O mundo dos trabalhadores/as das minas de carvão no Sul do país nas fotografias (1945-1964)

The world of coal mine workers in the south of the country in photographs (1945-1964)

                                                                                               Bruno Mandelli[1]

 

 


Resumo

Este artigo se dedica a uma análise histórica das fotografias que retratam os trabalhadores e trabalhadoras das minas de carvão no Sul do Brasil, especialmente nas regiões de São Jerônimo, no Rio Grande do Sul, e Criciúma, em Santa Catarina, entre os anos de 1945 a 1964. Analisando uma série de fotografias que abrangem desde greves até o dia a dia nas minas de carvão, o estudo destaca detalhes contidos nas imagens e suas implicações históricas, oferecendo percepções valiosas para compreender aspectos sociais, políticos e econômicos desses trabalhadores. O artigo também examina a ausência de mulheres nas fotografias das manifestações políticas, apesar de participarem ativamente das lutas políticas daquele período. Por meio de uma análise crítica das imagens, a pesquisa visa enriquecer a compreensão do ambiente de trabalho nas minas de carvão do Sul do Brasil, destacando a importância das fontes visuais para a pesquisa histórica.

Palavras-chave: Trabalhadores das minas de carvão; Fotografias; Fontes históricas.

Abstract

This article is dedicated to a historical analysis of photographs depicting coal miners in Southern Brazil, especially in the regions of São Jerônimo, Rio Grande do Sul, and Criciúma, Santa Catarina, between the years 1945 and 1964. By examining a series of photographs ranging from strikes to the daily life in coal mines, the study highlights details within the images and their historical implications, offering valuable insights to comprehend the social, political, and economic aspects of these workers. The article also explores the absence of women in photographs of political demonstrations, despite their active participation in political struggles during that period. Through a critical analysis of the images, the research aims to enhance the understanding of the work environment in the coal mines of Southern Brazil, emphasizing the significance of visual sources in historical research.

Keywords: Coal mine workers; Photographs; Historical sources.


 

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo realizar uma análise histórica das fotografias que retratam os trabalhadores e trabalhadoras das minas de carvão no Sul do país entre o fim do Estado Novo e o golpe que deu início à ditadura civil-militar[2]. Através das imagens, procura-se analisar o cotidiano de trabalho e de reivindicações políticas das comunidades mineiras no sul do Brasil, em especial na zona carbonífera de São Jerônimo (que abrigava as vilas de Arroio dos Ratos e Butiá, Minas do Leão e Charqueadas) no Rio Grande do Sul, e de Criciúma, em Santa Catarina, entre os anos de 1945 a 1964. Tais comunidades mineiras reuniam entre 7 a 10 mil trabalhadores[3], na década de 1950, tornando-se algumas das áreas de maior concentração operária no Brasil naquele período.

As fotografias selecionadas fornecem referentes valiosos sobre a realidade desses trabalhadores, permitindo uma compreensão mais profunda dos aspectos sociais, políticos e econômicos relacionados ao seu contexto laboral. Neste artigo, examinaremos uma série de fotografias que retratam greves, manifestações sindicais e o cotidiano dos mineiros e mineiras de carvão, explorando os detalhes contidos nas imagens e suas implicações históricas.

Além disso, analisaremos a ausência de mulheres nessas fotografias, apesar de sua presença como “escolhedeiras” de carvão (no caso de Criciúma), bem como a importância política desses trabalhadores em um período marcado por mudanças no país. Ao examinar criticamente as imagens, teve-se em vista enriquecer a compreensão do mundo do trabalho nas minas de carvão do Sul do Brasil e destacar a relevância dessas fontes visuais para a pesquisa histórica.

Os acervos pesquisados incluem o Museu Estadual do Carvão, localizado no município de Arroio dos Ratos (RS); o Centro de Memória e Documentação (Cedoc) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc); os arquivos do Sindicato dos Mineiros de Criciúma, pesquisados entre 2019 e 2021, que devido à demolição de sua sede, foram transferidos e se encontram sob a guarda do Cedoc atualmente.

Nossa abordagem, dentre outros referenciais, fundamenta-se na obra de Didi-Huberman, um destacado teórico contemporâneo da história da arte. Em específico, suas obras “A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg” (2013), “Remontar, remontagem (do tempo)” (2016) e “Quando as imagens tomam posição” (2017) servem como pilares teóricos para a nossa análise das fotografias que constituem o cerne desta pesquisa.

A obra de Didi-Huberman revela uma intertextualidade instigante com Aby Warburg e Walter Benjamin, sugerindo uma compreensão compartilhada entre esses teóricos sobre a história como um espaço de sobrevivências. O conceito central de montagem, explorado por Didi-Huberman, fornece respostas essenciais para a construção da historicidade, escapando das teleologias e tornando manifestas as sobrevivências, anacronismos e os encontros de temporalidades contraditórias. Cada imagem, carregada de uma carga energética potencial, desafia o modelo linear e contínuo da história, introduzindo a ideia de “saltos” históricos e constelações em vez de um encadeamento causal de eventos.

Assim, direcionamos nossa atenção para as fontes utilizadas, a fim de investigar aspectos relacionados à atuação política e social dos trabalhadores e trabalhadoras, visando reconstruir uma parte significativa de suas histórias. Tal como nos advertiu Walter Benjamin: “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela lampeja no momento de um perigo” (Benjamin, 1987, p. 223).

Essa pesquisa se pautou pela crítica às fontes segundo o escrutínio da História e do aporte metodológico necessário. Sobre as fotografias, entendo que elas retratam um momento do passado, mas que não podem ser consideradas verdade ou prova, mas como marca ou “índice”, isto é, como “um tipo de signo que se define como vestígio do objeto que lá esteve — o referente” (Lima; Carvalho, 2013, p. 42). Isto implica em olhar para a fotografia, tal como comentou Ciavatta, como “recriação da realidade, como simulacro que é e não é, ao mesmo tempo” (2002, p. 16).

A imagem fotográfica recria uma realidade que não existe mais, aquilo que passou, servindo simultaneamente como um ponto de junção e de partida, “sintetizando o sentimento de pertencimento à família, a um grupo, a um determinado passado” (Ciavatta, 2002, p. 32). É preciso estar atento, contudo, ao que está por detrás da fotografia e que não pode ser visto, isto é, a forma de representação da realidade captada pelas lentes do fotógrafo. A forma como ele capta a realidade pode nos dizer sobre sua visão de mundo (entre outras possíveis), como interpretação (representação) daquilo que a sociedade é (presente), ou daquilo que ela poderia ser (futuro) (Gontijo, 1998, p. 12). É nesse sentido que a utilizamos em nosso trabalho, problematizando-a como uma importante fonte que pode iluminar aspectos negligenciados em outras fontes.

Assim como Huberman, Benjamin, Ciavatta e Carvalho, nossa pesquisa, guiada pela crítica das fontes, reconhece as fotografias como recriações da realidade, não como verdade ou prova, mas sim simulacros que refletem a visão de mundo do fotógrafo. Ao iluminar aspectos negligenciados por outras fontes, visamos enriquecer a compreensão do mundo do trabalho nas minas de carvão do Sul do Brasil, destacando a relevância dessas fontes visuais na pesquisa histórica.

Sobre as comunidades mineiras no sul do Brasil, já foram produzidos importantes trabalhos por sociólogas, antropólogas e historiadores[4]. Um estudo clássico dos anos 1980 foi da socióloga Terezinha Volpato, sob o título A pirita humana: os mineiros de Criciúma, quando a autora reconstruiu aspectos relacionados ao processo de trabalho e às condições vividas no subterrâneo da mineração. Para a autora, as péssimas condições de trabalho dos mineiros se refletiam na sua forma de fazer política, sendo as greves consequências diretas das duras condições de trabalho. Porém, ao tratar sobre o movimento dos mineiros em sua luta por direitos, Volpato considerou que o período compreendido no pós-30, com o governo de Vargas, representou tanto nacionalmente quanto em nível regional, um período de institucionalização do movimento dos trabalhadores, e que, portanto:

A legislação que rege o trabalho se constitui historicamente, no Brasil, muito mais em outorga de políticos governamentais populistas e tutelares do que conquistas da classe trabalhadora. Assim, não raro ocorre, por parte dos interessados, ignorância das leis e pouca tradição de luta na garantia do que lhes foi outorgado (1984, p. 21, grifo meu).

 

Em outro livro, Vidas marcadas: trabalhadores do Carvão, a autora ressaltou essa periodização, ao afirmar que “desde a fundação do sindicato em 1945 até fins de 1957, estiveram na direção do sindicato só pelegos” (Volpato, 2001, p. 140).

Essa caracterização da atuação operária mineira no período de 1944 a 1957 como perdidamente pelega no âmbito sindical, e amplamente alienada de seus direitos na totalidade, leva-nos a imaginar de um lado uma categoria desprovida de força, incapaz de lutar por seus direitos. Essa interpretação, muito comum em análises sociológicas dos anos 1960 e 1970 privilegia o espaço de trabalho como o local político de reivindicação legítimo, deslegitimando a luta por direitos fora do sindicato e das minas de carvão.

Neste artigo se buscará ter outro olhar sobre esses trabalhadores e trabalhadoras, através das fotografias, visando compreendê-los a partir de seus locais de trabalho e moradia e como essas imagens e seus referentes foram captados pelas lentes de um terceiro elemento, o fotógrafo. Também serão comparados esses espaços de sociabilidade dos trabalhadores das minas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, de modo compreendê-los também como locais de manifestações sociais do trabalho.

Partindo também da compreensão de que “a heterogeneidade é um componente histórico da classe operária e os momentos de unidade para a ação coletiva (via sindicatos ou partidos) não são regra, tendo que ser muitas vezes conquistados a contrapelo” (Mattos, 1998, p. 32), iniciaremos comentando brevemente de onde vinham, buscando compreender a migração como uma dinâmica histórica que faz parte da experiência da classe trabalhadora. Faz-se necessário também compreender quais eram os costumes e as tradições desses sujeitos, bem como as particularidades do “ser mineiro”, um ofício peculiar, que transformava suas relações sociais, de trabalho e de moradia.

 

O que as fotografias podem captar na história dos trabalhadores?

“As palavras são testemunhas que muitas vezes falam mais alto que os documentos” (Hobsbawm, 2010, p. 19). Com essa afirmação, Hobsbawm se referia a termos determinados: indústria, fábrica, classe trabalhadora, capitalismo, proletário, ferrovia, greve e pauperismo. O historiador justificava que não era possível pensar o mundo moderno sem estas expressões, que estariam na emergência provocada pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa, como um “levante gêmeo que se deu naqueles dois países e que dali se propagou por todo o mundo” (Hobsbawm, 2010, p. 20).

Poderíamos complementar sua argumentação, afirmando que não é possível pensar o mundo moderno sem as imagens. Quando pensamos nas palavras, logo nos vêm à mente imagens que dão vida às palavras, absorvidas ao longo da nossa formação desde a infância. Logo, as imagens formam parte indissolúvel da nossa experiência com o passado e com a memória histórica que mantemos com esse mesmo passado. A imagem fotográfica, em particular, serve, ao mesmo tempo, como um ponto de junção e de partida, “sintetizando o sentimento de pertencimento à família, a um grupo, a um determinado passado” (Ciavatta, 2002, p. 32).

Na primeira imagem abaixo, foi fotografada uma greve dos operários da Carbonífera Próspera S.A., Criciúma, em agosto de 1945. Não há registros em jornais ou outras fontes desse movimento, pois os primeiros periódicos da cidade foram fundados na década de 1950, sendo estas fotografias os únicos registros históricos existentes da greve. Na primeira foto, aparecem os operários reunidos, em frente à sede do sindicato, comemorando algo, possivelmente algum resultado favorável. Na segunda imagem, é muito expressiva a quantidade de operários reunidos em cima de um morro, de modo que é possível ver ao fundo seus braços levantados. À frente, sentados no chão, alguns seguram seus lampiões, instrumentos de trabalho, dando indícios de que estavam na mina de carvão da Próspera quando entraram em greve.

 

Figura 1: Greve dos mineiros da Carbonífera Próspera, Criciúma (SC), agosto de 1945. Bairro São Cristóvão

https://lh7-us.googleusercontent.com/BYpvJT7vgv3LPgOSLC3KgbJXO9R50TjSzHiEpHUgywR6C1Yh49taniSHTqILJWo73b_lJotVrQUGDq0t2hnJ4NhUfJuEJGO1aBr8sq7Ce2PQfJ5ch9beib3-PwcVBhYyZv3Y21mwb9l-fANhxvwdqA

Fonte: Acervo de imagens do Cedoc/Unesc.

 

Figura 2: Greve dos mineiros da Carbonífera Próspera, Criciúma (SC), agosto de 1945. Bairro São Cristóvão

Fonte: Acervo de imagens do Cedoc/Unesc.

O que fica marcante em ambas as fotos, entretanto, além da expressiva quantidade de operários reunidos, é que não se nota a presença de mulheres, somente operários homens. Esse pode ser um indicativo de que o espaço político de reivindicação era majoritariamente masculino, embora a presença das mulheres como “escolhedeiras”[5] de carvão fosse utilizada em larga escala em todas as empresas de Criciúma naquela época.

 

Figura 3: Sede do Sindicato dos Mineiros de São Jerônimo, década de 1940

Fonte: Acervo do Museu Estadual do Carvão do RS.

 

A terceira fotografia foi tirada em frente à sede do Sindicato dos Mineiros de São Jeronimo (RS), na década de 1940. Embora não tenha a presença de operários, como nas fotos de Criciúma, ela dá destaque ao sindicato, dando destaque à centralidade nas relações de trabalho do período e, possivelmente às bem cuidadas instalações da entidade. Além disso, o automóvel estacionado remete à tecnologia e ao progresso, podendo ser lido como um indicativo da riqueza econômica da pequena vila mineira de Butiá.

 Além de serem fontes riquíssimas para uma análise histórica sobre os homens e mulheres do carvão, as fotografias servem para uma reflexão mais ampla para a história do mundo do trabalho, pois elas captam um momento histórico particularmente importante para os trabalhadores de todo país: foram tiradas poucos meses antes da queda do governo de Getúlio Vargas, que ocorreu em outubro de 1945. Após oito anos da ditadura do Estado Novo (1937-1945), em que greves foram proibidas e seus fomentadores presos[6], o ano de 1945 marcava então o retorno da democracia, o que “implicava invenção de direitos, que por sua vez implicava exigência de seu cumprimento, que dependia da organização e participação dos trabalhadores” (Negro; Silva, 2013, p. 52).

As fotografias acima, portanto, captam um momento histórico de mudanças no país, quando os trabalhadores voltavam a se organizar com mais liberdade após um longo período de repressão. Nesse contexto, os trabalhadores e as trabalhadoras do carvão no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina formavam uma categoria de grande relevância social, econômica e política, pois os governos[7] dependiam da produção de carvão mineral para dar continuidade ao projeto de desenvolvimento industrial no período. Nesse período, o carvão era a pedra fundamental da política econômica do projeto de expansão industrial através da política econômica de substituição de importações, que teve nos anos seguintes, um crescimento extraordinário (Basserman; Villela, 2011, p. 22). Na fotografia abaixo, da Vila de Arroio dos Ratos no Rio Grande do Sul, podemos ver mineiros e ajudantes transportando vagões carregados de carvão:

 

Figura 4: Mineiros no subsolo da mina de Arroio dos Ratos, município de São Jerônimo, Rio Grande do Sul

Fonte: Acervo do Museu Estadual do Carvão. Coleção fotográfica, álbum Edu Machado, década de 1930.

Na fotografia nº 4, tirada em Arroio dos Ratos, nota-se a presença de quatro trabalhadores, que fizeram uma pausa em seu trabalho para o registro fotográfico. Eles estão com vestimentas típicas dos mineiros, bermudas, camisetas, regatas ou sem camisa, devido ao excessivo calor que fazia nas frentes de serviço (podendo chegar à 50ºC), com boinas ou tocas, que utilizavam para se “protegerem” da queda de pequenas pedras, e calçados com alpargatas. Os operários se posicionam de duas formas diferentes: os dois de trás estão na posição de empurrar os vagões (que eram pesadíssimos, podendo chegar a 1 tonelada cada); os outros estão segurando ferramentas, o que nos dá a impressão de que carregariam os vagões de carvão com suas pás.

Pelas características singulares da indústria extrativista do carvão, demandava-se um grande contingente de força de trabalho, tendo levado uma população que vivia no interior do Rio Grande do Sul, no litoral, ou em cidades próximas à região carbonífera. Quando faltavam operários, segundo o pároco Sulzbach, a “Cia. Mineradora enviava pessoas credenciadas pelos diversos estados do Brasil, com a incumbência de arrebanhar operários para esta mina” (1985, p. 17). Essas características plurais marcaram a formação da comunidade mineira da região do baixo Jacuí – Arroio dos Ratos, Butiá, Charqueadas e Minas do Leão – então vilas pertencentes à época ao município de São Jerônimo.

É essencial constatar que boa parte desses trabalhadores eram afrodescendentes, que nas fichas para obtenção das carteiras profissionais das décadas de 1930 e 1940 recebiam diferentes classificações de cor para denotar sua condição de não-brancos, tais como “pretos”, “pardos”, “morenos” ou “escuros” (Speranza, 2017, p. 110). Ao refletir sobre os trabalhadores que fizeram suas carteiras no Rio Grande do Sul (não apenas os mineiros de carvão) entre 1933 e 1945, Speranza comenta como essa classificação dos trabalhadores negros parecia “aleatória, mesclando a terminologia oficial com a terminologia popular” (2017, p. 121).

As semelhanças na origem dos trabalhadores do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina são notórias, pois neste segundo Estado, a maioria dos operários recrutados para o trabalho era proveniente das regiões próximas, pescadores e colonos do litoral catarinense e de áreas agrícolas, além dos imigrantes italianos, poloneses, espanhóis e alemães[8].

Segundo Goulart e Livramento, que pesquisaram as folhas de pagamento da Companhia Carbonífera Urussanga entre 1918 e 1929, a formação étnica dos 953 trabalhadores da empresa era diversa: 39,6% eram “luso-brasileiros”[9], 27,3% italianos, 8,3% alemães, 2,7% poloneses, 1% espanhóis (Goulart Filho; Livramento, 2004, p. 42).

Em comparação, no Rio Grande do Sul, a quantidade de trabalhadores nacionais na década de 1930 é muito maior que a de estrangeiros: segundo levantamento feito pela direção da Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo para a então recém-criada Inspetoria Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, havia um “total de 1.834 trabalhadores nacionais e 307 estrangeiros nas minas de Arroio dos Ratos (em torno de 14% dos operários), sendo desses 125 espanhóis, 55 poloneses, 20 portugueses, 20 lituanos, 18 alemães, 13 uruguaios, 12 russos, 9 italianos [...] e outras nacionalidades” (Museu do Carvão do Estado do Rio Grande do Sul, Cartas, 1934, Caixa 03). Desse modo, através dos dados obtidos com a pesquisa nas fontes, pode-se afirmar que havia um intenso contato interétnico nas relações de trabalho nas minas de carvão no Sul do Brasil entre brasileiros e estrangeiros.

É importante salientar que entre as populações que viviam ao longo da costa litorânea da região sul catarinense, da pesca, também havia em grande número de afrodescendentes que migraram para trabalhar na mineração, o que foi constatado pela abundância de processos de acidentes de trabalho (de pesquisa anterior) em que aparecem trabalhadores negros nos autos (Mandelli, 2020, p. 62).

 

Figura 5: Visita das Freiras da Congregação das Irmãs da Divina Providência ao interior de uma mina em Criciúma, década de 1950

Fonte: Acervo do Cedoc/Unesc.

Na fotografia 5, pode-se ver a visita de freiras no interior de uma mina de carvão de Criciúma na década de 1950, acompanhando o trabalho dos mineiros. À direita, quatro homens empurram a vagoneta de carvão. No canto esquerdo, um mineiro sorri para a foto, carregando seu lampião de carbureto, talvez tentando aparentar uma imagem de que o trabalho do subsolo era realizado com animação ou achando cômica a situação das freiras estarem naquele espaço, onde era proibida a presença de mulheres. Nota-se dos quatro trabalhadores que empurram a vagoneta de carvão, os que estão nas pontas são brancos, e os que estão no meio, negros.

Em relação às funções desempenhadas na mina, tanto em Criciúma como em São Jerônimo eram quase as mesmas, com mudanças em relação aos nomes empregados em cada região. Por exemplo, os “tocadores de carros” de São Jerônimo eram chamados de “vagoneteiros” em Criciúma. Eram trabalhadores responsáveis por transportar os carros até a superfície nas minas manuais. O “escorador” de Santa Catarina ou “madeireiro” no Rio Grande do Sul era o mineiro responsável pelo escoramento do teto, feito àquela época, com toras de eucalipto, sendo uma função de grande risco, pois “o mineiro furador de teto está exercendo seu trabalho sob um teto não escorado” (Volpato, 2001, p. 43), o que poderia causar desprendimento de pedras e o esmagamento do trabalhador, muitas vezes fatal.

Os “dinamiteiros”, “queimadores” ou “cartucheiros” eram os operários responsáveis pelo preparo dos explosivos a serem inseridos nos furos das frentes, pela colocação dos estopins de vários comprimentos e pela detonação. Todas essas funções eram realizadas tanto nas minas de Criciúma quanto nas de São Jerônimo, como pudemos constatar pela bibliografia pesquisada. Abaixo a foto de um “furador” realizando seu trabalho com o martelo de ar comprimido em uma galeria:

 

Figura 6: Mineiro perfurando a frente de serviço com martelo de ar comprimido em uma mina de carvão em Criciúma, década de 1970

Fonte: Acervo Faustino Zapeline.

Esse trabalho produzia vibrações no corpo dos trabalhadores, o que poderia provocar diversas alterações no organismo humano (Volpato, 2001, p. 46), além da pneumoconiose[10], a doença dos pulmões, causada pela inalação de poeira de sílica. No sul do Brasil, nas décadas de 1950 e 1960, apesar do advento da legislação trabalhista (que impactou o setor na década de 1940, trazendo, por exemplo, a diminuição do horário de trabalho no subsolo de 8 para 6 horas e a implantação do descanso semanal remunerado), o regime de trabalho nas minas continuava de intensa exploração. O mineiro Jorge Feliciano, que trabalhou na C.B.C.A em Criciúma como ajudante de mineiro e depois como mineiro, relembrou em entrevista nos anos 1990 como era a descida até o subterrâneo: “Lotada com doze mineiros, a gaiola cai vertiginosamente em direção ao fundo do poço […] Lá embaixo, os grupos espalhavam-se pelas galerias, como num formigueiro. Trabalhavam quase sem ventilação” (Coimbra, 1996, p. 20-21).

Abaixo, uma fotografia que mostra a chegada dos mineiros na gaiola, após o trabalho:

 

Figura 7: Mineiros chegando de uma galeria de carvão após sua jornada de trabalho, Criciúma, década de 1960

Fonte: Arquivo Municipal de Criciúma Pedro Milanez.

A fotografia capta o instante em que dois mineiros de Santa Catarina acabaram de regressar do interior de uma galeria, através da “gaiola”, nome dado aos elevadores que transportavam os trabalhadores até o subsolo. Nota-se que a gaiola na fotografia não possuía rede de proteção, o que tornava a descida até a galeria muito perigosa.

É importante salientar, contudo, que todas essas dimensões do “ser mineiro”, que são múltiplas e se articulam não são identidades “naturais” do trabalhador, como que “herdadas biologicamente”; são características culturais, construídas historicamente nas relações de trabalho e fora delas: nas comunidades, no sindicato, nas bodegas, na imprensa, nas festas, no futebol, etc. Os espaços de socialização dos mineiros também são marcados por essa identidade social do grupo, quando se reúnem após o trabalho, para conversarem sobre os problemas do cotidiano laboral ou outros assuntos, quase sempre acompanhados de alguma bebida alcoólica. São momentos de reforço da noção de masculinidade, como pode-se observar na fotografia abaixo:

 

Figura 8: Mineiros reunidos antes do trabalho, Criciúma, década de 1950

Fonte: Acervo do Cedoc/Unesc.

Na fotografia acima, notam-se mineiros reunidos em torno de uma mesa antes do trabalho, conversando sobre algo do seu cotidiano. Alguns vestidos com camisa, outros sem, mas todos com chapéus ou boinas, vestimenta característica desses trabalhadores para os proteger do frio ou calor excessivo e da queda de pequenas pedras no subterrâneo. Além disso, nota-se a presença de dois utensílios muito utilizados pelos operários: a luminária de carbureto, que levavam de baixo da mina para iluminar seu local de trabalho; e uma garrafa de alguma bebida alcoólica, largamente usada para minimizar o extenuante trabalho do subsolo. Muitas vezes, também, eram nas rodas de conversa e em bodegas que se organizavam alguma ação política ou greves, momentos que se debatiam os problemas do trabalho e as reivindicações salariais. Pelo menos foi isso que o Coronel Newton Machado Vieira escreveu no seu Inquérito quando do golpe militar de 1964:

Tanto é verdade isto, que foi apurado neste Inquérito, que a maioria daqueles incautos que assinaram listas dos chamados “grupos dos onze” o fez em bodegas, ou então na Rádio Difusora, ou no Sindicato dos Mineiros, principais locais de agitação em Criciúma (Vieira, 1964 apud Coimbra, 1996, p. 47).

 

Os bares, ou botequins, eram locais de sociabilidade mais significativos no cotidiano dos trabalhadores desde o começo do século XX, como destacou Queirós sobre a importância desses espaços no contexto da Primeira República: “É neste ambiente que estes trabalhadores jogam conversa fora, trocam suas experiências, comentam sobre o dia exaustivo, conversam sobre futebol e, até mesmo, planejam estratégias associativas” (Queirós, 2016, p. 110).

Nesse mesmo sentido, a obra Trabalho, Lar e Botequim, de Sidney Chalhoub, faz uma meticulosa análise desses locais na vida da classe operária carioca do início da República, como destacados locais de encontro e estratégia. Chalhoub observa que esses espaços não eram apenas para consumo, mas sim pontos de socialização e planejamento de ações coletivas. Nos botequins, os trabalhadores trocavam experiências, discutiam questões de interesse comum e organizavam estratégias de luta, tornando-os centros vitais para a construção de solidariedade e resistência. Estes locais não só promoviam a união dos trabalhadores, mas também eram fundamentais para a articulação das aspirações e ações da classe operária naquele período (Chalhoub, 2008, p. 97). Após um dia de trabalho exaustivo, o boteco poderia ser um lugar de descontração onde os mineiros podiam esquecer um pouco dos riscos do trabalho que os acompanhava diuturnamente.

Ao examinarmos as fotografias que perpetuam efêmeros instantes da vida dos mineiros, torna-se imperativo entrelaçar as tramas teóricas de Didi-Huberman, cujas obras se apresentam como elementos-chave para a compreensão da complexa relação entre imagem e tempo. A obra “A imagem sobrevivente: a história da arte e os fantasmas segundo Aby Warburg” (2013) mostra como Huberman explora a história da arte de uma forma muito profunda e complexa. No âmbito específico da fotografia que eterniza mineiros congregados antes das labutas, dialogando sobre os pormenores do cotidiano, a aplicação meticulosa dos conceitos delineados por Huberman em “Diante do tempo: história da arte e anacronismo das imagens” (2015) proporciona uma segunda camada interpretativa. As considerações do autor acerca do anacronismo e da intrínseca interconexão entre passado e presente convergem para aprofundar a compreensão das representações visuais desses momentos de sociabilidade.

A análise desses locais de convívio, notadamente os botequins frequentados pelos mineiros, encontra ressonância direta nas ideias de Huberman apresentadas em “Remontar, remontagem (do tempo)” (2016), possibilitando uma exploração mais refinada da natureza da remontagem temporal nas imagens e desvelando as intrincadas camadas de significado presentes nessas fotografias.

Ao compreender as contribuições de Didi-Huberman, a análise das imagens ultrapassa a superficialidade e se torna uma análise mais aprofundada das temporalidades entrelaçadas nas representações visuais. Huberman, ao explorar minuciosamente a natureza da remontagem temporal nas imagens, proporciona uma perspectiva que se revela essencial à análise das fotografias que documentam os encontros e estratégias nos botequins, acrescentando uma dimensão mais rica e matizada aos momentos de sociabilidade dos mineiros. Suas considerações enriquecem a compreensão das imagens, revelando as múltiplas camadas de significado e aprofundando a compreensão das complexas conexões temporais presentes nesse conjunto visual.

Essa característica da cultura operária pode ser observada pelo que foi escrito em abril de 1964 no Inquérito Militar a respeito, mesmo sendo um documento da repressão, deu destaque para esse espaço:

Nenhum deles, ou muito raramente, foi procurado em sua própria residência para assinar, mas o fez naqueles locais, em especial nos botequins onde se achavam bebendo para esquecer as tremendas dificuldades que tinham de enfrentar em suas vidas (Vieira, 1964 apud Coimbra, 1996, p. 47).

 

O mesmo hábito pode ser encontrado na região carbonífera do Rio Grande do Sul. Segundo pesquisas de Freitas, a prática de jogos de cartas e o consumo de bebidas alcoólicas eram práticas corriqueiras entre os operários, além de serem censuradas pelo serviço de assistência social do CADEM (Freitas, 2021, p. 106). Os botecos, portanto, eram locais de lazer e de política, frequentado majoritariamente por homens. E o que as fotografias podem nos fazer questionar sobre o papel das mulheres nessa sociedade marcada pela desigualdade de gênero?

 

As mulheres nas fotografias em preto e branco

Nas comunidades mineiras do Sul do Brasil a força de trabalho feminino sempre foi essencial para a expansão da atividade carbonífera. Seja diretamente na produção (escolha), ou indiretamente pelo papel de trabalhadoras domésticas, enfermeiras, professoras, possibilitando ao homem o trabalho nas minas de carvão em tempo integral.

Havia, contudo, uma diferença substancial entre os espaços do Rio Grande do Sul e Santa Catarina: enquanto no último estado o trabalho na mina se configurava como uma atividade com forte participação feminina (com a atuação das “escolhedeiras”, responsáveis pela seleção manual do carvão), no estado vizinho, a mineração era uma atividade exclusiva do mundo masculino. Segundo Speranza, embora não houvesse trabalho feminino na extração das minas de carvão do Rio Grande do Sul, a própria estrutura vila-fábrica (company town) das comunidades tornava as mulheres parte da comunidade laboral: “A elas era reservado o trabalho doméstico e algumas funções públicas, como professoras ou enfermeiras, porém de número muito limitado” (Speranza, 2020, p. 118).

Em Santa Catarina, as mulheres trabalhavam na parte terrestre das minas de carvão, em jornadas de 8 horas diárias, com turnos das 7 horas às 17 horas, com o intervalo para o almoço às 11 horas, responsáveis pela importante atividade da escolha do carvão, isto é, a separação manual das pedras que eram levadas à superfície, com o uso de picaretas.

Dona Zilda, 90 anos, nascida em Criciúma, na Vila Operária Próspera, segunda filha mais velha de oito irmãos (sendo dois homens e seis mulheres), foi escolhedeira de carvão desde os 12 anos, por volta de 1942, até se casar com 17 anos. A família de Zilda, seus pais, vieram do Rio Grande do Sul, segundo relatou em entrevista realizada em 2018, “porque na época não tinha trabalho na mina de carvão lá, então meu pai veio trabalhar aqui” (Silva, 2018).

Nas suas lembranças de juventude, relembrou que começara a trabalhar porque a “família era grande, então eu era a segunda, eu e a mais velha tinha que trabalhar na mina para ajudar em casa, porque só o meu pai que trabalhava debaixo da mina.” (Silva, 2018). Lembra que “trabalhou na Mina do Mato, depois trabalhou ali pro lado da colônia, de propriedade de uns italianos, seu Luís Pirolla, tinha uma que tinha o nome de ‘vai ou racha’ (risos)” (Silva, 2018).

Do trabalho de escolhedeira lembra que “nossa mão era calo puro, nos pés usava aqueles tamancos feitos com sola de madeira [...] a gente ia de manhã cedo, de madrugada, quebrando geada” (Silva, 2018). Sobre o trabalho infantil, relembra que:

[...] às vezes tinha criança de 10 anos, 12 anos, que trabalhavam na mina [...] porque a gente carregava era um caixote, depois quando não podiam, porque eram crianças, carregavam padiola, em duas, aquela padiola com duas alcinhas (Silva, 2018).

 

Sobre o processo de trabalho, Dona Zilda lembra que:

[...] o carvão vinha debaixo da mina, aí antes de botar na mesa para as escolhedeiras escolherem, eles passavam numa peneira, botavam na mesa pra gente escolher, aí escolhia tudo, depois enchia o caixote e subia a caixa, mais ou menos 10 metros, na caixa de embarque (Silva, 2018).

 

Dona Zilda recorda ainda dos acidentes que machucavam constantemente as mãos, e de forma ambígua, une dor e prazer no mesmo relato:

Machucava muito a mão, ah! A mão da gente era cheia de calo, mão grossa, não tinha luva era só a mão mesmo. A gente tinha prática já, mas que machucava muito machucava. Ah trabalheira! Mas era o único serviço que tinha, aí gostava. Trabalhei bastantes anos, e naquele tempo não tinha carteira assinada não tinha nada, era só mesmo a produção [...], mas a gente gostava, trabalhava cantando o dia inteiro, a gente gostava porque era o único serviço que tinha né (Silva, 2018).

 

Após a etapa de escolha, elas carregavam as “padiolas” (pequenas caixas) que pesavam cerca de 30 quilos cada, para serem despejadas nas caixas de embarque de carvão: 

A gente pegava a picareta para quebrar a pedra que vinha no meio do carvão, pra botar só o carvão puro até encher os caixotes. Depois da gente escolher, tinha que passar pela fiscal, e depois da fiscal escolhia de novo, subia de novo a caixa, e despejava lá, era trabalhado! (Silva, 2018).

 

Sobre o salário, lembra que “era pago por caixote, quem era bem ligeira fazia mais, quando era mais ‘coitada’ fazia mais pouquinho né? Era [pago] por produção” (Silva, 2018).  Abaixo uma fotografia das escolhedeiras com suas padiolas:

 

Figura 9: Mulheres “escolhedeiras” em uma mina de carvão de Criciúma na década de 1940. Foto sem local exato

Fonte: Acervo do Cedoc/Unesc.

Ao considerar o papel das mulheres nas comunidades mineiras, as fotografias em preto e branco proporcionam perspectivas distintas sobre sua contribuição e status nessa sociedade. Nesse ponto, a perspectiva teórica de Didi-Huberman, conforme delineada em “Quando as imagens tomam posição” (2017), emerge como uma ferramenta relevante para questionar as representações visuais e explorar as nuances das dinâmicas de gênero refletidas nas imagens.

Entre as décadas de 1940 e 1960, a mão de obra feminina desempenhou um papel fundamental na consolidação e expansão da indústria carbonífera catarinense. No entanto, é crucial destacar que essa participação significativa não se traduzia em igualdade salarial, pois os salários das mulheres eram aproximadamente um quarto dos pagos aos homens. Essa disparidade salarial, além de refletir desigualdades de gênero, também se configurava como uma estratégia econômica para as empresas mineradoras, maximizando seus lucros por meio da utilização de mão de obra feminina mais barata.

Segundo Boa Nova Jr., médico do Departamento Nacional de Produção Mineral, “[...] o principal motivo [...] do emprego de mulheres nos serviços de escolha do carvão na região sul-catarinense, ao invés de homens, principalmente menores de 16 a 21 anos, é a questão de salários, pois aquelas se sujeitam a salários inferiores ao do homem” (1953, p. 55-56).  Na década de 1940, o salário médio das mulheres na região carbonífera de Santa Catarina era muito inferior ao da função de mineiro, exercido por homens, como pode ser visto no gráfico abaixo:

 

Gráfico 1: Salários dos trabalhadores/as da região carbonífera de Criciúma expresso em Cruzeiros (1943-1950)

https://lh7-us.googleusercontent.com/fDRA69oFEF7OaXF36_dtsjkMMPNZh8BRZnBCojv6c_y81UUPMG3HfwAikCPdSsUseO8qgEVElVZ4NdHaVjSxCWf6SVEcO1JIG4Zfv7GS54-jFC0HwYXBX30_WIST_bt35zNrGgnN2sFWiPt8coDBLA

Fonte: MANDELLI, Bruno. Das minas de carvão para a Justiça: as lutas dos mineiros acidentados de Criciúma/SC. Jundiaí: Paco Editorial, 2020, p. 96.

Como se pode observar, o salário médio de uma escolhedeira em 1943 era de Cr$ 7,5 (cruzeiros), enquanto do mineiro era de Cr$ 36,6 (cruzeiros). Pouco mudou em 1950, com uma média de Cr$ 12,00 (cruzeiros) para as mulheres e Cr$ 43,5 (cruzeiros) para homens mineiros. Todavia, em uma atividade de alta insalubridade e riscos constantes de acidentes laborais, o trabalho da mulher não era “auxiliar” economicamente ao dos homens, mas, em muitos casos, crucial para a sobrevivência e manutenção da família.

Em muitos casos, quando o homem se acidentava ou contraía pneumoconiose, era a mulher a responsável por garantir a renda familiar, além de cuidar do lar e dos filhos. Não fosse só pelas condições desgastantes do trabalho na mina, as mulheres se encarregavam do trabalho doméstico como segunda jornada, pois após chegarem em casa, ainda tinham o cuidado com os filhos e com os maridos, a administração da casa, as compras nas vendas e nos açougues, enfim, tornavam esses espaços como locais de sociabilidade feminina por excelência.

Além disso, com o trabalho na escolha, as mulheres dobravam sua jornada de trabalho para dar conta do orçamento doméstico. Esse fator gerava uma contradição nas relações sociais de gênero: se o trabalho feminino era “auxiliar” na renda doméstica, não se pode dizer o mesmo do seu papel no “espaço doméstico”, local privilegiado de domínio das mulheres no contexto analisado.

Dessa maneira, ao integrar a perspectiva de Didi-Huberman, nossa análise das fotografias não apenas lança luz sobre a presença feminina nas minas de carvão, mas também questiona as representações visuais estereotipadas, enriquecendo a compreensão das dinâmicas de gênero específicas desse contexto histórico. As imagens, permeadas pela teoria de Huberman, tornam-se não apenas documentos visuais, mas testemunhos ricos e complexos das experiências das mulheres que desafiaram as normas de gênero ao ingressar e contribuir significativamente para a indústria carbonífera.

Voltemos a nossa personagem. Com 17 anos, dona Zilda se casou, ou melhor, “nem casamos, fugimos porque meus pais não queriam, naquela época quando os pais não queriam a gente dava no pé. E vivemos 60 anos”. Ela completa:

Aí fugimos e fomos para casa de um amigo dele, aí depois meus pais mandaram nos chamar, e levaram nós de volta para lá, aí nós éramos novos, ele tinha a mesma idade que eu, aí criamos nossos filhos, tivemos 9 filhos, faleceu um e criamos 8 filhos, agora eu tenho 5, morreram 3 (tom de desabafo) (Silva, 2018).

 

Sobre o trabalho doméstico e a vida após o casamento, ela se relembra:

O trabalho era sempre o mesmo, toda vida, só que eu casei, aí eu queria trabalhar na escolha, mas aí ele não deixou, e aí só ele sustentou tudo, os 8 filhos, e eu em casa cuidando dos filhos, ainda ensinei ele a ler, que ele não sabia ler, a escrever, a ler jornal, tudo que ele não sabia, nem assinar o nome dele, que era João, aí ensinei ele a escrever o nome dele (Silva, 2018).

 

O relato de dona Zilda demonstra que não há uma mulher mineira, porém, muitas mulheres ligadas direta ou indiretamente ao mundo da mineração: as esposas, as mães, as filhas, as viúvas, irmãs, que além de participarem diretamente da produção, trazendo uma “renda extra” para casa, eram fundamentais para a manutenção do mineiro homem, que contava com o trabalho feminino na recomposição da sua força de trabalho. A administração da casa, o cuidado com os filhos, as compras nas vendas e nos açougues, até a alfabetização dos mineiros, eram todos trabalhos realizados pelas mulheres.

 

 

Figura 10: Mães e bebês no concurso de robustez infantil, 1944

Fonte: SILVA, Cristina Enes da. Nas profundezas da terra: um estudo sobre a região carbonífera do Rio Grande do Sul (1883/1945). 2007. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 280.

A fotografia acima foi tirada após o concurso de robustez infantil, que era um concurso patrocinado pelas empresas mineradoras do Rio Grande do Sul para premiar a criança mais robusta. Segundo Silva, as crianças premiadas em primeiro lugar recebiam certificados, um valor em dinheiro, e brinquedos. As posições subsequentes não recebiam dinheiro, mas um certificado de participação (Silva, 2007, p. 276).

Essa política de premiação da criança mais robusta pode ser compreendida como uma ação da empresa para que os futuros mineiros fossem bem nutridos desde pequenos, visto que seriam os sucessores de seus pais nas minas de carvão. Essa mesma prática foi realizada pelas empresas de carvão de Santa Catarina em associação com o Serviço Social da Indústria (SESI) que contratou o grupo de religiosas pertencentes a Congregação das Pequenas Irmãs da Divina Providência em 1955.

As freiras passaram então a implementar uma série de medidas relacionadas à higiene, nutrição infantil e “bons hábitos” às famílias mineiras (Alves, 2010). Uma dessas medidas foi o concurso de robustez infantil:

 

 

Figura 11: Concurso do bebê robusto, Criciúma (SC), década de 1950

Fonte: Álbum/relatório das atividades das pequenas Irmãs da Divina Providência (1955-1957) – SESI Criciúma, SC. Acervo Grupo de Pesquisa História e Memória da Educação (GRUPEHME).

A prática comum de premiar o bebê mais robusto e suas mães, demostra que a política de controle e disciplina sobre as famílias mineiras eram uma preocupação em ambas as regiões de mineração. Afinal, não fosse a mulher cumprindo seu papel esperado de “boa mãe” e “boa esposa”, a exploração completa da força de trabalho masculina não seria possível. No entanto, embora o labor feminino na esfera doméstica fosse crucial à reprodução da força de trabalho masculina, ele não era considerado socialmente como no mesmo patamar que o dos homens, pois não era remunerado, como salienta Bourdieu:

O fato de que o trabalho doméstico da mulher não tenha uma retribuição em dinheiro contribui realmente para desvalorizá-lo, inclusive a seus próprios olhos, como se este tempo, não tendo valor de mercado, fosse sem importância e pudesse ser dado sem contrapartida, e sem limites, primeiro aos membros da família, e sobretudo às crianças, mas também externamente, em tarefas de beneficência, sobretudo para a Igreja, em instituições de caridade, ou cada vez mais, em associações ou partidos (2007, p. 117).

 

Dona Zilda, após se casar, era responsável por todo o trabalho doméstico sozinha, o cuidado dos oito filhos, e ainda ensinou o marido mineiro a ler e escrever. Esses trabalhos, contudo, não eram considerados pela sociedade na mesma posição que o dos homens, que eram os responsáveis por trazer o salário para as famílias. Como analisou Kergoat sobre essa divisão sexual do trabalho, a exploração do trabalho masculino só era possível pela mobilização das mulheres para arcarem com todo o trabalho doméstico de forma “gratuita” e “que esse trabalho era invisível, que era feito não para si, mas para os outros, e sempre em nome da natureza, do amor e do dever maternal” (2009, p. 68). Desse modo, por meio de uma ampla exploração do trabalho doméstico não pago, tornava-se possível a exploração dos homens no subsolo das minas de carvão.

 

Considerações finais

A análise das fotografias que retratam os trabalhadores e trabalhadoras das minas de carvão no Sul do Brasil nos oferece uma percepção valiosa para a compreensão das dinâmicas sociais, econômicas e políticas desse período. Através dessa exploração visual, pudemos desvelar nuances essenciais da vida dos homens e mulheres que trabalharam nas minas de carvão e ao seu redor, revelando a complexidade de suas experiências e o papel fundamental que desempenharam no contexto de industrialização do país.

As imagens selecionadas não são apenas ilustrações históricas, mas fontes visuais ricas em detalhes que merecem uma análise crítica e atenta. A ausência de mulheres nas fotografias, por exemplo, apesar de sua participação como “escolhedeiras” de carvão, levanta questões cruciais sobre gênero e poder nas comunidades mineiras. Ao examinarmos essas fotografias, pudemos mergulhar nas nuances das relações de gênero e explorar a interseção complexa entre o trabalho nas minas e as identidades de gênero da época.

Sob a perspectiva crítica de Didi-Huberman, cujas obras forneceram uma lente teórica enriquecedora sobre a relação entre imagem e tempo, nossas incursões nesse registro visual adquiriram um aprofundamento teórico. Ao examinarmos a aparente ausência de mulheres nas fotografias, apesar de sua participação crucial como “escolhedeiras” de carvão, surgem questionamentos fundamentais sobre as dinâmicas de gênero e poder que permeavam as comunidades mineiras. É nesse ponto que a perspectiva crítica de Didi-Huberman, expressa sua reflexão sobre a capacidade das imagens de assumir posições e influenciar narrativas acerca da complexidade das representações visuais, especialmente quando se trata das identidades de gênero e suas desigualdades. Nota-se nas fotografias uma profunda desigualdade entre o captado pelas lentes e a realidade histórica vivenciada pelas mulheres, que trabalhavam nas minas de carvão e no espaço doméstico, realizando uma dupla jornada de trabalho.

Ao incorporarmos as contribuições de Didi-Huberman, nossa análise das fotografias não se limita à mera observação superficial, mas se torna uma exploração mais profunda das temporalidades entrelaçadas nas representações visuais. Os conceitos delineados em “A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg” (2013) de Huberman ressoam poderosamente, levando-nos a reconhecer que as imagens transcendem a simples representação visual. Elas incorporam uma complexidade temporal que se desenrola ao longo da história da arte, permitindo-nos desvendar as camadas mais profundas de significado presentes nessas capturas do passado.

Essa abordagem enriquecida pela teoria de Huberman amplifica nossa compreensão das relações de gênero, das estratégias de resistência dos trabalhadores e da importância política desses momentos documentados. As imagens não apenas registram eventos como greves e manifestações sindicais, mas também evidenciam a centralidade do sindicato, destacando a luta contínua por melhores condições de trabalho e direitos dos trabalhadores. É notável como as imagens capturam um momento crucial de transição política no Brasil, marcando a ascensão da democracia após anos de autoritarismo do Estado Novo. Além das operações diárias nas minas, as fotografias retratam o ambiente de trabalho em suas diversas facetas, evidenciando as interações sociais, a solidariedade entre os trabalhadores e suas pausas para conversas nos botequins. Esses instantâneos revelam aspectos importantes da resistência desses sujeitos e sua participação ativa em espaços de reivindicação coletiva, mesmo em meio às adversidades.

Desse modo, esta análise fotográfica revelou-se um instrumento valioso para iluminar aspectos históricos, muitas vezes negligenciados em outras fontes, como documentos oficiais das empresas. As fotografias transcendem as limitações das palavras, oferecendo uma visão mais profunda e emotiva das vidas e lutas dos trabalhadores das minas de carvão. Essas imagens se tornam não apenas documentos visuais, mas testemunhos enriquecedores da história e da experiência humana naquele período. Através dessa exploração, reafirmamos a importância das fontes visuais na pesquisa histórica, enquanto continuamos a explorar as várias camadas da narrativa histórica subjacente.

 

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Recebido em 02/09/2023.

Aceito em 16/11/2023.



[1] Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Brasil. E-mail: bruno.o.mandelli@gmail.com | https://orcid.org/0000-0003-3584-1806

[2] Este artigo é uma versão modificada de parte da minha tese de doutorado intitulada: Greves, repressão e resistência: uma história comparada dos mineiros de carvão no sul do Brasil (1945-1964). Tese (Doutorado em História) – PPPG em História UFRGS, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2023.

[3] As minas do Rio Grande do Sul teriam em torno de 7 mil operários no início dos anos 1940, e as de Santa Catarina, 10 mil trabalhadores. Ver SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre trabalhadores e patrões nas minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50. 2012. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012, p. 19; e CAROLA, Carlos Renato. Assistência médica, saúde pública e o processo modernizador da região carbonífera de Santa Catarina (1930-1964). 2004. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004, p. 235.

[4] Ver ECKERT, Cornelia. Os homens da mina: um estudo das condições de vida e representações dos mineiros de carvão em Charqueadas/RS. 1985. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1985; CIOCCARI, Marta Regina. Do gosto da mina, do jogo e da revolta: um estudo antropológico sobre a construção da honra em uma comunidade de mineiros de carvão. Rio de Janeiro: UFRJ; Museu Nacional, 2010; CIOCCARI, Marta Regina. Ecos do subterrâneo: estudo antropológico do cotidiano e memória da comunidade de mineiros de carvão de Minas do Leão (RS). 2004. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004; SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre os mineiros de carvão e seus patrões no Rio Grande do Sul (1940-1954). São Leopoldo: Oikos, 2014.

[5] “Escolhedeira” era como eram chamadas as trabalhadoras responsáveis pela escolha do carvão e sua separação da pirita, que era o resto inutilizado de pedra extraído conjuntamente.

[6] Não se pode esquecer que desde 1935, os sindicatos viviam sob a mira da Lei de Segurança Nacional, que perseguia aqueles que iam contra a política trabalhista do Estado, sendo que muitas lideranças sindicais foram alvos dessa legislação com o “afastamento odos sindicatos, pela cassação de direitos, prisão, ou eliminação física” (Mattos, 2009, p. 69).

[7] Importante destacar que aqui inclui-se um período amplo que passou por vários presidentes em um curto tempo (14 anos), passando pelo segundo mandato de Getúlio Vargas (1951-1954), Café Filho (1954-1955), Carlos Luz (1955), Nereu Ramos (1955-1956), Juscelino Kubitschek (1956-1961), Jânio Quadros (1961), Ranieri Mazzilli (1961), João Goulart (1961-1964). Oito governantes em apenas quatorze anos, o que reflete um período de grande instabilidade política.

[8] A ocupação das terras no sul de Santa Catarina começou a partir de 1877 com os imigrantes italianos, seguidos dos poloneses e alemães. Eles desembarcavam em Desterro e desciam até Laguna e Tubarão, onde se estabeleciam nas proximidades dos rios, ocupando as áreas de terra que formaram os primeiros núcleos coloniais: Azambuja (1877), Urussanga (1878), São José de Cresciúma (1880), Cocal (1885), Nova Veneza (1890), Nova Belluno (1891) (Dall’alba, 1983, p. 182).

[9] Os “luso-brasileiros” são considerados pelos autores os trabalhadores oriundos da região litorânea de Santa Catarina, em sua maioria descendentes de açorianos que imigraram durante a colonização portuguesa nos séculos XVIII e XIX (Santos, 2004, p. 107).

[10] A pneumoconiose é causada pela inalação de poeira de carvão. A deposição de poeira acarreta o aparecimento de macrófagos repletos de poeira em torno dos bronquíolos (máculas de carvão), causando, ocasionalmente, enfisema bronquiolar focal.