Senhores e Corruptores: os portugueses nos escritos árabes da Costa Suaíli no início do século XVI

Lords and Corruptors: the Portuguese in the Arab writings of the Swahili Coast at the beginning of the 16th century

                                                                                               Gabriel Mathias Soares[1]

 

 


Resumo

O estabelecimento da presença portuguesa na Costa Suaíli nos anos 1500 foi balizado por dinâmicas de poder e interação cultural entre os portugueses e as cidades-estados costeiras, como Quíloa e Melinde. Através de alianças estratégicas e coerção militar, os agentes da Coroa de Portugal buscaram explorar o comércio lucrativo e solidificar seu domínio, submetendo uns e obtendo colaboração de outros, mas também enfrentando distintas formas de resistência. A crônica de Quíloa e as correspondências diplomáticas epistolares em árabe permitem explorar as contradições da perspectiva nativa sobre os portugueses, vistos simultaneamente como novos senhores das rotas marítimas e corruptores da ordem político-religiosa. Mais ainda, essa documentação revela como as elites locais não foram meros coadjuvantes de uma hegemonia imperial portuguesa, buscando ativamente contrapor, se adaptar ou extrair vantagem da mesma.

Palavras-chave: Costa Suaíli; Império Português; Fontes Árabes.

Abstract

The establishment of the Portuguese presence on the Swahili Coast in the 1500s was marked by power dynamics and cultural interaction between the Portuguese and the coastal city-states, such as Kilwa and Malindi. Through strategic alliances and military coercion, the agents of the Portuguese Crown sought to exploit lucrative trade and solidify their rule, subjugating some and obtaining the cooperation of others, but also facing different forms of resistance. The Kilwa chronicle and the diplomatic correspondence in Arabic allow us to explore the contradictions of the native perspective on the Portuguese, who were seen simultaneously as the new lords over maritime routes and corrupters of the political-religious order. What is more, this documentation reveals how the local elites were not mere adjuncts to a Portuguese imperial hegemony, but rather actively seeking to counter, adapt to or take advantage of it.

Keywords: Swahili Coast; Portuguese Empire; Arabic Sources.


 

 

 

No final do século XV e início XVI, a chegada dos portugueses à região costeira da África Oriental marcou o início de um período de significativas transformações, que também deixou seus registros autóctones em língua árabe. Os portugueses, que inicialmente procuraram estabelecer relações de cooperação com as cidades-estados locais como Melinde, rapidamente foram percebidos como uma força disruptiva. Segundo uma narrativa coetânea de Quíloa, a maioria os entendiam como portadores de corrupção e desordem. Embora tenham demonstrado interesse em parcerias de mútuo benefício, suas práticas violavam normas locais e provocaram resistência, ainda que que variasse de lugar a lugar, com negociações evidenciadas pelas cartas desse período. A abordagem portuguesa baseou-se em alianças estratégicas, por vezes impostas à força, para explorar o comércio lucrativo de ouro e outras riquezas, frequentemente tirando proveito das rivalidades regionais. Concomitantemente, percebe-se como as estratégias locais variavam em sua relação com os portugueses, na medida em que esse novo poder naval se apresentava mais como um desafio ou oportunidade. Explorando as fontes epistolares árabes e o único registro nativo em forma de crônica conhecido da época, revela-se como os portugueses equilibraram sua busca por soberania imperial tanto através de alianças cuidadosas como de coerção militar, enfrentando uma mistura de resistência e colaboração das lideranças nativas.

O olhar das fontes nativas, mesmo que não no idioma vernáculo da região, pode fornecer um vislumbre de como os povos da Costa Suaíli foram agentes de sua própria fortuna dentro das possibilidades que puderam explorar entremeados pelos condicionantes internos, de sua sociedade, e externos, como o novo poderio naval português. Ao privilegiar uma história a partir de fontes não-europeias de uma região da África, não se busca negligenciar toda a riqueza como a que a documentação portuguesa ou em outras línguas da Europa oferecem, nem que os documentos árabes aqui trabalhados representem a totalidade daquela realidade histórica. Ao contrário, é também apenas um elemento, todavia importante, de um passado cujos vestígios restantes nos arquivos são ínfimos testemunhos. Como notou Aubin (2000, p. 420), mesmo a totalidade da documentação árabe do Arquivo da Torre Tombo representa uma ínfima parte de tudo que fora registrado principalmente em língua portuguesa, que fornece ainda que marcados pela perspectiva colonizadora, uma infinidade de vestígios de uma realidade mais ampla a serem analisados criticamente também pelo viés do colonizado. A presente contribuição tem por objetivo apresentar uma voz mais próxima da linguagem e da cultura nativa.

 

A Costa Suaíli por volta de 1500

Mapa 1: Mapa da costa oriental da África na Idade Moderna.

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Traduzido e adaptado do mapa “Aproaches to Zimbabwe”. Fonte: Oliver; Atmore, 2001, p. 196.

 

Localizada na secção mais austral das monções do Oceano Índico, a Costa Suaíli fornecia a navegação marítima à vela um fluxo sazonal de embarcações entre os arredores do Mar Arábico (incluindo o Golfo de Áden, Mar de Omã, Golfo Pérsico e Mar Vermelho) e a costa africana oriental (Campbell, 2018, p. 112). No período entre setembro e abril, as monções produziam ventos de direção norte a sul nas regiões costeiras do Oceano Índico, o que permitia constantemente viagens marítimas do Mar Arábico até a Costa Suaíli. Até a inversão na direção dos ventos entre abril e o início de maio (antes do clima tempestuoso entre meados de maio e setembro), as embarcações comerciais poderiam permanecer meses nessas regiões portuárias, na qual Quíloa era um nodo privilegiado.

Essa permanência requeria provisões para os comerciantes, sua tripulação, seus navios e seus animais. Esse fluxo comercial fez a fortuna das cidades portuárias suaílis, cujos soberanos e comerciantes buscaram sustentar e moldar a seu favor. Os navios ancorados ao longo da costa continental (e de Madagascar) e sua tripulação precisavam de manutenção, suprimentos e serviços. Madeira, carpintaria, fabricação de cordas e velas eram indispensáveis para as embarcações. Os comerciantes e a tripulação (em geral, somente homens), que permaneciam sazonalmente em terra por até seis meses, exigiam serviços linguísticos e religiosos, bem como entretenimento sexual, fornecidos pelos habitantes locais por um preço muito alto.

A formação de entrepostos permanentes ensejava o desenvolvimento de uma infraestrutura mais complexa de casas e lojas, além de uma variedade de trabalhos e ofícios. As estações comerciais da Costa Suaíli a conectavam ao mundo mais amplo do Oceano Índico, como Quíloa, bem como ao interior da costa africana (Pradines et al., 2002, p. 82).  Incluía tanto trabalhadores pouco especializados, como estivadores e guardas, como artesãos instruídos, tradutores, guias, supervisores, além de “esposas temporárias”, prostitutas, artistas de entretenimento e serviçais (Campbell, 2018, p. 115-116). O elemento persa parece prevalecer nas interações dos suaílis com a Ásia ocidental paralelamente à duração da dinastia abássida em Bagdá (750-1258). Há, todavia, considerável evidência do envolvimento de mercadores de Omã a partir do século X (Wilkinson, 1981, p. 282).

A significância da rota do Mar Vermelho parece se manifestar com a ascensão do Cairo fatímida (fins do século X até meados do século XII) e se correlaciona com o desenvolvimento de centros urbanos na costa africana oriental, surgindo inúmeras construções em pedra, particularmente edifícios públicos, mesquitas e fortificações (Pradines et al., 2002, p. 73). Esse forte centro gravitacional para o comércio do leste africano vai atingir um novo equilíbrio político-econômico no século XIII, dividindo-se primeiro entre os mamelucos no Cairo e os rasúlidas no Iêmen, ao mesmo tempo que o litoral suaíli vê a ascensão de principados independentes como Quíloa, Mombasa, Melinde, Pate e Mogadíscio.

A economia comercial suaíli lidava com uma variedade de mercadorias e produtos manufaturados (Campbell, 2018, p. 114). As importações para a costa leste da África incluíam contas do Oriente Próximo, perfumes persas, utensílios de cozinha, pedras preciosas, vinho, arroz indiano, especiarias, tecidos de algodão, cobre, objetos de metal, cerâmica e porcelana chinesa. Isso estimulou a fabricação local de cerâmica, a adoção do cultivo de algodão e de técnicas de tecelagem, a cunhagem de moedas, primeiro em prata e depois em cobre. As exportações mais valiosas eram de marfim, chifres de rinoceronte, casco de tartaruga, âmbar cinza (ou âmbar-gris) e ouro. As mercadorias demandadas nos mercados indiano e chinês eram exportadas via Omã até por volta do ano 900, quando começaram a ser transportadas mais diretamente para esses portos mais orientais.

Em um dos mais antigos relatos muçulmanos sobre essa região leste da África (conhecida em árabe como Zanj), al-Masudi (século X) relata a existência de populações citadinas mistas de fiéis e infiéis (idólatras), mas nenhum governante muçulmano (Freeman-Grenville, 1962, p. 14).  Entre os séculos XII e XV, esse processo de islamização se acelerou integralmente entre os suaílis (termo árabe swāḥilī, lit. “costeiros”) para aqueles que habitavam as cidades portuárias e seus arredores mais imediatos. A língua árabe que chega com mercadores árabe e missionários muçulmanos passa a gradualmente a ser um idioma essencial para o comércio transregional e a religião. Testemunhos em árabe, como o de Ibn Battuta, e, posteriormente, em português, atestam a presença de textos religiosos, como o Alcorão, conforme esperado em qualquer comunidade muçulmana, e também a existência de uma série de livros sobre exegese e jurisprudência islâmica (Delmas, 2017, p. 187). Entretanto, as condições climáticas na Costa Suaíli estão, em grande parte, por trás da falta de manuscritos antigos convertidos, como ocorre em outras regiões mais secas da África e da Ásia.

O sistema político suaíli foi inicialmente formado por um conselho de anciãos eleitos entre os clãs aristocráticos dessas de facto cidades-estados (Pradines et al., 2002, p. 76). Esse conselho elegia um chefe superior que, com o tempo, tornou-se cada vez mais poderoso, transformando essa posição de liderança em um sultanato hereditário não eleito, no mínimo, no século XIII. O palácio foi transformado de um edifício militar em uma corte residencial do sultão. A proeminência do palácio se relaciona com uma mudança que se desenvolve, aparentemente, por influência da dinastia oriunda de Xiraz (Pérsia), onde o soberano passa a não ser mais eleito, mas um sultanato a partir já do século XIII. Entre os séculos XIV e XV, os sultões decidem abolir a eleição pelo conselho e estabelecer dinastias hereditárias.

Os conflitos mais horizontais dos suaílis com outras regiões e povos não significam a inexistência de dinâmicas de conflitos verticais entre as cidades-estados suaílis e os conflitos internos, como durante a sucessão dinástica.  A competição constante pelo acesso a recursos do interior e ao controle do comércio marítimo transregional parece indicar que os primeiros adversários dos suaílis foram eles próprios. Cada cidade-estado costumava sobrepor-se hierarquicamente sobre uma rede territorial pelo espaço costeiro, na qual não era possível a justaposição de poder com outra cidade. Uma delas, em particular, se destacava nessa posição superior sobre a costa no momento de chegada dos portugueses, conhecida pelo mesmo nome da ilha em que se localizava: Kilwa Kiswani (Chittick, 1974, p. 244). 

Na Costa Suaíli, como em geral no Oceano Índico de então, o idioma árabe era uma importante língua franca para a elite e a maioria deles tinha pelo menos proficiência básica para fins de comércio marítimo em outros lugares, bem como para realizar deveres religiosos, como a peregrinação (Campbell, 2018, p. 112). O período de estadia entre as monções, isto é, a que trazia as embarcações do norte a partir de janeiro e a que as que levava a partir de julho, significava que era necessária uma certa infraestrutura para acomodar os viajantes, e que disso resultava mais que intercâmbios comerciais, mas também trocas culturais. Chegando com os primeiros mercadores árabes e sendo localmente adotada com a islamização da sociedade, a escrita árabe serviu não apenas para registrar o Sagrado Alcorão, mas, também, como uma ferramenta dos governantes para afirmar seu poder e aumentar sua riqueza. Moedas de cobre com nomes de governantes em árabe foram cunhadas por cidades suaílis prósperas a partir do século XI. Essa, também, é a época estabelecida por crônicas posteriores para a chegada na Costa suaíli das dinastias islâmicas da Pérsia e da Arábia, responsáveis pela fundação das primeiras entidades estatais muçulmanas e de importantes cidades. O mais antigo desses escritos foi uma história das dinastias que governaram a cidade até a chegada dos portugueses.

 

A visão cronística

A crônica dos reis de Quíloa (e da chegada dos portugueses) foi provavelmente composta em meados do século XVI, mas foi encomendada muito antes pelo governante da cidade ou por um pretendente ao trono durante a contenda desencadeada com a chegada das primeiras frotas de Portugal (Saad, 1979, p. 177). Traçando a linhagem dos sultões da cidade, desde um semi-mítico fundador Xirazi (de Xiraz, na Pérsia) até a dinastia árabe dos Mahdali, a narrativa parece trazer argumentos à causa de uma facção oposta àquela apoiada pelos portugueses na disputa pelo trono de Quíloa. Expressões como “restauração”, “consolação” e “desgraça” indicam uma relação com a ocupação portuguesa e a restauração dinástica após 1512. O texto também menciona que o autor nasceu em 904 da Hégira (correspondente a 1498) e, portanto, viu o período de interferência portuguesa e a restauração dinástica de uma linhagem de sultões soberanos. Conhecida como a crônica árabe de Quíloa, o livro (kitāb) Al-sulwa fī aḫbār (‘Consolação dos eventos de Quíloa’), a obra foi provavelmente escrita sob encomenda de um ou mais dos sultões dessa cidade suaíli em algum momento da primeira metade do século XVI (Delmas, 2017, p. 198). Esse relato da fundação e sucessões dinásticas de Quíloa parece ter sido escrito após a restauração do sultanato de um títere dos portugueses em 1512, como indica o termo “consolação” (sulwa) no título da obra. As duas versões impressas que servem de base para essa análise são a de S. Arthur Strong, publicada pelo jornal da Sociedade Asiática da Grã-Bretanha e Irlanda em 1895, e outra editada por Muhammad Ali Al-Salibi, publicada em 1985 pelo ministério do patrimônio nacional e da cultura de Omã no formato de livro. Ambas têm por base o manuscrito Or. 2666 da coleção do Museu Britânico, uma cópia datada em 1877 e que foi presenteada pelo sultão de Zanzibar ao agente colonial britânico Sir John Kirk não muito tempo depois (Strong, 1895, pp. 385-386).

A obra Al-sulwa fī aḫbār apresenta a chegada dos francos de Portugal como um desafio, ruína (ḫurbāt) e corrupção (fasād) (Al-sulwa, 1985, pp. 50-51). No início do último capítulo aparece a primeira menção aos “francos”, termo para cristãos europeus de modo geral, onde se relata que “no [reinado] de al-Fudail estabeleceu-se a discórdia (fitna) dos francos desgraçados (muḫâḏīl), [que] Deus os desfavoreça” (Ibidem, p. 48). Tal está relacionado à narrativa anterior de lutas internas e luta dinástica, que os portugueses exploram instalando um governante fantoche de 1505 até 1512. Como aponta Adrien Delmas, isso provavelmente se deve à importância compartilhada da legitimidade dinástica que tanto os portugueses (na versão da Crônica de Kilwa inserida nas Décadas da Ásia de João Barro) quanto o povo de Kilwa tentaram transformar em seu respectivo favor canalizando uma narrativa estabelecida do passado (Delmas, 2017, pp. 189-190). O encontro em si produziu as narrativas duplas, o que Delmas chama de “o paradigma escritural dos encontros” (Ibidem, p. 187).

A genealogia dinástica pode ter sido transmitida oralmente até que o encontro com os portugueses levou à dupla escrita nas perspectivas politicamente opostas. A fonética da versão portuguesa sugere que se trata de uma transcrição apressada de fontes orais, como notou Saad (1979, p. 181). Para o lado suaíli do encontro, significou possivelmente não só a escrita, mas a atualização dessa genealogia perante os novos desafios dinásticos trazidos pelos portugueses, o que explicaria também a maior extensão da versão árabe em comparação com a inclusa na obra de Barros. Há, todavia, menção a historiadores, literalmente ‘pessoas da história’ (ahl al-tārīḫ) na versão árabe. Essa referência às informações coletadas desses historiadores não significa necessariamente textos históricos escritos, na opinião de Delmas (2017, p. 187). A tradição genealógica de raiz árabe-islâmica pode ter sido transmitida ao leste africano, porém, antes da escrita de Al-sulwa, os meios de realizar a transmissão da memória das linhagens dinásticas em Quíloa é ainda incerto, podendo envolver uma mistura de escrita e oralidade. Saad argumenta que uma crônica foi escrita no século XV e subsequentemente censurada ou avariada (Saad, 1979, p. 197). 

O advento dos portugueses na obra aparece em detalhes nesse momento contencioso que forma a parte final da sucessão dinástica descrita, parece ter sobrevivido apenas de forma incompleta, encerrando repentinamente após a asserção dos portugueses sobre Quíloa. Expressões como “restauração”, “consolação” e “infortúnio” indicam uma relação com a ocupação portuguesa e a restauração dinástica após 1512 (Delmas, 2017, p. 198). Após a breve menção no título do capítulo e sobre o reinado de al-Fudail, começa a narrar o advento dos portugueses, mencionando que “[...] chegou notícia de Moçambique (musīmbiḥ) aparecimento na terra do país de francos” (Al-sulwa, 1985, p. 50). Continua informando que “estavam em três navios e seu capitão (nwāḫiḏ) chamava-se “Almirtī”, corruptela de “almirante” [Vasco da Gama], na identificação de Strong (1895, p. 401). Sobre a cooperação de Melinde e a ida à Índia, o autor Al-sulwa da informa:

[Os francos] viajaram para o lado Melinde. Logo que o povo de Melinde os viu [os francos], eles souberam que eles eram portadores de ruína (al-ḫurab) e corrupção (al-fasād), e ficaram perturbados com muito medo. Eles lhes deram tudo o que pediram, água, comida, lenha e tudo mais.  Em seguida, os francos pediram um piloto para guiá-los até a Índia, e depois disso voltaram para sua própria terra Deus os amaldiçoe! (Al-sulwa, 1985, p. 51).

 

A narrativa subsequente se propõe a mostrar os modos enganosos como os portugueses tentavam esconder que eram um povo corrupto ou degenerado (ahl al-fasād), fingindo ser um “povo do bem e da paz” (ahl al-ḫayr wa al-salāḥ), embora sempre houvesse alguém que identificasse a verdadeira ‘natureza’ daqueles (cristãos) nazarenos (naṣārī) (Subrahmanyam, 2005, p. 75). Oposta às noções de “bem” (al-ḫayr) e “conciliação” ou “paz” (al-salāḥ), a ideia corrupção (fasād), atribuída aos portugueses na Al-sulwa, implica conotações mais profundas de degeneração moral ou contravenção de normas por cobiça individual. Como explica Khalilieh, o termo, na tradição corânica, alude à violação inescusável da ordem social e o assalto de inocentes, sendo um dos conceitos chaves para configuração de um ato de rapina (ou pirataria quando no mar) na jurisprudência islâmica:

Uma análise atenta do termo fasād no Alcorão revela que este ato pode assumir muitas formas, abrangendo: cometer desobediência, vícios e actos proibidos; causar a destruição de nações; prejudicar o ambiente, resultando numa perda de água e numa diminuição dos campos cultivados; praticar magia; tirar vidas; e perpetrar roubos de estrada contra vítimas inocentes (Khalilieh, 2019, p. 176).[2]

 

Não é de se surpreender que as transgressões que os portugueses realizavam na Costa Suaíli dialogassem com tais concepções. A crônica continua narrando os consecutivos capitães e suas frotas tentando enganar o povo suaíli para que conspirassem com eles. Finalmente, o Almirtī (Vasco da Gama) retorna e força a cidade ao status de tributária dos portugueses. Muḥammad Rukn é nomeado seu governante devido a seus méritos, embora implicitamente não por sua linhagem.[3] Como uma última observação, o autor menciona como seus próprios tios estavam entre os humilhados nesse enigma. Em seguida, a narrativa é interrompida abruptamente, o que pode indicar que uma seção seguinte da crônica original foi perdida ou que ela nunca foi concluída. As últimas palavras antes do colofão parecem sugerir que esse era o escopo da crônica: “[assim] encerra o que encontrei.”[4]

 

A diplomacia epistolar

Já na primeira viagem de Vasco da Gama, ficou claro que a Costa Suaíli era um ponto essencial para a presença portuguesa no Oceano Índico. O êxito dos planos de controle do comércio pelo Índico dependia de alicerces nos postos mercantis na costa leste africana como parada no longo trajeto de circunavegação da África. As riquezas que ali circulavam também poderiam servir de moeda de troca pelas especiarias da Índia, em particular o ouro (Roque, 2017, p. 24). Na costa leste da África, os portugueses tentaram proibir os muçulmanos árabes e indianos de comercializarem marfim e ouro. Estando fora de alcance o cobiçado acesso direto às jazidas de ouro, os portugueses visavam cortar os intermediários na cadeia de fornecimento.

Ao aportar na costa leste africana, os portugueses estavam linguisticamente preparados pela familiaridade que traziam do idioma árabe, língua franca de grande importância no contexto mediterrânico e índico, como também era na costa atlântica do norte da África e por regiões islamizadas abaixo do Cabo Bojador (Bouchon, 1999, p. 304). Conscientes do que encontrariam além do Cabo da Boa Esperança, os portugueses trouxeram intérpretes familiarizados com o idioma árabe já na primeira expedição enviada às Índias, o que na tradição geográfica herdada de Ptolomeu também incluía o leste da África. Frequentemente, o árabe não era sequer a língua nativa daqueles que fizeram uso dela na diplomacia e comunicação epistolar com os portugueses. Embora seja difícil determinar em muitos casos, por vezes o autor da carta, não tinha qualquer domínio dessa língua, fazendo uso dela por meio de escribas, que a dominavam em algum grau de proficiência. Os desvios da norma culta árabe, de erros gramaticais a ortográficos, não constituem o foco desta análise além do que permitem vislumbrar a relação do autor com o texto, assim como o papel do escriba nessa intermediação quando é possível inferir.

No entanto, sua rede tinha uma malha ampla (a corrupção dos administradores portugueses pode ter sido uma razão para sua ineficiência) e o comércio suaíli mal desacelerou continuou ao longo das costas e no interior. Mais adiante, os portugueses estenderam esse bloqueio às importações de têxteis do Guzerate, impondo medidas drásticas em 1530, como fixar um preço quarenta vezes maior do que o valor original dos tecidos (Beaujard, 2019, p. 608). Naturalmente, o “contrabando” floresceu, aproveitando as muitas redes estabelecidas e a produção de têxteis local se desenvolveu, especialmente em Pate, onde essa manufatura estava nas mãos de grupos influentes nas elites dessa sociedade. Nesse quadro mais geral, no entanto, pode-se perder de vista que os atores não foram igualmente afetados e que as reconfigurações geradas ante a intromissão levaram à ruína de uns e à prosperidade de outros.

A hegemonia imperial portuguesa era alicerçada em uma fixação territorial limitada a um punhado de fortificações (Sofala, Moçambique e, temporariamente, Quíloa) e exercida através de um sistema de monopólio comercial imposto através de tratados, bloqueio naval e repressão ao “contrabando” (Newitt, 2001, p. 16). A submissão política à Coroa de Portugal poderia ser imposta pela conquista armada, como em Quíloa; ou consentida pelo pagamento de tributos em reconhecimento da autoridade portuguesa, como em Zanzibar. Poderia, ainda, ser através de alianças com soberanos de cidades regionalmente importantes, como em Melinde, ou com a negociação com chefes locais para garantir exclusividade comercial, como em Sofala. Essas configurações estavam em consonância com práticas pré-estabelecidas e não significavam a supressão de interesses e objetivos próprios para nenhuma das partes:

Longe de significar que eles estavam desistindo de seus objetivos, a atitude dos portugueses estava de acordo com a prática comum entre os chefes locais. Ela mostrava uma consciência de uma situação que exigia mudanças e ajustes com impacto imediato no posto comercial e na sobrevivência das pessoas que ali viviam e trabalhavam. Neste contexto, a disponibilidade de bens adequados em demanda nos mercados locais e regionais africanos era tão importante quanto garantir o fornecimento regular de alimentos ao posto de comércio (Roque, 2017, p. 26).[5]

 

Através da abordagem diplomática com poderes locais e reinos, os portugueses cultivaram um sistema de alianças para que os suprimentos essenciais aos postos mercantis não fossem colocados em risco. Essa atuação na Costa Suaíli demonstra a plasticidade do império português e como as circunstâncias se transformavam em conjunto:

O domínio colonial português reorientou o cenário político do mundo suaíli. No final do século XVI, quase todas as políticas suaílis estavam sujeitas a uma única entidade política: o Estado da Índia português com seu centro administrativo em Goa. O Estado da Índia governava através das elites locais, idealmente sultões flexíveis à sua escolha. No entanto, os líderes políticos suaílis também influenciaram a expansão colonial portuguesa (Prestholdt, 2017, p. 520).

 

Substituir os muçulmanos foi uma tarefa concebida como viável em diversos empórios no continente, apesar das dificuldades. Mas ali o interesse era mais concentrado na aquisição de ouro. Já na segunda viagem de Portugal à Índia, comandada por Pedro Álvares Cabral, foi ordenada a construção de uma feitoria em Sofala, principal porto de escoamento do ouro das terras altas do interior (Roque, 2017, p. 23). Um dos principais objetivos dos portugueses era estabelecer um monopólio sobre o comércio desse metal precioso (Campbell, 2018, p. 117). As cidades-estados suaílis, particularmente Quíloa, tinham em Sofala o alicerce de sua prosperidade material (Roque, 2017, p. 24). Era necessário, de qualquer modo, a utilização de uma rede de alianças locais para assegurar o sucesso do projeto de dominação portuguesa. A conduta dos negócios era feita de acordo com um protocolo local, com grupos de mercadores que tratavam do comércio regional sob a supervisão de chefes locais. Com efetivos numéricos limitados, os portugueses precisavam aceitar essas dinâmicas e adaptar seus intentos às diversas condições de ação existentes nos distintos cantos da Costa Suaíli.

A articulação diplomática de rivais políticos, vassalos contra suseranos, e outras divergências locais ou regionais, foi instrumental para a inserção dos portugueses em muitas regiões, desde o exercício mais geral de sua influência até o domínio direto (Biedermann, 2019, p. 117). Na Costa Suaíli, os portugueses tiraram proveito da rivalidade do sultão de Melinde com a ascendente Mombaça, e, principalmente, o mais poderoso e próspero sultanato de Quíloa, já em processo de declínio. Uma clivagem nas estruturas políticas polarizava as altas esferas dessa cidade: de um lado a legítima linhagem do reinado (al-mulk) e, do outro, a administração efetiva do governo (al-imara) (Saad, 1979, p. 197). Em suma, fraturas internas e externas da sociedade suaíli ofereciam amplas oportunidades para uma força estrangeira e oportunista explorar. Logo na segunda expedição às Índias, capitaneada por Pedro Álvares Cabral, foram dadas instruções expressas de fortalecer laços diplomáticos. O próprio Rei teria instruído pessoalmente o almirante Cabral para presentear o sultão de Melinde em uma cerimônia aberta, de modo a afirmar publicamente essa aliança.

As correspondências enviadas ao Rei de Portugal expressam essa intercessão das lideranças suaílis sobre o rumo do império português na Costa Suaíli. Exemplar é o caso do sultão ‘Alī ibn Sultān ‘Alī de Melinde, que decidiu acomodar-se aos intentos dos portugueses e abertamente declarar amizade à Coroa desde o primeiro momento. Na carta, em árabe, endereçada a Dom Manuel, o sultão de Melinde busca demonstrar sua subordinação com excessiva adulação:

Figura 1: Trecho inicial da carta do sultão de Melinde para Dom Manuel I, 1505.

https://lh7-us.googleusercontent.com/nGDAAXfYbi1PVKUFL-vLt5qW26fjz62yMmYaAK12VpP5m2GeLJpSYISC6RFWxG0ET0Eas9CRjiPsIbtUApjZqxaEAS2_7o3qheKsi7Gy_kdvKTD_Q7gJPHxPsVp_UtRPs3TwQAfqujeLg7oM_NZg0mk

Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-20, frente. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2768. Esta carta é enviada ao lorde sultão, Dom Manuel, sultão de Portugal, soberano (ṣāḥib) da Guiné (ġanāwa) e dos dois Algarves, senhor (sayyid) das minas (al-ḏahbīn), possuidor (mālik) de zonas (aqālīm) em terra e mar, dono (mālik) das ilhas do Mar Arábico (al-‘arabiya) e da Pérsia (al-‘ajamiya) e das bandas (aqālīm) dos indianos e persas, conquistador de todos os países e cidades, mestre [dono] da terra (balda) [i.e., Portugal] auspiciosa, afortunada, protegida e guardada, residente de um palácio fechado brilhante que domina o mundo. Aquele sultão que é famoso por seus atributos nobres, e cuja qualidades firmes e estabelecidas e inclusiva generosidade são amplamente conhecidas, e que se orgulha de envolver o máximo afeto e amor, que tinham feito esforços para fortalecer a confissão [lit. “Islã”] dos cristãos’ (Islam al-naṣara), de tal forma que ele brilha, reunindo os mantos de honra e glória.[6]

 

Como o emprego da linguagem, os detalhes estilísticos da carta são dignos de nota. Escrito com clareza no estilo nasḫī (cursiva do alfabeto amplamente difundida em documentos oficiais e na redação de livros), o texto é formado simetricamente e margeado em vermelho. Os sinais diacríticos são também marcos com clareza, em tinta vermelha. Percebe-se um cuidado e um valor especial na elaboração estética, por si só um gesto de cortesia. O verso da carta possui um sumário de envio, em uma “caixa” retangular e simétrica, traçada com a mesma tinta vermelha, no qual se endereça o destinatário pelo nome próprio, o Rei Dom Manuel, com uma pompa equivalente à do corpo principal da carta, mas de forma mais resumida:

Figura 2: Cartucho com elogios ao destinatário [o rei de Portugal].

https://lh7-us.googleusercontent.com/lZwp-P7CHA22QGTTf0NGj2hTkAs1l7a1ydhFnKczRod1vuTA9wfADsnfrG_zY7lYYXJAuhfXe0XPmHTYgdvKAhAKY04sP6oTmwI9NnYueVRUaWRJKj3fLrSpBZccS0msGgSL3jpCtZQ4SQ1e3M8W4tI

Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-20, verso. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2768. Para o grande sultão, governante de Portugal, soberano (ṣāḥib) das minas, senhor (sayyid) da Guiné e dos dois Algarves, o conquistador de países e cidades, uma pessoa de grande graça, excelência, virtude e generosidade, com um exército numeroso agraciável [ilegível]. Em suas mãos são generosidade, excelência e munificência [ilegível]. Que Deus o mantenha [para sempre]. Amém.[7]

 

O uso extenso dos epítetos do Rei e toda sua pretensa grandiosidade aparece mais nas correspondências vindas de Melinde que de outras cidades, o que estava em clara consonância com a estratégia de aliança dessa cidade para com os portugueses, como notaram Alam e Subrahmanyam:  “a chancelaria de Melinde [...] parece ter tido pleno conhecimento dos títulos pretensiosos que o próprio Dom Manuel tinha começado a usar [...].”[8] Mais que mera soberba, a diplomacia era um vetor da imagem do senhorio imperial de Dom Manuel I, dentro e fora do reino (Biedermann, 2019, p. 131). Mesmo as alianças não eram sem custos, já que capitães portugueses patrulhando as costas extorquiam navios e povoações costeiras. Parte da estratégia de apelo direto à autoridade real, era se contrapor aos ditames dos capitães portugueses e outros agentes da Coroa, que abusavam de seu poder local para benefício próprio:

Estes exemplos sugerem que as opções abertas aos governantes das cidades-estado da costa suaíli diante do desafio inicial português foram todas desagradáveis em algum grau. Uma outra complicação foi que os capitães e oficiais portugueses tinham frequentemente ideias e projetos próprios, que estavam em desacordo com as ordens reais, assim como com as políticas oficiais do Estado da Índia Oriental (Subrahmanyam; Alam, 2019, p. 269).

 

O diálogo simbólico, não somente as questões de caráter mais pragmáticas, estavam em jogo de modo sensível nessas interações em que se representava cuidadosamente o nível de poder dos distintos soberanos de modo a forjar laços de confiança e boa vontade, mobilizados “num subtexto simbólico e retórico em que todos os detalhes eram cruciais” (Martins, 2014, p. 53). Todos esses elementos precisavam ser endereçados e se refletia cuidadosamente sobre eles em qualquer engajamento sério. Além da miríade de idiomas, culturas protocolares e organizações sociopolíticas, era mister estar ciente das relações entre as autoridades e soberanias diferentes, principalmente devido a intrincada hierarquia que poderia existir entre as mesmas. Essas diferenças podiam ser fundamentais, não só para o sucesso da missão, mas ser os objetivos da mesma, fosse reconhecimento, exploração ou articulação. O sucesso sem articulação da diplomacia e a aquiescência (de bom grado ou pela coerção) de senhores de pequenos a médios potentados poderia ser muito mais efêmero e difícil de sustentar (Biedermann, 2019, p. 134). A oposição interna montada contra a autoridade portuguesa poderia ser muito mais significativa. Essa questão demonstra um balanço de energias em que a perspectiva imperial do passado percebia um desequilíbrio.

Quíloa era uma cidade portuária central na economia do mundo do Oceano Índico ocidental, ainda que passasse por atribulações (Campbell, 2018, p. 112). Sua posição geográfica estratégica no limite austral do sistema marítimo das monções a tornou fruto de disputas entre potentados e grupos comerciais, tanto nativos, quanto estrangeiros. A prosperidade que essa cidade gozava não foi sem consequências disruptivas. Desde meados do século XV, uma polarização nas estruturas de poder recrudescia entre quem ocupava o cargo oficial de soberano (o trono) e quem passava a efetivamente exercer a autoridade política. A chegada das caravelas portuguesas exacerbou essas fraturas no seio da sociedade. Com cada nova expedição, esses novos atores se imiscuíam mais e mais na política interna da cidade suaíli. Já em 1505, desavenças entre portugueses e seus “anfitriões” suaíli levou a intervenções armadas para substituir o soberano local por um mais favorável aos interesses de Portugal (Newitt, 2001, p. 15-16). O tom mais austero no tratamento na carta enviada pelo sultão de Quíloa reflete, talvez, uma animosidade latente para quem estava na origem de tanta adversidade:

Figura 3: Carta do sultão Ibrahim de Quíloa ao rei Dom Manuel.

https://lh7-us.googleusercontent.com/iEu8gPHpxxDkm3eZ_Xv9lGhvETidmNTlFp41XiwJH0mBvLIvpG51hT_VtOjaJbWK14Um3q2Z5o0IFfipCYqi7vCHJUiHfYrGS27_R4fBk7nOnPdYLD94xoV3v14XikMQYOjiPvqoPApehzH6BSmAz7Q

Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-19, verso. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2769. Para o sultão que é munificente, o rei que é grande, Dom Manuel, Sultão de Portugal, que é como um leão, e que é apoiado por Deus e é vitorioso. Que Deus prolongue seu poder e dê-lhe uma vida longa. Que todos os muçulmanos se beneficiem de seu poder, tanto de manhã quanto à noite.[9]

 

A conquista da cidade só pode ter sido sentida como humilhante, com a assinatura pública de um acordo de submissão, estipulando o pagamento de um pesado tributo, cerca de cinco quilos de ouro extraído como páreas, que chegando a Portugal acabaria por servir ao rei Dom Manuel I para a demonstrar em um cortejo solene, perante sua corte, a força de seus domínios ultramarinos (Biedermann, 2019, pp. 132-133). Diferente dos sultões de Melinde, não houve o mesmo conluio de interesses com Quíloa, conformando uma ocupação tensa da cidade, cujo comércio só decaiu sob o soberano títere e o forte português. Os portugueses acabam por abandonar o porto em 1512, pois seu comércio havia diminuído consideravelmente (Newitt, 2001, p. 16).

O sultão Ibrahim, expulso em 1505, teria talvez retornado após a saída dos portugueses junto com seu aliado Mikati. Na carta, seu tom é um tanto afrontoso quando exige que “continues firme nisso [manutenção da ordem e do status quo], caso contrário, as pessoas se dispersarão em pânico e diferenças surgirão por medo, o que seria inadmissível para um rei como tu.”[10] Por isso, é difícil precisar se o documento é do contexto imediatamente anterior à instalação de uma presença portuguesa ou após a retirada dos portugueses. Ibrahim havia conspirado contra a dinastia anterior, assassinando o sultão e assumindo o trono em nome de um sucessor ausente, mas havia tergiversado sobre aliar-se aos portugueses (Subrahmanyam; Alam, 2019, p. 264). Em Melinde, por outro lado, a aliança persistiu. Os portugueses nunca construíram uma fortaleza lá, mas usaram o porto como base para uma frota que impôs o monopólio real ao longo da costa norte.

Longe de concentrar suas interações às mais altas esferas de poder, como com a figura do sultão, a Coroa abria canais de comunicação direto com a aristocracia local. Essa ingerência se relacionava ao fato de que as funções de governo nas cidades suaílis eram alocadas a membros das camadas mais prestigiadas e não a oficiais de carreira (Sinclair; Hakansson, 2000, p. 471). Questões como taxação, comércio, justiça e organização militar eram subdivididas entre clãs, grandes famílias e alianças. As mudanças nos arranjos provocados pela interferência portuguesa criavam âmbitos de barganha. É notável na carta de um certo xeique de Melinde, cujo nome próprio é difícil de determinar (Waīj Ruḫ?), o reconhecimento não só da titularia oficial do rei Dom Manuel, mas de sua reivindicação de uma posição imperial acima de todos os poderes do mundo, endereçando “às mãos do sultão Dom Manuel, sultão do mundo (al-dunyā) inteiro”. Ainda que seja basicamente um pedido de salvo-conduto para viajar até a Índia, a carta não poupa lisonjeira, retomando o panegírico após breve apresentação e retornando na metade com letras grandes “sultão Dom Manuel, [que] Deus excelso o proteja”. Entre o início a esse trecho, destaca-se um trecho que espelha algumas das projeções espaciais de suserania do monarca português dentre a longa lista de elogios, embora sem demonstrar a mesma familiaridade com os títulos oficiais exatos do rei Dom Manuel como na chancelaria do sultão de Melinde:

Figura 4: Trecho da carta do xeique de Melinde

https://lh7-us.googleusercontent.com/629B0fZ4PCQKXn-Rfmir67zpeTVoBpufi15QXda9vQ0_cqwd0OxG23SbLjBxgypxFnfdCMMYZpTxyvvrKnvrcwVv1iuezXIlXEXSYLlpHQtY8nk53xWZpZdBdPdxJA3wy4JFzNbkaUiRgE4FgoVeWA

Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1, n. 7, frente. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2770. Sultão dos climas (aqālīm), coroa (tāj) suspensa (al-dalā’a) avante (awwalī) à ‘glória suprema’ (al-faḫr al-‘aẓīm), diadema (akīlī) dos senhores (al-sādāt) de prima (awwalī) generosidade (al-jūd) universal (al-‘amīm). Que é rei da Índia, de Sind, da Arábia (al-‘Arab), da Pérsia (al-‘Ajam), do Egito (al-Miṣr), da Síria (al-Šām), do Iêmen e de Tihama [borda árabe do Mar Vermelho], rei de todos países e de sua subjugação (qahr-hā).[11]

 

A hipérbole exagerada de uma reivindicação de controle do globo inteiro tem sua lógica própria dentro de contexto intelectual, numa conjuntura histórica na qual “o gesto é perfeitamente, aterrorizadamente racional.”[12] No âmbito das relações de poder estabelecidas, de algum modo, a maior parte do mundo só se abriria com a anuência dessa autoridade ultramarina que se impunha de fora. Já no reino, o sentido messiânico de tal reivindicação de universalidade antecederia a efetiva dominação pela crença na eventual manifestação desse plano divino, o que, evidentemente, não era compartilhado por todos, sequer na própria corte do monarca português Dom Manuel I. Talvez, seja esse um dos fatores na obtenção das cartas e em sua preservação, como mais um instrumento em defesa do projeto imperial manuelino. É importante atentar para a discrepância de poder e projeto que tal interação poderia gerar. Aplainar o cenário pode ofuscar as hierarquias entre os atores em jogo. As cortes locais podiam ser pilares indispensáveis do poder dos monarcas ibéricos, mas nada rivalizava o alcance transoceânico que esses tinham (Biedermann, 2019, p. 138).

Uma carta muito semelhante, mas parcialmente danificada, apresenta escrita com a mesma letra, frases iniciais quase idênticas, apresentando referências aos mesmos indivíduos: o sultão de Melinde e o (falecido) Muḥammad Rukn, antigo sultão de Quíloa. A única diferença é que o provável autor, o tal xeique (Waīj Ruḫ) aparece ao invés de emissor, como um outro personagem da carta, logo antes da secção danificada: “[ilegível] então depois disso, em seguida, nos enviou xeique Waīj Ruḫ e homens de [ilegível].”[13] João de Sousa, em sua transcrição/tradução pouco rigorosa, de fins do século XVIII, identifica em uma nota como “Xeque Wagerage” que “era o senhor de Melinde, com quem Vasco da Gama fez a paz no ano 1500, e trouxe com sigo hum Embaixador seu a Portugal, e hum rico presente a El-Rei D. Manoel” (Sousa, 1790, p. 71).

Já na carta de um xarife residente na ilha de Moçambique e súdito do sultão de Melinde, nota-se uma ausência dos títulos grandiosos de Dom Manuel, mas não de suas pretensões imperiais tendo em vista com tal adulação a obtenção de um salvo-conduto de viagem até a Índia. O autor da carta, xarife Muḥammad al-‘Alawī, não deixa de elogiar a generosidade e a influência de Dom Manuel, solicitando um cartaz, literalmente “documento [que] me salvaguarde” (waraqa yū’mmnī), para viagem da costa de Sofala à Índia. O xarife de Moçambique se apresenta como um pequeno servo do Rei em busca de seu generoso favor, expressando gratidão antecipada pela benevolência real, mas não deixando de expressar sua fé islâmica ao endereçar-se ao monarca católico:

Figura 5: Corpo principal da carta de Muḥammad al-‘Alawī ao Rei Dom Manuel.

https://lh7-us.googleusercontent.com/Au_AZDtBWr0WshzlTRx79FLEYbHr3zxUkwATk_o2_J0a8f51R0-EnJ5VJvHgjyAD2wjuGSt3BcOHqD-hbl9rCt-CXN515jeawQyOLLqbA5M0Mu67DkicOubDZnblQW1WfN72kbaWIXK9-HkeuBhLrA

Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-18, frente. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2772. Em nome de Deus, o clemente, o misericordioso Esta carta é de xarife (al-šarīf) Muḥammad al-‘Alawī, residente em Musbīḥ [Moçambique], para o meu senhor, meu apoio, meu refúgio, meu amparo, benfeitor do povo de toda terra, em ‘todos os lugares do Oriente e do Ocidente’ [kul-ha mašāriq-ha wa maġārib-ha], que fez florescer o povo da terra de Portugal, combinando [em sua pessoa] moral e riquezas, o soberano de nossa era e de nosso tempo. Todo aquele que o teve em consideração foi recompensado, e quem provocou sua hostilidade estaria condenado. Sua fama circula em todas as cidades e ele é um esteio para quem lhe é benquisto e um destruidor para quem se opõe a ele. Aquele que lhe obedece deve ser grato, e aquele que se opôs a ele deve se arrepender. Não há outro exceto ele, o sultão Dom Manuel, que Deus o eleve, e os sinais de seu poder! Que Deus o proteja e o guarde em Seu cuidado! O propósito deste pedido é a sua beneficência, que não podemos esquecer. Ele pode me enviar um cartaz (waraqa yū’mmnī) de Sofala para o povo da Índia (barr al-Hind), e para viajar em meu navio em todas as suas terras, para que ninguém possa nos prejudicar ou confrontar. Isso será um dos presentes de [Dom Manuel], que elevará minha posição entre todos os muçulmanos. [Como resultado], continuaremos gratos pelas noites e os limiares do dia. Orações e paz estejam sobre o [Profeta] Muḥammad e sua família.

 

Figura 6: Margem invertida da carta de Muḥammad al-‘Alawī ao Rei Dom Manuel.

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Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-18, frente. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2772. Quem escreve esta carta é vosso tacanho servo. Ele busca ajuda de Deus, de Seu Profeta e, em seguida, do leitor desta carta. Ele solicita assim a beneficência do rei para o seu povo. Eu não tinha nada, e o que eu tinha foi perdido [lit. afundado], e eu permaneci perplexo. Minhas saudações de mim a ti e ao povo de teu reino. Que as orações e a paz estejam sobre o [Profeta].[14]

 

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Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-18, verso. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2772. Este documento está sendo enviado ao poderoso senhor, o refúgio inexpugnável [lit. caverna], o mestre de nossa era e tempo, cuja beneficência é incomparável, cujo esplendor e poder são ilimitados, ouviu-se dizer que ele dá presentes sem ser pedido. Eu fiz um pedido a ele e estou aguardando em silêncio [?]. Saiba-se que ele é o senhor, sultão Dom Manuel, que Deus eleve a sua posição.

 

Figura 7: Selo da carta de Muḥammad al-‘Alawī ao Rei Dom Manuel.

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Fonte: ANTT, Colecção de Cartas, 891.1-18, verso. © Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Autorização: ID 2022PR2772. Do xarife (al-šarīf) Muḥammad do xarife (al-šarīf) al-‘Alawī, residente de Moçambique (Musbīḥ).[15]

 

 

Considerações finais

O estabelecimento português na África Oriental no século XVI representa um estudo de caso sobre os desafios enfrentados por impérios coloniais em ambientes culturais e políticos complexos. A dualidade de sua abordagem – ao mesmo tempo diplomática e militar – lhes permitiu manter uma presença dominante sem necessidade de grande controle territorial. Embora tenham enfrentado resistência significativa, a capacidade de adaptação e a exploração das divisões locais permitiram-lhes solidificar seu domínio comercial e político na região. No entanto, esta influência duraria apenas enquanto as alianças locais fossem mantidas, destacando a natureza temporária e delicada do controle imperial no contexto das dinâmicas políticas africanas. Tal articulação também tinha a sua contrapartida local, de modo que a imposição, negociada ou coercitiva, do domínio naval por uma potência externa e distante sobre a Costa Suaíli ensejou também transformações internas a essas sociedades e adaptações inovadoras a nova conjuntura. Na interação com os portugueses, o povo suaíli também condicionou as formas e os limites dessa presença estrangeira em seu território, não obstante as desvantagens em termos bélicos. Ao reinterpretar sua linhagem dinástica na crônica de Quíloa e ao abordar diplomaticamente a Coroa de Portugal, as elites suaílis moldaram sua própria história, reorganizando suas relações de poder e explorando oportunidades que aquele contexto possibilitava, tanto entre si quanto com os portugueses.

Nos escritos árabes da Costa Suaíle, a percepção dos portugueses é evidentemente condicionada pela forma e, sobretudo, para o destinatário. Enquanto a crônica de Quíloa, destinada à leitura interna às altas camadas sociais da cidade, o destinatário das cartas árabes suaílis é sempre as autoridades portuguesas representadas na figura do rei de Portugal. Ainda assim, as tensões e divergências transparecem como um ponto comum, ainda que atenuado na linguagem das correspondências, embora de forma alguma de modo homogêneo entre seus respectivos autores. A “corrupção” e “ruína” que a dominação portuguesa representava para Quíloa, expressa sobretudo na crônica árabe, revelou-se uma oportunidade para a rival da cidade Melinde, que não deixa de expressar uma aquiescência não só o poderio português, mas as próprias pretensões universais da Coroa de Portugal. Ainda assim, era uma força marítima a se lidar, seja através do confronto ou de agrados, para alcançar as rotas outrora livre de tais imposições. Fossem como senhores ou corruptores, a presença portuguesa na Costa Suaíli se revela nas fontes árabes de autoria local como um elemento disruptivo da ordem anterior e um fator a ser contraposto e/ou explorado pelas divisões internas daquela(s) sociedade(s).

 

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Recebido em 15/04/2024.

Aceito em 14/05/2024.



[1] Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e membro do Grupo de Estudos de História Ibérica Moderna (GEHIM-USP). Global Fellow at Habib University, Karachi. Paquistão. E-mail: soaresmathias@gmail.com | https://orcid.org/0000-0002-1653-933X

[2] “Close examination of the term fasād in the Qurʾān reveals that this act can take many forms to encompass: committing disobedience, vices, and forbidden deeds; causing the destruction of nations; harming the environment resulting in a loss of water and a decrease in cultivated fields; practicing magic; taking lives; and perpetrating highway robbery against innocent victims” (Khalilieh, 2019, p. 176).

[3] Muḥammad Rukn era um rico comerciante respeitado pela comunidade de Quíloa, mas não possuía pedigree aristocrático, fato não mencionado explicitamente na crônica (Al-Sulwa, 1985, p. 52). Outras fontes do período atestam sua falta de nobreza, como a carta escrita ao rei de Portugal por seu filho, Ḥajj Ḥasan. ANTT, Colecção de cartas, Núcleo Antigo 891, mç. 1, n.º 46.

[4] Outra tradução possível seria “então, não encontrei mais nada”, considerando que esteja escrito ṯum (então) ao invés do verbo tamm (completar, encerrar) no pretérito perfeito a terceira pessoa do singular como aparece no fac-simili do manuscrito na página 13, sendo (tanto “não”, como “[o] que”, dependendo do contexto) podendo ser interpretado como advérbio de negação, ao invés de conjunção (Al-Sulwa, 1985, pp. 13 e 53).

[5] “Far from meaning they were giving up on their goals, the attitude of the Portuguese was in line with common practice among local chiefs. It showed an awareness of a situation that required changes and adjustments with immediate impact on the trading post and the survival of the people living and working there. In this context, the availability of suitable goods in demand in the local and regional African markets was as important as ensuring the regular supply of food to the trading post” (Roque, 2017, p. 26).

[6] A tradução aqui difere em alguns pontos na interpretação feita pela tradução inglesa de Subrahmanyam e Alam (2019, p. 272).

[7] Tradução para o inglês em Subrahmanyam e Alam (2019, p. 272).

[8] “The Malindi chancery [...] seem to have been fully aware of the pretentious titles that Dom Manuel himself had begun to use [...].” (Subrahmanyam; Alam, 2019, p. 267)

[9]  Tradução para o inglês em Subrahmanyam; Alam (2019, p. 271).

[10] ANTT, Colecção de cartas, Núcleo Antigo 891, mç. 1, n.º 19, frente.

[11] É identificado erroneamente na carta um suposto “rei Bachir” a partir da leitura do qualificativo após sultão do mundo (sulṭān al-dunya) de “inteira”, literalmente “por sua extensão” (bi-asarhā), embaixo da qual está escrito em português “Nome do Rey Bachir”. No alto, acima do canto esquerdo da carta, está escrito também “Passaporte em nome do Rey Bachir”. O autor da carta se identifica várias vezes como xeique (šayḫ) W[a]īj Ruḫ, mas é incerto como seria a transliteração correta ou até a leitura das letras, escritas de modo ambíguo, podendo haver um lām antes de ya‘ ou jīm: Walīj? Waīlj?. A final da carta tem outro estilo de escrita em traços mais grossos. ANTT, Colecção de cartas, Núcleo Antigo 891, mç. 1, n.º 7, frente.

[12] “[...] once placed into its historical, intellectual context, the gesture is perfectly, frighteningly rational” (Biedermann, 2019, p. 140).

[13] ANTT, Colecção de cartas, Núcleo Antigo 891, mç. 1, n.º 54.

[14] A palavra profeta está um pouco abreviada, mas compreensível como nas abreviações típicas. Tradução para o inglês em Subrahmanyam & Alam, 2019, p. 270.

[15] Tradução para o inglês em Subrahmanyam & Alam, 2019, p. 270.