? O tempo todo! Então, foi um trabalho! Olha, foi difícil, mas eu consegui... É assim ó, a gente também tem que passar muito trabalho em Gana para conseguir esses ingressos, passagens, sabe? É... então, era isso. Olha, veio um avião cheio. Tipo, é o avião maior, o maior que tem, sabe? Aquele grandão. Veio cheio, só com a gente mesmo [torcedores]. Tinha pessoas do país todo, só de Gana, só, mas de regiões diferentes de Gana: de Acra, de Kumasi, de Tamale, entendeu? É... pessoas selecionados, assim, sabe? Pelo governo (Guedado, 2018).

 

A prática de financiamento de torcedores pelo governo de Gana não é novidade. Com efeito, cidadãos, como Guedado, e outros membros de torcidas organizadas usufruíram de recursos públicos para participar, como apoiadores, de jogos oficiais da seleção nacional de futebol masculino de Gana em torneios anteriores à Copa do Mundo FIFA de 2014. É o que demonstra a pesquisa de campo desenvolvida em 2010 pela etnóloga alemã Ermute Alber e pelo antropólogo alemão Christian Ungruhe (2014) sobre o financiamento de torcidas organizadas ganesas, durante os jogos da seleção nacional Gana na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. O estudo sugere uma dupla capitalização política da participação da seleção nacional de Gana em eventos esportivos internacionais pelo governo ganês: por um lado, o bom desempenho da seleção ganesa na Copa de 2010 e a veiculação midiática das imagens de arquibancadas lotadas por uma torcida entusiasmada teriam contribuído na construção externa de uma imagem positiva e alegre da sociedade ganesa e, consequentemente, do próprio governo ganês; por outro, as imagens dos torcedores exaltando os símbolos nacionais e as cores da bandeira de Gana forjariam, internamente, um sentimento de unidade entre os cidadãos ganeses e, à vista disso, uma pretensa identidade nacional ganesa (Alber; Ungruhe, 2016).

Alber e Ungruhe inferem, com base na entrevista realizada com Ibrahim Abass, Ministro do Alto Comissariado de Gana na África do Sul, que o governo ganês pagou passagens de avião, hospedagem, alimentação e ingressos de jogos da Copa do Mundo FIFA de 2010 para cerca de 1.400 nacionais ganeses, membros de torcidas organizadas (2014). Segundo dados oficiais do próprio governo de Gana, o país gastou $4,5 milhões de dólares para financiar apoiadores nos jogos de 2010 (Alber; Ungruhe, 2016, p. 23). Abass sugere que a ação foi primordial para o bom desempenho do time no mundial de clubes, e que, sem o investimento do governo, os jogos da seleção nacional de Gana, apelidada de Black Stars Team [Equipe das Estrelas Negras], seriam esvaziados, em função do fato de que a maioria dos ingressos reservados pelas torcidas organizadas como a NSU e a Millennium Supporters Union of Ghana [Associação dos Apoiadores do Milênio de Gana] (MISUGHA) haviam sido cancelados por falta de pagamento. Nas palavras dos pesquisadores,

No início, a Associação Ganesa de Futebol (GFA) presumiu que, na África do Sul, poderia contar com os torcedores para organizar o apoio à sua seleção nacional. No início de dezembro de 2009, a FIFA ofereceu ao GFA 2.700 ingressos para cada partida com a participação da seleção de Gana. A GFA presumiu que haveria uma corrida pelos ingressos, que logo se esgotariam, e convidou grupos de torcidas organizadas do Black Stars Team para se inscreverem no site da Associação para conseguir os ingressos. Os fãs-clubes nacionais encomendaram, então, centenas de ingressos para seus membros. Mas quando os ingressos não foram pagos, em meados de março, após várias prorrogações de prazos, a FIFA cancelou as reservas de ingressos dos fãs-clubes ganenses [...] (Alber; Ungruhe, 2016, p. 24, tradução nossa)[14].

 

O órgão do governo ganês responsável pela compra dos ingressos da FIFA e do planejamento da viagem para os torcedores foi o Ministry of Youth and Sports [Ministério da Juventude e dos Esportes], que constituiu um comitê para gerir os fundos e organizar a logística do evento, o National Planning Committee [Comitê Nacional de Planejamento] (NPC). Segundo Alber e Ungruhe (2016), o projeto inicial do NPC era financiar cerca de 450 ganeses, entre membros de torcidas organizadas, parlamentares, representantes de diversos partidos políticos, funcionários públicos e integrantes de organizações religiosas, para o torneio de 2010 na África do Sul. No entanto, os autores apontam que, em decorrência do bom desempenho da seleção nacional ganesa no campeonato Africa Cup of Nations [Copa das Nações Africanas], e da consequente propaganda realizada pela mídia local, o número de interessados nos jogos da Copa do Mundo se ampliou exponencialmente. Neste ínterim, o NPC chegou a anunciar o projeto de financiamento de até 2.600 ganeses para acompanhar os jogos na África do Sul (Alber; Ungruhe, 2016).

A disputa pelas vagas subsidiadas pelo governo ganês, que na época era governado pelo Presidente John Atta Mills, do National Democratic Congress [Congresso Nacional Democrático] (NDC)[15], gerou descontentamento político, pois, segundo Alber e Ungruhe (2016), além da necessidade de diminuir o número de sujeitos a serem custeados, por conta dos gastos da União – de 2600 ganeses para mil nacionais ganeses –, o governo havia reservado 623 vagas, que seriam destinadas a membros do partido NDC. Ou seja, cerca de dois terços do volume total do recurso seriam reservados para os membros do próprio partido do governo, fato que incomodou partidos políticos de oposição e repercutiu de forma negativa entre os cidadãos em geral. O imbróglio foi parcialmente resolvido após a confirmação de patrocinadores da sociedade civil, que garantiram ao comitê e ao Ministério a possibilidade de financiar 1400 viagens à África do Sul em 2010 (Alber; Ungruhe, 2016).

A despeito das polêmicas suscitadas em 2010, o governo de Gana reiterou o compromisso do país em patrocinar cidadãos ganeses que fossem membros de torcidas organizadas, cadastradas para apoiar a seleção nacional no torneio mundial de futebol FIFA no Brasil, em 2014. Ainda em 2013, o então Presidente da República Ganesa, John Dramani Mahama (NDC), companheiro de partido de seu antecessor na presidência, encaminhou a questão para o Ministry of Youth and Sports, que acionou o NPC, novamente, para a organizar a logística das viagens dos apoiadores, planejando o cadastro dos interessados e a contratação de agências de viagens.

Conforme a entrevista com Guedado,

Entrevistadora: O governo de Gana pagou o avião, hospedagens e ingressos para todos da NSU? Quantas pessoas eram?

Guedado: De verdade, eu não sei a quantidade de pessoas, mas eles pagaram para algumas pessoas, sim.

Entrevistadora: Como estas pessoas eram selecionadas?

Guedado: Olha... [pausa]

Entrevistadora: Você teve tudo pago pelo governo, ou precisou pagar algo?

Guedado: Eu paguei só pelo visto, mas ganhei as passagens, hospedagens e ingressos.

Entrevistadora: Eu conversei com torcedores do MISUGHA, e eles não tiveram muito apoio do governo... O apoio dependia do quê?

Guedado: de partido político e de contatos, assim... (Guedado, 2018).

 

Apesar de o subsídio de apoiadores para acompanhar a seleção nacional ser considerado uma prática comum do governo ganês, nem todos os torcedores membros de grupos organizados conseguiam a mesma forma de apoio financeiro, como indica a entrevista com Guedado. O migrante sugeriu que era preciso “trabalhar muito para conseguir esses ingressos e passagens em Gana” (Guedado, 2018), e que o financiamento do governo dependia de contatos e de apoio a partidos políticos, provavelmente se referindo ao NDC, partido de situação.

Abo, migrante ganês kotokoli[16], também chegou ao Brasil na época da Copa do Mundo, mais especificamente, no dia 25 de junho de 2014. Em 2018, ele ainda carregava na carteira o documento que possibilitou sua entrada no Brasil, a carteirinha da torcida organizada MISUGHA. Assim como Guedado, Abo também é muçulmano e oriundo de um bairro zongo de Acra. Da mesma forma que Guedado, Abo considera que a Copa foi uma grande oportunidade. No entanto, ao contrário do seu compatriota, Abo não conseguiu assistir em campo a nenhum jogo da seleção de Gana e sua viagem não foi inteiramente financiada pelo governo ganês. O fato de pertencer ao MISUGHA proporcionou a Abo o benefício de conseguir o visto na Embaixada brasileira e de obter algumas vantagens do governo, como, por exemplo, a amortização no valor das passagens e hospedagem.

O migrante não é o único membro de sua família que se encontra longe de sua terra natal. Seus cinco irmãos migraram de Gana ainda jovens: dois moram na Itália, dois migraram para os Estados Unidos, e a irmã, única mulher, vive na Alemanha. Por conta da experiência migratória dos seus irmãos mais velhos, que, desde que se deslocaram, enviam constantemente remessas para ajudar a manter a casa da mãe, Abo decidiu, também, construir seu próprio projeto migratório. Para tanto, valeu-se da cultura política difundida nos últimos governos do NDC de patrocinar viagens de ganeses nos jogos internacionais das seleções de Gana e dos benefícios de ser membro da torcida MISUGHA, para solicitar o visto na Embaixada brasileira e partir para o Brasil[17]. Conforme narra o entrevistado,

Abo: Cara, a gente é torcedor, né? Aí, então, na Embaixada eles [a torcida] tem pessoa que foi ali pra conversar com a Embaixada. Não precisa tu vai pra entrevista. [A pessoa vai] Pra fazer a entrevista pra ti. E pronto! Aí eles fez entrevista pra nós, e, na verdade, a gente paga só a taxinha do visto. Duzentos dólares. Avião tem alguns que conseguem, porque na verdade, teve uma avião de graça, né? Nós, que vieram depois, porque tem bastante gente, então, pra nós, que vieram depois, não tem mais avião de graça. Cara...daí você já tem visto, daí você tem que escolher... Eles [governo] dão um dinheiro, mas tu também tem que dar uma metade. E daí vieram. Daí eu vim.

Entrevistadora: Você não fez entrevista na Embaixada do Brasil?

Abo: No, no, no. Por que a gente trabalhar pro governo, né? Daí nós é certificado.

Entrevistadora: É difícil conseguir esse trabalho?

Abo: Ô...É sim... [pausa] (Abo, 2018).

 

Assim como relatou Guedado, Abo indica que alguns torcedores do MISUGHA tiveram o benefício de viajar com passagens pagas pelo governo ganês, e outros, como ele, receberam uma quantia em dinheiro e, portanto, precisariam arcar com o restante das despesas. O critério de seleção das pessoas que usufruíram deste direito não parece muito transparente pela entrevista, mas Abo sugere que ele e seus amigos viajaram posteriormente a um grupo que teria desfrutado das passagens aéreas gratuitas. Possivelmente dentro do MISUGHA havia alguns grupos prioritários que foram beneficiados na divisão dos recursos públicos. A natureza desta distinção, no entanto, não foi uma indagação sanada pelo migrante. Oficialmente, a torcida MISUGHA conseguiu financiamento para custear metade das despesas de hospedagem, passagens aéreas e ingressos para os jogos da Copa do Mundo de 2014; já as despesas de alimentação e transporte interno no Brasil teriam sido custeadas totalmente pelos próprios membros.

Segundo a reportagem do portal de mídia online Modern Ghana de 19 de fevereiro de 2014[18], o MISUGHA convocou uma coletiva de imprensa para publicizar o itinerário da viagem da equipe para o campeonato Mundial FIFA no Brasil. A coletiva do evento aconteceu em um pavilhão localizado na avenida principal do zongo de Nima, o Centro Comunitário CDR. De fato, a torcida MISUGHA possui sede no próprio zongo de Nima, e tem, em seu quadro de torcedores, uma maioria muçulmana, como Abo. A associação já havia recebido recursos do governo para participar de outros eventos esportivos: no ano de 2009, 45 membros foram financiados para torcer pelo time ganês no Campeonato Mundial Juvenil Sub-20 no Egito, vencido por Gana. No ano seguinte, 242 membros da torcida foram enviados para a África do Sul, para acompanhar a ótima campanha da seleção ganesa na Copa do Mundo de 2010. Em 2013, 282 torcedores participaram da Copa das Nações Africanas e cerca de noventa torcedores acompanharam o Black Star Team nas eliminatórias para a Copa Fifa, no Egito. No entanto, não foram encontrados registros do número de membros do MISUGHA que viajaram para o Brasil em 2014.

Entre os migrantes ganeses que se beneficiaram dos artigos da Lei 12.663 de 2012, que flexibilizaram a possibilidade de obtenção de visto e entrada no Brasil, encontra-se, também, Okonfo, que se identifica como pertencente ao grupo étnico gonja[19]. Ele é oriundo do bairro zongo chamado Aboabo, localizado na histórica cidade de Kumasi, antiga capital do Império Axânti. Okonfo também é membro de uma torcida organizada que recebeu recursos para acompanhar a seleção de Gana na Copa de 2014, a Great African Supporters Union [Grande Associação dos Torcedores da África] (GASU), mas, segundo narra, não obteve nenhuma vantagem financeira por ser torcedor da GASU: todas as suas despesas foram pagas com economias próprias, guardadas da época em que era professor de matemática e informática, na rede básica de educação, em Kumasi. No entanto, assim como os outros migrantes anteriormente citados, o fato ser filiado a uma torcida cadastrada no Ministry of Youth and Sports possibilitou a Okonfo a aprovação do visto para o Brasil. Segundo o entrevistado,

Okonfo: Eu acho que eu já te expliquei algumas vezes, né? Quando as pessoas tão procurando oportunidade de mudar de vida deles e de vida das famílias, eles esperam em qualquer oportunidade pra realizar esse sonho. Então, em 2014 quando chegou essa oportunidade de as pessoas poder imigrar para o Brasil, para vir pro Brasil, as maiorias que conseguiram visto são os de zongos, porque era um visto que as pessoas conseguiram pelo futebol, né? Pelo futebol, para ver seu país [jogar]. A gente tinha esses grupos, que são grupos que se organizou para torcer pros países. E, nesses grupos, a maioria dessas pessoas eram de zongos, muçulmanos. Por isso que a maioria [migrante] é de zongo. Eu assisti muitos jogos, sim, mas só na tevê [risos]. Na tevê. Para mim, eu até queria ir no estádio, mas não tinha essa condição, porque pra mim vir pra cá, meu destino era Criciúma, eu já tinha uns amigos, que eu conversei com eles e eles estão aqui em Criciúma. E os jogos de Gana foram lá no norte, nordeste. Então é um trajeto bem longe pra ir. E infelizmente, eu não consegui essa passagem [do governo], era uma coisa de político, quem tá ao lado do governo, ganhou. Por que dentro desses grupos que vieram pra torcer tem alguns que são de políticos de governo, que era o governo que a gente chama do NDC, o governo. Então, se tu tá no NDC tu ganhou visto, tu poderia falar com as pessoas pelo Ministry... o Ministério de Esportes lá, e aí tu consegue, eles pagavam passagem e ingressos pra ti, mas quem tá fora desse meio político é bem difícil (Okonfo, 2018).

 

Para o migrante ganês, “Quando as pessoas tão procurando oportunidade de mudar de vida deles e de vida das famílias, eles esperam em qualquer oportunidade pra realizar esse sonho” (Ofonko, 2018). A Copa do Mundo é o evento que aproxima as trajetórias de Okonfo, Abo e Guedado. Contudo, se há muito em comum no contexto de migração e na história de deslocamento dos três ganeses entrevistados, é possível identificar, igualmente, algumas dissimilitudes no itinerário, nas redes acionadas e nos objetivos de seus projetos migratórios. Quando Okonfo chega ao Brasil, seu destino é Criciúma. Segundo seu relato, apesar de seu vínculo com a torcida organizada GASU, ele tão somente assistiu aos jogos da seleção nacional de Gana via transmissão das emissoras de televisão brasileiras. Seu projeto, desde a saída de Gana, era o encontro com amigos que já estavam na cidade catarinense. A partir de contatos realizados pelas mídias sociais, Okonfo garantiu uma rede de apoio, desde o momento da saída, até a chegada no Brasil.

Outro ponto interessante do relato de Okonfo é a interpretação que ele faz sobre a discrepância entre os auxílios recebidos por membros de torcidas organizadas ganesas. Segundo o entrevistado, algumas torcidas são partidárias do NDC, assim como alguns torcedores de organizações diversas são filiados ou apoiadores públicos do partido de situação. Para Okonfo, estas pessoas eram privilegiadas pelos contatos políticos, sem intermédios, com o Ministry of Youth and Sports. Por não ser filiado do NDC, muito menos ter contatos políticos, o entrevistado não usufruiu de nenhum financiamento público para sua viagem ao Brasil.

Okonfo ainda narra que, em Gana, havia grupos organizados para torcer para a seleção nacional; nestes grupos, segundo o entrevistado, a maioria era composta de ganeses muçulmanos e moradores de bairros zongos, como ele. Os grupos a que Okonfo se refere, em sua entrevista, são as torcidas organizadas, como é possível ver na continuidade do depoimento do migrante, citado abaixo:

Entrevistadora: Esses grupos que você fala são torcidas organizadas? NSU, MISUGHA?

Okonfo: Sim! O meu é o GASU, Great African Supporters Union.

Entrevistadora: Olha... essa torcida eu não conhecia! O GASU não conseguiu apoio do Ministry of Youth and Sports?

Okonfo: Conseguiu sim, mas só os leaders.

Entrevistadora: Uhum... os leaders eram muitos?

Okonfo: Eram mais ou menos trinta. Olha, Michelle, eu vou explicar, é assim ó: cada grupo...tem vários grupos, não tem só esses três [GASU, MISUGHA e NSU], tem, eu acho... eu acredito que tem mais de vinte grupos. E cada grupo tem um número maior [de membros]. Só no GASU, que é o meu grupo, a gente já tem mais de mil pessoas nesse grupo, porque não é só de uma cidade, é de todas cidades [de Gana]. Já tem mais de mil pessoas! E pra vir pra cá, mais de cem pessoas conseguiu visto. Daí o governo não tem como ajudar todo mundo. Então, o que eles fizeram, cada grupo eles dão algumas ajuda. Eles ajuda pelo menos vinte a trinta pessoas por grupo. Isso que eles fizeram. Mas também, o que acontece... tem gente... tem gente que ficou fora, mas que conseguiu ajuda pelos políticos.

 

A falta de transparência na distribuição dos recursos públicos destinados aos grupos de apoiadores não chamou a atenção apenas de Okonfo. Em junho de 2015, o parlamento ganês publicou um documento intitulado White Paper on the Report of the Comission of Inquiry into Matter Relating to the Participation of The Black Stars Team in the World Cup Tournament in Brazil 2014 [Livro Branco sobre o Relatório da Comissão de Inquérito Acerca de Assuntos Relacionados à Participação do Black Stars Team no Torneio da Copa do Mundo no Brasil em 2014] (Ghana, 2015), que discute, entre outros assuntos, a urgência na descontinuidade da prática de financiamento governamental de torcedores em torneios internacionais. Assinado pelo Presidente da República do Gana, John Dramani Mahama (NDC), e dividido em três partes – recomendações aceitas, não aceitas e parcialmente aceitas –, o documento indica novas diretrizes a serem seguidas pelos governos ganeses em relação às questões apontadas no relatório da comissão de inquérito sobre os assuntos pertinentes à participação da seleção ganesa na Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

O governo de Mahama acatou a proposição do relatório da comissão de inquérito que sugere que os comitês de planejamento organizados pelo Ministry for Youth and Sports devem incluir representação do Ministry of Justice & Attorney-General [Ministério da Justiça e do Procurador-Geral], bem como de procuradores oficiais. Outra sugestão aprovada foi a obrigatoriedade da apresentação periódica de relatórios das atividades do comitê ao Chefe da Casa Civil, a fim de garantir a anuência do Poder Executivo (Ghana, 2015). Com relação às torcidas organizadas, o documento propõe que o Estado evite o emprego de recursos públicos no financiamento de transporte, hospedagem e alimentação de apoiadores das seleções nacionais em torneios. Segundo o relatório, os torcedores devem ser responsáveis por buscar recursos próprios para participar de torneios, desobrigando e desaconselhando o governo ganês a dar continuidade à prática de utilização de recursos dos cofres do Estado para patrocínio de torcidas (Ghana, 2015).  

Apesar de desencorajar a política de patrocínios públicos, a comissão indica que, no entanto, sempre que o governo julgar extremamente necessário financiar torcedores para apoiar os esportistas ganeses em torneios internacionais, deverá adotar justificativa e critérios claros de destinação dos recursos, a fim de assegurar transparência, lisura e responsabilidade em todo processo de financiamento. Nestes casos, o apoio governamental deve se restringir à garantia de transporte para deslocamento de torcedores e à compra de ingressos, sendo os sujeitos beneficiados totalmente responsáveis pelos próprios alojamentos e pela própria alimentação. Neste contexto, as torcidas organizadas devem, a partir da indicação do Livro Branco, estabelecer um único grupo de torcedores em nome da nação (Ghana, 2015).

É importante destacar que várias orientações da comissão de inquérito não foram admitidas pelo governo de Mahama. Dentre elas, encontram-se as prescrições que limitavam a 100 o número de torcedores que poderiam ser patrocinados em eventos esportivos que o governo julgasse necessários. A justificativa que consta no documento, para a não aprovação do limite de torcedores, é de que os mesmos exerceriam auxílio psicológico essencial às seleções nacionais (Ghana, 2015). Ou seja, a princípio, a despeito das recomendações contrárias da comissão de inquérito, o financiamento público de um grande número de torcedores continuou a ser viável, ainda que desaconselhado.

O documento ainda denuncia algumas personalidades e empresas ganesas, contratadas pelo comitê de planejamento para organizar alojamentos, alimentação e pacotes de viagem em 2014, que não haveriam cumprido os contratos assinados e que, em vista disso, deveriam ser investigadas por corrupção e impelidas a ressarcir o Estado, com juros, pelas quebras de contrato. Membros do Ministry of Young and Sports e o próprio ex-ministro Elvis Afriyie-Ankrah também são citados no Livro Branco, em decorrência da suspeita de peculato ou de apropriação indébita de recursos públicos. Neste sentido, a indicação da comissão de inquérito é que seja aberta uma investigação na esfera criminal para apurar o assunto. O governo, entretanto, não aceitou a recomendação da formação de uma Equipe Especial de Investigação, encaminhando as questões para o próprio Bureau of National Investigations [Departamento de Investigações Nacionais] (BNI), a agência de segurança e inteligência interna de Gana, órgão integrante do Conselho de Segurança Nacional e subalterno ao Presidente da República do Gana.

As questões abordadas pelo relatório da comissão de inquérito sobre os assuntos relacionados à Copa do Mundo de 2014 ajudam a comprovar a existência de uma prática de financiamento de grupos de torcidas organizadas em Gana, assim como a distribuição eventualmente arbitrária de recursos públicos. As preocupações indicadas pelo Livro Branco sugerem a permanência de tensões políticas e da falta de transparência na gestão de recursos públicos, que vão ao encontro das narrativas dos migrantes ganeses entrevistados, como Okonfo, sujeito que manifestamente indica, em seu relato, a íntima relação entre o apoio político partidário e a escolha dos sujeitos beneficiados por recursos do Estado.

Em confluência com a interpretação de Uebel (2020), é possível afirmar que os dispositivos legais que compõem a Lei da Copa de 2014 foram elementos imprescindíveis para a constituição de um fluxo de novos migrantes africanos no país, em função da facilitação da concessão de vistos, da flexibilização dos critérios de entrada em território brasileiro e do direito de estadia de quase três meses dentro das fronteiras brasileiras – tempo hábil para a criação de estratégias de permanência e contato com redes de migrantes ganeses. Entretanto, os relatos dos migrantes entrevistados e a própria publicação do Livro Branco do relatório da comissão de inquérito acima apresentada sugerem, ainda, o papel primordial do próprio governo de Gana na conformação deste fenômeno.

Assim, é possível comprovar que o governo ganês não apenas incentivou a vinda de ganeses ao Brasil para acompanhar a seleção de Gana nos jogos da Copa de 2014, como financiou viagens de cidadãos de seu país, permitindo que muitos ganeses que, a princípio, não teriam possibilidades de subsidiar sozinhos os custos de uma viagem intercontinental pudessem desembarcar no país sul-americano. É o caso de Guedado que, não fosse o recurso recebido, não reuniria condições para uma viagem tão dispendiosa. A rigor, cabe apontar, portanto, a importância do governo de Gana e das articulações das torcidas organizadas ganesas nas redes de apoio destes sujeitos migrantes.

 

Estratégias de permanência: análise dos dados do CONARE, SINCRE e SISMIGRA

Ausentes nos registros anteriores, o fenômeno das migrações ganesas que se inicia, efetivamente, com a Copa de 2014, logrou êxito, ainda segundo Georg-Ubel (2020), devido à articulação com outras redes transnacionais de migrantes africanos já estabelecidos no Brasil recentemente. Em suas palavras:

[...] destaca-se [...] o papel da transnacionalidade destes fluxos estudados, uma vez que se processam por redes e diferentes escalas de atuação. Dessa maneira, não seria equivocado afirmar que as novas migrações africanas encontrarão no Brasil elementos étnicos, sociais, culturais e políticos semelhantes àqueles dos seus países de origem, sejam como consequência das mesmas raízes coloniais, sejam por causa das dinâmicas do novo meio técnico-científico-informacional da globalização do século XXI (Georg-Ubel, 2020, p. 95).

 

 Uma das estratégias de permanência dos novos migrantes africanos em solo brasileiro, como sugere Georg, foi a solicitação de pedidos de Refúgio no órgão responsável pela avaliação da condição migratória dos deslocados no Brasil. Segundo Cavalheiro (2014), durante o decorrer dos 90 dias da validade do visto de turista, os ganeses interessados em permanecer no país procuraram unidades da Polícia Federal para solicitação de análise da condição de refugiado. No momento da solicitação, os ganeses recebiam o Protocolo de Refúgio, documento que atestava a identidade do portador e sua condição regular no país enquanto seu processo tramitaria no Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE). O Protocolo de Refúgio deveria ser renovado anualmente, durante o período em que o CONARE, órgão responsável pelo reconhecimento da condição jurídica do migrante no país, não apresentava seu veredicto. A partir de 2018, todo solicitante de refúgio no Brasil passou a receber o Documento Provisório de Registro Nacional Migratório (DPRNM), inexistente, portanto, no período da Copa de 2014.

O CONARE é o órgão colegiado pertencente ao Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil responsável pelo reconhecimento institucional, em primeira instância, da condição jurídica de refugiado no país, bem como pela orientação e coordenação de ações de proteção, assistência e apoio jurídico aos mesmos. O comitê foi criado pela Lei 9.474, de 22 de julho de 1997, que definiu, entre outras providências, mecanismos para a implementação, no Estado brasileiro, do Estatuto dos Refugiados e Apátridas de 1951 e do Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, adotados pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em 1951 e 1967, respectivamente. Segundo Leão, a Lei 9.473/97 “[...] absorve a doutrina da convergência das três vertentes da proteção internacional da pessoa humana: direito internacional humanitário, direito internacional dos refugiados e direito internacional dos direitos humanos” (Leão, 2007, p. 13).

A análise dos microdados disponibilizados pelo CONARE indica, como era de se esperar, um aumento significativo no número de solicitações de Refúgio de ganeses no ano de 2014, em comparação com os pedidos protocolados nos anos anteriores registrados na série histórica do comitê. Esta informação reforça a interpretação de que até meados da última edição brasileira da Copa do Mundo, o país não era um destino histórico de migrantes ganeses.

O gráfico abaixo (Figura 1), construído a partir do recorte de nacionalidade das tabelas disponibilizadas pelo CONARE, representa o número de requerimentos de reconhecimento da condição de refugiado solicitados por ganeses desde o início da série histórica, isto é, de janeiro de 1990 até março de 2019. Segundo estes dados, não há registros de solicitações de refúgio de ganeses até 2002. Apesar do primeiro pedido de refúgio ganês ter sido protocolado em 2003, é possível inferir que não houve aumento expressivo no fluxo de ganeses no país durante uma década, em se tratando tão somente dos registros relacionados ao acionamento do instituto jurídico internacional do refúgio. Este cenário mudou em 2013, quando 238 ganeses tiveram suas solicitações registradas pelo CONARE. O ápice deste fluxo, pelo gráfico, se deu em 2014, momento em que 915 migrantes solicitaram refúgio no país, indicando um crescimento de 284% no número de protocolos de ganeses, em comparação com o ano anterior, 2013. Estes dados reforçam a hipótese de que não havia um trânsito denso e historicamente constante de migrantes ganeses para o Brasil, e que a Copa do Mundo FIFA foi um vetor importante para a inserção do Brasil, de fato, na rota da migração ganesa contemporânea.

 

Figura 1: Gráfico de pedidos de Refúgio de ganeses: série histórica do CONARE, de 1990 até março de 2019

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados recolhidos de publicações do CONARE.[20]

 

Excetuando Gana, outros quatro países africanos classificaram suas seleções para a Copa do Mundo FIFA de 2014, a saber: Argélia, Camarões, Costa do Marfim e Nigéria. Destes países, apenas Camarões não se localiza na África Ocidental, mas na porção ocidental da África Central, fazendo fronteira com a Nigéria. Após os jogos da fase classificatória, disputados pelos 52 países inscritos na Confederação Africana de Futebol (CAF), entre 2011 e 2013, as cinco seleções africanas melhor posicionadas no ranking da FIFA de 2013 começaram a preparar suas equipes para a disputa do mundial no Brasil. Na Figura 2 é possível identificar que o CONARE recebeu, em 2014, centenas de processos de reconhecimento da condição jurídica de sujeitos oriundos dos cinco países africanos que disputaram jogos no campeonato FIFA daquele ano. No entanto, como o gráfico revela, os índices de solicitações de refúgio dos países da República do Gana e da República Federal da Nigéria são muito superiores aos dos demais países, o que parece indicar, a princípio, que o campeonato mundial da FIFA foi um fato mobilizador de projetos migratórios, de maneira singular, notadamente para ganeses e nigerianos.

 

Figura 2: Gráfico de pedidos de Refúgio por sujeitos oriundos de países africanos participantes da Copa do Mundo de 2014

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados recolhidos de publicações do CONARE.[21]

 

O fluxo nigeriano para o Brasil, no entanto, é mais antigo que o fluxo ganês. Segundo o CONARE, as primeiras solicitações de refúgio de migrantes nigerianos datam de 1999. Uma década depois, em função da Lei Nº 11.961, de 2 de julho de 2009 – sancionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) –, que dispunha sobre a residência provisória para o estrangeiro em situação irregular no território nacional, os migrantes indocumentados que haviam adentrado as fronteiras brasileiras de forma irregular, ou que tiveram seus vistos expirados, obtiveram a oportunidade de regularizar sua situação no país. O dispositivo legal, conhecido como “Lei da Anistia Imigratória”, simplificava o processo de solicitação de residência provisória no Brasil e foi intensamente comemorado pelo embaixador da Nigéria, Kayode Garrick, pela possibilidade de beneficiar cerca de dois mil nigerianos que estariam em situação irregular no Brasil naquele momento[22]. Consequentemente, em 2009, o Sistema de Cadastramento de Registro de Estrangeiro (SINCRE) recebeu 88.439 pedidos de anistia de migrantes, ampliando a concessão de carteiras do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE). Deste total, 5.368 eram sujeitos oriundos de países africanos. Esta foi a quarta lei de anistia imigratória sancionada no Brasil; as medidas análogas anteriores foram outorgadas nos anos de 1998, 1985 e 1880. No entanto, não foram encontrados registros pontuais, por nacionalidade, dos beneficiários das medidas anteriores às de 2009, a fim de determinar a intensidade de trânsitos de migrantes de países africanos para o Brasil.

É preciso pontuar, apesar de ser uma inferência evidente, que os dados de refúgio do Ministério da Justiça e o registro de estrangeiros da Polícia Federal apresentam inúmeras lacunas, de forma que não podem fornecer um panorama completo dos movimentos imigratórios no Brasil, apenas um quadro referencial. A imprecisão das informações deve-se ao fato de que uma parcela expressiva destes fluxos é constituída por trânsitos indocumentados, isto é, por migrantes que adentram fronteiras nacionais sem registro e permanecem sem regularizar sua situação no país de acolhimento, ou que adentram com permissão, mas permanecem no país após a expiração dos respectivos vistos de entrada. Ademais, ao menos em se tratando dos dados relacionados ao CONARE, nem todos os migrantes têm direito a solicitar esta proteção legal, pois suas motivações de deslocamento não se enquadram nas características consideradas aptas pelo Direito Internacional e suas interpretações na legislação brasileira para o reconhecimento da condição de refugiado. Segundo a Lei do Refúgio (Lei nº 9.474/1997), o refugiado é todo e qualquer indivíduo que se encontra fora do seu país “[...] devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas” (Brasil, 1997), que não possa ou não queira regressar ao seu país devido a estas circunstâncias, ou que é obrigado a migrar do seu país de origem “[...] devido à grave e generalizada violação de direitos humanos” (Brasil, 1997). Com efeito, muitos migrantes, em pleno conhecimento da inadequação de sua condição na categoria de refúgio, não acionam o comitê. Por conseguinte, não há como afirmar, de forma categórica, quando se deu o início do trânsito de ganeses para o Brasil. Contudo, indicar o início dos fluxos documentados é um processo exequível e, apesar das lacunas e dos fragmentos, estes microdados ajudam a forjar um panorama plausível.  

Segundo Baeninger et al. (2019), o uso de registros administrativos no estudo das migrações, como as bases da Polícia Federal e do CONARE, pertencentes ao Ministério da Justiça, são importantes fontes para a pesquisa dos trânsitos internacionais no Brasil, particularmente em função da defasagem dos dados do censo brasileiro, cuja periodicidade não acompanha a velocidade dos fluxos contemporâneos de imigrantes. Segundo os autores,

Vale destacar, no entanto, que, essa fonte de informação não é capaz de estimar o total de imigrantes internacionais residentes no país [...] A essa limitação, somam-se os problemas de preenchimento, publicidade e acesso, a não consideração dos indocumentados e dos solicitantes de refúgio (Baeninger et al., 2019, p. 38-39).

 

Uma das especificidades da migração ganesa é a impossibilidade de adequação jurídica dos migrantes na condição de sujeito refugiado, em decorrência de Gana não registrar, atualmente, graves conflitos civis, sejam eles de cunho étnico-racial, religioso ou político. O país não é palco de episódios reconhecidos de perseguição que possam ser caracterizados como “grave e generalizada violação dos direitos humanos”. Considerada uma nação economicamente estável, Gana se configura, nas últimas décadas, como um dos maiores destinos de migrantes de nações do ocidente africano, especialmente da Nigéria, Togo e Burkina Faso (Agyeman; Setrana, 2014). Apesar de não se enquadrarem juridicamente na categoria de refugiados, todos os migrantes ganeses entrevistados nesta pesquisa protocolaram pedidos de refúgio na Polícia Federal, como estratégia para permanência documentada no país, até o julgamento de seus processos. A maioria, no entanto, usufruiu do direito à residência e permanência via Conselho Nacional de Imigração (CNIg). O CNIg, com base na Resolução Normativa de 27 de novembro de 1998, concedeu vistos de permanência para casos considerados especiais e omissos na Lei de Migração.

Desta forma, com o formulário original do pedido de visto, do Protocolo de Refúgio, ou com a cópia do Diário Oficial da União (DOU) do deferimento da permanência – em casos em que a permanência no Brasil já havia sido obtida por outros meios –, os migrantes ganeses solicitavam, na Polícia Federal, o documento do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE), registro que atestava a identidade do sujeito com residência temporária ou permanente no Brasil até 2017. O RNE foi substituído pela Registro Nacional Migratório (RNM), com o sancionamento da Lei nº 13.445/2017 (Nova Lei de Migração).

Ao analisar os dispositivos legais mais acionados juridicamente por ganeses é possível inferir que, de fato, a experiência dos migrantes entrevistados com a Resolução Normativa 27 de 25 de novembro de 1998 do CNIg/TEM, que disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos pelo Conselho Nacional de Imigração, é representativa de um procedimento comum utilizado para regularizar a situação de permanência de ganeses que migraram, especialmente, entre 2014 e 2020 para o país. Das 1.984 permissões de permanência outorgadas no período – fruto de processos realizados com base nos quarenta e oito dispositivos legais abaixo listados –, 850 foram vistos concedidos a partir da interpretação de que o fluxo ganês se enquadra nos casos omissos, isto é, cerca de 43% do total deferido.

Ainda com base nos cadastros de ganeses encontrados nas bases do SINCRE e do SISMIGRA, é possível fazer algumas inferências, importantes a esta pesquisa, com relação ao perfil dos 1.984 homens e mulheres de origem ganesa que obtiveram visto ou autorização de permanência no Brasil. No gráfico abaixo (Figura 3), observa-se o crescimento do número de cadastros RNE/RNM de migrantes de nacionalidade ganesa na base de dados SINCRE e no Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA), especialmente a partir de 2014, primeira vez em que o número de registros anuais de ganeses ultrapassou a casa de uma centena.

Nos anos posteriores a 2014, o movimento de registro continua de forma relativamente constante, apresentando picos nos anos de 2016 e 2017, o que parece sugerir uma tendência de continuidade no trânsito de ganeses para o Brasil. O gráfico registra os cadastros de migrantes ganeses até o mês de março de 2020, momento em que o Brasil é acometido pela pandemia de COVID-19 e, também, última atualização de microdados disponíveis na plataforma SISMIGRA. Ainda que indicando apenas os registros dos três primeiros meses do ano de 2020, o número de migrantes cadastrados naquele momento era superior aos dos anos anteriores a 2013, o que, novamente, parece reforçar a tese da conformação de um fluxo contínuo de ganeses para o Brasil.

 

Figura 3: Gráfico de ganeses registrados SINCRE/SISMIGRA: 2000 até março de 2020

Fonte: Gráfico elaborado pela autora com base nos microdados do SINCRE e SISMIGRA.[23]

 

Entre os anos de 2000 e 2013 há poucos registros, e pode-se observar um pico de matrículas RNE no SINCRE em 2009. Possivelmente este aumento, que foge da tendência dos anos anteriores, se deu em função do sancionamento da Nova Lei da anistia de 2009, aludida anteriormente. Os dados presentes neste gráfico foram compilados pelo SINCRE até 2017, momento em que passou a se denominar SISMIGRA. Ambas as bases de dados registram os pedidos, realizados em postos da Polícia Federal do Brasil, de cadastro do estrangeiro para emissão de número e carteira de RNM ou do RNE.

 

Considerações finais

A partir do conjunto dos registros e informações apresentadas neste artigo, é possível chegar a algumas interpretações preliminares: 1. O ano de 2014 foi um marco na conformação de um novo fluxo de migrantes oriundos da costa oeste da África, em especial da República do Gana, para o Brasil; 2. A Copa do Mundo Fifa, realizada no Brasil, foi o principal vetor de entrada de migrantes ganeses, em função da facilitação da obtenção de visto nas embaixadas brasileiras e da flexibilização de entrada nas fronteiras do estado-nação; 3. A cultura política ganesa de financiamento público de torcedores e torcidas organizadas, para acompanhar jogos das seleções nacionais, foi primordial para a ampliação do número de ganeses que viajaram para o país no período da Copa do Mundo de 2014; 4. Como uma estratégia comum para permanecer no Brasil, após a expiração dos 90 dias regulares de permanência que o visto de turismo oferece, os ganeses procuraram da Polícia Federal para realizar a solicitação do pedido de refúgio no CONARE e receberam protocolos que regularizavam temporariamente a condição dos solicitantes de refúgio, permitindo que estes, inclusive, procurassem emprego no país.

A maior parte dos migrantes ganeses que permaneceram no país de forma regular tiveram seus pedidos no CONARE repassados para o CNIg, que os enquadrou na Resolução Normativa 27 de 1998, que disciplina a avaliação de situações especiais e casos omissos. As informações do CONARE, SINCRE e SISMIGRA, em cotejo com as histórias narradas pelos migrantes Guedado, Abo e Okonfo, reafirmam a plausibilidade da hipótese de que há um fluxo migratório contemporâneo de ganeses no Brasil e indicam possíveis interpretações históricas para seu aparecimento. E, assim como os migrantes entrevistados, outros seguiram e continuarão seguindo as redes constituídas pelos que se antecederam, de Gana para o Brasil, fato que reafirma a importância e precisão da interpretação de Guedado sobre a direção e fortalecimento de trânsitos migratórios: “[...] Um puxa o outro”.

 

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Recebido em 01/04/2024.

Aceito em 22/05/2024.



[1] Este artigo é fruto da pesquisa financiada pelo programa Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior, Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina (FUMDES/UNIEDU), que resultou na tese de doutorado intitulada “Zongos em Itinerância: migrações ganesas em Criciúma no Tempo Presente”. As entrevistas orais fazem parte da pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética no Processo 74264717.4.0000.0119 em 31 de outubro de 2017.

[2] Doutora em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Professora colaboradora do Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC. Coordenadora do GT História da África – ANPUH/SC. Pesquisadora do Observatório das Migrações de Santa Catarina – OBMIGRA-SC e do Laboratório de Estudos de Gênero e Família – LABGEF-UDESC. Brasil. E-mail: miimss@gmail.com | https://orcid.org/0000-0001-5574-6633

[3] Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Professora no Programa de Planejamento Territorial e Desenvolvimento Sócio-ambiental da Universidade do Estado de Santa Catarina – PPGPLAN-UDESC, no Programa de Pós-Graduação em Gestão integrada do Território da Universidade do Vale do Rio Doce - GIT-UNIVALE. Coordenadora do Observatório das Migrações de Santa Catarina – OBMIGRA-SC. Brasil. E-mail: galssis@gmail.com | https://orcid.org/0000-0002-0307-6313

[4] A fim de manter o anonimato dos migrantes entrevistados, todos os nomes próprios dos sujeitos que fizeram parte desta pesquisa foram substituídos por pseudônimos, que, por sua vez, foram escolhidos com base em patronímicos onomásticos comuns nos grupos étnicos em que os migrantes se identificam.

[5] Neste artigo, optou-se por adotar a seguinte metodologia: os grupos étnicos dos sujeitos entrevistados serão nomeados quando citados pelos próprios migrantes, em respeito à auto-identificação dos mesmos.

[6] Também conhecidos por wangará ou ouankarah. Conforme Lopes e Macedo (2017), nome atribuído aos comerciantes mandingas ou soninqués oriundos da região da Mauritânia e do Haude.

[7] A saber: Belo Horizonte; Brasília; Cuiabá; Curitiba; Fortaleza; Manaus; Natal; Porto Alegre; Recife; Rio de Janeiro; Salvador e São Paulo.

[8] Cf. “Copa do Mundo de 2014: o protagonismo dos imigrantes” disponível em http://www.afreaka.com.br/notas/copa-mundo-o-protagonismo-dos-imigrantes/; acesso em: 20 jun. 2020.; “Os imigrantes que fazem a alegria do futebol suíço”, disponível em: https://www.swissinfo.ch/por/brasil-2014_os-imigrantes-que-fazem-a-alegria-do-futebol-su%C3%ADço/38810178, acesso em: 20 jun. 2020; Brasil 2014, el Mundial de los migrantes, disponível em: https://www.estrategiaynegocios.net/especiales/brasil2014/brasilhoy/sociedad/724801-330/brasil-2014-el-mundial-de-los-migrantes, acesso em: 20 jun. 2020; Copa pode ter até 106 naturalizados: pré-lista da Argélia conta com 21, disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2014/05/copa-pode-ter-ate-106-naturalizados-pre-lista-da-argelia-conta-com-21.html acesso em: 20 jun. 2020; Como seriam as seleções da Copa sem jogadores imigrantes? Disponível em: https://mantosdofutebol.com.br/2014/06/como-seriam-as-selecoes-da-copa-sem-jogadores-imigrantes/, acesso em: 20 jun. 2020; A seleção dos naturalizados, disponível em: https://europafootballbr.wordpress.com/2014/04/30/a-selecao-dos-naturalizados/ acesso em: 20 jun. 2020.

[9] Cf. Volkskrant. Eenderde van WK-spelers heeft dubbele nationaliteit [Um terço dos jogadores da Copa do Mundo possuem dupla nacionalidade, 9 jun 2014], disponível em: https://www.volkskrant.nl/nieuws-achtergrond/eenderde-van-wk-spelers-heeft-dubbele-nationaliteit~b0410ff4/ Acesso em: 20 de jan. 2018

[10] No meio acadêmico, vários trabalhos analisam as relações entre colonialismo, migrações e o futebol tendo como contexto o fenômeno das Copas do Mundo Fifa de 2014 e 2018. Entre eles, cito os trabalhos de Jacob (2019); El Hajji, Ávila (2019); Freitas (2019a); Freitas (2019b); Melo (2018); Melo (2017).

[11] Os zongos são bairros oriundos de assentamentos históricos de mercadores e migrantes muçulmanos hauçá, ou de diversos grupos étnicos islamizados e falantes de hauçá, originários das regiões que compõem os atuais estados do Níger, Nigéria, Burkina Faso e Mali, principalmente. São conhecidos, especialmente, pelas alcunhas de “bairro de estranhos”, “bairro dos estrangeiros”, “bairro hauçá”, ou “lugar dos comerciantes muçulmanos” (Cassentini, 2018; Schildkrout, 2007; Williamson, 2014; Agier, 1983).

[12] Diário de Campo: Conversa com Guedado em 20 de março de 2018. Informações sobre a história de Guedado.

[13] Diário de Campo: Conversa com Guedado em 20 de março de 2018. Detalhes sobre a NSU e a Copa do Mundo Fifa de 2014.

[14] “In the beginning, the Ghana Football Association (GFA) assumed that in South Africa it could rely on the fan clubs to organize support for its national team. At the beginning of December 2009, FIFA offered the GFA 2700 tickets for each match in which Ghana was playing. The GFA assumed there would be a rush by fans for the tickets, which would soon be sold out, and they invited registered fan groups of the Black Stars to apply for tickets on the Association’s website. National fan clubs then ordered hundreds of tickets for their members. But when the tickets had not been paid for by mid-March, following several deadline extensions, FIFA cancelled the ticket reservations of the Ghanaian fan clubs” (Alber; Ungruhe, 2016, p. 24).

[15] O NDC, fundado em 1992, é considerado um partido político de centro-esquerda, de ideologia social-democrata.

[16] Também conhecidos como cotokoli, cotocoli, tem ou temba. Segundo Robert Cornevim (1984), o termo Kotocoli é um apelido insultuoso em língua dendi criado pelos povos Djougou da região de Borgu (margens do rio Níger), para identificar os povos Temba ou Tem da região do atual Togo.

[17] Diário de Campo. Conversa com Abo em 10 de fevereiro de 2018. Trajetória de Abo.

[18] Cf. Millenium Supporters Union (MISUGHA) to unveil plans for 2014 World Cup [Associação dos Apoiadores do Milênio] (MISUGHA) divulga planos para a Copa do Mundo de 2014] Disponível em: https://www.modernghana.com/sports/524115/2/millenium-supporters-union-misugha-to-unv.html. Acesso em 28 de fev. 2018.

[19] Também conhecidos como Guan, Nbanya. Povo do tronco linguístico mole-dagbâni. Segundo Lopes e Macedo (2017), o grupo étnico Gonja é oriundo do Estado Gonja, que se localizava no norte da atual República de Gana.

[20] A fonte pesquisada para a elaboração do gráfico pode ser acessada no seguinte endereço: http://www.justica.gov.br/seus-direitos/refugio/anexos/1990-a-2019-solicitacoes-de-reconhecimento-da-condicao-de-refugiado.xlsx

[21] Idem.

[22] “Brazil grants Amnesty To 2000 Nigerians”. http://news.onlinenigeria.com/templates/?a=6764. Acesso em: 10 de fev de 2018.

[23] Disponível em: https://portaldeimigracao.mj.gov.br/pt/dados/microdados. Acesso em: 20 de mar. 2020.