A questão da verdade na historiografia após a Shoah: negacionismo, revisionismo e narrativismo

The question of truth in post-Shoah historiography: denialism, revisionism and narrativism

 

                                                                                               Sabrina Costa Braga[1]

 

 


Resumo

O debate em torno da questão da verdade está, inevitavelmente, presente sempre que se discute o registro historiográfico. Mudanças em relação às categorias e noções que pautam tal debate foram consideradas ao longo do tempo. Neste artigo, destaco o período ulterior à Segunda Guerra Mundial como um momento de crise da historiografia e de abertura da história para os processos da memória, destacadamente o testemunho. Serão mobilizados os conceitos e discussões que acompanharam o negacionismo e o revisionismo da Shoah para, por fim, apresentar a contenda que acompanhou o chamado narrativismo de Hayden White como indício de uma alternativa para o fazer historiográfico contemporâneo.

Palavras-chave: Shoah; Verdade; Negacionismo; Revisionismo; Narrativismo.

Abstract

The debate around the question of truth is, inevitably, present whenever the historiographical account is discussed. Changes in relation to the categories and notions that guide this debate were considered over time. In this article, I highlight the period subsequent to the Second World War as a moment of crisis in historiography and a moment in which history opened up to the processes of memory, especially testimony. The concepts and discussions that accompanied the Shoah's denialism and revisionism will be mobilized to present the dispute that accompanied Hayden White's so-called narrativism as an indication of an alternative sought by contemporary historiographical work.

Keywords: Shoah; Truth; Denialism; Revisionism; Narrativism.


 

 

 

Introdução

A noção de que a história deveria ser uma ciência da análise crítica de documentos é comumente atribuída à tradição histórica alemã (com nomes como Wilhelm von Humboldt (1767-1835) e, principalmente, Leopold von Ranke (1795-1886)) e ao historicismo[2], em um contexto de institucionalização e profissionalização como disciplina acadêmica no século XIX. Lorenz (2009, p. 393-394) localiza o mito fundador do tipo mais difundido de historiografia científica na pretensão rankeana de descrever o passado “como ele realmente foi” (wie es eigentlich gewesen)[3] (RANKE, 1874, p. 6-7), de estar além de qualquer partidarismo, de ser objetivo. Ranke reproduziu os ideais clássicos de se ater aos fatos e dizer a verdade com o acréscimo de um método crítico e impessoal para lidar com as fontes primárias. Essa afirmação de realidade teria implicado também uma afirmação de verdade na historiografia que a afastava de todos os gêneros não científicos ou ficcionais e a deixaria implicitamente ligada a uma teoria política de um Estado imparcial, incluindo a suposição de que seus arquivos eram fontes privilegiadas para os historiadores profissionais. A frase de Ranke foi constantemente retomada por críticos posteriores, muitas vezes de forma isolada e nem sempre contextualizada, para representar uma história positivista dedicada a tratar de fatos e personalidades consideradas importantes, de acordo com os documentos oficiais. Nesse sentido, críticas fundamentais acompanharam a reivindicação de imparcialidade da história científica desde o início. Da mesma forma, diferentes metodologias e escolas históricas se fundaram com a presunção de superar tal corrente historiográfica.

Para desvendar o imbróglio que envolve a testemunha, o historiador, a escrita da história e a busca pela verdade, Hartog desenvolve e apura o argumento de que o “ver”, fundamento da história em sua ligação com a evidência, implica outros procedimentos, tais como “tornar claro”, “examinar a adequação dos fatos”, “fazer com que a narrativa diga as coisas de acordo com a evidência delas” (2011, p. 81). O tema da verdade – que circula entre quem diz que viu, quem examina o dizer diletantemente e quem associa evidência, interpretação e escrita – encontra-se projetado, de formas distintas, nos agentes também distintos, o historiador e a testemunha. Particularmente em sua análise sobre a história verdadeira almejada por Tucídides e sua distinção em relação a Heródoto, Hartog (2011, p. 80-81) trata da desconfiança de que o mensageiro que comunica oralmente não conserve a integridade da verdade e indica que esse saber histórico procurou se fundamentar no ver por si mesmo (autópsia). Não que bastasse ver para fazer história, a investigação do historiador ainda se faria necessária, mas é destacada a função do ver e fazer ver. Já a importância atribuída à fonte primária, por Ranke, decorreria de sua identificação com o conhecimento de uma testemunha ocular como o tipo de fonte mais genuína e direta (LORENZ, 2009, p. 397).

A partir da Segunda Guerra Mundial, recorre-se, mais uma vez, à testemunha, mas de um modo que questões novas são colocadas no que se refere ao problema da verdade na historiografia. Os fatos da Shoah estão além de qualquer disputa. Apesar da destruição de documentos, outros tantos foram salvos, incluindo fotografias, de modo que o genocídio é um dos casos mais bem documentados da história. Ademais, tanto as evidências arquitetônicas quanto as palavras escritas pelos que conceberam e ajudaram a manter em funcionamento os métodos de extermínio corroboram os testemunhos dos sobreviventes, fazendo com que os principais elementos da narrativa sejam reafirmados de maneira suficientemente convincente. Não obstante, os acontecimentos foram submetidos a exame judicial, sobretudo, durante os julgamentos de Nuremberg, que se pautou, particularmente, em provas – de protocolos de reuniões e registros visuais aos bens subtraídos das vítimas – advindas de informações organizadas e deixadas pelos próprios nazistas. Ainda assim, esses fatos foram, e são, negados. De um negacionismo que serve a uma agenda política e ideológica pautada por conteúdos do presente, passando por um revisionismo que relativiza ao tentar afastar um passado traumático que insiste em retornar, em se tratando dos usos públicos e políticos da história, pode haver uma imprecisão entre as fronteiras do ético e do histórico. Tal imprecisão está na essência dos limites de representação, mas não só. O testemunho de um evento como esse é marcado por um tipo de imprecisão, uma impossibilidade: no trauma, há sempre algo que resiste à narrativa ao passo que se força contra qualquer tentativa de silenciamento. É um desafio para a linguagem. Ao incluir um atributo da memória – o testemunho e especialmente o testemunho de um evento traumático – como fonte para a historiografia, esta se abre, inevitavelmente, para a literatura e para a ficção, afinal a memória traumática é inevitavelmente embebida de esquecimento e consequentemente de imaginação que preenche as lacunas deixadas por esse esquecimento. Reside nessa interface, entre memória e história e entre história e ficção, a possibilidade narrativa que responde a uma crise instaurada pelo inimaginável característico das grandes catástrofes.

 

Do antissemitismo ao negacionismo

Mesmo que a objetividade histórica já tivesse sido colocada à prova, é com a Segunda Guerra Mundial e com a Shoah que diversas exigências da historiografia científica precisaram ser revistas. Não foi mais possível, por exemplo, estabelecer um distanciamento substancial no tempo quando eventos catastróficos forçavam seu caminho para tratamento imediato. A necessidade de uma história mais abrangente, que fosse além das fontes dos arquivos e incluísse de maneira mais ativa as questões socioculturais, foi uma preocupação expressa por diversas correntes historiográficas, a exemplo dos Annales. A testemunha da Shoah, como é sabido, não foi sempre capaz de oferecer uma narrativa consistente, ordenada. Assim, o problema das vozes silenciadas por aquilo que não havia sido registrado nos arquivos ganha nova dimensão quando o silêncio aparece como um sintoma dos sobreviventes que não puderam testemunhar o que viveram.

O caminho percorrido pelo testemunho – de uma relativa indiferença no período pós-guerra à sua retomada na década de 1970 – até assumir um lugar de destaque na mídia se deveu em grande parte ao julgamento de Eichmann, mas passou também pela urgência de se opor aos “assassinos da memória”. Para Lévy (2018, p. 57), poder-se-ia dizer que todos os genocídios do século XX foram seguidos por algum tipo de negacionismo, mas, no caso da Shoah, a negação estava incorporada no próprio crime desde o início. Um crime que seria, assim, sem arquivos, como Himmler sutilmente afirmou em um discurso de 1943 sobre a Solução Final: seria essa uma “página não escrita” que “nunca deveria ser escrita” na história das glórias da Alemanha (DAWIDOWICZ, 1975, p. 191-192). Diversos sobreviventes teriam compartilhado durante o período como prisioneiros um mesmo sonho: de que finalmente eram libertos e retornavam a suas casas, mas, ao se encontrarem com seus familiares e amigos em segurança, tinham os relatos dos horrores desacreditados por eles (LEVI, 1988, p. 85-86). Do mesmo modo, as muito repetidas palavras que um soldado SS teria dito na chegada dos prisioneiros aos campos, transcritas por Primo Levi, ilustram esse ponto:

Seja qual for o fim da guerra, a guerra contra vocês nós ganhamos, ninguém restará para dar testemunho, mas, mesmo que alguém escape, o mundo não lhes dará crédito. Talvez haja suspeitas, discussões, investigações de historiadores, mas não haverá certezas, porque destruiremos as provas junto com vocês. E ainda que fiquem algumas provas e sobreviva alguém, as pessoas dirão que os fatos narrados são tão monstruosos que não merecem confiança: dirão que são exageros e propaganda aliada e acreditarão em nós que negaremos tudo, e não em vocês. Nós é que ditamos a história dos Lager (LEVI, 2016, p. 7).

 

Enquanto enuncia que a morte é agravada pelo esquecimento em referência ao horror final de que ninguém poderia sobrar para contar, Des Pres relembra uma passagem muito parecida que teria ouvido de um sobrevivente de Dachau:

Os guardas SS tiravam prazer em nos dizer que não tínhamos chance de sair vivos. Um ponto eles enfatizavam com particular deleite ao insistir que depois da guerra o resto do mundo não acreditaria no que aconteceu: haveria rumores, especulações, mas nenhuma evidência clara, e as pessoas poderiam concluir que o mal em tal escala simplesmente não era possível (DES PRES, 1976, p. 35 - tradução minha).

 

Retrospectivamente, torna-se claro que a tentativa de manter a Solução Final em segredo durante a guerra e os esforços para que essa página não chegasse a ser escrita na história estiveram fadados ao fracasso. Mesmo que a campanha nazista fosse vitoriosa e absolutamente todos os indesejados tivessem, de fato, sido exterminados, o número de pessoas envolvidas no planejamento, administração e execução seria alto demais para que fosse mantido segredo absoluto. A utilização de eufemismos como “solução final para a questão judaica”, ou Einsatz Reihardt[4], foi um dos detalhes mais sutis da tentativa de ocultação, mas ocorreram também juramentos de sigilo emitidos pela SS exigindo silêncio estrito em relação ao “reassentamento” de judeus (Juden-Umsiedlung) (HUTTENBACH, 2003, p. 309-310), à destruição de documentos, à destruição de evidências físicas, como a explosão de câmaras de gás quando a guerra chegava ao fim, e, antes disso, à destruição dos corpos. Os judeus assassinados pela ação dos Einsatzgruppen ou nos campos de extermínio até 1942 foram originalmente enterrados em enormes valas coletivas, mas os cadáveres foram posteriormente desenterrados e cremados (YITZHAK, 1987, p. 170) em operações cujos detalhes nauseantes sabemos pelos relatos dos judeus sobreviventes, antes designados para esses trabalhos. Como endossa Lévy (2018, p. 57): “[...] tratava-se de apagar não só os corpos, mas também seus próprios cadáveres; não só a sua presença no mundo, mas a lembrança dela; apagar o próprio fato de o crime ter acontecido e a possibilidade de constituir uma memória dele”.

Vidal-Naquet (1988, p. 13-14), em um dos primeiros estudos sobre o negacionismo da Shoah, diz que hesitou em escrever sobre Robert Faurisson, à época professor da Universidade de Lyon, na França, pelo receio de, ao responder, dar crédito à ideia de que existiria efetivamente um debate com quem tornava a discussão inútil por utilizar o que chamou de “emprego da prova não-ontológica”. Da mesma forma, em obra recente dedicada ao negacionismo do Holocausto, Holocaust and Genocide Denial (2017), os editores colocam, na introdução, a questão do absurdo que acompanha as alegações dos negacionistas, se não estariam eles na mesma categoria daqueles que afirmam que a Terra é plana e se dedicar um estudo a suas falsificações não funcionaria, por fim, como palco para elas (BEHRENS; TERRY; JENSEN, 2017, p. 1). Apesar de estar cada vez mais claro que os historiadores não estão na condição de poder ignorar mesmo os mais ridículos tipos de negacionistas e esperar que definhem com o tempo, dedicar-se ao estudo da negação da Shoah se justifica ainda assim, pois a negação de um genocídio sempre é uma questão mais delicada, configura um ataque direto às vítimas e à memória do evento. O negacionismo da Shoah tampouco é um devaneio de alguns excêntricos, pelo contrário, ganhou destaque em diversos meios de comunicação, em discursos políticos e até mesmo entre pretensos acadêmicos, vide a existência do Institute for Historical Review, dirigido por Mark Weber, que conta com uma revista própria, o Journal of Historical Review, na qual publicaram nomes como o próprio Robert Faurisson, Arthur Butz e David Irving. O próprio Robert Faurisson ganhou notoriedade a partir de três cartas publicadas entre 1978 e 1979 no Le Monde.

Vidal-Naquet (1988, p. 37-38) enumerou de maneira didática alguns princípios compartilhados pelos chamados à época de “revisionistas”: afirmam que as câmaras de gás não existiram, logo não houve genocídio; que a Solução Final se referia apenas à expulsão dos judeus em direção ao leste europeu; que o número de vítimas é bem menor do que se alega; que a Alemanha nazista não foi a maior responsável pela guerra; que o maior problema à época não era o nazismo, mas o bolchevismo e a URSS de Stalin; e que a Shoah é uma invenção de propaganda sionista. Este último ponto denota que o negacionismo está, via de regra, intimamente ligado ao antissemitismo, como pode ser facilmente constatado em um superficial exame de alguns dos mais proeminentes negacionistas e seus argumentos. Some-se a essa relação a relevante lembrança de Roudinesco (2010, p. 173): o fato de os negacionistas simplesmente não se interessarem pelo concomitante extermínio dos doentes mentais, pessoas das etnias roma e sinti ou testemunhas de Jeová. Alexander Ratcliffe (1888-1947), um dos primeiros a negar o Holocausto, alegou que tudo não passava de uma invenção da mente judia, que as imagens gravadas nos campos de concentração eram falsificações de cinemas judeus (SHERMER; GROBMAN, 2009, p. 41). Maurice Bardèche (1907-1998) afirmava que o Holocausto não passava de um mito, criado em Nuremberg, para mascarar a nova dominação judaica sobre o mundo (BARDÈCHE, 1948). No julgamento do processo que David Irving moveu contra a historiadora Deborah Lipstadt, a defesa realizou um compêndio dos comentários antissemitas e racistas, presentes em cartas, diários e discursos do acusador, a ponto de concluir que não havia separação entre seu antissemitismo e o negacionismo (LIPSTADT, 2005, p. 173). No Journal of Historical Review não há edição que não mencione os judeus, mesmo que o Holocausto não seja o tema principal, culpando-os, por exemplo, por ajudar a levar os bolcheviques ao poder, por serem os reais responsáveis pelo antissemitismo e por espalhar a miséria econômica em diversos países (SHERMER; GROBMAN, 2009, p. 76-80). Os exemplos poderiam seguir, mas já são suficientes para afirmar a existência de uma agenda ideológica que nega qualquer possibilidade de legitimidade ao Estado de Israel e um mote conspiratório que se deve, e muito, à antiga falsificação originada na Rússia do século XIX, Os Protocolos dos Sábios de Sião, além de uma interdependência historiográfica inevitável entre o estudo do antissemitismo, do nazismo e da Shoah.

Segundo Roudinesco (2010, p. 173), após a Segunda Guerra, o antissemitismo se torna assunto do inconsciente e o negacionismo toma o lugar de sua perpetuação, cujo projeto seria exterminar os judeus pela segunda vez ao assassinar sua memória. Para Hartog (2011, p. 211), os negacionistas retomaram a tarefa exatamente no ponto em que ela foi abandonada pelos nazistas. Mas como é possível que aquilo que é definido como “um delírio”, um “discurso patológico” (ROUDINESCO, 2010, p. 173), ao mesmo tempo ganhe destaque a ponto de gerar discussões que questionam os pressupostos teóricos da disciplina histórica? Apesar da negação das câmaras de gás ser absurda, ela não pode ser considerada irrelevante, pois não só se tornou um ponto importante na discussão sobre a Shoah como da própria natureza da verdade e sua reconstrução histórica. Ao contrário de Vidal-Naquet – que, quando declarou que o historiador deve desmascarar os falsários e não dialogar com eles, procurou acabar com a tendência de fazer dialogar, segundo critérios supostamente objetivos, os que reconheciam ou não o genocídio –, o linguista Noam Chomsky, por exemplo, acabou por subscrever o negacionismo em nome da liberdade de expressão[5]. Ainda, um exemplo mais recente pode ser encontrado no caso de uma administradora de um distrito escolar no Texas gravada aconselhando professores sobre alguns cuidados que deveriam ter ao escolher os livros que comporiam a biblioteca da sala de aula, a propósito de uma nova lei que exigia dos professores que fossem apresentadas múltiplas visões acerca de questões polêmicas. A administradora afirmou que caso um professor tivesse um livro em sala sobre o Holocausto, deveria também oferecer aos alunos acesso a uma perspectiva “oposta” (HIXENBAUGH; HYLTON, 2021).

A própria denominação dos negacionistas como tal é um ponto importante para compreender o que possibilitou seu alcance. Embora negacionismo e revisionismo se refiram a questões distintas, não raramente se confundem, pois os negacionistas se intitularam revisionistas no intuito de se afirmarem como portadores de uma leitura válida dos fatos. O revisionismo faz parte da prática do historiador, considerando que o conhecido no passado está aberto à discussão na medida em que novos indícios, documentos e/ou até mesmo uma outra interpretação apareçam. Já o termo negacionista foi cunhado por Henry Rousso (1987) para diferenciar uma revisão da história da simples negação de um evento e para se contrapor à legitimidade buscada por esses autodenominados “historiadores revisionistas”. Tal distinção conceitual expõe, a começar pela forma de se referir, a falácia de suas afirmações. Sendo assim, de um modo simples, é possível definir revisionismo como a iniciativa de revisar interpretações de fatos e o negacionismo como a iniciativa de negar esses fatos e estabelecer essa mesma negação como a verdade. Quando os interesses presentes envolvem diretamente disputas em torno do passado, há, entretanto, a interpenetração das dimensões política e historiográfica, de modo que, mesmo quando um evento não é negado, a depender da abordagem escolhida, produzem-se narrativas que resultam na negação de importantes aspectos do passado[6].

 

O revisionismo do Historikerstreit

Por volta do ano de 1986, aconteceu o chamado Historikerstreit. O termo pode ser traduzido como “querela dos historiadores” e a discussão ganhou destaque, especialmente, pela publicação de um artigo de Ernst Nolte no Frankfurter Allgemeine Zeitung e dois artigos no Die Zeit de Jürgen Habermas em resposta. Para Richard Evans (1989, p. 118), o Historikerstreit não ofereceu contribuição inovadora para a compreensão histórica, ao passo que teve implicações óbvias na maneira como a história é escrita ao tentar retomar o que ele chama de antiga tradição prussiana do historicismo, que atribuía à história a função de apoiar o status quo político. Omer Bartov (1996, p. 119-120), no entanto, argumenta que é justamente no caráter político do debate que se encontra seu mérito acadêmico, pois as emoções e sentimentos indiscutivelmente arraigados nos argumentos dos estudiosos tiveram grande impacto no discurso alemão sobre história, memória e identidade. Além disso, o debate demonstrou a impossibilidade de se fazer a separação entre pesquisa acadêmica distanciada, persuasão ideológica e memórias e experiências pessoais, separação essa paradoxalmente exigida por parte de muitos de seus participantes.

A querela se iniciou após a produção de textos, na então Alemanha Ocidental, com a pretensão de revisitar e revisar o passado alemão, o que forneceria possibilidades para a construção de uma nova identidade alemã em uma cena política e cultural marcada por disputas narrativas que tomavam os acontecimentos do regime nazista como obstáculo à reconstrução dessa identidade nacional. Muitos dos historiadores envolvidos no Historikerstreit tinham memórias vívidas do período a ser historicizado e possivelmente não pretendiam que a história cuidasse apenas dos períodos mais sombrios do governo nazista (BARTOV, 1996, p. 120). Nesse sentido, tendeu-se, sob a forma de uma nova abordagem do passado, criar uma correspondência entre as vítimas dos nazistas e os soldados alemães mortos pelo Exército Vermelho – um recurso nada inédito, uma vez que a comparação entre a violência nazista e outras atrocidades serviu como elemento legitimador ainda durante o Terceiro Reich – e a se voltar para outros aspectos do período, como o inconformismo, a resistência e a vida cotidiana. Sobre o último ponto, é possível observar que, mesmo em tempos anormais, grande parte da população segue seus ritos cotidianos como se ignorasse o contexto e, ainda, é possível concluir que isso seria justamente uma face da anormalidade do período nazista: que as pessoas continuassem vivendo suas vidas normalmente sob um regime sabidamente fundado em uma política de extermínio. Alguns dos que se dedicaram à Alltagsgeschichte, no entanto, viram em suas descobertas uma espécie de prova de resistência ao regime, ou seja, que as pessoas, ao viverem normalmente, estavam se recusando a adotar o fanatismo ideológico que o regime lhes impunha. Foi ignorado o fato de que esse tipo de resistência jamais ameaçou o regime e que, em muitos casos, as mesmas pessoas que “resistiram” também colaboraram (BARTOV, 1996, p. 121).

É nesse contexto que Ernst Nolte (1923-2016), historiador já reconhecido pelo livro Der Faschismus in seiner Epoche (1963) e então professor na Freie Universität Berlin, apoia-se em uma tática revisionista e relativiza os crimes nazistas, focando na ideia da luta do Ocidente contra o bolchevismo. Nolte (1986) insistiu em diminuir a dimensão e a importância das políticas nazistas, colocando-as como uma resposta ao stalinismo, de modo que Auschwitz seria uma derivação dos gulags, o que sugere uma transferência do foco para o “mal maior” que, nessa perspectiva, é o comunismo. Algumas passagens do artigo de Nolte merecem ser visitadas com maior atenção. O título, Vergangenheit, die nicht vergehen will (O passado que não quer passar), já é demonstração suficiente da insatisfação a partir da qual o autor constrói sua argumentação. Esse passado que – ao contrário do que aconteceria normalmente – não passa é o passado nacional-socialista para os alemães. Sobre ele, Nolte diz que: “[...] ainda parece vivo e poderoso e não como um modelo, mas como uma visão terrível, um passado que está quase se estabelecendo, ele mesmo, como presente ou que suspende sobre o presente sua espada [Richtschwert]” (NOLTE, 1986 - tradução minha).

Richtschwert, em tradução literal, significa espada-guia (o “prefixo” Richt pode se referir à direção, juiz [Richter] ou execução). Foi o nome dado à espada usada para decapitar os condenados na Idade Média e início da Idade Moderna. A escolha do termo dá o tom da imagem criada a partir do trecho supracitado: o passado que quer tomar o lugar do presente, ou condená-lo. Nolte deixa claro que a conotação negativa que acompanha esse passado em particular não é injusta, comunicando que não é a partir de uma historiografia negacionista que escreve e é assim que busca legitimidade para a comparação que fará ao longo do artigo. Não há o que revisar quanto ao caráter criminoso do passado nazista, mas tampouco caberia na Alemanha, incluída em uma sociedade ocidental em progresso, o peso da vergonha e da culpa pela Shoah. É, então, a partir da demanda presente de uma identidade nacional alemã (HABERMAS, 1986) que a postura revisionista se coloca e aponta o extermínio dos judeus não como algo original, mas como uma cópia e, ainda, “uma reação” (NOLTE, 1986). Comparabilidade e causalidade estão aqui na base do revisionismo que, ao negar a singularidade, busca que esse passado “passe” ou possa ser apropriado para lidar com o que se considerou a questão mais urgente no presente (e, na perspectiva revisionista, no passado). Na passagem mais controversa do artigo, Nolte define a Shoah como um “ato asiático” e introduz a questão que para ele parece inevitável: “os nacional-socialistas realizaram, Hitler realizou um ato ‘asiático’ apenas porque consideravam a si mesmos e a seus pares como vítimas potenciais ou reais de um ato ‘asiático’?” (NOLTE, 1986 - tradução minha). Para Santner (1992, p. 148), quando Nolte afirma que os nazistas cometeram um “ato asiático” por temerem serem vítimas eles mesmos de um “ato asiático”, ele convida os leitores a se localizar em um lugar (“Ásia”) onde podem se sentir moralmente e psicologicamente não ameaçados pelo trauma e pela perda. Esse deslocamento retira da Shoah o caráter de evento único a custo da relativização dos crimes nazistas. Mais do que um problema na metodologia historiográfica, o efeito de desculpação, que o revisionismo de Nolte carrega, foi o que guiou a discussão imediata e a resposta de Habermas (1986), que denuncia o que chamou de “tendências apologéticas na história contemporânea alemã”.

Um relativismo mais sutil que o de Nolte pode ser encontrado no livro de Andreas Hillgruber, Zweierlei Untergang: die Zerschlagung des Deutschen Reiches und das Ende des europäischen Judentums, também lançado em 1986. O título, traduzido livremente por “Dois tipos de ruína: a destruição do Reich alemão e o fim dos judeus europeus”, é o que une os dois ensaios escritos de maneira trágica para explicar a Segunda Guerra Mundial. Essa união implica que, durante a guerra, os sacrifícios da população alemã no Leste para se proteger contra os avanços do Exército Vermelho e a resistência da Wehrmacht, até 1944, seriam tragédias equivalentes ao massacre dos judeus nos campos de concentração. A relativização que acompanha a obra está no título e vai além do paralelo entre a luta dos soldados no front oriental e o extermínio realizado nos campos de concentração: Hillgruber escolhe o eufemismo “o fim” em oposição à “destruição”, retirando da sentença qualquer sujeito causador do fim por via do extermínio. Em entrevista ao jornal Rheinischer Merkur em outubro de 1986, Hillgruber foi questionado acerca da singularidade da Shoah ou, mais precisamente, se o Terceiro Reich poderia ser tratado como qualquer outro evento histórico. Para responder, Hillgruber (1993, p. 157) recorreu ao argumento de que todos os eventos históricos são singulares, ao passo que a comparação seria um elemento essencial da disciplina histórica. Para exemplificar, menciona a possível comparação entre os assassinatos em massa nos gulags, cometidos pelo Exército Vermelho em outro momento, e o assassinato em massa dos judeus no Terceiro Reich, não diferindo “qualitativamente” os eventos. Em toda a entrevista, Hillgruber mantém as respostas como se a questão pudesse envolver exclusivamente soluções metodológicas e, ao afirmar que “não há questões proibidas na pesquisa”, ignora a discussão do uso do passado nazista na Alemanha Ocidental.

Durante muito tempo, a Wehrmacht foi um grande ponto de discordância na historiografia pós-guerra acerca do Terceiro Reich, pois, para além de Hillgruber, muitos historiadores defenderam que essa foi apenas uma organização militar que cumpriu ordens com notável habilidade ou até mesmo que consistiu em um refúgio e uma ameaça à ideologia nazista. Há, entretanto, estudos que mostram que a Wehrmacht esteve, na verdade, sistematicamente envolvida na realização da Shoah com comandos regionais erguendo guetos em 1941, soldados se apropriando dos bens de judeus e até concentrando-os nos locais de matança e às vezes assassinando, eles mesmos, grupos de pessoas (HEER, 1997). Assim, enquanto os Einsatzgruppen foram especificamente encarregados de exterminar judeus no Leste, a Wehrmacht se tornou profundamente cúmplice de tal política, ao ponto de ser possível afirmar que sem sua ajuda o assassinato dos judeus no Leste teria sido consideravelmente mais dispendioso (BEORN, 2014, p. 4-9). A escalada de violência da Wehrmacht foi prenunciada na Conferência de Mogilev (1941), quando o “judeu-bolchevique” se tornou, oficialmente, um alvo militar através da doutrina de Bandenbekämpfung (a ideia de conter qualquer tentativa de resistência com violência brutal).

Alguns apontamentos biográficos interessam para situar a posição de Hillgruber. O historiador cresceu em Königsberg, uma vila alemã que “deixou de existir” (deixou de ser território pertencente à Alemanha) após a Segunda Guerra Mundial, e serviu no exército alemão de 1943 a 1945, chegando a lutar na Wehrmacht no inverno de 1945 (ANDERSON, 1993, p. 58-61). O sofrimento da população expulsa de vilas como Königsberg – que posteriormente se tornaram territórios russos ou poloneses – é destacado em seu Zweierlei Untergang, além do apelo por identificação que faz, quando afirma a obrigação que o historiador teria em se identificar com o destino da população alemã no leste. Esse historiador, presumivelmente alemão, faria, então, história a partir do ponto de vista de um grupo específico. Hillgruber não só busca normalizar a Shoah quando a compara com um outro tipo de sofrimento do qual ele mesmo padeceu, como escolhe não mencionar que a resistência dos soldados no front oriental prolongou a existência dos campos de concentração, apesar de não desconhecer essa implicação. A tese central é a de que os destemidos soldados alemães do front oriental lutaram mesmo sabendo que a guerra já estava perdida, pois acreditavam que, ao fazê-lo, estavam possibilitando que a população civil alemã no Leste escapasse da ira dos soviéticos que avançavam, ou seja, argumenta que esses soldados lutavam por uma causa – uma causa com a qual ele próprio se identificava. Essa tese converge com a campanha da época que tentava motivar e encorajar esses soldados a continuarem lutando ao lhes oferecer motivação, de modo que a realidade histórica almejada se funde de maneira perigosa à própria propaganda nazista e a verdade se torna uma questão apenas a partir do ponto de vista do historiador ou, no caso, do ponto de vista nacional. A perspectiva normalizadora da Shoah adotada por Hillgruber esteve alinhada a um movimento – não só intelectual, mas também midiático – da sociedade alemã na busca por se livrar de um passado que “não passava” e da culpa que acompanhava a memória desse passado.

Em 1950, Hannah Arendt viajou, pela primeira vez depois de ter fugido, à Alemanha por cerca de seis meses e relatou em suas impressões uma tendência na maneira de lidar com o passado nazista muito próxima à busca por revisão e reinterpretação histórica no Historikerstreit. O que encontrou foi uma terra devastada e marcada pela falta de resposta que não sabia ser uma recusa em ceder ao luto ou uma genuína incapacidade de sentir, posto que, em meio a ruínas e escombros, os alemães trocavam cartões-postais com fotos dos monumentos que não mais existiam (ARENDT, 1950). Cuesta-Bustillo (1998, p. 89) também notou que, apesar de a Alemanha de hoje estar assentada sobre uma paisagem de memória – mesmo que mais próxima do turismo de memória do que de um enfrentamento do passado –, na Alemanha dividida a relação entre história e esquecimento mostrou como a cena pública da memória é dependente do presente e de interesses específicos e como, em temporalidades específicas, uma multiplicidade de formas de manipulação do passado, tais como a minimização, relativização e comparação do sofrimento, se difundiram em um esforço conjunto para que as vítimas do extermínio em massa não se destacassem. Arendt (1950) escreveu acerca do “alemão médio” que desenvolveu diversos mecanismos para minimizar o impacto chocante do nazismo, cuja indiferença, se desafiada, se transformava rapidamente em irritação. Para esse cidadão, a causa de seus infortúnios estava sempre em alguma força fora de seu alcance, nas potências ocupantes da Alemanha então dividida, ou mesmo na humanidade abstrata que sempre travou guerras. Essa fuga da realidade foi também uma fuga da responsabilidade e se transfigurou em um exercício muito mais imprudente quando, juntamente ao discurso cotidiano, passou a ser inscrita na historiografia.

O aspecto que mais surpreendeu Arendt na fuga alemã da realidade foi o hábito de tratar os fatos como se fossem meras opiniões, o que permitiria que todos tivessem direito à ignorância sob o pretexto de todos terem direito a suas opiniões, o que torna qualquer discussão simplesmente desesperadora. Ao passo que o alemão da Alemanha Ocidental viu esse “relativismo niilista” como a própria essência da democracia, Arendt percebeu um legado do regime nazista, por meio do qual todos os fatos poderiam ser mudados e todas as mentiras se tornarem verdadeiras. Esse legado não teria deixado de atingir também a universidade, de modo que o problema estaria muito além de reintroduzir a liberdade de ensino, pois o perigo não seria apenas o risco de uma opinião infundada possuir monopólio sobre todas as outras, mas estaria outrossim naqueles que, ignorando os fatos e a realidade, estabeleceriam suas opiniões privadas, não necessariamente como as únicas corretas, mas como tão justificadas quanto as outras (ARENDT, 1950).

Sobre o Historikerstreit, Friedländer (1987, p. 3-4) notou, entre aqueles que comentaram a querela, uma propensão a considerar que os reais problemas foram políticos e o confronto essencialmente ideológico e relacionado aos dias presentes, de modo que a história serviria para a discussão muito mais como um pretexto, um debate sobre a forma do passado em termos de memória pública e identidade nacional. Argumentou, entretanto, que o problema historiográfico manifesto não foi menos real do que o político, afinal, mesmo que os fins tenham sido político-ideológicos, os meios advieram do debate histórico. Friedländer (1987, p. 11-14) viu, da parte de Nolte e Hillgruber, uma tentativa de se distanciar de qualquer história de caráter moral e pedagógico (volkspädagogisch). Contudo, para tratar essa história como qualquer outra, recorreram a uma mudança nas categorias da interpretação tradicional, a tipologia criada por Hilberg (1992): as vítimas, os espectadores e os perpetradores. Nolte saiu da simetria e inverteu a responsabilidade, os espectadores e os perpetradores se tornaram eles mesmos vítimas; já Hillgruber incluiu parte dos espectadores como vítimas. Essas mudanças não foram de pequena significância, considerando-se que os perpetradores e os espectadores faziam parte da sociedade alemã à qual pertenciam os historiadores. Dessa forma, Friedländer (1987, p. 17-19) analisou, por fim, a questão do tempo – do passado que não quer passar – como um problema acerca da relação entre memória coletiva e historiografia, quando passado e presente se mantêm entrelaçados e não há distinção clara entre história e memória.

 

O narrativismo a partir de Hayden White

Os impasses encontrados nas discussões sobre as (im)possibilidades de representação da Shoah deram origem ao congresso The extermination of the jews and the limits of representation, realizado na UCLA (University of California, Los Angeles) no ano de 1990. O congresso contou com a presença de renomados historiadores norte-americanos e europeus e deu origem ao livro, de organização de Saul Friedländer, Probing the Limits of Representation, lançado em 1992. Ao questionar a possibilidade de representar e historicizar a Shoah sem desrespeitar o seu lugar histórico, Friedländer cunhou o conceito de evento limite em um contexto de emergência de prerrogativas pós-modernas na historiografia[7]. Os autores debateram acerca da legitimidade das representações da Shoah no cinema, na literatura e na historiografia e, em diversos momentos, retomaram a controvérsia iniciada na Alemanha poucos anos antes. Em especial na recepção brasileira dos textos, o destaque das discussões esteve nos artigos dos historiadores Carlo Ginzburg e Hayden White, este muito criticado por suas proposições pós-modernistas para a história, o que supostamente fundamentaria uma leitura revisionista da Shoah. Antes de abordar os textos em questão, é relevante se atentar ao conceito de evento limite cunhado por Friedländer:

O extermínio dos judeus na Europa está acessível tanto à representação quanto à interpretação como qualquer outro evento histórico. Mas estamos lidando com um evento que testa nossas categorias tradicionais de ordem conceitual e representacional, um “evento limite” (“event at the limits”) (FRIEDLÄNDER, 1992, p. 3-4 - tradução minha).

 

E ainda:

O que faz da “Solução Final” um evento limite é o próprio fato de ser a forma mais radical de genocídio encontrada na história: a tentativa absoluta, deliberada, sistemática, industrialmente organizada e largamente bem-sucedida de exterminar todo um grupo humano em uma sociedade ocidental do século XX (FRIEDLÄNDER, 1992, p. 4 - tradução minha).

 

Verifica-se, a partir das citações, duas questões inerentes ao conceito de evento limite e que têm sido largamente exploradas desde que foram expostas: a da singularidade da Shoah, ou seja, se a Shoah é um evento único ou passível de comparação; e a questão dos limites de representação impostos a partir da Shoah. Falar em limites de representação pode, ainda, ter significados diferentes, pois há aquilo a que se refere Friedländer quando destaca o desafio imposto pela Shoah às categorias e aos conceitos usualmente utilizados para representar um evento e há uma discussão que traz à tona reflexões sobre as formas pelas quais as escolhas éticas incorporam-se (e são incorporadas pela) à historiografia. Assim, a esse respeito, imediatamente, é fundamental abrir um parêntese para registrar, a partir das contribuições dos estudos sobre o trauma, que: evidenciou-se que há algo de intrinsecamente indizível e irrepresentável em catástrofes como a Shoah, mesmo quando transformada em narrativa ou transposta artisticamente;  os limites não se referem apenas à capacidade de representar ou não, mas também se um evento de tal tipo deve ser representado ou, ainda, se determinada forma é adequada para representá-lo. Como se nota ao tratar da representação da Shoah, uma distinção entre os limites conceituais e os limites éticos não é necessariamente óbvia. Isso porque, por fim, os limites acabam por afluir em um mesmo dilema, em que o princípio ético, simultaneamente, se destaca e abriga o conceitual. Dito isso, a partir do que foi exposto até este momento, duas questões se evidenciam: uma, que a abertura a novas possibilidades de representação carrega em si a ameaça de relativização; outra, que leva à indagação medular, presente no embate entre Carlo Ginzburg e Hayden White, a saber: o que seria, diante da Shoah, a escolha (historiográfica-ética) mais responsável?

Ginzburg, de família de judeus assimilados e intelectuais, já era bastante conhecido por seus estudos e vinha se aproximando da causa judaica, ao passo que uma historiografia de teor revisionista e o negacionismo ganhavam força não só na Europa – conforme demonstrado com o exemplo da Alemanha Ocidental – como também nos EUA. Nesse sentido, é compreensível que o historiador italiano se preocupasse com a prova histórica, dedicando-se a questões teóricas em torno do tema. Segundo Ginzburg (2002, p. 48), para White, a obra historiográfica, não diferiria de um romance, construindo “um mundo textual autônomo que não tem nenhuma relação demonstrável com a realidade extratextual à qual se refere”. Nesse mundo textual se incluiriam textos ficcionais e historiográficos unidos por uma dimensão retórica e, nessa perspectiva, a historiografia, assim como a retórica, se proporia unicamente a convencer: seu fim seria a eficácia e não a verdade. O que chama atenção na crítica dirigida a White em sua conferência durante o congresso na UCLA e também no artigo publicado sob o título de Just One Witness, no entanto, é que ela não foi dirigida unicamente à discordância teórica com White, mas às supostas influências intelectuais fascistas – especialmente Benedetto Croce e Giovanni Gentile – que teriam levado o historiador estadunidense a uma abordagem historiográfica viabilizadora da negação da Shoah. A crítica de Ginzburg parte, assim, das consequências da/à história, tal como proposta por White, o que se tornou evidente quando ele, Ginzburg, citou o trabalho de Vidal-Naquet ao responder o negacionista Robert Faurisson e ao reagir à obra L’écriture de l’histoire (1975) de Michel de Certeau, que teria arranhado a orgulhosa inocência dos historiadores ao explicitar que o historiador escreve produzindo um espaço e um tempo sem deixar de estar inserido, ele mesmo, em um outro espaço e outro tempo (VIDAL-NAQUET, 1987, p. 71-74; GINZBURG, 1992, p. 87). Vidal-Naquet reconheceu a importância da obra de Certeau, mas defendeu – e nisso Ginzburg esteve de acordo, apesar de não dispensar a mesma brandura a White – que não é viável abandonar a noção de realidade tal como defendida por Ranke: algo de irredutível além do discurso, das palavras, para distinguir romance e história.

Reflexões como a de White não podem ser acusadas de legitimarem o discurso negacionista, que por sua vez se propõe a alcançar o que considera real, a verdade não contada. A retórica negacionista nada tem a ver com as proposições De White ou de Certeau, mas é possível se questionar se a aparente dissolução da relação singular que o discurso histórico mantém com a realidade pode gerar uma suspensão do julgamento quanto à validade de narrativas diversas e levar a um relativismo que abarca, inclusive, falsificações. Nesse sentido, convém citar a crítica de Dirk Moses (2005) e o argumento de que a visão da historiografia de White poderia ser apropriada a fim de fornecer argumentos teóricos que justifiquem a instrumentalização da memória histórica. O que se pode retirar do comentário de Moses, então, é que, quando se trata de uma questão a respeito dos usos públicos da história, o histórico e o ético se imbricam. Mesmo que se considere Hayden White como a personificação de um relativismo niilista, o fato é que as questões por ele levantadas, acerca da asserção que considerou injustificada de que os historiadores têm acesso privilegiado ao passado, perturbaram quaisquer historiadores que ainda depositassem confiança irrestrita na objetividade e os que viram na abertura à linguagem do discurso e da representação uma ameaça.

Herman Paul (2011, p. 3-5) entende que o alcance da obra de White se deve ao fato de ter desafiado três distinções convencionais entre campos que se acredita serem significativamente diferentes: primeiro, na filosofia da história, ao afirmar que não poderia haver reflexão sobre os estudos históricos que fosse metafisicamente neutra, mas derivada do que chamou de suposições meta-históricas; segundo, na distinção entre a prática histórica e a filosofia especulativa da história, ao apontar que não seria possível definir o que é um fato ou evento sem uma visão substantiva do que é realidade; terceiro, na incursão à fronteira entre história e ficção. Este último ponto foi certamente o que causou maior desconforto entre seus pares, pois o que White afirmou com isso foi que os historiadores produzem narrativas assim como os autores de romances de ficção o fazem. Com tal afirmação, não estava ele se referindo a uma qualidade literária da escrita, antes apontava e problematizava como a exigência de uma determinada forma de enredo interfere na interpretação do passado, o que quer dizer que o problema da história não se restringe ao conteúdo de um discurso sobre o passado, mas envolve também a sua forma (WHITE, 1987). Nessa perspectiva, enquanto os historiadores escrevessem história seguindo, por exemplo, o modelo de um romance realista do século XIX, estariam adaptando a história a enfoques determinados e, ainda, que um compromisso do tipo com um modelo narrativo específico deveria ser evitado, de sorte que diferentes modos de representação seriam validados como história. Assim, o modernismo literário aparece como um produto do esforço em representar uma realidade histórica para a qual os modos de representação realista e clássico foram inadequados, e essa realidade foi exemplificada por White com o Holocausto, um evento “modernista por natureza” (WHITE, 1992, p. 50).

White não concluiu se a Shoah seria um novo tipo de evento, um novo evento ou um antigo tipo de evento com uma face diferente, mas endossou a convicção amplamente difundida de que foi um evento que desafiou os modos de representação (PAUL, 2011, p. 130-131). Diferenciou-se, portanto, pelo fato de não acreditar que a Shoah fundasse uma “classe especial de eventos” capaz de traçar limites absolutos sobre o que poderia ser verdadeiramente dito a seu respeito, do que poderia ou não ser produzido (como ficção) a partir dela (WHITE, 1992, p. 37-38), incluindo-a, então, na série de eventos distintos que definiu como eventos modernistas. Para White (1996, p. 20), os eventos modernistas podem ser entendidos como eventos “holocaustais”, tendo o Holocausto judeu como paradigma dos programas de genocídio empreendidos por sociedades que utilizam tecnologia científica e procedimentos racionalizados de guerra. Com base nessa compreensão, o autor engloba uma lista bastante diversa de eventos, que conta com Hiroshima e Nagasaki, a explosão demográfica, a destruição iminente da ecosfera, a fome em escala até então inconcebível, o assassinato de grandes líderes como Martin Luther King, entre outros.

Os eventos modernistas atuariam na consciência de certos grupos sociais assim como os traumas infantis na psique dos indivíduos neuróticos, não podendo ser simplesmente esquecidos, tampouco adequadamente lembrados (WHITE, 1996, p. 20-21). O que definiria um evento modernista, portanto, além de seu caráter traumático, seria o advento de uma modernidade tecnológica, ou seja, um evento cujos efeitos seriam inimagináveis para as gerações anteriores por ser um fruto do desenvolvimento tecnológico descontrolado. Além disso, os eventos modernistas também seriam caracterizados por desafiarem os antigos modos de representação, as categorias e convenções herdadas do romance realista do século XIX para se atribuir sentido, e por resistirem à historicização, pois a distinção entre evidência e passado é confusa, a ponto de os historiadores não serem capazes de o reconstruir, simplesmente, como um passado distinto do presente e atingido pelas evidências documentais (PAUL, 2011, p. 132). Há, portanto, uma nova temporalidade em eventos como a Shoah, uma temporalidade própria do trauma, que faz com que esteja vivo no presente como um efeito posterior que causaria uma confusão quanto à possibilidade de atribuição de sentido e sugestão de significados. Dessa maneira, para White (1996, p. 21), o que esteve em questão nunca foram os fatos (se a Shoah aconteceu ou não), mas os significados possíveis a partir dos fatos e essa obscuridade seria justamente uma característica de eventos anômalos e inimagináveis, os eventos modernistas.

Com o conceito de evento modernista, White (1996, p. 17-19) coloca a possibilidade de lidarmos com o passado a partir de alternativas inspiradas na arte modernista, o que resolveria os problemas colocados pelo realismo tradicional abandonando a distinção entre fato e ficção, entre discurso realista e discurso imaginário. Suspensa a distinção entre real e imaginário, tudo pertence à mesma ordem ontológica: eventos reais que recebem marcas do imaginário e eventos imaginários dotados de realidade, assim como um tratamento da realidade histórica que usa técnicas ficcionais e uma ficção modernista que afirme algo sobre a realidade histórica. No que diz respeito ao quão responsavelmente é possível representar a Shoah, White (1996, p. 30-32) critica a posição de que é um evento que simplesmente escapa ao alcance de qualquer linguagem, afirmando que o problema, por fim, não é metodológico, pois não há impossibilidade em se estabelecer os fatos da questão, e sim de representação. A resistência às formas de representação modernista, por parte de estudiosos como Friedländer, estaria ligada ao receio de estetização do genocídio. Porém, essa ameaça constituir-se-ia em nada mais do que transformar esse evento em objeto de narrativa e é, justamente aí, que se encontra o argumento para as “antinarrativas” modernistas serem a única perspectiva adequada à representação de eventos como a Shoah:

As técnicas modernistas de representação fornecem a possibilidade de desfetichizar tanto os eventos quanto os relatos fantasiosos que negam a ameaça que representam no próprio processo de fingir representá-los de forma realista. Essa desfetichização pode, então, abrir o caminho para um processo de luto que, sozinho, pode aliviar o “fardo da história” e tornar possível uma percepção mais, se não totalmente, realista, dos problemas atuais (WHITE, 1996, p. 32 - tradução minha).

 

Considerações finais: O trauma e os limites da “não-ficção”

A obra de Art Spiegelman, traduzida como Maus: a história de um sobrevivente e publicada originalmente em dois volumes Maus: A Survivor’s Tale - My Father Bleeds History (1986) e And Here My Troubles Began (1991), é uma conhecida história em quadrinhos acerca da Shoah que apresenta os judeus como ratos, os alemães como gatos e os poloneses como porcos. Spiegelman conta a história vivida por seu pai, Vladek Spiegelman, um judeu polonês sobrevivente de Auschwitz, retratando simultaneamente a história pessoal de uma pessoa vivendo sob a Alemanha nazista, a história da Shoah e os efeitos do trauma vivido nas relações posteriores com os sobreviventes. Maus não oferece qualquer material novo para os estudos sobre a Shoah, mas conta a história de uma maneira particularmente eficaz, o que se explica tanto pela escolha inusual dos quadrinhos para representar um evento do tipo quanto pela forma da narrativa que se enreda constantemente em metanarrativas. Maus é um dos exemplos usados por White (1992, p. 41) para criticar qualquer base estabelecida a fim de julgar um relato como inaceitável. Indubitavelmente, essa HQ narra uma história que, apresentando os eventos como uma sátira, não é uma história tradicional, mas representa eventos reais do passado ou, pelo menos, eventos representados como tendo verdadeiramente ocorrido.

A proposta de Art Spiegelman foi certamente bastante arriscada: transpor Auschwitz para os quadrinhos parece (pelo menos até Maus) extremamente inadequado e isso acabou se tornando um dos temas do segundo volume da obra, que trata das rejeições das editoras e da própria apreensão de Artie, quando expressa o seu receio em simplificar, já que “a realidade é complexa demais para ser contada em quadrinhos” (SPIEGELMAN, 2009, p. 176). A verdade é que Maus foi um grande sucesso, foi traduzido para mais de quinze línguas e todo esse alcance proporcionou que pessoas tomassem conhecimento de questões essenciais relacionadas à Shoah, e muitas dessas pessoas eram as que, de outra maneira, não seriam expostas a tais questões. Essa eficácia se deve justamente ao fato de Maus representar situações complexas de maneira simples, sem apelo sentimentalista e sem distorção, ainda que a narrativa se sustente em metáforas e alegorias.

LaCapra (1998, p. 141) elencou duas razões inadequadas para defender o sucesso de Maus: o desejo de ser chocado, ainda que superficialmente, pelos eventos da Shoah e a ignorância a respeito desses mesmos eventos. Não é preciso se deter no quão problemáticos são o desconhecimento e o evitamento em relação à Shoah, interessa mais a questão do choque, uma tendência na qual se uniriam modernismo e pós-modernismo, ao menos no que diz respeito à arte e cultura estética. Esse choque pode ser altamente desejável quando borra as distinções entre cultura popular e de elite, mas pode também ser apenas vago e excitante, sem atuar como conhecimento. Um dos grandes desafios de Maus foi não dispor a Shoah meramente pela via da excitação que, sabemos, uma catástrofe pode gerar na cultura de massa. LaCapra considerou que Spiegelman atendeu a esse desafio ao entrelaçar, de maneira hábil e instigante, o histórico, o etnográfico e o autobiográfico em seu ímpeto mais pronunciado, o de problematizar identidades. Tal problematização ocorreria em, no mínimo, quatro áreas interativas e parcialmente sobrepostas: no próprio Art Spiegelman e sua relação com o texto; no gênero do texto; na relação do texto com os leitores; e no funcionamento e performance do texto, o que inclui o papel dos personagens animais e Artie e do personagem/narrador, que é Spiegelman (LACAPRA, 1998, p. 142).

A problematização implica também a questão de como rotular Maus: nesse sentido, não se encontrou consenso entre críticos e comentadores e o livro foi classificado como literatura, história oral, biografia, autobiografia e há até mesmo uma nova categoria, a biografia colaborativa (IADONISI, 1994, p. 53). Em uma carta ao The New York Times Book Review, Spiegelman se diz honrado por ter seu livro na lista dos best-sellers e também surpreso que tenha sido incluído como ficção: “Se sua lista fosse dividida em literatura e não literatura, eu poderia aceitar o elogio como pretendido, mas na medida em que ‘ficção’ indica que uma obra não é factual, me sinto um pouco nauseado” (SPIEGELMAN, 1991 - tradução minha). Segue com o reconhecimento de que tem consciência de como a fronteira entre ficção e não ficção foi prolífica para muitos escritos contemporâneos, mas atesta não se sentir bem ao ver a obra que, cuidadosamente escreveu por meio das memórias de seu pai, classificada como ficção. Termina por sugerir, ironicamente, que o problema de taxonomia levantado por ele, ao desenhar pessoas com cabeças de animais, seja resolvido com a inclusão de uma nova categoria “nonfiction/mice”.

 LaCapra (1998, p. 146) considerou significativo que Spiegelman protestasse contra a categorização de Maus como ficção, sugerindo, de brincadeira, sua classificação como não ficção, pois a obra não é inventada (made up), embora seja obviamente criada (made) e modelada, de modo que, mais importante do que pensar a multiplicidade de gêneros, seria pensar o hibridismo, seu status intermediário resistente à dicotomia. Esse hibridismo estaria, assim, visível na relação única entre imagem e discursividade, mas também no fato de seus personagens (Vladek como o sobrevivente e Artie como o filho do sobrevivente) estarem tomados pelo passado, presos na repetição que impossibilita o alcance de formas bem-sucedidas de luto e elaboração. A considerar esse argumento, não é possível encaixar Maus em um gênero existente ou explicar completamente seu hibridismo, porém é notável que a construção do texto abarque a inquietante reinscrição do trauma e dê lugar aos processos interativos de atuação (acting-out) e elaboração (working-through). Essa inadequação abre-nos espaço, justamente, para compreender a incorporação e a recepção da literatura de testemunho, seja em âmbito público, seja em âmbito historiográfico.

O problema das relações entre história e ficção não é novo e, apesar de exaustivamente discutido, encontrará sempre resistência no que se refere à questão da verdade. Pomian (2003, p. 12) ironizou sobre uma “certa escola filosófico-sociológico-psicanalítico-literária nascida nos anos 1960, [que] esforça-se, sem jamais proclamá-lo claramente, em apagar a fronteira entre história e ficção, tratando a primeira como se ela não diferisse em nada da segunda” e, próximo ao entendimento de Ginzburg, define essa tendência, provavelmente o narrativismo, como a tentativa de fazer da história nada mais que um ramo da retórica e associa desconstruções do tipo a uma deslegitimização da verdade e às reiteradas tentativas de provar que as câmaras de gás jamais existiram. Ora, como argumentado, as narrativas negacionistas não se apoiam na relativização da verdade. Pelo contrário, é condição para elas uma noção de verdade absoluta e, aí sim, reside a eficácia retórica, afinal, a “verdade” dos negacionistas é, sabidamente, uma falsificação que, ao investir contra a legitimidade de consensos estabelecidos gera forte engajamento. A ficção, por outro lado, não é sinônimo de mentira justamente porque não se propõe ser verdade. Tampouco é preciso dissolver completamente a fronteira entre história e literatura para incorporar na historiografia a ficção. Fala-se de literatura de testemunho para se referir a uma face da literatura que veio à tona a partir de catástrofes e faz com que precise ser revista a relação entre a narrativa e o real como aquilo que resiste à representação e que, paradoxalmente, na tentativa de alcançar a verdade, precisa recorrer à ficção. Essa literatura de testemunho é, para a história, fonte.

 

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Recebido em 29/09/2022.

Aceito em 09/12/2022.



[1] Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Brasil. E-mail: sabrinacostabraga94@gmail.com | https://orcid.org/0000-0001-9164-7560

[2] Não se pretende ignorar que o conceito de historicismo seja mais complexo e multifacetado do que aquele utilizado, por alguns de seus críticos, como sinônimo de uma historiografia positivista. Gunter Scholtz (2011) afirma que o historicismo não pode ser reduzido a nenhuma de suas definições habituais. Para definir o termo que já foi utilizado como sinônimo do pensamento histórico em geral, Scholtz (2011, p. 44) apresenta pelo menos cinco significados fundamentais que frequentemente se sobrepõem: o historicismo como história universal (o mundo humano historicamente determinado); o historicismo como metafísica da história (compreender ou imaginar a ordem e a racionalidade de toda a história); o historicismo como romantismo e tradicionalismo (glorificação do passado e crítica ao que é novo); o historicismo como objetivismo e positivismo históricos (a pesquisa empírica); e o historicismo como relativismo histórico (relativização de todos os sistemas de valores e de orientação).

[3] No trecho completo: “À história foi dada a função de julgar o passado, instruir sobre o mundo ao nosso redor para o benefício dos anos futuros. Essa função tão superior, no entanto, não prejudica o experimento presente: ela só quer mostrar [o passado] como realmente era” (RANKE, 1874, p. 6-7 - tradução minha).

[4] Os planos para o extermínio dos judeus teriam se iniciado alguns meses antes da Conferência de Wansee, em Lublin, no que ficou mais tarde conhecido como Operação Reinhardt (YITZHAK, 1987, p. 14), codinome para a organização do envio de judeus da Polônia ocupada para campos de extermínio, tais como Belzec, Sobibor e Treblinka.

[5] Chomsky, em 1979, assinou uma petição, redigida por Mark Weber, defendendo Faurisson em favor da liberdade de expressão. Após ser criticado, seguro de sua posição, escreveu um artigo que posteriormente se tornou o prefácio de um livro, o qual Chomsky reconheceu sequer ter lido, no qual Faurisson negava, mais uma vez, a existência das câmaras de gás e afirmava que todos os depoimentos de nazistas, assim como O Diário de Anne Frank, haviam sido forjados.

[6] Um artigo recente de Arthur Ávila (2021) discute a forma como o Brasil Paralelo trata o passado e é certamente uma leitura proveitosa para pensar o que o autor chama de falsificações do passado ou imposturas intelectuais surgidas com o intuito de apagar determinados eventos da memória coletiva. Segundo o autor, apoiam-se em uma estratégia que se basearia menos na falsificação/negação empírica e mais nas representações omitidas através de silêncios, ocultamentos e minimizações.

[7] O conceito de pós-modernismo aqui utilizado é aquele definido por Lyotard (2009) e retomado por Jenkins (2011) para tratar da construção da história em um mundo pós-moderno. Nesse sentido, a definição de pós-modernismo se liga à “morte dos centros” e à “incredulidade ante as metanarrativas”, o que significa dizer que os antigos quadros de referência que pressupunham a posição privilegiada de centros já não seriam mais considerados naturais ou legítimos, e sim formulações ficcionais e temporárias de interesses não universais, mas particulares. Também significa dizer que as narrativas estruturadoras e significadoras da evolução ocidental não mais serviam, levando a um solapamento da razão, da ciência e de qualquer discurso com pretensão à verdade (JENKINS, 2011, p. 93-95). Assim, não se entende o pós-modernismo como um movimento unificado, mas como uma tendência cética, seja sobre a relação entre poder e saber que pautava os mencionados centros e metanarrativas, seja sobre a capacidade dos conceitos em abarcar a realidade. Essa tendência, na história, pode ser vislumbrada por meio da multiplicidade de relatos históricos possíveis a partir de um passado reescrito infinitamente.