Carnes que atravessam o tempo: moda, corpo e fotografia

Flesh that crosses time: fashion, body and photography

                                                                                               Rodrigo Rui Simão de Medeiros[1]

 

 


Resumo

Pensando os diálogos e entrelaçamentos entre o corpo e a moda, o modo como esta segunda depende do primeiro, e as relações destes com as artes visuais e a fotografia, desenvolvo este texto. Analisando a vestimenta como um produto de moda, atrelada a este sistema como um instrumento de distinção entre classes sociais, penso esta, também, como um item de comunicação não-verbal. Neste texto penso não somente sobre o corpo vestido, mas este como um item de moda, como um dispositivo estético de criação. Assim sendo, o artigo é uma análise do corpo como parte da criação de moda, sendo este primeiro um suporte criativo para a segunda, como também o uso político deste.

Palavras-chave: Corpo; Moda; História; Fotografia.

Abstract

Thinking about the dialogues and intertwinings between the body and fashion, the way in which the latter depends on the former, and their relationships with the visual arts and photography, I developed this text. Analyzing clothing as a fashion product, linked to this system as an instrument of distinction between social classes, I also think of it as an item of non-verbal communication. In this text I think not only about the dressed body, but this as a fashion item, as an aesthetic device of creation. Therefore, the article is an analysis of the body as part of fashion creation, the first being a creative support for the second, as well the political use of this.

Keywords: Body; Fashion; History; Photography.


 

 

 

Dissecando modas

 

Nunca o corpo-simulacro, o corpo-descartável foi tão exaltado como na contemporaneidade. Órgãos sem corpos são fixações parciais que massacram o próprio corpo (Breton, 2013, p. 10).

 

Cobrir o corpo contra o frio, raios do sol ou mesmo de ataques de animais, a roupa e os adornos que envolvem a nossa pele possuem papéis diversos nas diferentes sociedades humanas. Comunicar de qual cultura somos pertencentes, validar papéis de gênero, dividir as classes sociais, as variadas formas de portar uma roupa são socialmente construídas, passando por tensões históricas que cabem ao historiador escová-las a contrapelo (Benjamin, 2012).

Pensando a partir de teóricos como Georg Simmel, Pierre Bourdieu e Walter Benjamin, percebo que a moda – sistema que engloba a produção e difusão de tendências referentes à vestimenta, como também acessórios – é um campo majoritariamente pensado pelo polo dominante, a partir do norte global. Outras formas de se pensar o vestir, como o modo que diversos povos indígenas adornam o corpo, ou a forma das mulheres Padaung vestirem-se, são consideradas moda, ou somente o que está presente em revistas como Vogue e Elle Magazine?

Para Villaça e Góes (2014), na obra Em nome do corpo, a moda é uma prótese corporal, ou seja, ela compõe uma dialética entre o corpo e a veste. Pensar uma roupa é imaginá-la adornando um ser humano, cobrindo sua pele e servindo como suporte de comunicação não-verbal. Villaça e Góes nos fornecem um argumento interessante:

Como prótese corporal e elemento do processo de subjetivação, a moda oscila em geral em duas direções. Por um lado, ela é instrumento de padronização, correção, perfeição, como se vê notadamente nos anos gloriosos em que a alta-costura, com seu aparato, se distinguiu da produção em série. Por outro lado, também como prótese, a moda funciona cada vez mais como derrubada de cânones, novidade e pluralização das diferenças, mesmo que por meio da imperfeição, atitude que, segundo alguns autores, é recuperada em padrão de homogeneização: todos buscam a diferença (Villaça; Góes, 2014, p. 121).

 

A partir disso, somos levados a pensar sobre o papel da moda, seja os já citados anteriormente, seja o de suscitar o debate sobre estética, arte, performance social. O corpo vestido é um dispositivo estético, e como veremos em seguida, o corpo humano também serviu e ainda serve como suporte criativo da moda. Diante disso, desenvolverei uma análise no campo da história do corpo, utilizando historiadores, sociólogos e antropólogos que o pesquisam, como Nízia Villaça, autora de A edição do corpo: tecnociência, artes e moda (2014), Nízia Villaça e Fred Góes, autores do livro Em nome do Corpo (2014), Denise Bernuzzi de Sant’Anna, que escreveu a obra História da Beleza no Brasil (2014). A partir desta bibliografia, como também de outros textos, buscarei perceber a construção social e histórica pela qual o corpo humano enfrentou.

Cabelos bem cuidados, unhas pintadas, maquiagem no rosto, são características de quando imaginamos um corpo, e principalmente o feminino, no entanto ele também é feito de entranhas, sangue, carne, espinhas, pelos, gordura, apesar de a indústria da moda e da beleza tentar esconder tudo isto. Espinhas têm que ser eliminadas, pelos não podem entrar em evidência no corpo feminino pois denotam descuido, as sobrancelhas não podem estar fora do lugar, os pelos dos braços têm que ser tingidos de loiro, os lábios têm que estar pintados e orelhas furadas desde o nascimento.

Estas exigências e mutilações do corpo foram sendo construídas e incorporadas em nossa sociedade ao longo dos séculos, além de perpetuadas e difundidas de geração para geração. Por que furar a orelha de uma criança ao nascer? Com qual razão é imposto para a mulher criar o hábito de se maquiar, mas não para o homem? Quais corpos são publicados em revistas e na TV? Quais são os corpos da moda, e por que eles são como são? Este artigo terá a tarefa de debater questões que nos façam pensar sobre isto.

 

Uma órbita de corpos

Da grandiosa escultura da Vênus de Milo (II a.c.), de Alexandre de Antioquia (data de nascimento e morte desconhecidas) à fotografia da modelo Twiggy na capa da Vogue (1967) – como veremos mais à frente –, diversos corpos orbitam ao nosso redor, no imaginário e na realidade concreta, ao nosso lado e no papel da revista. Não podemos falar da história da arte sem falar também de corpos, assim como é importante tratar da história da moda também nos debruçando para entender a importância do corpo nas modas ocidentais.

Fruto de desejo e repulsa, de nascimento e morte, de lascívia e nojo, os ideais de corpos transpassam a nossa história ocidental, moldando-se ao longo dos séculos. Controlado pela Igreja, pela ciência, pelas leis, como também pela moda, o corpo humano é fruto de estudos e fascinação desde os primórdios, como datam as pinturas rupestres que representam os humanos.

Como analiso, a moda moldou-se e foi moldada através dos séculos sendo pensada como um instrumento visual e material que atenderia, principalmente, aos gostos dominantes das classes dominantes, e que serviria como bem simbólico que reflete a distinção entre as classes sociais. Sendo este um fenômeno que não é linear, como refleti anteriormente, ele transgride o tempo e se localiza em si numa fusão de passado, presente e futuro.

Esta também abriga o culto ao corpo. Desde a sua gênese a moda usa o corpo como o seu cabide, a sua vitrine que circula pela urbe e propagandeia as novas criações de moda e beleza. Antes este também era moldado pela moda, como o uso de espartilhos, mas como nunca visto o corpo humano também se tornou um objeto de moda, já na virada dos séculos. O objeto-humano também ornamentava as roupas que vestiam outros corpos, como bem executado pela estilista italiana Elsa Schiaparelli.

Além de ganhar importância nas criações vestimentares, o corpo humano também se destacou na fotografia e na arte. Fotógrafos como Man Ray (1890-1976) deram foco a ele e às suas facetas, captando através das suas lentes o corpo vestido e despido e mostrando-o também como obra de arte (Spineli, 2011). Desta maneira, é crucial refletirmos sobre a forma pela qual os corpos eram representados e manuseados através das roupas, como também da fotografia, mobilizando como principal exemplo Elsa Schiaparelli (1890 – 1973) e Man Ray.

 

Costurando e publicando corpos

Servindo ao papel de uma capturadora da realidade, a fotografia durante anos teve o papel de registrar retratos de famílias, de paisagens naturais ou construídas, bem como de eventos importantes. Ela não era comumente usada em cenas comuns, como também não costumava ser utilizada pelos artistas do final do XIX e começo do XX para expressar suas criações. Mas foi com Man Ray que a fotografia ganhou novos contornos, novas antirregras. Ela não mais serviria para capturar somente a realidade, mas também a fantasia. Como diz Spineli (2011):

Na produção fotográfica até início do século XX, imperavam os retratos e as paisagens. A predominância de paisagens e retratos dava-se tanto por questões técnicas, pois não havia possibilidade de se registrar imagens em movimento, quanto ideológicas, pois a fotografia era vista como um registro do real (GERNSHEIM, 1966). Sendo assim, os motivos fotográficos eram pessoas (o retrato de alguém para ser imortalizado) e paisagens (registros de lugares para se conhecer e guardar para a posteridade) (Spineli, 2011, p. 38).

 

Emanuel Radnitzky, ou somente Man Ray, foi um artista estadunidense nascido na Filadélfia em 1890, atuando como pintor, cineasta e fotógrafo. É na fotografia que este ganhou seu destaque e se tornou mundialmente conhecido, pois pretendia a partir da mesma contribuir com novas criações de arte. Como diz Patricia Kiss Spineli (2011), em seus primórdios a fotografia não era considerada um meio de expressão com sua própria linguagem:

A fotografia, nos seus primórdios, não era considerada um meio de expressão com linguagem própria. Vista como resultado de um aparato mecânico, não era admitida como artística, uma vez que o registro fotográfico era realizado por uma máquina e considerado, portanto, como algo automático (Spineli, 2011, p. 38).

 

Mas, foi no início do século XX que esta foi conquistando mais projeção, como, por exemplo, na fotografia de moda. Em sua maioria, as revistas de moda e jornais impressos utilizavam as ilustrações para revelar as novas criações vestimentares que revestiriam a alta sociedade. Periódicos como Harper’s Bazaar e Vogue foram destaque nas ilustrações de moda, ganhando notoriedade e reconhecimento também em razão disso. Mas foi com a fotografia que tais publicações mostravam com mais detalhes as novas tendências que estavam chegando. Spineli argumenta:

Os primeiros fotógrafos de moda, ainda na concepção do retrato, trabalhavam com fotos posadas. A fotografia era um subproduto que começava a ganhar espaço em um mundo onde as ilustrações imperavam nas revistas especializadas de moda, estas também um produto da modernidade, da passagem do século XIX para o XX (o mesmo vale para a carreira de modelo) (Spineli, 2011, p. 40).

 

Na fotografia de moda, como afirma Spineli, as fotos eram bastante posadas, trabalhando o corpo da modelo quase como somente um suporte para sustentar a roupa, um manequim humano. O principal objetivo da imagem seria mostrar a nova criação de moda, – o novo vestido, sapato, luvas, chapéu –, e a modelo serviria ao papel de mancebo para aquela vestimenta. Portanto, estas imagens não trabalhavam muito com a imaginação, com a fantasia e com outras expressões artísticas.

Mas o fotógrafo estadunidense quis colocar o seu toque dadaísta na fotografia de moda. O dadaísmo, movimento de arte – ou antiarte – que surgiu em Zurique, na Suíça, por volta de 1916, tinha como principal objetivo a destruição como uma forma de criação. Através da arte, seus adeptos buscavam alcançar a (des)ordem, tecendo críticas à burguesia da época, como também ao capitalismo, assim como às artes que eles consideravam antiquadas. O onírico ganha centralidade, trazendo os sonhos e as fantasias à tona, o que o dadaísmo tornou um dos influentes do movimento surrealista, que traria grandes expoentes da arte, como o espanhol Salvador Dalí.

Man Ray, em suas fotografias, subvertia o que parecia real e o que seria imaterial ou uma fantasia. O onírico atravessava suas obras e os corpos que ali estavam presentes, como as duas fotografias a seguir. A primeira, intitulada “Um torso feminino nu”, datada de 1920 a 1930, sem uma data exata, nos mostra um busto. Este corpo, que por seus contornos não sabemos se é um torso humano ou de uma escultura, nos faz lembrar das estátuas clássicas ou mesmo de pinturas renascentistas, trazendo um belo jogo de sombras que valorizam as curvas ali registradas. Já a segunda imagem nomeada “Eletricidade” é datada de 1931, também mostrando um corpo feminino desnudo. A eletricidade passa pelo corpo da modelo, uma duplicação na imagem nos revela dois corpos, um jogo de edição cria um tipo de base em que supostamente a moça estaria fixada, como nas esculturas clássicas de torso. As mãos para trás podem demonstrar uma certa timidez da modelo ao revelar o seu corpo sem roupas e ornamentos, mas os raios que lhe atravessam nos induzem a pensar sobre a fúria que é um corpo fotografado desnudo, principalmente em 1931.

 

Figura 01: Man Ray, Torso feminino, 1920    Figura 02: Man Ray, Eletricidade, 1931

Imagem em preto e branco

Descrição gerada automaticamente com confiança médiaImagem em preto e branco

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

12cm x 16cm                                            32cm x 26cm

1920                                                           1931

Fonte: Metropolitan Museum of art.

Corpos orgânicos ou de mármore? Pessoas ou representações inanimadas delas? Como percebemos, as obras de Man Ray mexiam e ainda mexem com a nossa imaginação, nos levando a pensar sobre o que era real ou edição em suas fotos. Esta criatividade, influenciada por movimentos com que o artista simpatizava, como o dadaísmo e o surrealismo, fizeram dele um fotógrafo que tentava capturar o que não era óbvio. Como observa Spineli (2011):

Man Ray utilizava técnicas como a montagem fotográfica e aplicava o olhar de artista para seus retratos de moda. Com a concepção de que “tudo é arte” não via porque não se utilizar dos princípios artísticos para produzir uma fotografia que seria impressa em uma revista (Spineli, 2011, p. 41).

 

Diante disso, percebemos como Man Ray queria aproximar a fotografia de moda de um conceito de arte, a uma expressão que não queria somente mostrar uma nova criação vestimentar, mas passar uma mensagem, nos revelar um conceito. As poses, os cenários, as luzes, o posicionamento perante a câmera, tudo isto era importante para compor a arte que era a fotografia de moda idealizada por Man Ray. Como na imagem a seguir:

 

Figura 03: Man Ray, Fotografia de moda, 1936

Foto em preto e branco de pessoa segurando espada

Descrição gerada automaticamente com confiança média

30cm x 23cm

Fonte: Harper’s Bazaar.

Na imagem a modelo está em uma pose dramática. O vestido preto longo traça um formato triangular, o tule reforça o ar de drama e romantismo da roupa. O leque forma um ponto de visão na imagem, carregando nosso olhar direto para ele. Diante do peito a modelo segura uma rosa branca, que contrasta com sua vestimenta completamente preta. Sozinha no cenário, a mulher é a protagonista da imagem. Sua linguagem corporal reforça o drama da roupa, com a forma em que ela manuseia o leque, assim como o jeito como ela segura a rosa perto do coração, seus olhos fechados e seu rosto levantado dão o toque final da composição. Neste retrato seguinte o fotógrafo também brinca com o corpo:

 

Figura 04: Man Ray, Fotografia de Elsa Schiaparelli, 1933

Foto em preto e branco de pessoa com camisa branca

Descrição gerada automaticamente

24cm x 18cm

San Francisco Museum of Modern Art

Fonte: SFMOMA.

Na imagem vemos um torso feminino feito provavelmente de gesso. Suas curvas e formato, inclusive com os braços amputados, nos faz lembrar das famosas estátuas clássicas, ao passo que uma mulher jovem empresta o seu rosto para o torso de gesso. O seu olhar está distante, até um pouco triste. Seu cabelo bem penteado nos faz perceber uma mulher que se importava com o seu visual. Sua roupa preta desaparece atrás do torso e no cenário escuro do estúdio. Seu nome era Elsa Schiaparelli, um dos maiores nomes da história da moda ocidental. Ela empresta o seu rosto para uma estátua de gesso que remete às artes clássicas, ao passo que ela construía a sua moda baseada na arte de vanguarda da época, com forte influência do surrealismo.

A estilista Elsa Schiaparelli nasceu em Roma em 1890, cursou Filosofia na Universidade de Roma e desde cedo se dedicou às artes, escrevendo uma série de poemas. Ainda no começo do século XX ela já há havia conhecido artistas como Marcel Duchamp e Man Ray, que viriam a influenciá-la. Mas seria somente em 1927 que ela fundaria a sua marca, que está ativa até hoje.

A criadora tentava fugir do óbvio e do básico ou do somente clássico. Suas criações tentavam subverter algumas estruturas datadas das roupas, com cortes diferentes, cores que se destacavam – sendo sua a elaboração do rosa-choque – como também desenhos que não eram vistos em outras marcas. Outro diferencial de Schiaparelli foi sua aproximação com o surrealismo, trazendo para as suas peças o onírico e a fantasia, que eram marcantes nas obras do movimento. Amiga de Salvador Dalí, a estilista fez diversas parcerias com o artista, como a criação do vestido que era estampado com uma grande lagosta. O absurdo fazia parte do seu processo criativo.

 

Figura 05: Vestido lagosta (1937), Vestido-esqueleto (1938)

Mulher com vestido de noiva

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Fonte: arte ref.

O vestido-esqueleto é um dos mais icônicos da história da marca. Completamente preta, a peça é colada ao corpo, criando ali uma segunda pele. Pele esta que traz à tona os ossos que o compõem. Eles marcam o vestido e estabelecem ali uma atmosfera macabra, sombria, que combina com o preto que reveste o corpo. Os ossos não estariam somente abaixo da nossa pele, mas também fora dela. Já com o artista Jean Cocteau (1889 – 1963) a colaboração também envolveu corpos compondo as criações, entre bocas, mãos e cabelos, e orbitando as criações da estilista.

 

Figura 06: Criações de Schiaparelli com Jean Cocteau (1938)

Roupas em cima

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Meik Magazine.

Como podemos observar, no primeiro casaco o preto impera, como em muitas criações da artista. Mas o que salta aos olhos dois rostos que compõem as costas do casaco, olhando um fixamente para o outro, e possuem lábios vermelhos e olhos azuis; românticos, eles contrastam com o preto do tecido. A posição dos rostos forma outro desenho, um cálice que vai até a parte superior, tendo flores rosas saindo de seu interior e reforçando o tom romântico e dramático da criação. Na imagem seguinte também vemos um casaco, desta vez em tom claro, com cortes bem definidos no tecido. O destaque vai para o rosto feminino delicado que adorna o lado direito da peça. Ele está localizado na altura do ombro e tem linhas simples, sendo composto também por uma boca, um olho verde adornado com uma pedra. Seus cabelos feitos por fios dourados envolvem a manga direita do casaco, indo até a região do pulso. Em sua mão a mulher carrega um lenço prateado, que contrasta com o seu cabelo.

Sendo uma grife com décadas de existência, que segue ativa mesmo depois da morte da sua criadora, a Schiaparelli continua o legado da estilista. Os corpos presentes em suas criações atravessaram o tempo e compõem coleções ainda em 2021. Corpos ou pedaços deles ornamentam as vestimentas apresentadas, como vemos na Figura 07: um seio dourado compõe o vestido preto, com um bebê também dourado que é amamentado. Uma auréola também faz parte da roupa, trazendo uma atmosfera sagrada para a criação. Já na figura 08 a modelo veste um corpo e usa um pedaço de outro como bolsa. Sua bota preta possui dedos dourados que se destacam, já em suas orelhas dois grandes brincos em formato de orelhas completam o look. O corpo é vestido, mas também serve para vestir. O corpo é objeto e acessório.

 

Figuras 07 e 08: Coleção Spring Couture (2021)

Homem com as mãos na cintura

Descrição gerada automaticamente com confiança baixaImagem digital fictícia de personagem de filme famoso

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Fonte: Vogue.

Vemos aqui um exemplo concreto do caráter cíclico da moda, das tendências que vem e vão, se tornam obsoletas e anos ou décadas depois voltam aos holofotes, embaralhando passado, presente e futuro. Mas, ainda falando sobre corpos, depois de nos debruçarmos sobre a fotografia e a criação de moda, temos na Body Art também o seu uso para a arte. Nela o corpo não somente compõe a paisagem da imagem, mas é igualmente um suporte para o trabalho do artista. Um dos exemplos mais famosos é do artista Yves Klein (1928 – 1962), quando o francês usou corpos humanos para a criação da sua obra Anthropométrie (1960). As pernas, o tronco e os seios das modelos “carimbados” na tela produzem formas, como se fossem pincéis humanos. Além da Body Art, a arte de performance se conformava nos anos 1960 e usava o corpo como um dos seus artifícios. Diversos artistas importantes despontaram nesse período, como Marina Abramović (1946 - ), que teve o seu ápice a partir do começo da década de 1970, utilizando o seu próprio corpo como uma peça de arte, que seria cortada, pintada, queimada, um corpo-arte, um corpo que conduzia o espetáculo.

 

Figura 09: Yves Klein, Anthropométrie de l’époque blue, 1960

Desenho de uma pessoa

Descrição gerada automaticamente com confiança média

Pigmento puro e resina sintética sobre papel montado sobre tela

156,5 cm x 282,5cm

Centre Pompidou

Fonte: Centre Pompidou.

Percebemos que essa profusão de corpos atravessou e atravessa os diversos campos das artes e da cultura, sendo um deles o das imagens eróticas. Em 1953 era lançada a primeira edição da revista adulta Playboy, nos Estados Unidos. A capa da primeira edição era composta pela famosa atriz Marilyn Monroe (1926 – 1962), considerada o maior símbolo de feminilidade e sensualidade da época. O sucesso da revista foi tamanho que ela ganhou versões em inúmeros países, incluindo o Brasil. O seu conteúdo, além das fotos de mulheres nuas, continha também entrevistas, colunas, dicas de moda para os homens. A sua primeira edição no Brasil só seria lançada em 1975, em plena ditadura civil-militar.

 

Figura 10: Primeira capa da Playboy   Figura 11: Primeira capa da Revista do Homem

Texto

Descrição gerada automaticamenteTexto sobre foto de homem

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Estadão e G1.

Chegando ao país com o título A Revista do Homem, a Playboy brasileira logo fez sucesso, mas também ganhou o olhar atento da ditadura. Não podendo usar o nome Playboy em decorrência da censura, ela comumente trazia mulheres despidas em suas capas, inclusive famosas. Entre o final da década de 1960 e 1970 o debate sobre o corpo ganhava mais força, o corpo (vestido e despido) estampava revistas e servia de debate em colunas presentes nos impressos. Era um período de revolução sexual, da valorização dos prazeres, a sexualidade entrava no debate acadêmico, o sexo saía da penumbra das quatro paredes e ganhava espaço na cultura e na arte. Como disse Bueno (2011):

A década de 1960 pode ser percebida como um período de muitas rupturas no Brasil, embora o plano político com a ditadura civil-militar de 1964 seja o caso mais marcante, no plano cultural há uma multiplicidade de processos ocorrendo, seja musical com a consolidação da Bossa Nova e emergência da Tropicália e do Sertanejo, ou dos movimentos sociais como os estudantis que colocam a figura do Jovem e da “contracultura” como novos agentes sociais e históricos. Nesse mesmo período, outro aspecto cultural está se desenvolvendo: o “desnudamento” do corpo da mulher (Bueno, 2011, p. 5-6).

 

A nudez do corpo feminino começava a ganhar destaque nas mídias da época, orbitava em revistas eróticas, circulava através de revistas de moda, como também no cinema. Como destacou a historiadora Daniela Queiroz Campos, “no século XX a beleza do corpo nu feminino parece ter perdido papel de destaque no mundo das artes. Tal corpo passa a se dar preferencialmente em outras imagens” (Campos, 2020, p. 50). Esta chuva de corpos regava a produção de moda, reforçando uma concepção sua que não se desvincule deles o corpo como importantes artifícios agregadores de ideias. Anos depois isto acarretaria uma sexualização exacerbada da indústria da moda para com o corpo feminino. Mas, como continua Campos (2020):

Ele passou a ser evidente em imagens de circularidade cotidiana, ordinárias: reclames publicitários, montagens cinematográficas, nas folhinhas de pin-ups. “A beleza vai estar presente em seguida, com uma difusão imensa do imaginário das massas, através da cultura e das artes populares, do sonho hollywoodiano, dos ilustradores e dos produtores de pin-ups, das fotografias de estrelas [...]” (MICHAUD, 2012, p. 554). O corpo belo figuraria nu e erótico nos corpos fotografados e editados nas páginas das revistas masculinas que se consolidavam e ampliavam sua circulação naquela mesma época (Campos, 2020, p. 50).

 

Esta profusão de corpos presentes nas diversas mídias acabaria por difundir novos ideais do que seria um corpo que teria o direito de ser fotografado e publicado. Como analisaremos, estes padrões de beleza que eram criados e reforçados através do cinema, outdoors, desfiles de moda e revistas eróticas, impactaram direta e indiretamente no consumo de cosméticos e de remédios para emagrecimento e na busca por cirurgias plásticas. Modelos de corpos anteriores eram superados, ao passo que novos padrões eram formatados e bombardeados nas mídias. Mas, de que modo o corpo se alinha com as práticas vestimentares e de adorno fora do Norte Global?

Penso que é interessante abordarmos sobre as mulheres Padaung, membros da etnia Karen, que residem na região oeste da Tailândia. Internacionalmente reconhecidas como “mulheres-girafa”, essas mulheres adornam seus pescoços com numerosos colares feitos de latão. A partir dos cinco anos de idade, elas começam a usar os primeiros colares, e ao longo dos anos, adicionam gradualmente mais, resultando na modificação e alongamento do pescoço.

 

Figura 12: Mulheres Padaung

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Reprodução: Green Me Brasil.

O uso de colares no pescoço é uma prática ancestral, originalmente adotada como uma medida de proteção contra ataques de tigres. Com o tempo, essa tradição transformou-se em parte da cultura local. Hoje, essas mulheres são reconhecidas em todo o mundo por sua aparência única, que é resultado dessa prática, muitas vezes despertando surpresa no Ocidente devido à modificação gradual dos pescoços ao longo dos anos.

É interessante notar que o Ocidente, que demonstra grande fascínio pelas cirurgias plásticas para alterar a própria aparência, como evidenciado pelo Brasil, atualmente líder mundial em número de cirurgias plásticas realizadas anualmente, com mais de 1 milhão de procedimentos, frequentemente encara com estranheza a realidade dessas mulheres. O “outro” é sempre o diferente, o horrendo, o que não deve ser seguido.

Dado estes exemplos, percebemos como a moda pode moldar os corpos. O corpo e a roupa e/ou adornos constituem um movimento dialético. Mas, o corpo nu também faz moda, também constitui identidade, também se expressa e se comunica. Percebemos que, como um campo complexo munido de disputas simbólicas, a moda possui um polo dominante, regido pelas classes dominantes, que tenta difundir seus valores e ideias através da vestimenta e das tendências que são circuladas. E não havia um período mais profícuo para essa difusão, como a década aqui estudada. Eram tempos de uma intensa circulação cultural, um movimento transatlântico de difusão de ideias e movimentos. Desde então, padrões estéticos e vestimentares foram e ainda são propagados, através de revistas, publicidades, comerciais. Mas, como também veremos a seguir, está sempre em curso a padronagem dos corpos.

 

A padronagem de corpos

Os padrões de beleza, de corpo e de moda mudaram e continuam transformando-se constantemente ao longo da história humana. Cabelos alongam-se, ficam mais curtos, corpos robustos são o padrão, mas posteriormente a magreza dita a regra, as cores sóbrias compõem os corpos da população, com o passar dos anos sendo revestidas pela multiplicidade de cores. Padronagem de tecidos é quando na tecelagem há um trabalho repetitivo no próprio tecido, para criar um padrão que será reforçado através de toda a estampa. Assim penso que também ocorre com os corpos, que são levados a se multiplicarem de forma parecida para inventar e/ou reforçar um padrão estético.

Como dito anteriormente, não penso a moda como uma construção linear, uma evolução. Ela é composta de ciclos e espirais, propondo novas regras e estilos que devem ser seguidos, mas que caem no ostracismo com o passar dos anos, sendo novamente revisitados décadas ou até poucos anos depois. Como bem frisou Walter Benjamin em sua obra As Passagens, publicada após a sua morte:

O novo é uma qualidade independente do valor de uso da mercadoria. É a origem da aparência que pertence de modo inalienável às imagens produzidas pelo inconsciente coletivo. É a quintessência da falsa consciência cujo agente infalível é a moda. Essa aparência do novo se reflete, como um espelho no outro, na aparência da repetição do sempre-igual. O produto dessa reflexão é a fantasmagoria da “história cultural”, em que a burguesia saboreia sua falsa consciência. A arte, que começa a duvidar de sua tarefa e deixa de ser “inseparável da utilidade” (Baudelaire), precisa fazer do novo o seu valor supremo (Benjamin, 2009, p. 48).

 

Seguindo esta lógica, percebemos que a renovação constante dos sentidos da moda se dá não na praticidade – ou o valor de uso, segundo a teoria marxiana[2] –, mas sim na importância visual e o valor simbólico penetrado naquele produto. Podemos apreender que essa renovação constante também reflete o caráter de classe que a nossa sociedade possui, a necessidade de distinção de um grupo para com o outro.

No capitalismo, as mercadorias carregam em si a lógica da moda, de sempre mudar, de laçar o ser humano com sua fantasmagoria[3], de transformar-se em produto de desejos. Entre eles está o corpo. Pelos, carne, sangue, ossos. O corpo humano ao longo da história ocidental sofreu mudanças e mutilações, para assim adaptar-se às novas modas do corpo desejável e perfeito, o corpo padrão. Como frisaram Villaça e Góes na obra Em nome do corpo (2014):

A tendência da sociedade de consumo é atribuir ao indivíduo a responsabilidade pela plasticidade do seu corpo. Com esforço e trabalho físico, ele é persuadido a alcançar a aparência desejável. O que se vê na mídia, através de colunas de aconselhamento, de editoriais, é a proposta de um ideário religioso/esportivo de mandamentos e de maratonas a serem seguidos e vencidos. As rugas, a flacidez muscular e a queda de cabelo que acompanham o envelhecimento devem ser combatidas com uma manutenção corporal enérgica, a ajuda de cosméticos e todos os recursos da indústria de embelezamento. Como bem assinala Beatriz Sarlo, no cenário público, os corpos devem adequar-se à função perfeita, à prova de velhice que antes se esperava das mercadorias. (Villaça; Góes, 2014, p. 22).

 

Assim sendo, percebemos que o corpo acaba tendo que acompanhar as modas que são pensadas para as mercadorias. Ele possuía valor de troca em diversas sociedades, como também ainda possui na contemporaneidade, em suas diferentes concepções. É vendido como arte, como desejo, como beleza, como mercadoria, como capital. Os diversos aspectos que permeiam o corpo humano – especialmente o feminino – são fruto de constructos históricos que tomam a nossa carne como objeto.

Comemos o corpo de Cristo e bebemos o seu sangue aos domingos. Corpos desnudos marcam a história da arte, da Vênus de Milo (II a.c.) a Vênus de Boticelli (1485 – 1486), desejamos os corpos presentes nas revistas eróticas, queremos ser como os que estão presentes na Vogue. A nossa relação com nosso corpo e com a órbita de corpos que nos circunda é forte ao longo da nossa história, tornando-se uma relação de prazer ou repulsa, sagrada ou profana, a depender do contexto histórico.

Como notamos, o corpo é artifício de repulsa, pecado, correção, culpa, ao passo que ele também pode ser considerado um templo sagrado, um reduto do belo, uma arte. É na moda que ele encontra um espaço interessante de culto, nas passarelas, nas vitrines e principalmente nos jornais e revistas voltados para a moda, como a Vogue (1892–atualmente) e a Harper’s Bazaar (1867–atualmente). Estas, assim como jornais impressos que reservavam uma seção para as modas e costumes, tratavam e ainda tratam de transformar o corpo em uma ágora de debates, na qual se discute sobre os quilos que deve possuir para estar na moda, sobre qual meia usar para esconder as imperfeições das pernas, quais cosméticos fazer uso para esconder as marcas do tempo, o maior amigo e inimigo da moda.

O tempo, que não é linear na moda. Os tempos se cruzam, passado, presente e futuro dançam de mãos dadas a canção da moda. Porém, o tempo também é ardiloso, ele nos leva para a morte, esta que deve ser evitada a todo custo. O tempo nos marca, nos rasga, crava suas unhas no corpo humano, e a indústria da moda e da beleza nos induzem a combatê-lo por meio de produtos, cosméticos, maquiagens, acessórios. As marcas do envelhecimento seriam frutos do tempo, já a eterna juventude seria a nossa vingança contra ele. Como frisaram Nizia Villaça e Fred Góes na obra Em nome do corpo (2014):

Nos anos 60, nos países ocidentais, ocorre um fenômeno socioeconômico extraordinário: o advento dos teenagers (entre 13 e 20 anos), segmento considerado uma classe à parte e que vai determinar o surgimento de uma palavra mágica, o “estilo”. Os estilistas constituem então uma profissão de fé: fim das roupas pesadas, sérias e obedientes (Villaça; Góes, 2014, p. 133).

 

Foi na década de 1960 que o corpo jovem, esbelto e eternamente belo ganhou maior destaque e começou a ditar os novos padrões que viriam a ser regra no campo da moda e da beleza. O corpo tinha que ser refeito, remodelado, pintado e recortado. O corpo era um objeto, um produto que se valorizava, e que tinha que ser constantemente cuidado. Pernas magras e longas, braços finos, barriga chapada, cabelos lisos, olhos marcados, pele sem marcas de envelhecimento, estes padrões estavam sendo constantemente reforçados, como diz a historiadora Denise Bernuzzi de Sant’Anna, em sua obra História da beleza no Brasil (2014):

Na mesma época, a moda das calças saint-tropez soltava a cintura e apertava os quadris, valorizando barrigas magras e nádegas femininas que começavam a empinar. A cintura solta não bastava ser fina, “de pilão”, conforme se dizia. O cós baixo das calças, assim como o uso do biquíni, demandava que toda a barriga fosse magra, firme e bronzeada. Passou a ser feio ostentar alguma saliência ou flacidez logo abaixo do umbigo.

Essa nova silhueta, que não exigia apenas a cintura fina, mas o afinamento e o endurecimento de todo o ventre, colocou na ordem do dia uma feminilidade estreitamente relacionada à adolescência. No passado recente, os mais novos imitavam os mais velhos. Tempos depois, essa equação seria invertida. Os mais velhos, para não serem considerados “quadrados” ou “coroas”, passariam a ser assiduamente estimulados a aderir à moda adolescente. Mas, no cinema, várias vezes, “sucesso soletrava-se su-sexo”. O sex appel em voga exigia que as estrelas de Hollywood aderissem ao biquíni e não escapassem às cenas de nudez (Sant’Anna, 2014, p. 128).

 

Como podemos perceber, estes padrões eram criados e recriados nestas revistas de moda, assim como em jornais impressos por exemplo. Eram – e ainda são – dotados de uma fantasmagoria, uma aura que inebria quem os visualiza, criando assim um desejo que nos atravessa e nos atrai para cairmos nos encantos destes novos padrões, que como a moda vestimentar também são cíclicos e mudam ao longo da história humana.

Inebriado pela fantasmagoria que circunda estas noções de beleza e do que seria um corpo perfeito, o sujeito é levado a buscar encaixar-se nos padrões impostos. Academia de musculação, cosméticos, maquiagens, vitaminas, assim como roupas, são mobilizadas para criarem suporte para os indivíduos alcançarem o objeto, o belo, o corpo perfeito, que seria desejado. Villaça e Góes (2014) reforçam o debate:

A tendência da sociedade de consumo é atribuir ao indivíduo a responsabilidade pela plasticidade do seu corpo. Com esforço e trabalho físico, ele é persuadido a alcançar a aparência desejável. O que se vê na mídia, através de colunas de aconselhamento, de editoriais, é a proposta de um ideário religioso/esportivo de mandamentos e de maratonas a serem seguidos e vencidos. As rugas, a flacidez muscular e a queda de cabelo que acompanham o envelhecimento devem ser combatidas com uma manutenção corporal enérgica, a ajuda de cosméticos e todos os recursos da indústria de embelezamento. Como bem assinala Beatriz Sarlo, no cenário público, os corpos devem adequar-se à função perfeita, à prova de velhice que antes se esperava das mercadorias (Villaça; Góes, 2014, p. 22).

 

Todos os tipos de corpos são publicados? Os pretos, os pobres, os corpos com deficiência? O ideal de um corpo perfeito foi tomando as páginas das revistas no século XX e mais ferrenhamente em sua segunda metade. Corpos muito magros, como da modelo britânica Twiggy, brancos e pertencentes às elites, estampavam as páginas das principais revistas dedicadas a moda e beleza, como também nos anúncios publicitários das grandes grifes. Como assinalou Denise Bernuzzi de Sant’Anna (2014):

No universo da moda internacional havia modelos consideradas moderníssimas, como Veruschka e Twiggy. Ainda não se falava em top model. O sucesso estava com as manequins, também conhecidas pelo termo “maneca”, o que já significava um considerável trabalho sobre o próprio corpo: dieta, uso de cosmético, bronzeamento e a produção de um ar irreverente, seguro de si. A pose das manequins retratadas pela imprensa mostrava gestos que, no passado recente, seriam considerados abruptos, excessivamente narcisistas, impróprios às moças de boa família. Mas, agora, abrir as pernas, saltar, fazer careta, tornavam-se qualidades, provas de inteligência e beleza. Ser bela era ser diferente, afirmava a publicidade (Sant’Anna, 2014, p. 129).

 

As supermodelos ainda não estavam em voga, mas manequins como Twiggy começavam a fazer sucesso no campo da moda. A modelo, que ficou famosa a partir de 1966, rompia com os paradigmas até então vigentes, sendo ela muito magra, com olhos grandes, cabelo curto e jovem para os padrões de modelos da época. Com grandes cílios postiços, maquiagem marcante, uma magreza que se destacava, Twiggy logo virou sinônimo de beleza e de padrão normativo do que seria uma mulher bonita da década de 1960 em diante, uma mulher magra e que parecesse sempre jovem.

Como explicitou a historiadora Daniela Novelli em sua dissertação, defendida no âmbito da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), a juventude ganhou um papel crucial na publicidade de moda do século XX, especialmente dos anos 1960 em diante. Trabalhando com a categoria social da “juvenilização”, segundo Novelli, o modelo “beleza-magreza-juventude” – difundido até a atualidade – é reforçado principalmente a partir da década de 1960. De acordo com a historiadora:

A afirmação da juventude desempenha um papel vital na produção publicitária e a imagem de um corpo altamente desejável, idealizado, irreal, inatingível tornou-se peça-chave para essa subjetivação, servindo como um importante suporte para as intencionalidades das marcas (Novelli, 2009, p. 250-251).

 

Temos, então, Twiggy:

 

Figura 13: Twiggy na capa da Vogue, 1967

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Fonte: Fundação Avedon.

Figura 14: Twiggy (1967)                      Figura 15: Twiggy (1967)

Imagem em preto e branco de pessoa andando de bicicleta

Descrição gerada automaticamenteFoto em preto e branco de pessoa andando de moto

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Vogue.

Nas imagens acima podemos visualizar Twiggy na revista Vogue, no ano de 1967. Na capa, a jovem destacada em um close, com uma maquiagem colorida, cílios postiços, boca marcada. As cores em tons alegres realçam a sua juventude, as flores no rosto e no casaco reforçam a feminilidade. Já nas figuras 13 e 14, que podem ser encontradas na mesma edição da revista, a modelo conduz uma motocicleta usando um vestido curto, meias, sapatos e esbanja gargalhadas e abusa das poses descontraídas. A jovialidade está presente nas três imagens, enfatizando o novo padrão que entraria em voga, o da juventude eterna e magra. Denise Bernuzzi de Sant’Anna abordou a magreza em seus escritos, como podemos ver a seguir:

Magras, com cabelos lisos, cílios postiços e batons claros, as misses dos anos 1960 já anunciavam a tendência seguinte: a emergência da top model. A magreza podia não ser apreciada por muitos brasileiros, mas, na propaganda impressa de cigarros, bebidas alcoólicas, automóveis e roupas, ela era associada ao estilo de vida de pessoas ricas, modernas e grã-finas (Sant’Anna, 2014, p. 131).

 

Os cuidados com o corpo aumentavam, o capital que orbitava os corpos se destacava. Como diz Bernuzzi de Sant’Anna, era “a década do eu” (Sant’Anna, 2014, p. 132). A década de besuntar a pele com cosméticos para tirar rugas, para não envelhecer, de pintar a pele com maquiagem, mas também era a década do prazer, da “revolução sexual”, do debate sobre liberdade da sexualidade, dos estudos sobre a pílula anticoncepcional. Era um período de repressão, como também de intensos debates e subversão.

Enquanto os brasileiros viviam o endurecimento da ditadura, seguido por uma violenta repressão aos movimentos sociais e estudantis, algumas reportagens anunciavam que “a década do eu” havia chegado para ficar. Essa hipótese coincidia com a valorização do amor por si mesmo, presente na publicidade e expresso em diversos artigos da imprensa nacional. Ela também expressava a importância do tema “corpo”, especialmente pelo viés da sexualidade (Sant’Anna, 2014, p. 132).

 

Como percebemos na citação de Sant’Anna (2014), mesmo em uma década de repressão dos corpos dissidentes, desviantes da regra e da ideologia dominante, os brancos, das elites e da moda ainda eram valorizados como nunca visto. Os corpos recebiam projeção nas páginas dos jornais, nas capas das revistas, na publicidade, assim como ganhavam papel central nas artes de performance, como dito anteriormente. Sant’Anna continua o debate:

A proposta de gostar do próprio corpo ainda causava estranheza e alimentava preconceitos, podendo soar como um capricho típico das vadias e dos homossexuais. Mesmo assim, em meio às suspeitas resistentes aos novos ventos da história, milhares de jovens contrariaram os antigos costumes. Tabu da virgindade, união livre, sexo pelo sexo e uso de drogas transformaram-se em temas centrais, dentro e fora das universidades. Em várias partes do mundo, muitos estudantes e militantes reivindicaram “uma sociedade contrária à cultura capitalista e à burguesia consumista e conformada” (Sant’Anna, 2014, p. 132).

 

O sexo estava em voga, assim como a união livre e a juventude. O debate sobre a rebeldia dos jovens e estudantes ganhava forma, tal como a ação direta. Manifestações tomavam as ruas da França no mês de maio de 1968, contra a opressão sexual, o conservadorismo, as guerras, assim como a repressão do governo para com os manifestantes. As críticas ao capitalismo também cresciam, imagens de Vladmir Lenin e Mao Tsé-Tung estampavam cartazes colados nas paredes francesas, a juventude questionava o sistema dominante e propunha mudanças para aquele cenário retrógrado.

Não demorou para as manifestações chegarem ao Brasil: com pautas nacionais como o acirramento da ditadura civil-militar, as ruas foram tomadas por jovens universitários, artistas e famílias que denunciavam o impacto negativo do regime na vida dos brasileiros, na liberdade de pensamento, assim como na produção artística e cultural. Todo este cenário acabou sendo captado pela publicidade e pela moda, pois o capitalismo transforma as mais variadas lutas e reivindicações em mercadoria. Como explanou Sant’Anna: “a rebeldia juvenil exprimia uma parte da descontração corporal rapidamente captada pela publicidade. A imagem da revolta era lucrativa, conquistava novas fatias do mercado e fornecia aos anúncios uma aura juvenil”. (Sant’Anna, 2014, p. 143). Como podemos ver na imagem a seguir, uma campanha publicitária da empresa do ramo têxtil Rhodia:

 

Figura 15: Campanha da Rhodia

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Fonte: Livro História da Moda no Brasil (2014).

Na imagem podemos ver o cantor e compositor baiano Gilberto Gil (1942 – ), que na época ganhou notoriedade com o tropicalismo e o grandioso álbum Tropicália ou Panis Et Circensis (1968). A obra que continha canções de vários artistas como Caetano Veloso (1942 – ), Nara Leão (1942 – 1989), Gal Costa (1945 – 2022) e o grupo Os Mutantes se tornou um marco na cultura brasileira e cravou o sucesso do que seria o movimento tropicalista em nosso país. Portanto, trazer esta estética para o campo da moda também era aproximar a juventude rebelde do consumo. A contracultura estava em alta, e o capitalismo e a indústria sabiam disso.

A contracultura permitia às jovens se liberarem das obrigações da depilação, do cabeleireiro e da maquiagem. Os homens podiam deixar a barba crescer, assim como os cabelos. Seus corpos não precisavam se submeter às atividades físicas como a ginástica ou o esporte. As silhuetas esguias eram ilustradas pela moda internacional, repleta de batas indianas, alpargatas, tênis, além das mochilas e pochetes feitas com tricô, crochê e tecidos de algodão. [...]. Parecia uma libertação e, de fato, era. Para vários jovens (incluindo os rapazes), a contracultura, assim como a influência dos movimentos pelos direitos dos negros nos Estados Unidos, forneceu uma aura positiva aos cabelos crespos. No universo artístico, muitos jovens, como Gal Costa, Caetano Veloso, Maria

Bethânia, entre outros, já assumiam seus volumes capilares. Os cabelos longos e crespos pareciam mais rebeldes do que quaisquer outros, um símbolo de liberdade, coragem e, portanto, beleza (Sant’Anna, 2014, p. 143-146).

 

Nas fontes localizadas nesta pesquisa, percebemos a influência que os movimentos sociais e os debates políticos da época alcançaram, seja em filmes, como A Chinesa (1967), do diretor francês Jean Luc-Godard (1930–2022), e Terra em Transe (1967), do diretor baiano Glauber Rocha (1939–1981). Na revista A Cigarra temos como exemplo a propaganda a seguir, do produto de limpeza Odd. Nela, há uma convocação para as mulheres se unirem contra a sujeira, uma clara referência à palavra de ordem proferida por Karl Marx e Friedrich Engels em sua obra Manifesto Comunista (1848).

 

Figura 16: A Cigarra, abril de 1969

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Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (BN).

Mulheres com avental, saias, meias longas que estavam em moda na época, boina vermelha, fazendo referência a uma estética de esquerda que fazia parte do imaginário da época, sendo também uma alusão àquela usada pela deusa na obra Liberdade conduzindo o povo (1830), de Eugène Delacroix (1798 – 1863), que se tornaria um símbolo da Revolução Francesa (1789). Na imagem lemos os dizeres “guerrilhas contra a sujeira”, referindo-se ao contexto que estava em voga na época, das guerrilhas praticadas por grupos e partidos de esquerda, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Mas nos resta pensar, esta seria uma forma de homenagem aos militantes, denúncia do regime, ou uma glamourização do clima conturbado que o país estava atravessando?

Então, vemos uma estética da juventude se consolidando, influenciada pelo estilo dos hippies estadunidenses que questionavam o capitalismo e criticavam a ação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, os estudantes que protestavam na França no maio de 1968, assim como o visual dos artistas tropicalistas como Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, que com suas roupas coloridas e cabelos armados ganhavam destaque no cenário musical nacional. A estética chegou também ao cinema, como nos filmes do cineasta Glauber Rocha e Joaquim Pedro de Andrade (1932 – 1988) com o filme Macunaíma, lançado em 1969. Mas como abordou Novaes, os padrões estéticos da época, do corpo perfeito, não foram aceitos de pronto, pois, como ela diz, o corpo “rebela-se – porque fala” (Novaes, 2011, p. 478).

Da moda do corpo ao corpo da moda, o corpo natural se desnaturaliza ao entrar em cena, conforme as exigências impostas pelos modelos vigentes ou pelo poder das normas organizadoras do ethos socio-cultural. Mas esse corpo não é apenas passivo: ele transgride, cria, rebela-se – porque fala (Novaes, 2011, p. 478).

 

Assim, como percebido ao longo deste texto, os padrões de moda vêm e vão, constroem-se e são destruídos, para anos depois serem outra vez colocados à venda com uma nova roupagem. Desta forma aconteceu e acontece com os padrões de beleza, pois o belo também é mutável, o que é chamado de belo outrora pode ter sido considerado feio e grotesco. Apesar de alguns parâmetros não serem aceitos de forma imediata, há um grande aparato midiático que cria um valor simbólico para aquela nova tendência, transformando o indivíduo e/ou as massas reféns do novo, do efêmero. Como comentaram Villaça e Góes (2014):

Ainda que se faça um breve histórico da moda, ligada sobretudo ao desenvolvimento do capitalismo e ao discurso individualista, na sociedade de consumo, como assinalaram Simmel e Weibel, é preciso ressaltar que as roupas, mesmo nas sociedades arcaicas, não são simplesmente funcionais. Elas constroem habitus pessoais que articulam relações entre o corpo particular e o seu meio, o espaço que o corpo ocupa, formas de negociação que dependem de técnicas corporais e modos de autoapresentação. O sistema do vestuário faz parte da formação desse habitus, pois participa, ao lado dos treinamentos propriamente corporais, da organização de um espaço social regido por proibições e transgressões mais ou menos definidas. Os corpos são modelos por meio de tecnologias de movimento ou constrangimento e as técnicas de fashioning o corpo constituem a primeira e mais visível forma denotativa de aculturação, expondo códigos de conduta e construindo uma cara, uma identidade mais que marcando um corpo “natural” ou “real”. Nesse sentido, a moda é uma tecnologia de civilidade, constituindo uma segunda natureza do corpo (Villaça; Góes, 2014, p. 122-123).

 

Como percebemos na citação de Villaça e Góes, o corpo habita na moda e a moda habita o corpo. Não há moda sem um corpo para ocupá-la, para ostentá-la, para torná-la uma mercadoria de distinção entre as classes sociais. Um corpo vestido é um corpo das modas, mas qual delas? A moda burguesa, a antimoda, a subversiva, a contracultural? Ela não é um sistema neutro, mas sim permeado de ideologias, políticas, lutas de classes, exploração do homem – ser humano – pelo homem. A moda, assim como outras instituições dominadas pelos ideais burgueses, difunde as ideias dominantes das classes dominantes.

Assim sendo, foi se construindo um ideal de como a mulher contemporânea deveria ser pensada a partir da visão ocidental e colonial. O tom e a maciez da pele, o corte de cabelo, a cor da maquiagem, o tecido do vestido, a altura ideal, tudo isto foi sendo acoplado aos ideais daquilo que seria feminino entre os anos 1960 e 1970 e que acabaram se perpetuando nas décadas seguintes. Como bem especificou Nízia Villaça na obra A edição do corpo: tecnociência, artes e moda:

Assim, para discutir o corpo no processo social, é preciso demonstrar como ele é ao mesmo tempo material e social, ou seja, como aspectos fundamentais do processo material, sem perder em especificidade, são constituídos por relações com os outros corpos em sociedade (Villaça, 2014, p. 15).

 

É importante percebermos a construção destes novos ideais de corpos para analisarmos quais apareciam nos jornais e revistas em matérias que tratavam sobre moda. Os corpos publicados ficavam mais magros, os movimentos corporais nas fotos aumentavam, ao passo que essa possível liberdade que se estava tentando almejar vinha recheada de padrões e formas inéditos que deveriam ser seguidos.

 

Conclusão

Percebemos no texto que a moda encontra refúgio nos diversos segmentos, seja na publicidade, fotografia, nas artes plásticas, em revistas, como também no nosso próprio corpo. Servindo como revestimento para a nossa carne, esta comunica, explicita, conversa sobre o nosso Eu, sobre quem somos e quem podemos ser.

A moda é contexto e texto escrito em fios, costuras e tintas. Através dela conseguimos estudar o zeitgeist de uma época, entender a atividade humana no período, assim como os conflitos socioculturais que permeiam a história. Analisamos aqui como esta é atrelada ao corpo humano, em um movimento dialético de uso e desuso de um pelo outro.

Vimos as convergências na relação dialética entre corpo, moda e arte, e como elas se deram ao longo do século XX. O corpo sendo usado como acessório estético, como catalizador político, sendo recortado e mutilado em nome da beleza, tudo isto nos mostra a importância de se estudar a história da moda e suas incursões ao longo do século anterior. Esta também serve como suporte de análise histórica para compreendermos os mais diversos acontecimentos que a atravessam e que a divide.

A moda é arte, corpo, política, e também história.

 

 

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VILLAÇA, Nízia; GÓES, Fred. Em nome do corpo. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2014.

Recebido em 01/10/2023.

Aceito em 15/11/2023.



[1] Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre em História Global pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Brasil. E-mail: rodrigomedeiros@ufba.br | http://orcid.org/0000-0003-2067-9228

[2] Sobre o valor de uso, o doutor em Filosofia Gutemberg Miranda diz que: “O valor-de-uso é uma categoria que expressa a relação dos homens com as coisas, contudo expressa também a relação do homem com o valor. Para que haja valor, é necessário que haja valor-de-uso em oposição ao valor-de-troca. Porém, existem valores-de-uso que não são valor, ou seja, que não fazem parte de uma relação valor e, por isso, não podem ser considerados mercadorias: “Uma coisa pode ser valor-de-uso sem ser valor.” (Marx, 2008, p. 62). A distinção que Marx faz entre valor-de-uso e valor ou entre valor-de-uso e mercadoria serve para demonstrar a existência da relação valor. Um valor-de-uso que não é valor representa um valor-de-uso fora da relação valor ou que não possui valor-de-troca e, por isso, não pode ser considerado uma mercadoria. [...] Valores-de-uso produzidos socialmente satisfazem necessidades humanas e sociais, ou seja, satisfazem necessidades para si e para outrem. A sociedade possui necessidade de valores-de-uso, mas enquanto valor-de-uso social. Nesse sentido, a necessidade humana e individual é suprassumida no valor-de-uso social, que passa a instituir necessidades sociais de valores-de-uso igualmente sociais. Ao tornar-se um valor-de-uso social, o valor-de-uso satisfaz necessidades sociais e não apenas individuais. As necessidades individuais passam a depender do valor-de-uso não apenas como um objeto natural exterior, mas como um valor-de-uso socialmente produzido como valor. O valor-de-uso se transforma em valor sem deixar de ser valor-de-uso, ou seja, o valor é uma expressão social do valor-de-uso. A proximidade do trabalho com o valor-de-uso é desvelada por meio da relação de valor, e o valor-de-uso social expressa o caráter social do trabalho como força de trabalho. Assim como a mercadoria é o exemplar médio da espécie, a força média de trabalho é o que permite a existência do valor-de-uso enquanto valor-de-uso social. O trabalho é tão social quanto o valor-de-uso, e essa identidade entre trabalho e valor-de-uso se desvela através do valor-de-uso social” (Miranda, 2021, p. 2-3).

[3] Para entender melhor sobre a “fantasmagoria” utilizada por Walter Benjamin, coloco o trecho de um texto do professor da UNICAMP Fabio Mascaro Querido: “Nas “notas e materiais” dedicados à compilação de passagens ou à reflexão sobre Marx (2006, p. 693-711), Benjamin sustenta que a cultura da “sociedade produtora de mercadoria”, isto é, a “imagem que ela produz de si mesma” (...), corresponde ao conceito de fantasmagoria”, já que, entre outras coisas, esta imagem oculta a lembrança da forma como as mercadorias surgiram, ou seja, de como (e por quem) elas foram produzidas (idem, ibidem, p. 711). É neste sentido que as mercadorias, enquanto objeto de consumo, transformam-se em “objetos mágicos” que, mais do que apenas revelar uma reificação do produtor em relação ao objeto produzido, eleva-se como representação fetichizada da própria cultura hegemônica em suas variadas formas de expressão concreta” (Querido, 2013, p. 224-225).