Palavras de mundos plurais existentes e possíveis: Sefi Atta e o ensino de História da África nas escolas

Words from existing and possible plural worlds: Sefi Atta and the school teaching of African History

                                                                                             Thalia Faller[1]

Emy Francielli Lunardi[2]

 

 


Resumo

O objetivo do artigo é refletir sobre possíveis abordagens antirracistas para o ensino de História da África na educação básica através da obra Tudo de bom vai acontecer de Sefi Atta. Está dividido em três tópicos. No primeiro, problematiza-se o campo da História da África a partir da perspectiva dos estudos pós-coloniais e decoloniais. Depois, busca-se pensar sobre a trajetória e os principais questionamentos elencados pela Educação para as Relações Étnico-Raciais, conectando-os ao ensino de História da África. Por fim, no terceiro tópico, elencam-se as categorias África, mulheres e colonialismo para serem analisadas com Sefi Atta por meio de trechos de Tudo de bom vai acontecer. Ao sugerir o trabalho com Sefi Atta nas escolas a partir de um posicionamento antirracista, considera-se que o ensino de História da África possibilita ações comprometidas com a transformação e a justiça social.

Palavras-chave: Sefi Atta; História da África; Educação para as Relações Étnico-Raciais.

Abstract

This article’s aim is to reflect on possible anti-racist approaches to teaching African History in basic education through the book Everything good will come by Sefi Atta. It’s divided into three sections. The first discusses African History from the perspective of postcolonial and decolonial studies. The second one reflects on the trajectory and the main issues raised by teaching of Ethnic and Race Relations, linking them to the teaching of African History. Finally, the third section analyzes the categories Africa, women and colonialism through excerpts from the book Everything good will come by Sefi Atta. By proposing to work with Sefi Atta in schools from an anti-racist perspective, we believe that the school teaching of African History enables actions committed to socials’ transformation and justice.

Keywords: Sefi Atta; African History; Teaching of Ethnic and Race Relations.


 

 

 

 

 

Nossos problemas devem ser solucionados por nós mesmos, por ninguém mais. Não sou dessas que lamentam para o Ocidente. Eles mesmos ainda não se acertaram. [...] Teremos sempre que procurar nossas próprias soluções. [...] Mas seria demais esperar que outros países se interessassem pelo nosso bem-estar se a maioria da nossa riqueza era roubada e investida nas economias deles? (Sefi Atta, 2020, p. 353-354).

 

“Teremos sempre que procurar nossas próprias soluções”

Do porto de Lagos, litoral do atual país da Nigéria, partiram da África milhares de pessoas para serem escravizadas nas Américas entre os séculos XVI e XIX. Suas histórias se embrenham e constroem o Brasil. Diversos lugares consagrados aos orixás, onde ficam suas histórias e assentamentos originais, estão na Nigéria. No Estado de Oxum, cidade de Oxobô, por exemplo, próximo ao rio Oxum, encontra-se o Bosque-Templo de Oxum, patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Lá ocorrem importantes celebrações à orixá que também se faz presente em religiões afro-brasileiras como o Candomblé. Contudo, neste trabalho escreveremos e pensaremos sobre as pessoas cujas vidas seguiram na Nigéria. Do que se sucedeu, do mundo que não parou, da vida que continuou no outro lado, especificamente em assuntos que dizem respeito ao final do século XIX e ao decorrer do século XX[3].

A forma como os variados grupos humanos estavam organizados no território demarcado pelos colonizadores como a Nigéria impactaram nas escolhas de atuação do poder colonial sobre eles. De maneira mais direta, se não era possível encontrar um poder central, buscado pelos colonizadores no modelo europeu de rei. Forma indireta, através da negociação com poderes mais centralizados, como a maneira de organização política e social dos hausas-fulanis, sob a presença do islamismo desde por volta de 1804 e 1817, e dos yorubás. O que implica pensar em diferentes mecanismos de pertencimentos sociais criados antes da colonização, ressignificados em novos contextos da vida social, destacando-se, no Sul, igbos e yorubás, e ao Norte, hausas-fulanis[4] (Oliveira, 2018).

A Nigéria, anteriormente às divisões coloniais britânicas do final dos oitocentos, não existia como Estado-nação. Pessoas se organizavam socialmente em distintos arranjos políticos, culturais e econômicos. Havia grupos organizados em estruturas com expansão e domínio a outros, arranjos que comportavam menores grupos e suas dinâmicas de perpetuação da existência. Além de trocas humanas, negociações, rupturas e mudanças. No período colonial, a Nigéria foi regionalizada em duas províncias: entre Norte e Sul; sendo que o Sul se dividia entre Ocidental e Leste. Em 1914, de acordo com Jackson Oliveira (2018), uniu-se, com relutância principalmente do Norte, organizado a partir de leis islâmicas, as duas províncias existentes em um território, a Nigéria. Após a independência, em 1960, o país foi dividido diversas vezes. Até o momento da escrita deste trabalho, possuiu 36 estados, mais o território da capital federal, Abuja.

No início da década de 1970, a Nigéria tentava se recuperar da guerra civil-Biafra (1967-1970)[5]. O governo, após conseguir anexar novamente a região contestada por biafrenses, próspera em petróleo, incentivou a extração do minério pelo capital estrangeiro. Parte da riqueza que ficou no país foi distribuída de maneira desigual, expandindo a concentração de renda, com o petróleo sendo a principal fonte de receita do Estado. Entre 1970 e 1983, houve dois governos militares e um civil. De 1984 a 2007, três governos militares sob a liderança de Muhammadu Buhari, Ibrahim Badamasi Babangida e Sani Abacha, respectivamente. Esse período, marcado pela opressão, coerção e violência para a perpetuação militar no poder, repressão e censura aos movimentos de contestações e agitações populares, é um dos focos de análise da escritora Sefi Atta (Falola; Heaton, 2008).

Sefi Atta começou o seu ofício de escritora fora da Nigéria, nos Estados Unidos da América[6]. Na Nigéria teve acesso a colégios prestigiosos na região de Lagos. Concluiu os estudos na Inglaterra, seguindo os passos de seu pai, Abdul Aziz Atta, ex-Secretário da Casa Civil da Nigéria na década de 1960. Para a sua geração, a do imediato pós-independência, era esperado que os jovens seguissem carreiras privilegiadas naquele contexto, voltadas ao serviço público e às instituições privadas. Contabilidade é a sua primeira formação acadêmica, porém, foi dentro da literatura que firmou seus pés.

Nosso argumento de partida determina que por meio de Sefi Atta é possível propor momentos de reflexões em sala de aula que estejam de acordo com a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER). Em outras palavras, a escritora em questão possibilita a abertura e aprofundamento, exigidas pela ERER, das experiências e narrativas plurais que compõem o Brasil e também a África.

Além disso, é um comprometimento ético-político de combate ao racismo no qual está incluso o ensino da História da África, cuja não presença nas salas de aula é uma escolha, um exercício de branquitude estrutural. Tathiana Cassiano (2020), em sua dissertação, desenvolveu pesquisa sobre a primeira escritora nigeriana a ser publicada, Flora Nwapa (1931-1993), analisando sua primeira obra, Efuru (1966). Através de uma metodologia que propunha refletir sobre processos históricos nigerianos com Nwapa, e sua perspectiva de mulheres, a historiadora construiu também um material didático[7]. O material possibilita mobilizar em sala de aula categorias e conceitos, como o colonialismo, dialogando com a escritora e sua obra.

Fundamentadas nessa abordagem, almejamos aproximar o ensino de História da África com Sefi Atta. Através de um cruzamento entre a obra literária e a trajetória da escritora, compreende-se a Literatura como indissociável dos contextos históricos e sociais em que são produzidas, além de ser criação humana intencional, complexa e que possibilita diferentes interpretações (Albuquerque Júnior, 2007). Sendo assim, o objetivo principal deste trabalho é refletir sobre possíveis abordagens antirracistas para o ensino de História da África na educação básica através do livro Tudo de bom vai acontecer de Sefi Atta. Objetivo evidenciado na pergunta que move a pesquisa: como a mencionada obra pode contribuir para uma abordagem antirracista de História da África na educação básica em consonância com a Lei 10.639/2003 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana?

Para isso, o artigo consiste em três tópicos, além dos textos introdutório e final. No primeiro, está presente o arquivo teórico que conduz o trabalho, buscando problematizar o campo da História da África a partir da perspectiva dos estudos pós-coloniais e decoloniais. O segundo traz uma reflexão sobre a trajetória e os principais questionamentos elencados pela Educação para as Relações Étnico-Raciais conectando-os ao ensino de História da África. A partir da chave de refletir com Sefi Atta sentidos e compreensões de processos históricos nigerianos (Cassiano, 2020; Mortari, 2016), elencou-se as seguintes categorias para serem pensadas com a escritora, expostas no terceiro tópico: África, mulheres e colonialismo.

A escolha se deu através da possibilidade de relacionar as categorias com temas e conteúdos possíveis de serem encontrados em livros didáticos e no repertório de professoras e professores de História. Com uma breve contextualização, apresenta-se a transcrição de trechos da obra que podem ser utilizados em sala de aula e reflexões propostas a serem ampliadas a partir das vivências das professoras e professores que nos leem. Dessa maneira, propõe-se pensar a escritora Sefi Atta e sua obra Tudo de bom vai acontecer como uma possibilidade teórica-metodológica para o ensino antirracista de História da África no Brasil.

 

Reivindicar o direito ao passado

O desenvolvimento da História da África, dentro e fora do continente africano, e sua consolidação como campo institucionalizado estão ligados aos processos de independências do século XX na África (Barbosa, 2008). Inerente a isso, encontram-se críticas que colaboram para a construção de escritas da História que não se esquivam de refletir sobre seus impactos na descrição e interpretação de mundos (Haraway, 1995), elaborando passados sem deixar de perceber os vínculos com o presente.

No cerne da fundação da História como disciplina na Europa Ocidental, com ênfase no século XIX, está a percepção eurocêntrica do mundo. A partir da crença em sua superioridade cultural, social, econômica e política, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, belgas, alemães e holandeses, cada qual com suas histórias locais, impuseram seus modos de vida a outros povos antes mesmo de suas consolidações como Estados-nação no final dos oitocentos. Modos que incluíram maneiras de classificar, interpretar e explicar outros arranjos sociais, culturais e políticos por meio de critérios europeus (Barbosa, 2008; M'Bokolo, 2011; Mudimbe, 2013).

De acordo com Muryatan Barbosa (2008), a historiografia do século XIX buscou construir a história das nações. O critério, então, era o Estado nacional europeu aplicado a outros lugares. Ao analisar grupos sociais e suas estruturas, tentaram encaixar suas descrições, hipóteses e argumentos em conceitos como “povo” e “nação”, seguindo uma perspectiva histórica linear, ligada a origens e ideias de progresso. Não encontrando possibilidades de encaixe, chegaram a afirmar que a África não possuía História, como lembra Barbosa (2008) da colocação do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

As narrativas sobre a África através da História, que contribuíram para a colonização europeia no continente, devem ser incluídas nos diversos discursos fabricados sobre as africanas e africanos anteriores ao século XIX. Valentin Mudimbe (2013) argumenta que o colonialismo europeu, a partir do final do século XV, impôs uma nova configuração histórica na África e possibilitou maneiras de conhecer as colônias baseadas em dicotomias, nas quais de um lado está o negativo, o africano/colonizado, e de outro o positivo, o europeu/colonizador.

“O africano tornou-se não só o Outro, que é toda a gente exceto eu, mas antes, a chave que, com as suas diferenças anormais, especifica a identidade do Mesmo” (Mudimbe, 2013, p. 28). Representações do Mesmo, que no século XVIII caminharam com a intelectualidade iluminista, foram eficazes em diferenciar “[...] mecanismos de classificação gerais como padrão de realidade, nomeação, disposições, estrutura e caráter” (Mudimbe, 2013, p. 25). Dessa forma, antes mesmo de adentrarem mais intensamente na África, imaginários, pressupostos e classificações já estavam estabelecidos, sendo apropriados e inventados a partir de então.

Para Mudimbe (2013), a produção de discursos que inferiorizam a África faz parte da própria identidade europeia, constituinte da estrutura colonial que engendra poder e conhecimento para atuar sobre as vidas dos colonizados. Portanto, é necessário ter cuidado, pois diferentes narrativas sobre a África mudaram de aparências e símbolos ao longo do tempo, mas estruturas coloniais permaneceram, abrangendo “[...] completamente os aspectos físicos, humanos e espirituais da experiência colonizadora” (Mudimbe, 2013, p. 16), que compunham as suas construções.

O campo da História da África está inserido no contexto do século XX marcado pela descrença no discurso eurocêntrico e pelas lutas anticoloniais. Assim, “trata-se inicialmente, de uma literatura que fazia eco com as primeiras lutas de libertação nacional na África” (Barbosa, 2008, p. 50). Produzida, no primeiro momento, na França e Inglaterra a partir da década de 1950, com expansão nas universidades na África, os historiadores africanos buscaram elaborar espaços próprios para o desenvolvimento da História da África que considerasse os africanos e africanas como sujeitos de suas próprias histórias. Para isso, era necessário ampliar o que se compreendia como fontes históricas e desenvolver conceitos a partir das experiências africanas. Além disso, reivindicar a História para a África (Barbosa, 2008).

Historiadores como Boubou Hama (Nigéria) e Joseph Ki-Zerbo (Burkina Faso) traçaram em colaboração um trabalho que aborda tempo, história e sujeito histórico através de sentidos e significados africanos. Publicado na década de 1980, na coletânea História Geral da África, está em domínio público. Foi escrito em um contexto em que a historiografia africana buscava trazer à tona a História da África através de pressupostos elencados por africanos. Ali, enfatizam os posicionamentos com sentidos históricos que fazem parte da vida das coletividades humanas na África. O texto é relevante para pensar teorias e metodologias que partem do reconhecimento de que no continente africano seres humanos são sujeitos de suas histórias e traçam maneiras de pensar e ligar percepções de tempo e suas passagens. O capítulo vai na contramão de ideias racistas – como a de que na África não haveria História –, ideias que importavam aos autores e aos seus pares combater (Hama; Ki-Zerbo, 2010).

Para os autores, é preciso registrar: “[...] os africanos têm consciência de serem os agentes de sua própria história” (Hama; Ki-Zerbo, 2010, p. 24). Como apreender essas consciências? Ora, não pelos caminhos do colonizador. As histórias não necessariamente estão institucionalizadas. São narrativas, testemunhos, interpretações de fatos transmitidos entre gerações, materializados em rotinas, monumentos e símbolos que constituem os sentidos das coletividades humanas. Integram modelos e maneiras de pensar, viver, sentir e fazer, localizados nos espaços e tempos específicos do continente africano. Para compreender os sentidos e significados do tempo na África é necessário compreender as especificidades culturais, sociais e políticas a partir de critérios endógenos (Bagodo, 2012; Hama; Ki-Zerbo, 2010).

Ao ensinar História através da perspectiva da História da África deve-se partir de um pressuposto antirracista: é preciso pensar sobre os discursos que foram e são produzidos sobre o continente africano. Nesse processo, urge identificar e interpretar criticamente discursos coloniais que “[...] não falam de África nem dos africanos, mas antes justificam o processo de inventar e conquistar um continente [...]” (Mudimbe, 2013, p. 38).

Para considerar a complexidade das experiências humanas na África, acolhe-se suas contradições, embates, diferenças, enfim, suas humanidades. Nas palavras de Achille Mbembe (2018, p. 187): “[...] deve ser dada atenção às práticas cotidianas através das quais os africanos reconhecem o mundo e mantêm com ele uma familiaridade sem precedentes, ao mesmo tempo em que eles inventam algo que pertence tanto a eles, quanto ao mundo em geral”. A partir do continente africano, atentar para suas conexões globais, seus fluxos, fronteiras e movimentos dentro da África e com outros locais. Assim, as experiências humanas na África são constituídas por diferentes práticas em múltiplas temporalidades. “Apenas as diversas (e muitas vezes interconectadas) práticas através das quais os africanos estilizam sua conduta podem dar conta da densidade da qual o presente africano é feito” (Mbembe, 2018, p. 199).

O colonialismo europeu foi um acontecimento que não se limitou ao seu tempo e espaço. De acordo com Nelson Maldonado-Torres (2020), os processos de descolonização podem ser datados, mas a libertação das estruturas coloniais é um trabalho inacabado. No processo colonial, “não somente as terras e recursos são tomadas, mas as mentes também são dominadas por formas de pensamento que promovem a colonização e a autocolonização” (Maldonado-Torres, 2020, p. 41). A compreensão de que, no presente, pessoas são colocadas em situações em que vivem lógicas coloniais questiona como o colonialismo criou maneiras de subjetividades e apreensões da realidade que se perpetuaram no tempo, criando edificadores de desigualdades, violências e mortes.

Nesse sentido, ainda com Maldonado-Torres (2020), torna-se necessário diferenciar os conceitos: colonialismo e colonialidade; descolonização e decolonialidade. Ao não fazer essa diferenciação, corre-se o risco de apoiar a ideia de que esses assuntos pertencem ao passado. Colonialismo é o processo de criação de territórios coloniais. Colonialidade é a perpetuação da lógica de desumanização colonial após a retirada do colonizador e sua administração nas colônias, momento chamado de descolonização. Decolonialidade, por sua vez, é a luta contra a colonialidade na qual os colonizados atuam como agentes criativos de mudanças a partir da consciência de sua condição e da identificação das estruturas coloniais.

[...] Como conceito oferece dois lembretes-chave: primeiro, mantém-se a colonização e suas várias dimensões claras no horizonte de luta; segundo, serve como uma constante lembrança de que a lógica e os legados do colonialismo podem continuar existindo mesmo depois do fim da colonização formal e da conquista da independência econômica e política (Maldonado-Torres, 2020, p. 28).

 

Além disso, representa um pressuposto teórico-prático que contribui para estabelecer diálogos com as heterogeneidades humanas na África. É também um meio para a escrita e o ensino da História que possibilita a visibilização das demandas específicas das pessoas africanas, suas maneiras de fazer, descrever e significar relações sociais, políticas e culturais ao longo do tempo. Para isso, importa reconhecer as trajetórias, testemunhos e narrativas de colonizadas e colonizados como perspectivas legítimas para a compreensão de realidades.

Neste trabalho em específico, enfatiza-se as percepções de mulheres africanas que são produtoras de conhecimentos em suas múltiplas e complexas formas. Lugares sociais e epistêmicos nos quais é possível a existência de muitos mundos (Maldonado-Torres, 2020). Locais considerados por Obioma Nnaemeka (2019, p. 39) como espaços que permitem plurais dimensões para “[...] tocar, cruzar e alimentar-se um do outro de um modo que acomode realidades e histórias diferentes”.

 

Possibilitar ao futuro conhecer

Pensar e problematizar o ensino de História da África é um “desafio epistemológico e político” (Mortari, 2016, p. 41) que, no contexto brasileiro, está em sintonia com o comprometimento antirracista da Educação para as Relações Étnico-Raciais. Dessa maneira, entendemos que incorporar diálogos entre Brasil e África, estreitando nossos laços, possibilita pensar as realidades brasileiras a partir de diferentes matizes. Perspectivas nas quais não europeus são sujeitos complexos, diversos, dotados de histórias que em vários momentos se cruzam com as histórias brasileiras e a compõem, não somente no período do sistema escravista vigente no Brasil por quase 400 anos, dos séculos XVI ao XIX.

Parte desse compromisso antirracista e decolonial materializa-se com a criação da Lei nº 10.639[8] (Brasil, 2003), a qual foi possível, a partir da década de 1980, através dos diálogos entre o Movimento Negro contemporâneo, setores do Estado em níveis federal, estaduais e municipais, partidos políticos e organizações civis. Em 1980, o Movimento Negro adotou como estratégia política a luta pelo reconhecimento por parte do Estado do racismo brasileiro, tensionando narrativas sobre a falácia da democracia racial e da inexistência de desigualdades sociais pautadas em critérios de raça no Brasil (Abreu; Mattos, 2008; Pereira, 2016; Silva, 2007).

Com a Lei nº 10.639, de acordo com Amilcar Pereira (2016), o Movimento Negro contemporâneo sinalizou a escola e a educação como espaços de disputa nacional, além da preocupação, inscrita historicamente nas experiências negras brasileiras, com a possibilidade de projetar e viver futuros prósperos. Nas palavras de Martha Abreu e Hebe Mattos (2008, p. 06): “é na verdade um dos sinais mais significativos de um novo lugar político e social conquistado pelos chamados movimentos negros e antirracistas no processo político brasileiro e no campo educacional em especial”.

De acordo com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2007), a ERER é essencial para a construção e exercício da cidadania. Entre os seus objetivos está a formação de pessoas críticas que possam ocupar o espaço público, vivendo de fato, a democracia. Sem uma compreensão e combate ao racismo não existirá democracia e justiça social. Considerando a ERER como compromisso ético, Nilma Lino Gomes (2005) aponta para as dificuldades de sua implementação, especificamente na produção do racismo no ambiente escolar, mas também suas potencialidades em construir sujeitos para a cidadania. Ainda com a autora, a função da escola não é somente reproduzir conteúdos. É um espaço propício para repensar atitudes, perceber o mundo de outras maneiras, revisitar valores e julgamentos naturalizados como corretos. Assim, a ERER abrange também os aspectos das relações coletivas e das subjetividades, está no cotidiano, no respeito e na convivência com o diverso. Dentre uma das possibilidades da ERER está o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena.

Está em jogo, dessa forma, a maneira como cada pessoa se posiciona no mundo, projeta-se e relaciona-se com ele. “Pensar na inserção política e pedagógica da questão racial nas escolas significa muito mais do que ler livros e manuais formativos. Representa alterar os valores, a dinâmica, a lógica, o tempo, o espaço, o ritmo e a estrutura das escolas” (Gomes, 2005, p. 152). Portanto, não se limita a quais conteúdos são ensinados, incluindo aí como, para quê e para quais futuros estão voltados os esforços docentes (Mortari, 2016).

Articular a ERER ao ensino de História da África exige uma postura de “equilíbrio das histórias”, proposta pelo literato nigeriano Chinua Achebe e apresentada por Claudia Mortari (2016). Para a autora, é um comprometimento com a África que busca questionar abordagens eurocentradas sobre o tema a partir de outras que potencializam deslocamentos e transformações. Demanda, então, o contato com diferentes histórias e o rompimento com imposições de silêncios sobre o racismo e sua produção sistêmica de desigualdades no Brasil. O ensino de História da África articulada a ERER, dessa maneira, faz parte de uma política histórica de combate ao racismo. Desde 2003, por meio da Lei nº 10.639 e das “Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana” – documento que orienta o cumprimento da lei na educação básica –, o ensino de História da África, dos africanos e da cultura afro-brasileira, como já mencionado, torna-se obrigatório na educação básica nacional (Brasil, 2003; Brasil, 2004).

A partir destas normativas, as sociabilidades e resistências negras devem ser ressaltadas nas escolas para além de ações isoladas. Com a inserção da História da África como reivindicação da mobilização negra brasileira, as Diretrizes sinalizam o que as autoras Abreu e Mattos (2008, p. 16) compreendem como “estudar a história africana com o mesmo tipo de abordagem que se aplica à história europeia ou brasileira”. Em outras palavras, ensinar a partir das africanas e africanos em circulações, trocas e mobilidades humanas que reverberam para diferentes caminhos, tempos e geografias (Mbembe, 2018).

A escola, para Monica Lima (2009), é um espaço de produção de saberes. É importante que as professoras e professores se apropriem e criem práticas da ERER dentro de seus contextos, a partir de suas especificidades e em trocas com outros sujeitos que compõem o ambiente escolar. Lima (2009, p. 152) convida a pensar que,

[...] sabemos que será nas salas de aula que grande parte dos jovens brasileiros poderá tomar contato pela primeira vez com o continente africano visto como local de saberes, técnicas, ideias e riqueza humana. Isso certamente contribui não apenas para ampliar seus conhecimentos sobre a história da humanidade, mas também para adquirir outra visão da África e dos africanos – ou seja, para fortalecer seus argumentos internos contra o racismo, visando uma compreensão da identidade brasileira (e latino-americana, e também americana) com todos seus matizes.

 

Como postula Lima (2009), é na escola que muitas pessoas têm a oportunidade de entrar em contato com o continente africano de maneira antirracista. Como professoras e professores de História, somos responsáveis pelas maneiras como abordamos a África. Dessa maneira, a aplicação da ERER exige esforços que estejam em sintonia com as responsabilidades e impactos desejados na sociedade a partir de uma compreensão do combate ao racismo através da educação. Assim, segundo a autora, o ensino de História da África, na perspectiva da ERER, possibilita gerar interesses e identificações para com outras experiências negras e não negras. Também é um meio de educar para outras posturas e valores que não sejam baseados em pressupostos coloniais. É ater-se a discussões e práticas de ensino sensíveis às desigualdades raciais brasileiras que promovam mudanças curriculares, de abordagens, valores, atitudes. E ainda se configura como um convite à abertura e ao deixar-se tocar por mundos alheios e, ao mesmo tempo, conectados aos nossos. A leitura e o diálogo com Sefi Atta, então, nos permitem conhecer e aprender a partir da Nigéria histórias que também nos pertencem (Fanon, 2020; Mbembe, 2018).

Conforme indicado pela Base Nacional Comum Curricular, é plausível incluir as reflexões apresentadas na próxima sessão com turmas do 9º ano do ensino fundamental (Brasil, 2018) ou no ensino médio na disciplina de História. A proposta apresentada a seguir contempla os seguintes objetos de conhecimentos: “O colonialismo na África: as guerras mundiais, a crise do colonialismo e o advento dos nacionalismos africanos e asiáticos”, “O fim da Guerra Fria e o processo de globalização” e “Pluralidades e diversidades identitárias na atualidade”, com suas respectivas habilidades: “caracterizar e discutir as dinâmicas do colonialismo no continente africano e asiático e as lógicas de resistência das populações locais diante das questões internacionais” (EF09HI14); “analisar mudanças e permanências associadas ao processo de globalização, considerando os argumentos dos movimentos críticos às políticas globais” (EF09HI32); e “identificar e discutir as diversidades identitárias e seus significados históricos no início do século XXI, combatendo qualquer forma de preconceito e violência” (EF09HI36) (BRASIL, 2018).

Sugerimos a impressão dos trechos selecionados para facilitar a leitura coletiva, visto que é pouco provável que as escolas tenham exemplares suficientes da obra para abranger todas as estudantes e estudantes. Em duplas ou trios, a leitura pode ser acompanhada por algumas perguntas, elaboradas pela professora ou pelo professor por meio deste artigo, com o objetivo de instigar a interpretação e reflexão histórica dos trechos pelas e pelos estudantes. Tais perguntas podem mobilizar conhecimentos prévios sobre o continente africano, assim como conteúdos de História indicados anteriormente, ou se referir às categorias sugeridas: África, mulheres e colonialismo. Posteriormente, pode ocorrer uma partilha coletiva das respostas, mediada por imagens, vídeos e destaques de passagens dos trechos que colaborem para a compreensão das pessoas e lugares descritos por Sefi Atta. Consideramos essa metodologia pertinente, pois busca romper estereótipos racistas construídos sobre africanas, africanos e afrodescendentes ao longo da história brasileira.

 

Tecendo nossas histórias hoje

            Em uma de suas entrevistas concedidas no início do século XXI, Sefi Atta explicou a criação de suas obras literárias como histórias criadas dentro de contextos históricos possíveis de serem encontrados em escritos historiográficos, o que denominou, em suas palavras, como tecer “[...] a história em minhas histórias [...]”[9] (Atta, 2010, tradução nossa). Nesse movimento, a agulha-escrita de Atta conecta sua trajetória individual com as coletivas dentro e além da Nigéria. Filha de Iyabo Atta e Abdul Aziz Atta – Secretário da Casa Civil no governo do General Yabulu Gowon (1966-1975), terceiro pós-independência da Nigéria (01 outubro de 1960), e o segundo militar –, nasceu em Lagos em 1964. Quatro anos após a descolonização e três anos antes da Guerra civil-Biafra (1967-1970) que acometeu a vida de milhares de igbos. Sefi Atta pertence à primeira geração que nasceu no imediato pós-independência e sua autoinscrição (Mbembe, 2001) anuncia os seus ventos: mãe yorubá-cristã, pai igbirra-muçulmano, Sefi Atta é nigeriana (Atta, 2005; Atta, 2007).

A trajetória de vida de Atta já é, na perspectiva do ensino de História antirracista e de História da África, um caminho para refletir criticamente sobre discursos racistas construídos sobre o continente africano. A escritora nasceu no país mais populoso da África e sexto do mundo (o Brasil está na sétima posição), a Nigéria. Importante exportadora de petróleo, encontrado principalmente na região do Delta, se situa no Golfo da Guiné, sendo que o Norte está próximo ao Saara e o Sul, com clima tropical, abriga a maior parte da população. Com 36 estados, mais a capital federal, Abuja, suas paisagens são diversas. Em uma visita pode-se encontrar espaços cosmopolitas como o estado de Lagos, comunidades baseadas na agricultura, concentração de renda, carros luxuosos e empobrecimento marcado pela colonialidade.

Foi em Lagos que Sefi Atta frequentou o Queen’s College, prestigioso colégio, entre os 10 e os 14 anos de idade, para depois continuar seus estudos na Inglaterra, local em que se graduou em Contabilidade, percurso feito por inúmeras nigerianas e nigerianos, principalmente de elites. A partir de 1994 fixou residência nos Estados Unidos da América e iniciou seu caminho como escritora, em 2004, com a publicação de Tudo de bom vai acontecer. Escreve para que pessoas da Nigéria possam ler suas realidades para além de “[...] histórias que negam suas experiências”[10] (Atta, 2007, p. 127, tradução nossa).

Tudo de bom vai acontecer é uma narrativa que abriga as muitas histórias dentro da história mencionada no início deste tópico. Enitan Taiwo, a personagem principal, apresenta a quem lê a Nigéria, suas políticas, pessoas e culturas ao longo do tempo desde sua infância à adultez. Aos poucos, a protagonista modifica posturas, valores, ações e maneiras de compreender o país e sua posição social de mulher, elaborando reflexões e deslocamentos. É com ela, a narradora-protagonista, e com suas mediações no mundo que o livro se divide em marcadores temporais: 1971, 1975, 1985 e 1995. Anos significativos de golpes militares e solidificação de maneiras de fazer política e vivê-la para além de partidos, que marcaram as experiências nigerianas no século XX após a independência.

Como mencionado nos tópicos anteriores, para a efetivação da ERER, se faz necessária uma abordagem antirracista do continente africano. Dessa maneira, é corriqueiro em sala de aula precisar salientar, apontando para um mapa, a heterogeneidade da África e seus países. Um dos feitos do colonialismo europeu foi criar o continente africano como um fantasma, dotado de formas e máscaras projetadas pela identidade europeia sobre si. De acordo com Mbembe (2018), o que e como aprendemos a perceber desde o Ocidente está distante dos vividos em África. Refletir sobre essas máscaras em sala de aula é relevante, mas também é preciso apresentar outras maneiras de compreender o continente africano.

Enitan Taiwo nasceu na urbana região de Lagos. Filha de pai advogado e mãe enfermeira, aprendeu a falar yorubá e inglês ainda criança. Frequentou a escola na Nigéria e na Inglaterra, local no qual graduou-se em Direito. Retornou para Lagos para trabalhar na empresa de seu pai. Entre jeans e turbantes, fez sua vida em um contexto de intensificação das conexões capitalistas. É possível notar que Sefi Atta cria descrições de ambientes que causam identificações com leitoras nigerianas e nigerianos. Descrições como a seguinte ajudam a compreender quem é Enitan e seus próprios problemas e demandas, como também a montar, em sala de aula, uma Nigéria historicamente em movimento.

No sábado de manhã, atravessei de carro a ponte principal até a ilha de Lagos para visitar Sheri. Uns navios cargueiros estavam atracados na enseada da marina. Na descida da ponte, tive uma visão parcial do centro comercial que já conhecia de passar de carro por ele. Uma confusão de arranha-céus se estendia pela linha do horizonte. Espalhados entre eles, havia construções de concreto de um só andar com telhados de ferro corrugado. Eram, em sua maioria, estabelecimentos comerciais. Todas tinham placas precisando de pintura. Fios elétricos e linhas telefônicas se cruzavam por cima delas. [...] Milhões de pessoas viviam em Lagos. Algumas haviam nascido ali, mas a maioria tinha raízes nas províncias. [...] Havia um barulho constante de carros, canos de descarga pipocando, motores batendo pino, gente que ia de casa para o trabalho de ônibus, e vice-versa, tentando entrar nos coletivos amarelo-canário e nas vans particulares que chamávamos de kabukabu e danfo (Atta, 2020, p. 108-109).

 

Bibi Bakare-Yusuf (2003) chama atenção no que diz respeito às experiências de mulheres africanas. Elas não devem ser reduzidas em essências, únicas e fechadas em si mesmas. Os significados e sentidos mudam de acordo com os contextos históricos, sociais e culturais analisados. Como mulher africana, a intelectual escreve que o nome “mulher” e o que ele pode significar, ou chamar, em dado momento em África faz parte da “situação vivida, sendo continuamente reconstituídas e abertas a contextos em mudança” (Bakare-Yusuf, 2003, p. 40). Por sua vez, Oyèrónké Oyèwùmi (2021) relembra que as experiências que abarcam gênero no continente africano não podem ser separadas do colonialismo e sua relação intrínseca com a construção de raça. A partir do contexto colonial, perpetuado na colonialidade, gênero e raça são marcadores sociais de desigualdade.

Enitan Taiwo menciona a identidade negra em sua experiência de maneira complexa e situacional. Ela reflete:

Às vezes, eu me sentia alguém com uma doença contagiosa ao apresentar meu passaporte nigeriano, com medo de que autoridades de imigração me confundissem com traficantes de drogas que difamavam o país em todo o mundo; outras vezes, me sentia feliz de levantar a bandeira pelas mulheres nigerianas, mulheres africanas. Mulheres negras. Qual era o país que eu amava? O país pelo qual lutava? Esse país devia ter fronteiras? (Atta, 2020, p. 327).

 

Sefi Atta, parece evidenciar que, para muitas mulheres da Nigéria, a identidade “mulher negra” é chamada, ou enunciada por si mesmas, em determinados contextos, principalmente em situação de migração, podendo ou não ser utilizada como meio de disputa política e pertencimento coletivo. Dentro da Nigéria, ou de outros países africanos, pode não ser um meio que cria identificações entre pessoas ou ser significativo para explicar a si e aos outros seu local no mundo. Por isso, na passagem anterior, a escritora evoca diferentes identidades e suas dúvidas quanto aos usos e suas eficiências nos vividos por Enitan. Autodefinições étnicas como ser mulher-yorubá é um espaço que pode gerar mais sentido. Ao se definir, Enitan não afasta uma identidade da outra: “e minha iorubanidade era como a minha feminilidade. Se eu raspasse a cabeça e plantasse bananeira pelo resto da vida, continuaria sendo mulher e iorubá” (Atta, 2020, p. 124). Ademais, ao contrário de imagens racistas de não agência de mulheres africanas, Sefi Atta narra mulheres em negociações (Nnaemeka, 2019) com papéis e representações localizados em contextos próprios da Nigéria.

Um dia ela me deu uma lição de vida ao ajoelhar-se para cumprimentar o tio que tentara tirar todo o dinheiro da família dela. “Como você pôde fazer isso?”, perguntei na época, certa de que, se fosse eu, não conseguiria nem acenar para o homem.

“É mais fácil contornar uma pedra que quebrá-la, e mesmo assim você chega aonde quer”, respondera ela.

No passado, minha tendência seria quebrar as pedras, bater com o pé no chão e dar ataques quando não conseguia o que queria. Agia sem dignidade. Era cínica, achando que a mulher africana devia ter força, ser intocável, impenetrável, mas porque eu mesma não tinha essa força (Atta, 2020, p. 275-276).

 

O sistema colonial europeu, com início nas Américas a partir do final do século XV e na África no século XIX, subsistiu, de acordo com Frantz Fanon (1968), a partir de uma “verdade” criada pelo colonizador. Nessa “verdade”, as colonizadas e os colonizados não possuem essência, estão vazios, ocupam um não-lugar. Assim, o colonialismo foi um processo histórico de fragmentação e criação de subvidas. A violência é a sua marca e a partir dela que ele se fez. Os espaços geográficos foram divididos, assim como os conhecimentos, saberes e valores coletivos. De um lado estava o colonizador e a colonizadora, do outro lado as colonizadas e os colonizados. Esse mundo apartado criou a explorada e o explorado por meio da percepção colonial simbólica e material da submissão e da constante busca por desumanizar a colonizada e o colonizado a partir de sua racialização.

Para Fanon (1968), o colonialismo é constituinte do capitalismo, organizado e atuando concretamente a partir da ideia de raça, do poder de classificar de maneira hierárquica a humanidade ao delegar diferenças inatas, naturais e impossibilidades de semelhanças. Ademais, o mundo colonial buscou destruir todas as formas de vidas não coloniais, aplicando um ritmo incessante de violências físicas e psíquicas nas colonizadas e nos colonizados. É um mundo porque se fez presente, mentalmente e materialmente, em todas as dimensões sociais, na economia, nas subjetividades, nos modos de comer, falar, pensar, nomear, vestir, sentir e dizer o que são humanos e não humanos. De acordo com Fanon (1968), a descolonização passa pela expulsão do colonizador do território, mas não só. É abolir a maneira de viver coletivamente do mundo colonialista.

O colonialismo europeu na África, como acontecimento, foi intenso, abrangendo principalmente o final do século XIX e início do século XX. Dentro da história da humanidade no continente, construída a milhares de anos, foi um momento entre tantos outros. A África antes da corrida europeia ao continente era dotada de “dinamismo, vitalidade e recomposição, mais do que crise” (M’Bokolo, 2011, p. 336). De acordo com Elikia M’Bokolo (2011), nem uma África mergulhada em barbáries ou única e harmoniosa. África entre consensos e conflitos, circulações, mobilidades, contatos com diferentes continentes, estruturações políticas, sociais e culturais (linhagens, castas, classes, ordens), e clivagens regionais que os colonizadores tirariam proveito.

Contudo, “num período relativamente curto, [ocorreriam] uma soma inédita de catástrofes” (M’Bokolo, 2011, p. 329) que impactaram os rumos das histórias africanas. Esse período se caracterizou pela perda das independências políticas dos africanos para os Estados europeus. Mesmo que ao longo dos tempos, as pessoas em África já lidavam, variando de região, com a presença estrangeira – europeus e árabes, que tinham certas influências culturais, econômicas, religiosas –, permaneciam a maioria com as suas autonomias. Além disso, com a colonização europeia a intensificação da violência, nas palavras de M’Bokolo (2011, p. 329), “acompanharam a aceleração da penetração estrangeira: sucederam-se as guerras de conquista e resistência, as migrações, as epidemias, as fomes e as catástrofes ecológicas – nunca os africanos tinham sofrido num período tão curto de tempo tantos e tão terríveis choques”.

Terríveis choques que compõem experiências, memórias e narrativas criadas para compreender as violências coloniais, registrar reflexões, sentidos, estratégias e resistências de perpetuação do que se constrói, considera e se abraça como próprio seu e dos seus. Em 1914, a Nigéria foi criada pela Grã-Bretanha e, em 1960, as negociações entre nigerianos e britânicos frutificou, em um contexto de enfraquecimento do poder colonial, para a independência (Falola; Heaton, 2008). Na ponta do lápis, 46 anos de colonização.

Sefi Atta significa o processo colonial desde uma percepção de quem não viveu diretamente os eventos coloniais, mas sente seus vestígios e estruturas na colonialidade. Contudo, não o desconsiderando, demarca ações coletivas na Nigéria que constroem desigualdades e injustiças no país já independente.

Seca, fome e doenças. Não havia desastre maior no continente africano que o controle que alguns exerciam sobre nossos recursos: petróleo, diamante, seres humanos. Eles vendiam qualquer coisa e qualquer um aos compradores estrangeiros.

Grace Ameh pegou sua pasta.

- Já está indo? - perguntei.

- Sim. Para ser franca, não sei quanto tempo mais a revista resistirá. Atualmente, nossas reuniões editoriais são realizadas em igrejas e mesquitas. O governo nos aconselhou a não especular sobre o golpe. Você ouviu?

- Eu não especulo.

- Eles prenderam quem fizer isso.

- O que te leva a continuar? [...]

- Arrisco a vida porque eles nos prendem e bombardeiam nossos escritórios. Não se pode matar o testemunho de um país e de um povo. É por isso que lutamos, por uma chance de ser ouvidos. E eu luto também porque amo meu país [...].

E eu amava? Sabia que não podia morar nem queria ser enterrada em outro lugar. Isso bastaria para dizer que eu amava meu país? Eu mal conhecia a Nigéria. Nós tínhamos 36 estados, a tríade das regiões Norte, Oeste e Leste criada pelos britânicos antes de eu nascer. [...] Não conhecia grande parte do meu país, nem o Delta do Níger ao qual Grace Ameh se referia. Só falava uma de nossas línguas nativas, o iorubá (Atta, 2020, p. 326-327).

 

Através do seu trabalho também é possível investigar as agências humanas na Nigéria que não são definidas apenas com a história do colonialismo europeu no país. Depois de 1960 o que aconteceu? Protagonistas de outros eventos que estão inseridos em contextos amplos da colonialidade, dos inúmeros e complexos caminhos, Tudo de bom vai acontecer apresenta a história política nigeriana a partir de uma mulher que aos poucos percebe que não é possível se desvencilhar dos acontecimentos de seu país. Os golpes militares, tentativas de estabelecimento de democracias e ditaduras nigerianas no final do século XX, narrados no século XXI por Sefi Atta, trazem sintomas de conflitos internos e perseveranças em construir uma Nigéria a partir dos nigerianos, suas disputas e projetos de país, muitas vezes destoantes entre si.

 

“Será bom. Tudo de bom vai acontecer comigo”  

            A efetiva implementação da ERER nas escolas brasileiras acontece a partir de um entrelaçamento entre abordagens, conteúdos e materiais didáticos. Sem um pensar reflexivo antirracista que permeia a ação, um conteúdo ou material pode ser esvaziado de sentido político no combate ao racismo. Não é possível implementar a ERER imaginando as vivências e saberes produzidos no ambiente escolar como neutras, sem intenções e impactos nas realidades que permeiam dentro e além da escola. Sendo assim, o ensino de História da África, dentro da perspectiva da ERER, é um ensino comprometido com a transformação e a justiça social.

Ao sugerirmos Sefi Atta como um meio para refletir sobre questões sociais a partir do conhecimento histórico em sala de aula, não ignoramos outras escritoras que podem colaborar para reflexões que desejam se aproximar das experiências africanas a partir de pessoas do continente. Escritoras e escritores que podem estar mais próximos de você, na biblioteca da escola, da cidade, sua ou de alguém conhecido. Retomando a Sefi Atta, relevante é trazê-la à sala de aula com sensibilidade. A escritora possui uma trajetória de vida, brevemente apresentada neste artigo, e intenções literárias.

Ademais, sua escrita está permeada por específicos contextos históricos, culturais, sociais e políticos que deve ser interpretada a partir deles. Tais elementos precisam ser levados em consideração, abordados e discutidos em sala de aula. A imagem de Sefi Atta carece ser apresentada e descrita, assim como as paisagens que compõem a Nigéria. É importante ressaltar que Sefi Atta faz parte desse país. Com ela, conhecemos um pouco sobre processos históricos que constroem a Nigéria, não de todo o continente, por mais que seja possível encontrar assuntos compartilhados entre diferentes países africanos.

Dentre as diversas maneiras de pensar o que é isso de ser professora, Jorge Larrosa (2018) propõe que é aquela pessoa que, em um ambiente intencional, coloca sob a mesa assuntos que se pensam relevantes a serem discutidos. Através de um repertório de uma pessoa que lê e estuda, por ser assim, e não de outra forma, que se move no mundo, organiza materiais para acompanhar os assuntos. Assuntos que se presume serem meios para encontrar pessoas e compartilhar a atenção com e ao mundo. Encontrar mundos. Desprender-se de mundos. Suspender seus modos e espantar-se, maravilhar-se com o que compartilha comigo a existência. Por meio da literatura, essas palavras cantadas, pois seguem um ritmo e poética orquestradas por outrem, podemos refletir criticamente sobre nossas posições históricas no mundo. Por serem históricas, estão suscetíveis a mudanças. Outra coisa que é isso de ser professora é viver esperançando.

 

 

 

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Recebido em 12/02/2024.

Aceito em 01/05/2024.



[1] Mestra em História pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e licenciada em História pela mesma instituição. Discente na Especialização em Teorias e Metodologias da Educação Básica e Profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina. Professora de Educação Básica na rede estadual de Santa Catarina. Brasil. E-mail: thaliafallerr@gmail.com | https://orcid.org/0000-0002-5237-2151

[2] Mestra em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), licenciada em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Docente de Educação Básica, Técnica e Tecnológica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina, campus Chapecó. Brasil. E-mail: emy.lunardi@ifsc.edu.br | https://orcid.org/0000-0002-8536-2187

[3] As reflexões propostas neste artigo são aprofundamentos da pesquisa de mestrado: FALLER, Thalia. Escritoras dos emaranhados dos tempos: narrativas de identidades em Buchi Emecheta, Sefi Atta e Ayòbámi Adébáyò (Nigéria, 1970-2017). 2023. 151 f. Dissertação (Mestrado em História) - Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, 2023. Disponível em: https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/6933. Acesso em: 14 nov. 2023.

[4] Igbos, yorubás e hausas-fulanis são identidades de pertencimento social, político e linguístico que constituem a Nigéria. Além delas, mais de 200 grupos de pertencimento fazem parte do país, muitos construídos em uma história de longa duração nigeriana que antecede a intervenção colonial. Os igbos, yorubás e hausas-fulanis destacam-se como grandes grupos principalmente pela sua influência e disputas de poder no país, criadas ou intensificadas a partir da colonização europeia.

[5] A Guerra civil-Biafra, ou Guerra de Biafra, foi um conflito entre o governo nigeriano e Biafra, um Estado formado a partir da separação dos estados ao sudoeste da Nigéria com população de maioria igbo e abrangia 67% do petróleo do país. O governo da Nigéria protagonizou ataques violentos contra Biafra e a morte de milhares de pessoas, principalmente igbos.

[6] Sefi Atta possui os seguintes trabalhos publicados, e ainda não traduzidos para o português: os romances Swallow (2010), A Bit of Difference (2013), The Bead Collector (2019) e The Bad Immigrant (2021); o livro de pequenas histórias News from Home (2010) e Drama Queen (2018) para crianças; e a coletânea de peças intitulada Sefi Atta: Selected Plays (2019).

[7] Disponível em: https://ayalaboratorio.com/2023/08/04/efuru-a-historia-das-mulheres-igbos-na-literatura-de-flora-nwapa/. Acesso em: 16 nov. 2023.

[8] “[...] stories that negate their experiences”.

[9] “I weave history into my stories [...]”.

[10] “[...] stories that negate their experiences”.