“Women are Different”: colonialismo e educação de meninas igbos na literatura de Flora Nwapa

“Women are Different”: colonialism and the education of Igbo girls in the literature of Flora Nwapa

                                        Tathiana Cristina da Silva Anizio Cassiano[1]

 

 


Resumo

O artigo propõe uma análise da experiência das mulheres nigerianas no século XX, destacando especialmente a contribuição da escritora igbo Flora Nwapa para a compreensão desse contexto. Inspirado pela necessidade de uma abordagem histórica da África que valorize perspectivas endógenas, o texto utiliza o diálogo entre História e Literatura como base metodológica. O ensaio concentra-se na análise do romance “Women Are Different” (1992), especificamente como Flora Nwapa percebeu o papel do colonialismo britânico na educação das mulheres igbo, evidenciando o protagonismo destas diante das transformações sociais em suas comunidades. A estrutura do artigo divide-se em duas partes principais: a primeira aborda a educação de meninas igbo no contexto colonial, enquanto a segunda discute as implicações do colonialismo na formação das elites nigerianas, destacando como Flora Nwapa interpretava esses impactos e a busca por uma emancipação que reconhecesse suas raízes culturais.

Palavras-chave: Flora Nwapa; Colonialismo; Nigéria; Igbo; Educação.

Abstract

The article proposes an analysis of the experience of Nigerian women in the 20th century, highlighting especially the contribution of Igbo writer Flora Nwapa to the understanding of this context. Inspired by the need for a historical approach to Africa that values endogenous perspectives, the text uses the dialogue between History and Literature as a methodological basis. The essay focuses on the analysis of the novel “Women Are Different” (1992), specifically on how Flora Nwapa perceived the role of British colonialism in the education of Igbo women, highlighting their agency in the face of social transformations in their communities. The structure of the article is divided into two main parts: the first addresses the education of Igbo girls in the colonial context, while the second discusses the implications of colonialism on the formation of Nigerian elites, highlighting how Flora Nwapa interpreted these impacts and the pursuit of an emancipation that recognized their cultural roots.

Keywords: Flora Nwapa; Colonialism; Nigeria; Igbo; Education.


 

 

Introdução

As reflexões desenvolvidas neste artigo decorrem do diálogo estabelecido com a trajetória e produção literária de Flora Nwapa, uma escritora igbo, para compreender a experiência de mulheres nigerianas no século XX. Isto posto, considero a imprescindibilidade de uma escrita da História da África que valorize as “perspectivas endógenas na interpretação de fatos, contextos e estruturas sociais do passado do continente” (Macedo, 2021, p.12). Este diálogo deriva de uma concepção metodológica que articula a História e a Literatura, na qual a última permite-nos estabelecer novas questões para a História de determinados contextos até então vistos sob uma única perspectiva.

Flora Nwanzuriahu Nkiru Nwapa, mais conhecida como Flora Nwapa (1931-1993), foi escritora, professora, editora e servidora pública de origem igbo nascida na cidade de Ugwuta[2], Nigéria. Frequentou escolas missionárias em sua infância, ainda no contexto de domínio colonial britânico; formou-se bacharel em Inglês, História e Geografia pela Universidade de Ibadan, Nigéria, e posteriormente em Educação pela Universidade de Edimburgo, Escócia. Mais tarde completou sua formação em Relações Públicas nos Estados Unidos e em Administração Universitária no Reino Unido. Foi professora em escolas secundárias na Nigéria, como o Queen’s College, em Enugu, e começou sua carreira como escritora aos 30 anos, quando publicou Efuru (1966) (Chuku, 2013, p. 269), ficando conhecida internacionalmente como uma das primeiras mulheres africanas a ter uma obra publicada, o que a conferiu o título de “Mãe da Literatura Africana”.

Além disso, Nwapa atuou no serviço público junto aos Ministérios da Educação (até 1959), da Saúde e Previdência Social (1970) e das Terras, Pesquisa e Desenvolvimento Urbano (1971) no Estado Central do Leste da Nigéria. Também foi professora visitante em Nova Iorque, Minnesota e Michigan, nos Estados Unidos, e palestrante requisitada para falar de sua produção literária e das mulheres igbos que inspiraram suas histórias.

 Nwapa negava o caráter autobiográfico de suas obras, mas assumia a intenção de “projetar uma imagem mais equilibrada da feminilidade africana”[3] e que, por meio das personagens por ela criadas, pretendeu “dar exemplos dos papéis cruciais que as mulheres igbo desempenham em suas comunidades”[4] (Nwapa, 2007, p. 527), como afirmou no seu ensaio Women and Creative Writing. Neste mesmo ensaio, a autora afirmou ter identificado mudanças na percepção dos problemas e papéis das mulheres nas sociedades africanas em geral e como essas mudanças as afetaram. Além disso, pontuou a emergência de uma consciência feminista e analisou a implicação disto na vida e produção literária de homens e mulheres, na Nigéria e em toda a África (ibid, p. 529).

É esta nova visão das mulheres que tenho procurado retratar nos meus romances (One is Enough, Women are Different, Never Again) e contos (This is Lagos, Wives at War, and Cassava Song and Rice Song). O fio condutor destas obras é a luta das mulheres pela sobrevivência, por quaisquer meios, à medida que respondem às tremendas mudanças na sociedade (ibid)[5].

 

 É sobre as consequências que uma dessas mudanças promoveu que a proposta deste ensaio se refere, particularmente a presente no romance “Women Are Different”, publicado pela primeira vez em 1986 pela Tana Press (Enugu) e, em seguida, em 1992 pela editora estadunidense Africa World Press. Nesta obra, Flora Nwapa descreve a trajetória de três amigas, Rose, Agnes e Dora, desde a juventude, quando se conhecem no internato, até a vida adulta. Nwapa conta a história de cada uma das personagens para se adaptar às mudanças de valores na Nigéria após a independência, as relações que elas estabelecem nos diferentes espaços que circulam, porém, sempre unidas pela amizade entre elas.

Na companhia da personagem Rose da obra Women are Different (1992), de Flora Nwapa, abordaremos o tema da educação de mulheres igbos no contexto da colonização e pós-independência da Nigéria. Na primeira parte, intitulada “Colonialidade e a educação de meninas”, apresento um panorama sobre as premissas nas quais o projeto de educação para a colônia britânica se pautou. A partir disso, exploro na literatura e na trajetória da autora os objetivos e as implicações deste projeto, assim como o caráter exclusivo deste, ou seja, voltado para as meninas da elite e camadas médias.

Na segunda parte, “A formação das elites nigerianas”, argumento, em diálogo com a literatura, que o projeto colonial articulou dominação econômica, controle político e imposição cultural a partir de elementos de raça, classe e gênero importados do contexto europeu e que, na perspectiva da crítica da modernidade/colonialidade[6], foi um projeto duradouro visto que sobreviveu no contexto da emancipação política.

Com esta discussão, analiso como Flora entendia os impactos do colonialismo na formação das mulheres igbos escolarizadas. Também exploro como esta formação que, na percepção da autora, as desenraizaram de suas origens, pôde ser instrumentalizada em sentido inverso, ou seja, para buscar uma emancipação por meio da retomada dos modos igbos de ser e viver no mundo.

 

Colonialidade e a educação de meninas

Rose ficou decepcionada quando desceu na estação de trem em Elelenwa, em meados de 1945, em direção ao Archdeacon Crowther Memorial Girls School (ACMGS)[7], um internato de meninas fundado em 1943 e comandado por missionárias cristãs. Sob a direção de Miss Hill, o internato estava localizado em Elelenwa, (Port Harcourt, Nigéria) cujo nome se tratava de uma homenagem ao missionário egba/iorubá Samuel Ajayi Crowther (1807-1891)[8]. Rose reparou que a escola não possuía veículo próprio para o transporte de estudantes (Nwapa, 1992, p. 5), e estava localizada em área mais afastada, num terreno cercado de mato e sem portão (ibid, p. 7). As instalações eram simples, bem diferente do famoso Queen 's College, em Lagos, para onde Rose desejou ter ido.

A convivência no colégio, apesar das dificuldades, deu a Rose a amizade de Agnes e Dora, que levou por toda sua vida. Era órfã de mãe e o pai trabalhava para o governo colonial como funcionário público (ibid., p. 26). Homens brancos frequentavam a casa de seu pai, que era um grande crítico dos projetos de emancipação de seus compatriotas. Após concluir seus estudos, assim como fariam outros homens e mulheres dessa classe média emergente na colônia, o pai de Rose a enviou para educar-se junto às mulheres brancas formadas nas melhores universidades da Grã-Bretanha.

As instituições escolares do período do colonialismo na Nigéria foram protagonistas na redefinição dos papéis das meninas. Esses papéis, importados de um modelo de família patriarcal pautado na experiência europeia, estavam no cerne da colonização (Oyewùmí, 2021) e começavam nos primeiros anos da vida escolar.

Então, comecei a escrever sobre meus dias de escola, um período da minha vida para o qual olho para trás com nostalgia; um período feliz quando aprendi e compartilhei com meus colegas de escola; um período que viu o início de muitos anos de irmandade. Jovens, inocentes e confiantes, meus colegas internos e eu nos encontramos em uma escola onde os missionários nos ensinavam a ética da religião cristã. Os missionários brancos e alguns de nossos professores nos apresentaram o mundo dos livros. Tornamo-nos leitores ávidos, lendo tudo o que poderíamos pôr em nossas mãos (Nwapa, 2007, p. 526).

 

A lembrança dos tempos na escola foi o ponto de partida de Flora Nwapa para a escrita do ensaio Women and Creative Writing in Africa (2007) no início da década de 1990. Em suas lembranças é perceptível os sentimentos de felicidade e irmandade compartilhada com os e as colegas na escola, além de uma evidência do quanto foi afetada pelos livros e a leitura. Mas é preciso considerar que essa memória é marcada pelo fato colonial. Neste sentido, como aponta Mbembe,

Nas escritas negras de si, a colônia aparece como uma cena original que não preenche somente o espaço da lembrança, à maneira de um espelho. Ela é representada também como uma das matrizes significantes da linguagem sobre o passado e o presente, a identidade e a morte. Ela é o corpo que dá carne e peso à subjetividade, algo que não só relembramos como continuamos a experimentar, visceralmente, muito tempo depois de sua desaparição formal (Mbembe, 2018, p. 187).

 

Flora Nwapa era filha de pais cristãos, ex-professores e comerciantes de Ugwuta. Segundo Glória Chuku, historiadora e autora de um capítulo de livro sobre a biografia de Flora Nwapa, Martha Onyenma Nwapa (mãe de Flora) deixou o trabalho como professora após o casamento e tornou-se revendedora de tecidos. Sentada aos pés da máquina de costura de sua mãe, Nwapa passou a infância ouvindo as histórias das mulheres igbos que por ali passavam (Chuku, 2013, p. 268). Foi aos costumes e crenças igbos transmitidos pelas histórias contadas pelas mulheres que a autora atribuiu a origem de sua inspiração para os seus escritos. No entanto, a experiência como escritora começou com os primeiros ensaios sobre a sua rotina nos internatos para meninas na Nigéria (Umeh, 1998, p. 25).

Os estudos primários de Nwapa deram-se na ACMGS, em Port Harcourt; em seguida na Escola Missionária da Church Missionary Society em Lagos; depois no Queen’s College, também em Lagos e na University College, Ibadan (Universidade de Ibadan). A continuidade para os estudos superiores evidencia o lugar de Flora como parte de uma elite nigeriana cujas famílias decidiram investir na educação das mulheres (Chuku, 2013, 269), já que a ideia dominante na primeira metade do século XX na Nigéria era a de que homens deveriam ter prioridade na formação superior.

Necessário apontar que a preocupação e o investimento da elite nigeriana na formação de seus filhos e filhas têm suas bases no processo de expansão colonial sobre territórios africanos e o posterior estabelecimento dos aparatos coloniais (M’Bokolo, 2011). No caso da Nigéria, é preciso conhecer alguns aspectos da política colonial britânica.

As conjunturas relacionadas ao desenvolvimento de um capitalismo monopolista na Europa, e a concorrência entre mercados decorrente disto, modificou a política dos países europeus em geral em relação à África. A presença, ainda limitada ao caráter exploratório na cabeceira dos grandes rios e na costa litorânea, foi oficializada pela Conferência de Berlim[9] ao final do século XIX, a despeito das lideranças e organizações políticas locais. Em relação às políticas de colonização europeia em África, havia três orientações principais, resumidas pelo historiador José Rivair Macedo da seguinte forma:

1) A sujeição pura e simples dos povos aos quais se pretendia colonizar;

2) A autonomia relativa concedida a esses povos, mediante o reconhecimento de certas iniciativas e direitos das autoridades locais;

3) O desenvolvimento de mecanismos institucionais que promovessem a assimilação dos colonizados pelos colonizadores (Macedo, 2017, p. 141).

 

Nomeada como indirect rule[10], a política colonial britânica, de modo geral, seguiu a segunda orientação, porém em relação a determinadas regiões da Nigéria, nem sempre a sua atuação foi de pouco envolvimento na administração direta da colônia. Para os historiadores Toyin Falola e Matthew Heaton, autores da obra sobre a história da Nigéria, havia inicialmente um consenso de que os objetivos coloniais britânicos poderiam ser alcançados por meio de ações intermediadas pelos líderes locais. Contudo, foram principalmente os missionários cristãos que pressionaram para que a política britânica na Nigéria gradualmente se encaminhasse para um controle político direto. E o argumento principal estava na necessidade de conversão cristã dos “nativos” e combate aos resquícios do comércio ilegítimo da escravidão (Falola; Heaton, 2008, p. 86).  

A ideia de indirect rule tornava mais palatável a justificativa da presença colonial britânica na Nigéria, considerando que teoricamente preservou as instituições locais de administração. No entanto, a natureza dessas instituições havia sido profundamente alterada pelo colonialismo (ibid.). A diretora do internato onde Rose e suas amigas estudavam, a diretora, Miss Hill, afirmava que seu papel era de preparar “meninas cristãs para assumirem seus lugares quando eles entregassem (grifo meu) o poder ao povo” (Nwapa, 1992, p. 22).

O historiador de Burkina Faso Joseph Ki-Zerbo demonstrou as ambiguidades da indirect rule, que se tornou mais eficaz na região norte do atual território da Nigéria, ocupada por povos de maioria haussá, cuja característica política centralizada facilitou a sua implementação:

Com efeito, deve notar-se, antes de mais nada, que numerosos chefes tradicionais da África haviam sido depostos e exilados, se não executados, pelos próprios britânicos, por vezes, é verdade, sob a inculpação de se dedicarem à escravatura, prática que haviam aprendido dos seus parceiros europeus. Além disso, se a indirect rule satisfazia a aristocracia de emires e outros sultões, mostrou a experiência que só raramente satisfazia os seus súditos (Ki-Zerbo, 1999, p. 122).

 

Ademais, Ki-Zerbo descreve como a própria ação colonizadora no estabelecimento das fronteiras e na educação colaborou para que a indirect rule não ultrapassasse os limites do discurso:

[...] E, depois, o retalhamento dos povos entre potências europeias, devido às fronteiras artificiais, retirava muitas vezes aos chefes tradicionais a base material e territorial da sua autoridade. Enfim, o trabalho de educação e de promoção social empreendido à ventura pelo colonizador não punha desde logo em xeque o próprio princípio da autoridade tradicional? (Ki-Zerbo, 1999, p. 123).

 

 O processo de consolidação da colonização britânica na Nigéria levou 40 anos, sendo os últimos territórios dominados pela força[11]. O papel dos missionários nesse processo não foi apenas o de ditar o ritmo do domínio colonial por meio de sua influência em cada comunidade local, mas também o de impor uma ideia de sociedade a partir dos parâmetros de “civilização” europeia; para isso precisava-se eliminar qualquer vestígio das culturas locais indígenas e não cristãs. Era necessário, então, formar uma nova classe de nigerianos, cristãos, com educação europeia cujos papéis, seja etário ou de gênero, seriam profundamente modificados para atender às exigências da emergente economia colonial (Falola; Heaton, 2008, p. 111).

Considerado o pai da literatura africana contemporânea, Achebe combinou uma extensa produção literária com ensaios nos quais desnudou o mundo igbo para o público estrangeiro. Uma das suas formas de definir a visão de mundo igbo era o consenso, o meio-termo, “Onde quer que haja alguma coisa, alguma outra coisa virá ficar a seu lado” (Achebe, 2012, p. 15). Mesmo sob a herança do longo domínio colonial britânico[12] (os igbos são hoje de maioria cristã), a perspectiva de mundo ainda é fortemente marcada por elementos da cosmogonia tradicional[13]. Um desses elementos é a percepção de dualidade, onde nada é absoluto. O próprio humano é uma “metade” do ser. A outra é seu chi, sua outra parte que vive no mundo espiritual, pois nada existe sozinho (Achebe, 1976, p. 132). É com o chi que o humano negocia seu destino ao nascer.

Na trajetória de Flora Nwapa e na sua escrita literária é evidente a perspectiva do meio-termo do modo de ser e viver igbo. Em suas histórias há evidências de que nas fronteiras do que foi imposto pelo projeto colonial houve o estabelecimento de espaços de negociação, dentro do que era possível naquele contexto. Portanto, não é tempo da modernidade, de acepção teleológica, mas o do equilíbrio e da negociação, que para Flora estava no cerne da experiência vivida das mulheres igbos que ela retratou em suas personagens.

A educação formal na Nigéria, no início da administração colonial, limitava-se ao ensino primário (focado na habilidade de leitura e escrita em inglês) ou treinamento profissionalizante, ambos aliados à educação cristã. De acordo com Ki-Zerbo (1999, p. 124), o sistema educativo seguia princípios não assimilacionistas, ou seja, com conteúdos “adaptados” ao contexto africano segundo os objetivos do colonizador e parte do ensino dava-se na língua materna. Para Ki-Zerbo, o resultado desse sistema se mostrava ambíguo, pois “se por vezes limitava as perspectivas dos alunos, tinha a incomparável vantagem de não os desenraizar do seu meio” (ibid).

Em Women are Different, Flora descreve que Miss Hill, missionária que dirigia o internato para meninas, encorajava-as a cantar e dançar músicas igbo e falar o igbo na escola, somente o pidgin english[14] não era permitido (Nwapa, 1992, p. 23).

A pequena mulher branca devia ter conhecimento de psicologia. Ela parou e perguntou lentamente, mas suavemente: ‘Você consegue me ouvir?’ Um grupo de meninas sentadas à direita do corredor disse conseguir ouvi-la. Uma das meninas levantou a mão e a mulher branca pediu que ela falasse. ‘Podemos ouvi-la, mas não podemos entendê-la.’ [...] Ela já estava acostumada com o inglês pidgin falado na área de Port Harcourt. E na escola havia uma regra que proibia as meninas de falar inglês pidgin. Ela cometeu um erro. Ela deveria ter levado consigo uma de suas professoras nigerianas[15] (ibid, p. 3).

 

Falar o inglês na Nigéria, principalmente entre a elite que se formava, era ter acesso a espaços privilegiados na colônia (Falola, 2020, p. 334), porém o idioma passou por um processo deliberado de africanização. A combinação do inglês com os diversos idiomas locais, que deu origem ao pidgin e aos inúmeros ingleses falados na Nigéria, evidenciam um processo de “nativização” inevitável (ibid) indicativo de um devir-resistência[16], ou seja, o discurso criativo como estratégia política, “uma saída para não só dizer de si (nós), mas também para reinventar modos de (re) existir e forjar alternativas de seguir e estar no mundo” (Santiago, 2020, p. 132). Esse processo resultou no inglês nigeriano contemporâneo e na cultura do bilinguismo (Falola, 2020, p. 343). Ainda hoje debate-se se esse inglês da Nigéria deve ser priorizado nas escolas, o que, segundo Toyin Falola, continua longe de ser resolvido[17].

Falando sobre a africanização do inglês na produção literária igbo, o pesquisador e linguista Herbert Igboanusi (2001, p. 376) aponta a inserção de termos e expressões em igbo ao longo do texto, como Flora Nwapa fez em Efuru (1966), principalmente quando incluía os provérbios. Em Women are Different (1992), no qual a história se passa em um contexto urbano, falas inteiras de algumas personagens, como as de Comfort, são apresentadas no pidgin.

I know you, not you three I see for Port Harcourt last year when we do the exam? So una pass too? Me I pass too. But my friend no pass, im fail. And im papa send am go Enitona High School. Imagine, Enitona High School! Not to good school. Na bad school. Na so so belle the girls dey carry when dem go Enitona. I sorry for my friend. Ego carry belle too . . . (Nwapa, 1992, p. 4).

 

Em uma tradução livre (e aproximada)[18] ao português, ficaria da seguinte forma:

Eu conheço vocês, não são vocês três que vi em Port Harcourt no ano passado, quando fizemos o exame? Então vocês passaram também? Eu também passei. Mas minha amiga não passou, ela falhou. E o pai dela vai enviá-la para Enitona High School. Imagine, Enitona High School! Não é uma boa escola. Uma escola ruim. As garotas ficam grávidas quando vão para Enitona. Lamento pela minha amiga. Ela ficará grávida também...

 

A maioria dos nigerianos só obteria formação primária na colônia. Uma minoria continuaria seus estudos no exterior (Falola; Heaton, 2008, p. 147). Em 1960, havia 700 escolas secundárias no sudoeste da Nigéria e cerca de 40 ao norte. Neste mesmo período, o sudoeste nigeriano implementou acesso à educação primária nos moldes ocidentais, gratuita a todos os nigerianos da região (ibid). Só em 1948 foi criada uma instituição de ensino superior na Nigéria, a Universidade de Ibadan. Inicialmente ela era uma extensão da Universidade de Londres e adquiriu autonomia somente em 1962 (ibid). Neste período, conforme afirma o pesquisador Michael Lambert, a sede em Londres monitorava os cursos ofertados. Em caso de continuidade de estudos para a pós-graduação, os estudantes nigerianos da Universidade de Ibadan iam para o exterior, na própria Universidade de Londres ou em outras do Reino Unido (Lambert, 2018, p. 321), como a própria trajetória acadêmica de Flora Nwapa demonstra.

De acordo com a tradição colonial britânica, o Departamento de Estudos Clássicos, juntamente com Inglês, História e Estudos Religiosos era um dos departamentos fundamentais na Faculdade de Artes e Ciências Humanas [...]. Nesse período em Londres (1950-1964), em sua maioria, os funcionários tinham diplomas de Oxford, Cambridge e Londres (ibid)

 

A partir da sua experiência nas escolas coloniais do território igbo, Chinua Achebe descreveu em “A educação de uma Criança sob o Protetorado Britânico” o funcionamento do ensino durante sua infância, por volta das décadas de 1930 e 1940:

O ensino elementar começava com dois anos de jardim de infância e seis anos de escola primária. Para algumas crianças, havia um ano de pré-escola na chamada escola religiosa, onde passavam um ano cantando e dançando o catecismo. [...] Eu, porém, fui poupado disso. Creio que absorvi bastante religião em casa com os trechos bíblicos que líamos todos os dias na hora da oração, todas as manhãs e todas as noites (Achebe, 2012, p. 25).

 

Como a educação europeia permaneceu sob o domínio dos missionários anglicanos da Church Missionary Society (CMS), a maioria das escolas concentrava-se na região sul da Nigéria, onde as missões estavam estabelecidas. A CMS foi fundada em 1799, e foi uma das mais importantes missões religiosas que atuaram na África Ocidental a partir do início do século XIX (Boahen, 2010, p. 52). Sua primeira escola em Lagos foi fundada em 1859 (ibid, p.55) e atuava na conversão da população, educação, tradução da Bíblia às línguas locais, promoção do ensino técnico e desenvolvimento de atividades econômicas como agricultura e comércio (ibid).

Essa relação entre missionarismo e escolarização é evidenciada por Adiele Afigbo: “a instrução e a evangelização estavam de tal modo interligadas que, em muitas regiões da África, um missionário erguendo a sua tenda era sinônimo de criação de uma escola” (Afigbo, 2010, p. 572). Na parte norte do território nigeriano havia poucas escolas missionárias operando e as autoridades locais restringiam sua atuação tendo em vista a preservação da cultura islâmica (Falola; Heaton, 2008, p. 128).

O objetivo dos missionários com a educação era o de transformar as sociedades africanas implementando firmemente o cristianismo, desse modo o sistema familiar africano deveria ser reformado segundo os dos padrões “civilizatórios” europeus. Os homens, neste sistema, “eram vistos como possíveis clérigos, catequistas, pastores e missionários no serviço da igreja” (Oyewùmí, 2021, p. 196). As mulheres, por sua vez, cuja função na produção de alimentos nas comunidades era central, foram inseridas em um sistema que passou a controlar e subordinar o trabalho feminino. No caso da Nigéria, as mulheres estavam envolvidas na comercialização de óleo de palma, principalmente no interior, entre o final do século XIX e início do século XX (Falola; Heaton, 2008).

Neste contexto, ao deslocar a mulher do papel social, político e econômico na vida em comunidade, como reitera Kalu (2020, p. 60) ao analisar a mulher igbo, a política colonial reitera os meios de alienação e exclusão através dos mecanismos de incorporação, educação e religião ocidentais. Retirou-se delas a condição de fazer parte das estruturas econômicas emergentes pós-independência (nos mercados, onde ainda hoje a presença de mulheres é forte, sua influência não ultrapassa o âmbito local, sem direito a participação nas decisões que as atingem).

Embora outras pesquisadoras sobre temáticas de gênero discordem da perspectiva de Oyèrònké Oyewùmí (2021) acerca da natureza do status social da mulher antes da ingerência colonial[19], inclusive sobre a própria definição de feminino/masculino e a imposição do gênero enquanto marcador social, é consenso o entendimento de que o rebaixamento dos papéis atribuídos às pessoas do sexo feminino não podem ser entendidos isoladamente, ou seja, sem considerar os atravessamentos de gênero, raça e classe resultantes da modernidade/colonialidade. Nestes espaços, a pessoa generificada como mulher, racializada como negra, e classificada como colonizada, vê reduzidos significativamente os espaços nos quais atuava. Porém, em que pese o alcance da violência do colonialismo, a agência dessas mulheres é perceptível na narrativa literária de Flora Nwapa.

Foi justamente por considerar que seus livros não eram adequadamente distribuídos pela editora Heinemann que Nwapa decidiu fundar sua própria editora, a Tana Press (Umeh, 1995). Por considerar haver poucas oportunidades para outras mulheres escritoras, os livros destas eram prioridades na Tana Press. Por entender que o individualismo era um legado nocivo do colonialismo, dedicou-se a escrever livros infantis que abordavam a cultura e os valores igbos baseados no coletivismo (Chuku, 2013).

Pode-se argumentar que esta não era a realidade da maioria das mulheres igbos, especialmente daquelas não pertencentes à elite local ou escolarizadas. Mas os primeiros manifestos de massa amplamente organizados contra a colonização foram protagonizados por mulheres igbos trabalhadoras. Elas saquearam fábricas e destruíram edifícios no ano de 1929 como resposta à tributação direta das atividades econômicas das mulheres, já sobrecarregadas no apoio financeiro às famílias e aos tributos obrigatórios dos homens. Essas mulheres não tiveram acesso à educação europeia, o que não as impediu de se unirem e organizarem, sendo contidas somente pela ação das tropas coloniais que deixou 55 mulheres mortas (Falola; Heaton, 2008, p. 133).

No que se refere à escolarização das jovens da elite nigeriana, Oyèrònké (2021) afirma que o interesse dos missionários era “produzir mães que seriam o fundamento das famílias cristãs” (p. 197). Porém, esta intenção derivava da preocupação de que a “influência do lar poderia estar destruindo as boas sementes plantadas na escola” (ibid), afinal era no lar, sob os cuidados das mães, avós, que as crianças ouviam as histórias de deuses e deusas da cultura tradicional, os provérbios e as músicas.

Após 1882, quando o monopólio das missões cristãs na administração de escolas é rompido com o surgimento de escolas mantidas pela administração colonial, amplia-se a preocupação de educar todas as crianças. No entanto, permanece a preocupação em manter as mulheres subordinadas aos homens em todas as situações, seja qual for a qualificação delas. Segundo Oyèrònké, essa ideia não partiu inicialmente das famílias dos colonizados, mesmo porque estas logo perceberam “o valor da educação no emprego assalariado e em posições importantes que as pessoas instruídas passaram a ocupar” (2021, p. 201).

A forma de ascensão social para a maioria das mulheres estava no casamento, mas um tipo de casamento na perspectiva colonial/ocidental, ou seja, pautado no modelo patriarcal quanto aos papéis de gênero. Dessa forma, as relações familiares e matrimoniais, elementos centrais nas culturas africanas como a dos igbos, são modificados em sua lógica inicial naquilo que Fanon (2022) designou como alienação do colonizado pelo colonizador, para a qual as instituições escolares colaboraram significativamente.

Na literatura, Nwapa descreve um evento ocorrido na Archdeacon Crowther Memorial Girls School (ACMGS), no qual as estudantes e jovens rapazes de outro internato, que estavam ali como visitantes, debateram se a educação de meninas era desperdício de dinheiro:

Comfort disse que acreditava que seus pais estavam desperdiçando dinheiro educando-as. Elas eventualmente se casariam, teriam filhos e esqueceriam tudo o que aprenderam na escola. Rose apontou que ela havia lido em algum lugar no qual se dizia que a mão que balança o berço governa o mundo. Comfort disse que a mão que balançava o berço não era necessariamente uma mão educada. Tudo o que importava para as mulheres era casar, ter filhos e começar um lindo lar. Ela salientou que não entendia por que missionárias deveriam renunciar ao casamento[20] (Nwapa, 1992, p. 12).

 

Flora Nwapa relata o dilema da educação de meninas não apenas na discordância entre as personagens Rose e Comfort, mas também na figura de Miss Hill, diretora do internato, uma missionária que se sentia rebaixada ao papel de treinadora de futuras esposas. “Ela não se formou em Oxford para vir à Nigéria treinar meninas nigerianas para serem boas esposas. Ela mesma não era uma esposa. Era uma missionária que havia rejeitado todos os atrativos mundanos para fazer a vontade de Deus”[21] (ibid., p. 23).

Nestas instituições escolares, o modelo predominante foi o regime de internato. A vivência dentro desses espaços garantiria a formação de pessoas para “os diferentes lugares na nova sociedade que os colonizadores estavam construindo” (Oyewùmí, 2021, p. 203). A escola de meninas, portanto, mimetizava a rotina de uma mulher segundo a função a ela atribuída nesse modelo colonial de sociedade:

Agnes, Dora e Rose sentaram-se juntas imaginando se os seus pais fizeram a coisa certa em as mandarem para a escola. Mas nos dias que seguiram, elas se ajustaram à rotina da escola e descobriram que apesar de ser difícil, principalmente acordar às cinco e trinta da manhã para buscar água à meia milha de distância, fazer o serviço doméstico, e cozinhar as refeições, elas se divertiam nas aulas, jogos e leituras[22] (Nwapa, 1992, p. 10).

 

A rotina escolar era dividida entre a aprendizagem doméstica, formação básica que incluía cálculos, inglês e práticas recreativas, como os jogos. Além disso, as estudantes eram instruídas em leitura, desde que esta última não fosse de nenhum “True Romance”, livros proibidos pela direção do colégio, como os de autoria de Marie Corelli[23], mas que circulavam clandestinamente entre as estudantes (ibid., p. 10). Rose e as amigas leram volumes e volumes dos livros proibidos. Flora afirmou que na escola lia tudo o que encontrava, e isso contribuiu para sua escrita (Umeh, 1995, p. 25).

As instruções recebidas eram amplas e abarcavam todos os aspectos de uma rotina doméstica. Rose, por exemplo, se viu sangrando como nunca tinha acontecido. Miss Hill a orientou sobre o que significava aquele sangramento, era menstruação, ela finalmente havia “alcançado a feminilidade” (Nwapa, 1992, p. 10).

A estrutura do espaço físico não era adequada. A escola de Rose e suas amigas é descrita como um prédio sem portão, localizado em um lugar afastado, cercado de mato e a alimentação das estudantes era precária.

Quando algumas das meninas viram a comida na tigela, começaram a chorar. Comfort foi a que mais chorou. Ela tinha quiabo e ensopado, eba[24] e arroz para comer depois, mas chorou porque pensou que antes de domingo, e era apenas sexta-feira, a comida acabaria e ela passaria fome. Quanto a Rose, a comida era pior do que ela imaginara[25] (ibid., p. 8).

 

Apesar do apoio recebido da Coroa britânica na atuação junto à educação nas colônias, a maioria das escolas missionárias eram mantidas com recursos próprios (Falola; Heaton, 2008, p. 128). Ao contrário das escolas leigas que eram administradas diretamente pelo governo colonial, como o King’s College (fundado em 1909), criado para a garantir a educação dos meninos da elite nigeriana, e o Queen’s College (fundado em 1927), voltado para a educação de meninas cuja fundação “foi uma homenagem à tenacidade das mulheres da elite de Lagos que, em seu zelo em convencer o governo que havia necessidade de educação feminina, arrecadaram mil libras para esse fim” (Oyewùmí, 2021, p. 202).

Rose havia sido impedida pelos pais de estudar em Lagos no Queen's College, pois, segundo as palavras da mãe de Rose “to go Lagos no hard, na return”[26], ou seja, ir para Lagos era fácil, difícil era voltar (Nwapa, 1992, p. 5). A jovem ressentia-se da diferença entre os colégios. No Queen's College, segundo a personagem, as meninas “eram servidas por mordomos, tinham água encanada, cozinheiras e, além disso, jogavam tênis”[27] (ibid., p. 8).

Quanto ao tipo de informação a que essas jovens tinham acesso, Flora Nwapa não só evidenciou a censura como também as formas de articulação para burlá-la por meio das histórias de suas personagens com referências a uma pessoa conhecida da história da Nigéria. De modo a estimular a “preservação” da cultura igbo entre as estudantes, Miss Hill convidou Mazi Mbonu Ojike[28], importante conhecedor do idioma e cultura igbos, para uma palestra na instituição:

Por algum motivo Rose se interessou mais pelos assuntos do regime colonial na Nigéria. Ela conseguira contrabandear exemplares de The West African Pilot[29] para a escola e os lera avidamente. Ninguém sabia como ela os conseguiu. Enquanto Mazi Mbonu Ojike falava sobre a língua igbo e a importância dela em sua educação, referiu-se, embora de forma breve e sutil, à época em que o manto do governo cairia sobre seu grande líder, o Dr. Nnamdi Azikiwe[30]. Rose fez uma pergunta direta: “Quando a Nigéria vai se governar?” Mazi Mbonu Ojike se esquivou da pergunta, e quando Rose levantou a mão para fazer outra pergunta, Mazi a ignorou. Pensava-se na época que Mazi Mbonu Ojike era quem enviava a Rose o The West African Pilot regularmente[31] (ibid., p. 25).

 

A passagem sugere como um ativista nacionalista pode ter utilizado de uma palestra inicialmente voltada para falar da cultura e idioma igbo para estudantes, como ferramenta de propagação da causa pró-independência. Rose, por sua vez, interessou-se tanto pelo tema a ponto de burlar as normas da escola para se informar.

A historiografia evidenciou a importância das escolas coloniais para a formação de uma elite letrada africana que se apropriou dos princípios de autonomia a partir de uma episteme exógena, e formou dentro e fora de África a base dos movimentos por independência. Na Nigéria destacou-se o papel de Namdi Azikiwé, igbo, que completou sua formação nos Estados Unidos e foi “profundamente marcado pelas teses de Marcus Garvey e pela luta dos negros americanos contra a discriminação racial” (Ki-Zerbo, 1999, p. 189). Ele participa da criação do N.Y.M., Nigerian Youth Movement, de forte discurso pan-africanista e nacionalista, que Ki-Zerbo designa como supratribal, apesar de “preponderar os elementos igbos” (ibid).

Nos educandários voltados aos meninos a carga de conteúdos acadêmicos era muito maior que nos educandários voltados para meninas, mesmo assim estes conteúdos estavam sob uma política de controle. Estudante do Government College, em Umuahia, sob direção de William Simpson[32], Chinua Achebe exemplificou que o “excesso de informações” era considerado perigoso pelo diretor da instituição:

[...] Sua experiência com a educação colonial deve tê-lo convencido de que “a devoção excessiva ao estudo nos livros é um grande perigo”, como ele constantemente entoava para nosso bem; julgava que forçar os alunos a decorar um grande volume de informações - o que muitas vezes passava por educação nas colônias - era o maior inimigo da verdadeira educação. Embora Simpson fosse professor de matemática, decretou uma norma que promovia a leitura de romances e proibia a leitura de qualquer livro escolar depois das aulas, três dias por semana. Ele a chamou de “Lei dos Livros Didáticos”. Segundo essa lei draconiana, podíamos ler ficção, biografias, revistas como a Illustrated London News, ou escrever cartas, jogar pingue-pongue ou simplesmente ficar sentados ali, mas não podíamos abrir um livro didático, sob pena de ficarmos detidos na escola (Achebe, 2012, p. 29).

 

Em que pese os fatores limitantes da formação escolar masculina, é inegável o propósito de colocá-los como “herdeiros do Estado colonial” (Oyewùmí, 2021, p. 203), desapropriando as mulheres do acesso aos principais postos de comando e emprego. “A capacidade de negociar o mundo ‘moderno’, que levou a riqueza, status e papéis de liderança, foi cada vez mais determinada pelo acesso à educação ocidental e seu uso para a promoção” (ibid.).

Se os condicionantes estruturais, em particular o patriarcalismo e o racismo, dificultaram a emancipação feminina no todo, é preciso reconhecer a diligência dessas mulheres em negociar esses espaços. Em Women are Different, Nwapa defendeu a educação como o primeiro passo para a emancipação feminina. Ao mesmo tempo, expôs como a pressão por casamento e filhos permeava o imaginário das meninas desde a infância. Rose, ao planejar seu futuro, imaginava-se casada com Ernest e juntos fariam exames de certificação para estudar fora do país. “Mas tudo dependeria de Ernest. Ele sabia o que era bom para ela”[33] (Nwapa, 1992, p. 29).

Em um dos seus últimos ensaios, Flora Nwapa afirmou que naquele momento nenhuma mulher na África ainda era livre para fazer o que quisesse. Segundo ela, a maioria das mulheres ainda vivia na zona rural e não possuía instrução e, portanto, suas alternativas eram casar e ter filhos (Nwapa, 2007, p. 530). Mas podemos afirmar que Nwapa considerava que a vida urbana e a educação formal proporcionaram melhores formas de viver no mundo para as mulheres? Em partes. Vejamos:

Uma mulher nigeriana instruída não levará o marido ao tribunal se ele cometer bigamia. É verdade que a bigamia é cometida diariamente na Nigéria, mas mesmo a esposa instruída hesitaria em tomar medidas contra o marido, por causa dos filhos. Que proveito teria a esposa instruída se o seu marido, pai dos seus filhos, fosse condenado à prisão por sua causa? Como ela explicaria isso aos filhos? Como a sociedade veria sua ação? Mas é interessante notar que a chamada mulher rural, pelo menos na minha própria comunidade, não tem tais inibições. Esta é uma área onde a mulher educada inveja a sua irmã rural. Esta última é mais livre nesse aspecto? É necessário alguma pesquisa aprofundada sobre isso[34] (ibid).

 

A formação das elites nigerianas

Rose concluiu o Form Six[35], na ACMGS. O próximo passo era obter o Cambridge School Certificate (Certificado Escolar de Cambridge), requisito mínimo para avançar para os estudos subsequentes (Edeagu, 2021, p. 83). A formação inicial, primária, não era gratuita na maioria das escolas da Nigéria na primeira metade do século XX, o que impactava o acesso de mulheres a estas. O currículo era um novo filtro, pois nem sempre as preparavam adequadamente para esse exame, já que as escolas para meninas priorizavam a formação de boas esposas, e não de acadêmicas. Com o exame, elas poderiam ingressar em um bacharelado para obter um diploma de nível secundário, o second class degree[36]. Porém, obter o School Certificate já era garantia de algum status, mesmo que não continuassem nos estudos.

Mas Rose queria ir além, seu objetivo era conseguir uma formação acadêmica internacional e reencontrar Ernest, o namorado de infância que após obter o School Certificate foi para faculdade de Medicina no exterior. Após ambos formados, se casariam, como sonhado ainda no internato:

Ernest iria obter seu Certificado Escolar de Cambridge naquele ano. Ele iria para o Yaba Higher College e mais tarde estudaria medicina. Quando ele terminasse o curso em Yaba, ela, Rose estariam terminando no ACMGS, e eles se casariam. Então, se ele quisesse ir para o exterior e estudar para obter o diploma de especialista, ele a levaria. Ela não tinha certeza do que iria estudar quando viajasse para o exterior, mas qualquer coisa que Ernest sugerisse estaria tudo bem (Nwapa, 1992, p. 28)[37].

 

Rose desejava ir para os Estados Unidos, como muitos outros nigerianos. Segundo a pesquisa da historiadora Ngozi Edeagu, para muitos nigerianos igbos da época, ir para os Estados Unidos significava uma chance de mobilidade social, além de ter a oportunidade de se organizarem contra o domínio colonial, algo impossível para aqueles que seguiam os estudos na Grã-Bretanha (Edeagu, 2021, p. 81). Na escola, todos achavam que Rose, devido a suas leituras do jornal West African Pilot e seus argumentos contrários ao domínio colonial na Nigéria, seria beneficiada com uma bolsa de estudos para universidade nos Estados Unidos financiada pelo Dr. Nwafor Orizu[38].

Da perspectiva do colonizador, a educação europeizada atendia às demandas de uma mão de obra qualificada para ocupar os postos de trabalho. Porém, embora os nigerianos escolarizados e cristianizados formassem uma classe média com melhores salários e poder de compra, criando uma distinção de classe a partir de critérios inseridos pela presença e política coloniais, os critérios raciais sob os quais se assentavam a ideologia colonial mantinha-os sob constante supervisão e subjugação britânicas (ibid.). Para Afigbo, tal contexto se caracterizou pelo “rebaixamento geral da condição dos africanos” (2010, p. 575).

Por isso, para muitos igbos, aqueles que optaram ir para os Estados Unidos eram os verdadeiros “patriotas”, pois “algumas pessoas que foram para a Grã-Bretanha após seus estudos se casaram com mulheres brancas e estabeleceram-se definitivamente na Inglaterra”[39] (Nwapa, 1992, p. 26). Nwapa, porém, conta em Women are Different a história de Mark, um ambicioso jovem com sonho de estudar nos Estados Unidos. Rose o conheceu logo após desistir de esperar por Ernest. Apaixonada, ajudou Mark financeiramente a obter passaporte e custear todas as despesas para que ele ingressasse em Harvard. Logo que atingiu seu objetivo, Mark também a abandonou (ibid, p. 82).

Na literatura, Rose saiu da ACMGS e fez o secundário no Queen’s College. Dali tentou ir para a Universidade de Ibadan duas vezes. Na segunda, em 1953, conseguiu ser admitida. Não era fácil ir para instituições como Ibadan, financiadas pelo governo. Havia um rígido limite de idade, 23 anos, e obter as qualificações necessárias antes desse prazo era para poucas (Edeagu, 2021, p. 83). As bolsas destinadas às universidades estadunidenses tinham como critério priorizar áreas estratégicas como Engenharias, Contabilidade e Ciências da Natureza. Sem poder competir de forma justa com os homens, as mulheres, mesmo de posse de certificações, acabavam atraídas para a docência (ibid). Foi o que aconteceu a Rose: após se formar na Universidade de Ibadan, foi para a Universidade de Londres, onde se formou em Educação. Na volta para Nigéria, foi nomeada oficial de educação no Queen’s College, em Lagos, e mais tarde se consolidou no setor privado, na área de Relações Públicas (Nwapa, 1992, p. 79).

Flora Nwapa teve uma trajetória semelhante em seus estudos acadêmicos. Após obter seu Cambridge School Certificate (1950), ingressou no Queen’s College, conseguiu certificação com nota máxima em Inglês e História (1952), foi para a Universidade de Ibadan onde formou-se bacharel (1957) e ingressou na Universidade de Edimburgo, na Escócia, obtendo diploma em Educação (1958). Após uma viagem pela Europa, Nwapa volta para a Nigéria e ingressa como oficial de educação no Ministério da Educação na Diretoria de Inspeção de Calabar (1958), professora no Queen’s School, Enugu (1959), professora e assistente de Relações Públicas na Universidade de Lagos (1964) (Umeh, 1998, p. 673).

Analisando a política europeia para a educação nas colônias, o historiador congolês Elikia M’Bokolo reforçou que os sistemas educacionais africanos foram deliberadamente ignorados pelos europeus. Na premissa civilizadora do colonialismo, o modelo de escolarização válido era o europeu (M’Bokolo, 2011, p. 510). O objetivo principal da educação era o desenvolvimento do sistema colonial, porém cada país implementou esse projeto à sua maneira. Os britânicos, em 1925, determinaram por meio do Comitê Executivo do Ensino nas Colônias que a educação deveria adaptar-se às realidades dos diversos povos, como, por exemplo, o ensino na língua materna nos anos iniciais (ibid, p. 515). Esse modelo favoreceu o desenvolvimento de uma elite local:

Os africanos tinham igualmente ganho o hábito de se dirigirem à Grã-Bretanha para lá seguiram os cursos dos colégios filiados na Universidade de Londres ou de outras instituições britânicas. Essa via, que começou por estar reservada aos filhos das famílias ricas, foi-se abrindo cada vez mais aos estudantes de origem modesta, graças às bolsas concedidas por associações filantrópicas [...] (M’Bokolo, 2011, p. 518).

 

Esses jovens estudantes formaram uma categoria de quadros técnicos da empresa colonial e da elite intelectualizada. A origem dos jovens que formavam esses quadros dependia, principalmente, da capacidade financeira de suas famílias em bancar a educação (ibid., p. 462). No caso da Nigéria, a maioria das pessoas que incorporaram a educação estrangeira viviam nas partes sul, sudoeste e sudeste da Nigéria, especialmente nas áreas urbanas. Eles passaram a ter acesso aos empregos mais bem remunerados e possuíam, consequentemente, melhor poder de compra (Falola; Heaton, 2008, p. 128). Era uma elite, portanto, derivada da experiência colonial e cuja mobilidade se constituía a partir de critérios de classe decorrentes do conhecimento, o “saber dos brancos”, e da riqueza (M’Bokolo, 2011, p. 462).

Rose, após ser abandonada por Mark, decidiu deixar o emprego de professora e, ainda em Lagos, empregou-se numa empresa de Relações Públicas. Era 1959. Depois de 18 meses na função foi promovida e enviada ao exterior para capacitação. “A independência estava ao virar da esquina. Os nigerianos estavam sendo treinados para substituir os britânicos”[40] (Nwapa, 1992, p. 83). Ernest, por exemplo, estudou na Grã-Bretanha financiado com empréstimos que o pai obteve por meio da United Africa Company (UAC)[41] (ibid, p. 94).

M’Bokolo aponta aquilo que, a seu ver, se constitui como um paradoxo no modelo britânico de educação colonial. A ideia de uma educação “à europeia” (M’Bokolo, 2011, p. 518), com evidentes propósitos civilizatórios, fomentou simultaneamente o movimento anticolonial. Para ele, a colonização cavou sua própria sepultura. No entanto, quando consideramos a continuidade da lógica moderna/colonial nas colônias, ou seja, a colonialidade, esta não foi sepultada, mas se reconfigurou sobre novas bases. Na literatura, Flora explicita como se percebeu essa permanência: “Não nos preparam para o tipo de vida que seríamos chamadas a viver na Nigéria dos anos setenta, disse Rose” (Nwapa, 1992, p. 100).

Essa frase de Rose está na última conversa que a personagem teve com Dora no livro. Rose e as amigas conseguiram enfrentar as dificuldades por que passaram mais do que pela persistência delas em ter um diploma, mas porque estavam juntas, sempre que precisavam (Chuku, 2013, p. 284). Para Flora Nwapa, uma das instituições mais importantes entre os igbos era a Umuada, aquela que reunia todas as filhas de um clã, casadas ou não. “Cada membro da Umuada sabe a que lugar pertence e o que se espera dela”[42] (Nwapa, 2007, p. 527). Nenhuma mulher da Umuada ficava só. O que cabia a Rose, jovem citadina ‘desenraizada’ de suas origens? Para Nwapa, era preciso voltar para a casa.

Minha querida Dora, há alguém que tenha o tipo de problema que eu tenho? Você não acha que já é hora de eu ir a um quiromante? Ou talvez eu deva ir a Ijebu[43] para saber o que fazer para que minha boa sorte comece a se manifestar novamente. [...] Mas Dora é preciso acreditar, é preciso ter fé para poder ter resultados positivos. Minha formação não valoriza esse tipo de abordagem[44] (Nwapa, 1992, p. 124).

 

Considerações finais

Rose estava sozinha como sempre. Desde que saiu da escola, ela sempre esteve sozinha[45] (Nwapa, 1992, p. 138)

 

Flora Nwapa era uma pessoa marcada pelo fato colonial e, portanto, se constituiu a partir das fronteiras entre o mundo igbo de Ugwuta e o colonialismo. A educação formal obtida na escola do colonizador foi, segundo a autora, um instrumento de alienação das pessoas de sua cultura originária e, ao mesmo tempo, um dos caminhos para obtenção de autonomia pelas mulheres igbos.

A sua personagem Rose está na fronteira, mas não encontra o equilíbrio que almeja. É com a frase “ela sempre esteve sozinha” que Nwapa encerra a narrativa sobre Rose. Para a autora, por meio das fraturas que estabelece nessas fronteiras, fraturas abertas pelo protagonismo feminino em estabelecer estratégias de ser e estar neste mundo em transformação, que a real emancipação da mulher igbo se dá. Essas fraturas se construíram, na perspectiva da autora, por meio da retomada dos modos igbos de ser e viver no mundo.

Entendo que Flora Nwapa fala por si e que sua percepção de mundo, circunscrita a um tempo e espaço, está relacionada com seu lugar de mulher da elite igbo, cuja trajetória não a coloca como representante ou porta-voz de todas as mulheres igbos de seu tempo. Tanto autor e sua obra, como afirma a historiadora Cláudia Mortari, “são acontecimentos datados historicamente e expressam, portanto, o seu tempo e seu lugar” (Mortari, 2016, p. 52).

No que tange à escrita de Flora Nwapa há um compromisso declarado em fornecer uma leitura positiva da vida e da trajetória de mulheres igbos que, na perspectiva dela, não recebiam o mesmo cuidado na escrita de seus contemporâneos homens (Umeh, 1995, p. 27). E ao reconhecer esta motivação, Nwapa concede ao(a) leitor(a) um texto vivo, marcado por sua interpretação da história e do passado e, ao mesmo tempo, torna-se referente de seu próprio tempo, um contexto marcado pela consolidação de um projeto de nação pós-independência. No entanto, o(a) leitor(a) não é um elemento passivo, pois se apropria da escrita e do(s) mundo(s) que lhe são apresentados. Chamamos essa entrecruzas de tempo do texto literário como tripla historicidade[46], por colocar leitora e escritora numa relação dinâmica, intermediada pelo texto, de um olhar para a história sob a perspectiva feminina.

Nwapa reconhecia que a minoria de mulheres educadas nas escolas ocidentais, como ela, ainda não usufruía de maior liberdade. A pressão por casamento, filhos, reconhecimento social não havia se modificado. Como educadora, a autora entendeu a instrução escolar como estratégia de emancipação da mulher, mas que essa emancipação se mostra incompleta se dissociada daquilo que a constitui como parte de uma comunidade originária. A trajetória de personagens como Rose evidencia que, para Flora Nwapa, as crises sociais dentro e fora das famílias eram decorrentes do legado colonial (Chuku, 2013, p. 281). E que, a mesma educação formal que permitiu a independência financeira de algumas mulheres, tornou outras prisioneiras de casamentos abusivos. Ambas, em comum, a ausência de uma vida plena e livre que, segundo Nwapa, só era possível de ser alcançada pelas mulheres igbos no equilíbrio construído a partir das fraturas coloniais, o meio-termo.

 

Agradecimentos

Esta pesquisa só foi possível por meio do financiamento público dos meus estudos pela bolsa CAPES (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior); pelos recursos da PROAP - Programa de Apoio à Pós-Graduação do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do Estado de Santa Catarina (PPGH-UDESC), que financiaram minha pesquisa em arquivos do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (CEAO-UFBA); e pelo apoio de bolsistas e professores do AYA Laboratório de Estudos Pós-Coloniais e Decoloniais da Faculdade de Ciências Humanas e Educação (FAED-UDESC).

 

 

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Recebido em 10/04/2024.

Aceito em 20/05/2024.



[1] Doutoranda em História pelo PPGH da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), pesquisadora associada ao AYA Laboratório de estudos pós-coloniais e decoloniais (FAED/UDESC) e bolsista CAPES. Brasil. E-mail: tathi.leandro@gmail.com | https://orcid.org/0000-0002-0563-0701

[2] Ugwuta, Orsu-Obodo, Esi-Orsu, Nnebukwu, Nkwesi, Mgbelle são parte do grupo de cidades chamado Oru. Oru, assim como Omoko e Onitsha, são territórios dos Igbos ribeirinhos, subgrupo Igbo, povo composto por 20 milhões de pessoas, em sua maioria no sudeste da Nigéria, a Igbolândia. O povo de Oru fala um dialeto igbo e, apesar de suas peculiaridades, compartilham características culturais com o povo igbo em geral (Ver em: JELL-BAHLSEN, S. An Interview with Flora Nwapa. Em: UMEH, M. (Ed.). Emerging Perspectives on Flora Nwapa: Critical and Theorical Essays. Trenton, NewJersey: Africa World Press, 1998. p. 652).

[3] “[...] to project a more balanced image of African womanhood” (todos os trechos traduzidos neste artigo serão acompanhados do idioma original em nota).

[4] “[...] to give examples of the crucial roles that Igbo women play in their communities”.

[5] “It is this new vision of women that I have striven to depict in my novels (One is Enough, Women are Different, Never Again) and short stories (This is Lagos, Wives at War, and Cassava Song and Rice Song). The thread that runs through these works is women's struggles for survival by whatever means as they respond to the tremendous changes in the Society”.

[6] Na modernidade foram estabelecidos padrões civilizatórios coloniais desde sua origem, pois se fundamentam numa lógica de desumanização que sobreviveu mesmo na ausência de colônias formais, a essa lógica denominamos colonialidade. (Ver em: MALDONADO-TORRES, N. Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas. Em: MALDONADO-TORRES, N.; BERNARDINO-COSTA, J.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.). Decolonialidade e Pensamento Afrodiaspórico. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 36).

[7] As próximas referências à instituição se darão pela sua sigla ACMGS.

[8] Segundo a historiadora Katharina Oke, Samuel Ajayi Crowther foi um ex-escravizado que atuou na evangelização de populações na Igbolândia e o primeiro africano a ocupar um cargo de destaque na Igreja Anglicana. Leia o texto completo no site da Universidade de Oxford: https://www.history.ox.ac.uk/samuel-ajayi-crowther-black-victorians-and-the-future-of-africa-0.

[9] Convenção internacional ocorrida entre os anos de 1884 e 1885 que estabeleceu as regras do que ficou conhecida como “partilha” do continente africano e a definição de como seriam arbitrados os conflitos sobre as fronteiras e ocupação do interior. Ver mais em Macedo (2017).

[10] Indirect rule, um tipo de “administração indireta” na qual supostamente as estruturas e sistemas locais eram meios o estabelecimento de regras e regulamentos, enquanto as autoridades britânicas atuavam nos bastidores com poder de veto, caso necessário (Ki-Zerbo, 1999).

[11] Sobre esta questão é necessário fazer referência às chamadas “Guerras de Pacificação” pelos colonizadores. Ver em M’Bokolo (2011).

[12] Oficialmente o território onde hoje é o Estado da Nigéria foi administrado pelo Império Britânico desde 1885, e a Nigéria como protetorado surgiu em 1914. Porém, sua influência na região remonta a 1807, quando proibiu o comércio de escravizados. A Nigéria se tornou independente em 1960.

[13] Nesta análise com e a partir de sujeitos em África, utilizo a ideia de tradição conforme conceituado por Hampaté Bâ, que se difere de algo estanque, parado no tempo, mas sim numa herança de conhecimentos de toda espécie fundamentada na forte relação entre as pessoas e a palavra na história africana (HAMPATÉ-BÃ, A. A tradição Viva. Em: KI-ZERBO, J. (Ed.). História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África, 1880-1935. Brasília: UNESCO, 2010. p. 167–202.).

[14] Termo usado para designar um dialeto derivado da mistura entre o inglês e o idioma local.

[15] “The small white woman must have been conversant in psychology. She stopped, and asked slowly, yet softly, ‘Can you hear me?’ A group of girls seated to the right of the hall said they could hear her. One of the girls put up her hand, and the white woman asked her to speak. ‘We can hear you, but we cannot understand you.’ [...] She was already used to pidgin English spoken in the Port Harcourt area. And in the school, there was a rule that forbade girls from speaking pidgin English. She had made a mistake. She should have taken one of her Nigerian teachers with her”.

[16] Conceito desenvolvido pela pesquisadora brasileira Ana Rita Santiago (2020), em sua análise da produção literária de mulheres no Brasil e em Moçambique.

[17] A questão do uso da língua do colonizador como oficial nos estados africanos independentes é foco de controvérsias e divergências entre diferentes pesquisadores africanos. Sobre esta questão ver Appiah (APPIAH, K. A. Na casa de meu pai: a África na filosofia da cultura. Tradução: Vera RIBEIRO. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997); Thiongo’o (THIONGO’O, N. W. Decolonising the mind: The politics of language in African Literature. New Hampshire: Heinemann Educational Books, 1986); e Achebe, (ACHEBE, C. A educação de uma criança sob o Protetorado Britânico: ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2012).

[18] Essa tradução foi obtida por mim em colaboração com membros do The Nigeria Project (comunidade que desenvolve projetos de mídia e disponibiliza um acervo fotográfico sobre a Nigéria dos séculos XIX e XX nos grupos da rede social da comunidade no Facebook (Meta)). O site do projeto é https://nigeriannostalgiaproject.org/). As palavras podem variar de uma região para outra da Igbolândia e da Nigéria, porém a essência da mensagem é a mesma e dialoga com o restante do texto da autora. É importante destacar que Flora não traduz os termos em igbos ou em pidgin que ela insere no texto.

[19] Leia mais sobre essa discussão em artigo do filósofo Wanderson Flor do Nascimento (NASCIMENTO, W. F. Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí: potências filosóficas de uma reflexão. Problemata - International Journal of Philosophy, v. 10, n. 2, p. 8-28, 2019.)

[20] “Comfort said she believed that their parents were wasting their money educating them. They would eventually marry, have children and forget all they learnt in school. Rose pointed out that she had read somewhere where it was said that the hand that rocked the cradle ruled the world. Comfort said that the hand that rocked the cradle was not necessarily an educated hand. All that mattered to women was getting married and having children and starting a beautiful home. She pointed out that she did not understand why the missionaries should forego marriage”.

[21] “She had not graduated in Oxford and come to Nigeria to train Nigerian girls to be good wives. She was not a wife. She was a missionary who had shunned all worldly attractions to do the will of God”.

[22] “Agnes, Dora and Rose sat together wondering whether their parents did the right thing by sending them to the school. But in the few days that followed they adjusted to the routine of the school, and discovered that though it was hard, especially getting up at five thirty in the morning to fetch water half a mile away; doing house work, and cooking the meals, they enjoyed their classes, their games, and reading”.

[23] Marie Corelli (1855-1924) foi uma escritora londrina cujos romances ficaram muito famosos por abordar temas ligados ao esoterismo. Ao final do século XIX era a romancista mais lida na Inglaterra (https://victorianweb.org/authors/corelli/intro.html ).

[24] Alimento feito a partir da mistura de água com farinha de mandioca seca e ralada (garri).

[25] “When some of the girls saw the food in the bowl they began to cry. Comfort cried the most. She had okra and stew, eba and rice alright to eat afterwards, but she cried because she thought that before Sunday, and it was just Friday, the food would finish and she would starve-. As for Rose, the food was worse than she had imagined”.

[26] Expressão em pidgin english.

[27] “[...] were waited upon by stewards, had running water, cooks, and what was more, played tennis”.

[28] Mbonu Ojike (1914-1956) foi um nacionalista e pan-africanista igbo/nigeriano, conhecido como “rei do boicote” por estimular a redução de consumo de bens ocidentais. Leia mais sobre sua biografia em CHUKU, Glória. Chapter 3: Mbonu Ojike: an African nationalist and pan-Africanist. In: CHUKU, Glória (ed.). The Igbo intellectual tradition: creative conflict in African and African diasporic thought. Palgrave Macmillan. 2013. pp. 89–117.

[29] Primeiro jornal popular da Nigéria, foi fundado por Nnamdi Azikiwe (“Zik”) em 1937, dedicado a lutar pela independência do domínio colonial britânico. (https://www.bbc.co.uk/worldservice/africa/features/storyofafrica/13chapter7.shtml).

[30] Nmandi Azikiwe (1904 - 1996), nigeriano e igbo, primeiro presidente da Nigéria após emancipação política.

[31]For some reason. Rose got more interested in the affairs of the colonial regime in Nigeria. She had managed to smuggle in copies of The West African Pilot into the School, and had read them avidly. Nobody knew how she got them. While Mazi Mbonu Ojike talked about the Ibo language and its importance in their education, he had referred though briefly and subtly to the time when the mantle of government would fall on their great leader, Dr. Nnamdi Azikiwe. Rose had asked a direct question, ‘When will Nigeria govern herself?’ Mazi Mbonu Ojike had dodged the question, and when Rose put up her hand to ask another question, the Mazi ignored her. It was thought at the time that it was Mazi Mbonu Ojike who sent Rose The West African Pilot regularly” (tradução nossa).

[32] William Simpson, inglês e matemático, diretor do Government College entre os anos de 1944 a 1951.

[33] “But then all depended on Ernest. He knew what was good for her”.

[34] “An educated Nigeria woman will not take her husband to court if he commits bigamy. It is true that bigamy is committed every day in Nigeria, but even the educated wife would hesitate to take action against her husband for the sake of her children. What would it profit the educated wife if her husband, the father of her children, were sentenced to prison on her own account? How does she explain it to her children? How would the society view her action? But it is interesting to note that the so-called rural woman, at least in my own community, has no such inhibitions. This is an area where the educated woman envies her rural sister. Is the latter more liberated in this regard? Some is-depth research is called for”.

[35] Nos sistemas educacionais da Inglaterra, Irlanda do Norte, País de Gales, Jamaica, Trinidad e Tobago e alguns outros países da Commonwealth, Form Six representa os dois anos finais do ensino médio, com idades entre 16 e 18 anos.

[36] Second class degree: este prêmio é concedido aos alunos que concluíram um ano de estudo com honras após três anos de bacharelado em um determinado campo de estudo. Muitas vezes é oferecido em universidades modeladas no sistema educacional britânico.

[37] “Ernest was to do his Cambridge School Certificate that year. He would go to Yaba Higher College, and later read medicine. By the time he finished his course at Yaba, she, Rose would be finishing at ACMGS, and they would be married. Then if he wished to go abroad and read for his specialist degree, he would take her. She was not sure of what she would read when she went abroad, but whatever Ernest suggested would be all right”.

[38] Akweke Nwafor Orizu (1914-1999), de origem igbo, foi presidente do Senado na Nigéria independente entre 1963 e 1966, e ocupou o cargo de presidente interino do país entre outubro de 1965 e janeiro de 1966.

[39] “[...] for some of the people who went to Britain after their studies, had married white women and settled in England for good”.

[40] “Independence was round the corner. Nigerians were being trained to take over from the British”.

[41] Companhia de comércio exterior com sede em Londres que atuou na África Ocidental entre 1929 e 1987.

[42] “Every member of Umuada knows where she belongs and what is expected of her”.

[43] Ijebu: Povo do antigo reino Ijebu localizado predominantemente no estado de Ogum. Assim como os igbos, os ijebus possuem uma cosmogonia que cultua os ancestrais e forças espirituais por meio de sacerdotes e sacerdotisas.

[44] “My Dear Dora, is there anyone who has the kind of problem that I have? Do you not think that it is high time I went to a palmist? Or perhaps I should go to Ijebu to be told what to do so that my good fortune will begin to manifest itself again. [...] But Dora one has to believe, one has to have faith before one can have positive results. My upbringing does not value that kind of approach”.

[45] “Rose was on her own as always. Since leaving school, she has always been on her own”.

[46] O conceito de tripla historicidade atribuo à profª Drª Cláudia Mortari e às conversas oriundas da disciplina História e Literatura ministrada por ela na graduação em História, na Universidade de Santa Catarina (UDESC) na qual participei para o Estágio Docência.