Memórias do mar: modernização e segregação em Florianópolis, Santa Catarina[1]

 

Memories of the sea: modernization and segregation in Florianópolis, Santa Catarina

 

Vinícius Silveira Luz[2]

 


Resumo

O presente artigo tem como objetivo analisar o desenvolvimento e a modernização da cidade de Florianópolis, capital de Santa Catarina, através das memórias de um pescador da comunidade periférica da Tapera, no sul da Ilha de Santa Catarina. A partir dos relatos fornecidos por esse privilegiado informante busco desvelar e compreender o processo de modernização da cidade como sendo responsável pela elitização dos espaços da cidade e a marginalização espacial das populações trabalhadoras e pobres. A partir do pensamento da História do Tempo Presente buscarei também uma reflexão sobre o processo de desenvolvimento de uma determinada identidade cultural ligada ao mar, que funciona como elemento segregador na valorização ou desvalorização de determinados espaços ou narrativas na cidade.

Palavras-chave: Florianópolis; Modernização; História Oral.

Abstract

This article aims to analyze the development and modernization of the city of Florianópolis, capital of Santa Catarina, through the memories of a fisherman from a community in the south of Santa Catarina Island. Based on the accounts provided by this privileged informant, I seek to reconstruct and understand the process of modernization of the city as being responsible for the removal of maritime sociabilities, the elitization of city spaces and the spatial marginalization of working and poor populations. I will also seek a reflection on the process of development of a certain cultural identity linked to the sea that works as a segregating element in the valorization or devaluation of certain spaces or narratives in the city.

Keywords: Florianópolis; Modernization; Oral History.


 

 

 

 

 

 

Florianópolis, a capital do estado de Santa Catarina, tem um desenvolvimento urbano tardio se comparada com outras capitais do país. A cidade era conhecida até a década de 1950 pelo provincianismo, a colonialidade dos hábitos e a precária infraestrutura urbana. Frente ao desenvolvimento de cidades industriais do vale do Itajaí, como Joinville, a capital ainda parecia pequena demais para o país que estava a surgir na primeira metade de século XX. Dos anos de 1950 a 1980, porém, ideias de futuro pautadas pelo progresso urbano passaram a rondar as mentes e mãos das elites florianopolitanas, que enxergavam uma “vocação turística” na cidade como caminho para o desenvolvimento (LOHN, 2016). Desde então, mesmo cercada pelo mar, toda a região e seu desenvolvimento têm sido cada vez mais marcados pelo afastamento urbano do mar e por um investimento pesado em infraestruturas rodoviárias que possibilitariam a vinda massiva de turistas para a cidade ano após ano.

A relação conflituosa da cidade com o mar, entretanto, data desde o começo do século XX e continua até os dias atuais confusa e incerta. Para compreender um pouco mais dessa relação, tive a oportunidade de conversar e realizar uma entrevista com Seu Aterino, pescador e filho de uma das comunidades pesqueiras mais antigas da cidade. A experiência, a trajetória de vida e as memórias de Aterino, ou como é conhecido na região, Seu Russo, são valiosos vestígios que nos auxiliam a compreender o lado humano colocado no desenvolvimento urbano de Florianópolis e a relação histórica de seus habitantes com o mar, especialmente daqueles que vivem e sobrevivem a vida inteira por meio dessa relação. Esse é o caso de Aterino, que declara que desde criança “não tinha como correr do mar” (ATERINO, 2021). A entrevista foi realizada conforme a metodologia da História Oral e organizada de forma livre, ou seja, buscando conhecer mais a trajetória do entrevistado e não apenas coletar informações que valham por si mesmas (THOMPSON, 1992). Foi utilizada assim a abordagem da história de vida, uma história de natureza subjetiva e que busca registrar e narrar o conjunto de experiências da vida de uma pessoa (MEIHY, 2005). Foi essencial também o entendimento do caráter cooperativo da elaboração da entrevista, onde o sucesso da mesma depende da dinâmica entre entrevistado e entrevistador.

Através da trajetória do pescador busco compreender também a forma pela qual ocorreu uma desvalorização cultural e social de regiões que não se encaixam na perspectiva de exploração turística da cidade, bem como a formação de uma identidade cultural que busca legitimar e valorizar turisticamente certos espaços ligados a uma determinada tradição marítima, enquanto relega espaços e trajetórias concorrentes a uma marginalização social, econômica e cultural frente ao poder público e ao espaço urbano. Esse é o caso da comunidade em que Aterino está inserido, a Tapera da Base, no sul da Ilha de Santa Catarina, que mesmo cercada pelo mar e lar de histórias e trajetórias ligadas ao mar, ainda ocupa uma posição de marginalidade em relação ao cenário cultural e histórico florianopolitano. A compreensão da produção do bairro como diferença é tarefa fundamental nesse trabalho.

Figura 1: Região central de Florianópolis com o bairro da Tapera da Base em destaque

Fonte: OpenStreet Map.

 

Modernização e modernidade

A cidade de Florianópolis é marcada pela relação com o mar desde sua fundação. Os hábitos, as atividades econômicas e o cotidiano dos moradores foram por séculos mediados pelo mar. Até 1926, data de inauguração da Ponte Hercílio Luz, a única forma de entrar ou sair da cidade era pelo mar. A ponte, justamente, inaugura o início de um longo processo de afastamento do mar, das sociabilidades marítimas e de aproximação de modelos rodoviários ligados ao processo de surgimento da modernização e do modernismo europeus no final do século XIX. Esse processo é fundamental para compreender não só o desenvolvimento da capital de Santa Catarina, mas o de cidades em todo o país.

Existem diversos sentidos da Modernidade. Inicialmente, o período moderno é observado de duas formas, aparentemente distantes, a forma material e espiritual. No campo do espírito estariam destacados os desenvolvimentos artísticos e intelectuais do período. No campo material, as conquistas políticas, econômicas e sociais. A primeira popularmente referida enquanto “modernismo” e a segunda enquanto “modernização” (BERMAN, 2007). Baudelaire, reconhecido por Marshall Berman e estudado por Walter Benjamin como um dos “grandes escritores modernos” (BERMAN, p. 173), conseguiu exprimir em sua literatura as diversas facetas e contradições inerentes a esse período histórico interdependentemente e brilhante. O estudo de sua obra, nos indica um importante quadro da modernidade e dos seus paradigmas urbanos.

Baudelaire escreve diretamente da nova e luxuosa Paris de Napoleão III e do Barão Haussmann, responsáveis, nas décadas de 1850-1870, pela modernização e total reorganização da cidade. O poeta era em simultâneo, espectador e participante de todo processo de destruição e reconstrução da cidade, bem como das sociabilidades e das experiências dos parisienses modernos. Em seu escrito “Os olhos dos pobres” ele narra o encontro de um apaixonado casal num dos novos cafés erguidos com a construção dos boulevares parisienses, encontro, porém, atrapalhado por uma família de pobres que observava de perto a riqueza e modernização do ambiente. Esse encontro, que poderia se dar em qualquer lugar, representa um arquétipo da vida moderna especificamente pelo espaço onde se dá: o novo boulevard parisiense, descrito por Berman enquanto “a mais espetacular inovação urbana do século XIX, decisivo ponto de partida para a modernização da cidade tradicional” (BERMAN, 2007, p. 176). Os bulevares, construídos onde antes existiam habitações e casas de famílias pobres, foram responsáveis pela criação de um sistema de circulação e tráfego urbano, bem como a abertura de espaços livres no centro da cidade, onde seriam também instalados mercados, parques, jardins, pontes e outros monumentos culturais (BERMAN, 2007). Segundo Berman:

O empreendimento pôs abaixo centenas de edifícios, deslocou milhares e milhares de pessoas, destruiu bairros inteiros que aí tinham existido por séculos. Mas franqueou toda a cidade, pela primeira vez em sua história, à totalidade de seus habitantes. Agora, após séculos de vida claustral, em células isoladas, Paris se tornava um espaço físico e humano unificado. (BERMAN, 2007, p. 178).

 

Esse foi o mesmo modelo seguido por todo projeto de modernização de grandes cidades, incluindo a cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Esse, tinha como objetivo principal a retirada dos pobres da cena urbana central, através da destruição e dos bota-abaixo promovidos pelo Estado, bem como a abertura de grandes vias para a passagem de automóveis. Os carros eram, nesse sentido, um dos principais instrumentos da modernização. Baudelaire definiria a vida e a cidade moderna pelo caos do tráfego e a organização desorganizada do progresso e da modernização.

Desse modo, a experiência do tempo moderno, de 1789 a 1989, seria marcada pelo “período em que o ponto de vista do futuro domina. A palavra-chave é Progresso, História é entendida como processo e Tempo como se direcionando a um fim (progressão)” (HARTOG, 2003, p.11). Esse é um período que por conta das mudanças, pode ser entendido também como uma forma altamente reflexiva de vida, onde práticas sociais são constantemente analisadas e reanalisadas frente às informações recebidas sobre elas mesmas, resultando no seu contínuo desenvolvimento (HALL, 2006). Os efeitos da modernidade parisiense, tomados enquanto universal modelo de metrópole no período, tornaram-se presentes na imaginação e nas visões sobre todas as metrópoles do período, como é o caso da cidade do Rio de Janeiro, mas também, por exemplo, de Porto Alegre no Rio Grande do Sul, como mostra a historiadora Sandra Pesavento na obra “O imaginário da cidade: Visões literárias do urbano” (2002) ao estabelecer um fio condutor que liga a modernização de Paris ao estabelecimento de Porto Alegre enquanto grande urbe no século XX.

Como podemos observar a modernidade europeia não buscava apenas uma reforma e uma reorganização dos espaços da cidade, mas das próprias mentalidades presentes nela. Nesse sentido, uma série de hábitos, ligados principalmente à higiene e saúde públicas passaram a fundamentar a vida nas cidades. Era estabelecido assim um afastamento das sociabilidades e das culturas entendidas enquanto “coloniais” em detrimento do “moderno”. Na cidade de Florianópolis, esse processo tem apesar de ter início no final do século XIX, apenas ganha força nas primeiras décadas do século XX. É marcado assim, nos anos de 1920, pela construção da Avenida Hercílio Luz em 1922. A região a Avenida, por volta de 1880, era ocupada pelo córrego da Fonte Grande, ou o Rio da Bulha, que na época era identificado pelo acúmulo de lixo e esgoto que nele eram lançados. O córrego cortava a cidade e havia atingido uma situação degradante por volta do início do século XX, quando a saúde pública se tornou uma questão importante para se pensar o urbano no Brasil, dadas as grandes crises de malária e varíola causadas pelo crescimento urbano desenfreado nos grandes centros e os episódios da Revolta da Vacina no Rio de Janeiro em 1904.

Em Florianópolis a higiene pública se tornou um problema alarmante na década de 1910, quando foi conduzida uma verdadeira guerra pela campanha de higiene do estado. Nesse sentido é emblemática a participação do então governador Hercílio Luz (1918 – 1922) nas campanhas de urbanização e higienização que tiveram foco no litoral catarinense, principalmente na capital, onde foram realizadas uma série de intervenções urbanas e sanitárias que introduziram novas regras de convívio urbano na cidade. Essas reformas tinham interesse em criar uma Florianópolis menos colonial (à época sinônimo de atraso e sujeira) e pacata, já que a cidade era porta a de entrada do estado e não correspondia às expectativas do crescente investimento capitalista na região, onde inclusive existia a ameaça de transferência da capital do estado para o interior. A Avenida inaugurada com o nome de Avenida do Saneamento é simbólica nesse sentido, pois para construí-la foram demolidos diversos cortiços que ocupavam as margens do mal-afamado e poluído Rio da Bulha. Viabilizando assim o saneamento da região central, porém, causando a expulsão e marginalização de toda a população de baixa renda da região para os morros (ARAÚJO, 1999).

O maior dos símbolos de modernização, entretanto, foi a Ponte Hercílio Luz. A construção foi iniciada no governo de seu idealizador, o então governador do estado Hercílio Luz, no mandato de 1922 a 1924, porém, o mesmo morreu antes da conclusão da obra, que iria se chamar “Ponte da Independência”, mas foi rebatizada em sua homenagem em 1926. A ponte ligava o continente à parte insular de Florianópolis e facilitou a aceleração do desenvolvimento viário e econômico de Florianópolis do início do século XX, possibilitando o surgimento de diversos bairros na parte continental e insular da cidade, bem como o maior desenvolvimento do Centro e, assim, o impedimento da mudança da capital do estado para o interior de Santa Catarina[3]. Lohn alerta, entretanto, que “até o asfaltamento da rodovia BR-101, no início da década de 1970, as ligações rodoviárias da cidade com outras regiões do país continuaram bastante precárias.” (LOHN, 2016, p. 31).

Ainda assim, essas obras com o tempo não se mostraram suficientes para estabelecer uma mudança de patamar na cidade, que na década de 1950 ainda era vista com maus olhos, dado o provincianismo e afastamento das ideias de progresso que orientavam o período. Longe do progresso das outras capitais do país, Florianópolis ainda corria sérios riscos de deixar de ser a capital do estado na década de 1950. Nesse sentido, os anos de 1950 marcaram um ponto de virada no desenvolvimento urbano da cidade. Foram assim organizadas uma série de mudanças no cenário urbano da cidade em nome do progresso, orientadas também pela aceleração do ritmo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil durante os anos Juscelino Kubitschek (LOHN, 2016, p. 15). Em função disso, entre as décadas de 1950 e 1980 o futuro da cidade foi um tópico que movimentou o cotidiano dos habitantes, as ações do governo e todo o imaginário e expectativas da população florianopolitana (LOHN, 2016).

A principal característica que passou a orientar o desenvolvimento da cidade foi a exploração de uma ideia de vocação natural da região para a exploração do turismo, discurso presente no debate público da cidade desde os anos de 1950 (LOHN, 2016, p. 37). Mais tarde, tornou-se comum a veiculação da cidade com narrativas e jargões publicitários que visavam a exploração do turismo internacional na capital, por exemplo, através da ideia de um “Paraíso Internacional”, que no início dos anos de 1990 buscava consolidar Florianópolis enquanto capital internacional do turismo (FANTIN, 2000). Nesse sentido, nos anos de 1990 e 2000 foi importante o desenvolvimento de campanhas midiáticas do governo municipal e estadual que propagandeavam Florianópolis nacionalmente como a “melhor cidade para se viver” e a “capital com melhor qualidade de vida do país” (POZZO; VIDAL, 2011, p. 253).

Essa “vocação turística” que surgia como discurso unia o interesse de investidores privados na valorização imobiliária de certas regiões da cidade e suas conexões com integrantes do poder público. Assim, o Estado através da construção de rodovias e o incremento da infraestrutura urbana possibilitava a exploração de regiões até então pouco valorizadas pelas elites. Esse foi o caso da região norte da capital, especialmente Canasvieiras e Jurerê (LOHN, 2016, p. 110). É marcante nesse sentido a construção da Avenida Beira Mar Norte na década de 1960, que com o apoio do poder público, das elites empresariais, partidos conservadores e imprensa, possibilitou a expansão da cidade rumo às praias do norte e promoveu a enorme valorização imobiliária de uma área da cidade ocupada por chácaras de famílias ricas, beneficiando assim as camadas médias e altas de Florianópolis (LOHN, 2016, p. 211).

Assim, seguindo o que Lohn intitula enquanto “modernização conservadora” (LOHN, 2016, p. 66), Florianópolis buscava o moderno como uma forma de “supressão do passado e inauguração de um tempo novo” (LOHN, 2016, p. 67). Esse tempo, passava pela promoção de hábitos ligados ao estilo de vida americano, ao desenvolvimento da indústria tecnológica, das formas de consumo massificadas e também a busca de uma organização racionalizada dos espaços da cidade, colocada através da criação do Plano Diretor e de um código de obras na década de 1950 (LOHN, 2016). Nesse sentido, o centro da cidade foi o principal ponto de agência do ímpeto modernista. A região que até a década de 1950 reunia poucas lojas e cafés, onde se encontravam as figuras da classe médias interessadas na política local e regional, foi transformada com a pretensão de criar uma cidade “com jeito de metrópole” (LOHN, 2016, p. 48). Para isso foi promovida a verticalização da região, com a construção de novos prédios altos em substituição aos antigos edifícios coloniais, bem como a criação de cinemas, nova iluminação pública e revitalização do trânsito local, todas essas medidas que colaborariam para o embelezamento da cidade (LOHN, 2016).

O centro da cidade é, nesse sentido, o principal ponto de reflexão da mudança de mentalidades e sociabilidades da modernização florianopolitana. Nesse sentido, no final da década de 60 e início dos anos 70 começaram a surgir notícias sobre o esgotamento da fluidez do tráfego da única ligação viária entre Ilha e Continente na opinião pública da cidade. Eram várias as críticas à mobilidade urbana da capital e às condições estruturais da ponte Hercílio Luz, que provocavam diariamente enormes filas de veículos. O problema se agravou quando uma ponte com estrutura idêntica à de Florianópolis ruiu nos EUA em 1967, fato que tornou-se fonte de apreensão entre os passageiros que passavam horas na fila da edificação (SANTOS, 1997). A construção de uma nova ponte era uma absoluta necessidade na visão de moradores, imprensa e estado. Nesse contexto foi planejada a construção da Ponte Colombo Salles, obra visionada pelo engenheiro e governador do estado de SC, Colombo Salles, como fator que transformaria e renovaria a capital catarinense. Nesse sentido Lohn afirma:

A administração de Colombo Salles foi marcada por grandes investimentos públicos em Florianópolis, com vistas a concretizar os projetos para a metropolização da cidade e, assim, assegurar sua posição como capital do estado (LOHN, 2016, p. 295).

 

Para viabilizar a construção da segunda ponte, o governo de Colombo Salles implantou o Aterro da Baía Sul, responsável por dar sustentação e ser símbolo dessa nova concepção de modernidade, amparada nas rodovias e nos carros. Entretanto, a obra foi responsável também pela destruição da antiga sociabilidade marítima do centro histórico, além de ser um empreendimento falido no sentido de não ter usos a não ser os de “automobilidade” e velocidade, em uma área que até então era viva (SANTOS, 1997, p. 66). Nesse sentido, o Aterro, uma das maiores áreas livres do Centro de Florianópolis, é até hoje quase como um não-lugar, um deserto urbano que relega a tradição marítima da cidade e que deixou sem vida parte do centro histórico em nome do moderno. É assim, símbolo maior de uma cidade que abraçou “o automóvel e as autoestradas, como símbolo de progresso e desenvolvimento.” (SANTOS, 1997, p. 60). O objetivo final era a “metropolização” da cidade, que após a incorporação de novos espaços por meio de grandes aterros passou a abrigar “modos de vida, hábitos, jeitos e valores” que se aproximavam das grandes cidades brasileiras (LOHN, 2016, p. 305).

O historiador Paulo César Santos descreve o ambiente central da cidade no período anterior a construção do Aterro:

A “pacata e provinciana” Florianópolis, até a década de 70 deste século, no que diz respeito ao seu núcleo central, mantinha a sua maritimidade. A antiga orla com seus trapiches, amuradas, atracadouros, a movimentação dos barcos e o ir e vir pelo mar, era a linha de interseção de dois territórios distintos, mas inter-relacionados, o urbano e o marítimo. Na amurada banhada pelas águas da baía sul, o usuário da cidade tinha a compreensão do que era estar diante da cidade. Esta é uma finitude que só os núcleos urbanos ilhados podem ter, pois o mar, o que está no entorno, não é um lugar e sim uma passagem (SANTOS, 1997, p. 26).

 

Nesse período o mar marcava e delimitava todas as atividades econômicas e culturais do centro histórico da cidade. As principais sociabilidades e rotas de passagem da região tomavam lugar perto do mar, como o porto, a Alfândega, o Mercado Público e o comércio de forma geral. Em bairros e regiões mais interioranas da Ilha, as únicas formas de entrada e saída eram pelo mar e por embarcações que ancoravam no centro (SANTOS, 1997). No entanto, com o advento das novas mentalidades modernas, o mar que rodeava o centro passou a ser visto como obstáculo para o desenvolvimento de Florianópolis. Relatos do período davam conta, por exemplo, de que “... Florianópolis é a única capital do Brasil que não possui ligação asfáltica do aeroporto com o centro urbano, e ainda existem localidades no interior da ilha, que não possuem ligação terrestre com o centro da cidade...” (SANTOS, 1997, p. 17). Além disso, o mar próximo tornou-se um fator desagradável para a população e o comércio da região considerando a quantidade de dejetos que eram despejados ali há décadas. Ao mesmo tempo, entretanto, as praias do interior da cidade foram valorizadas enquanto áreas de banho e lazer, quando sempre foram vistas como lugar de trabalho e despejo. Assim, foi criada na década de 1970 a noção de praias “impróprias para banho”, seguidas de campanhas do estado e da imprensa para evitar e condenar o uso das praias da região central para o banho. Nesse sentido, o Departamento Autônomo de Saúde Pública sinalizou com placas as praias que não deveriam ser usadas para banho e multar quem poluísse os mares da região.

A emergência do desenvolvimento viário e o contínuo rompimento com o mar desde a década de 1920 tornaram iminente a construção do Aterro da Baía Sul e a destruição completa das sociabilidades marítimas do centro da cidade em busca da quebra do “ciclo vicioso de subdesenvolvimento da capital” (LOHN, 2016, p. 294). Esse processo, entretanto, não deixou de causar alguma dor e pesar pela perda de certos espaços, como era o caso do Miramar. Inaugurado em setembro de 1928 como um cais destinado ao embarque e desembarque de passageiros vindos da baía (SANTOS, 1997), em substituição ao Trapiche Municipal, foi demolido em outubro de 1974 para dar espaço ao Aterro da Baía Sul. Ao longo dos seus quase 50 anos de existência, o Miramar teve diversas funções, mas a principal era a de reunião de boêmios, artistas, músicos, jornalistas, políticos e foliões no Carnaval. Era parte integrante e icônica da sociabilidade da região do centro histórico. No poema de Sebastião Ramos, recuperado por Santos, "No tempo do Miramar" (1993), fica muito evidente a saudade meio amarga dessa tradição marítima e de tudo que ela representava: "Miramar dos boêmios, dos amantes/ Dos políticos, dos jornalistas/ Das crianças, dos pescadores/ Miramar dourado, revestido de mel/ Doce recordação" (SANTOS, 1997, p. 09). Assim, no dia 24 de outubro de 1974 a crônica local amanhecia com a seguinte manchete: “A cidade amanheceu sem um pouco de si mesma. Estão acabando com o Miramar.” (SANTOS, 1997, p. 45).

Figura 2: Comparação entre a região central da cidade antes e após o Aterro

Fonte: SANTOS, 1997.

Além do Miramar outros lugares que possuíam valor histórico e memorial na região foram destruídos ou tiveram sua razão de existir descaracterizada, como o antigo Mictório Público e o antigo Forte Santa Bárbara, além da perda das sociabilidades que ligavam Alfândega, Mercado Público e o Miramar. Essa situação torna-se especialmente incômoda quando o Aterro também é descaracterizado e perde a maior parte das suas funções planejadas, virando apenas uma enorme rodovia sem alguma outra utilidade pública ou humana. Santos faz um diagnóstico da ocupação da região:

Este tipo de ocupação levou a cidade a contrair outra doença, ainda pouco estudada, que pode ser chamada de “dromotopia”. A área afetada por este mal é facilmente identificável pelo excesso de espaços para circulação em alta velocidade. Esta moléstia pode ser diagnosticada em cidades onde há uma necrose do tecido urbano, causada em geral, pelo acúmulo de anos de maquinismo, ou pelos resíduos do “fomento por pneus” (...) O fluxo cortante das autoestradas impede que a maior área livre de Florianópolis torne-se um espaço de convívio. (SANTOS, 1997, p. 65)

 

Mas qual seria então a ligação entre a modernização de Florianópolis, o afastamento das sociabilidades marítimas e a vida de um velho pescador de uma comunidade no sul da Ilha de Santa Catarina? Podemos compreender melhor essa questão através da obra Ilhas e Mares: simbolismo e imaginário (1997). O autor constata que as populações e sociedades insulares tem sido cada vez mais estudadas, principalmente através das representações, simbólicas e imaginárias que a sociedade global faz destas. As ilhas e os ilhéus tem recebido especial atenção nesse sentido (DIEGUES, 1998). Esses espaços, percebidos e simbolizados globalmente através da mídia como lugares paradisíacos, mágicos, abertos a novas aventuras e lazer despreocupado, tornaram-se no mundo inteiro foco de ricos turistas, que através de extensa propaganda enxergam ilhas enquanto uma mercadoria, de alto custo, vale dizer. Diegues (1998) aponta, desse modo:

As mais valorizadas são as ilhas oceânicas tropicais, como as do Caribe, as do Oceano Índico e da Polinésia. Na maioria das imagens, a ilha é comparada a uma linda mulher, como sugere uma das campanhas publicitárias de grande sucesso mundial “Toda mulher é uma ilha e Fidji é seu perfume” (DIEGUES, 1998, p. 1).

 

Não apenas o turismo torna-se lucrativo no caso das ilhas, mas a sua exploração por empreendimentos privados, que instalam luxuosos hotéis e residências nesses espaços, muitas vezes ao custo das populações locais, que tem seus locais de moradia e sobrevivência cerceados. Por conta desse processo de tomada, têm ganhado força os estudos sobre a “ilheidade (îleité)” (DIEGUES, 1998, p. 3), ou seja, os estudos sobre as identidades culturais e as representações realizadas pelos próprios ilhéus, percebidos agora em sua diferença frente ao modo de vida, de interpretação e de representação das populações continentais.

Podemos perceber esse processo em Florianópolis no surgimento de um movimento que buscou valorizar a identidade dos ilhéus frente a “perda da cidade” (FANTIN, 2000) ocasionada com a migração de estrangeiros que passaram a ocupar a Ilha de Santa Catarina no período de modernização florianopolitano. Desse modo, a modernização e o subsequente afastamento do mar foram realizados como forma de tornar a cidade mais aprazível a turistas e a moradores mais abastados, uma vez que durante todo o processo, foi constante a favelização dos morros no entorno do centro da cidade, bem como a criação de bairros periféricos mais afastados das paradisíacas praias da Ilha, identificadas e vendidas como lugares mágicos e um “Paraíso Internacional” (FANTIN, 2000).

A dissertação de mestrado do historiador Camilo Buss Araújo, intitulada “Os pobres em disputa: urbanização, política e classes populares no Morro da Caixa d'Água, Florianópolis — anos 1950 e 1960” (2006) nos demonstra um pouco do contexto pelo qual o projeto de modernização da cidade foi um negócio atraente para imigrantes, que serviram de mão-de-obra para a construção desse projeto, mas que após a sua realização, foram colocados a margem de sua própria criação. Segundo levantamento feito pelo autor, o Morro começou a ser ocupado na década de 1920, porém, seu maior crescimento populacional se deu nos anos 1950 e 1960, época em que o morro e a cidade na totalidade passaram por uma série de mudanças urbanas, culturais e sociais (ARAÚJO, 2006). As mudanças já foram descritas anteriormente por Lohn, mas aqui adquirem um caráter mais específico e quase “micro-histórico”, visto que os personagens da comunidade aparecem com maior ênfase e papel narrativo. Ainda assim, todo o processo de “urbanização desurbanizada” (ARAÚJO, 2006, p. 14) com o qual a cidade de Florianópolis foi marcada é evidente.

Ao trabalhar tão habilmente com a experiência dos trabalhadores e moradores do Morro, é marcante na narrativa de Araújo como, ao mesmo tempo em que trabalhavam, literalmente, construindo os sonhos de modernização das elites florianopolitanas, as classes trabalhadoras eram sistematicamente excluídas da participação nesses sonhos e culpadas enquanto entraves para o “progresso”. Nesse sentido, o Morro da Caixa foi um dos espaços que cresceram exponencialmente em função do desenvolvimento da cidade, sendo ocupado, nos anos 1960, em grande parte por trabalhadores da construção civil, “a qual aparecerá de forma pungente na paisagem florianopolitana no período seguinte, final dos anos 1960 e década de 1970” (ARAÚJO, 2006, p. 50).

Apesar de não ser morador do morro, ainda que morador da periferia, a trajetória de vida do entrevistado da pesquisa, Seu Aterino, converge perfeitamente e é ótimo ponto de inflexão a respeito dos processos acima descritos, especialmente no que tange a experiência daqueles que construíram o desenvolvimento da cidade e não foram atendidos por esse. É fundamental também o reconhecimento da trajetória de vida, das experiências, formações simbólicas e sociabilidades dos que viveram e ainda vivem a vida inteira do/no mar, ou como Diegues (1998) apontou: a “ilheidade”, representada aqui na figura e na narrativa de Aterino. Nesse sentido, o autor aponta também para o importante significado da maritimidade[4] nas relações estabelecidas pelas populações insulares:

A maritimidade desempenha papel fundamental na própria representação que os ilhéus têm de si próprios e de suas relações com a sociedade abrangente (regional ou nacional) (...) Assim, o elemento básico da sociedade insular não é a presença física do mar, mas as práticas sociais e simbólicas desenvolvidas em relação ao mar, representado pelos ilhéus de várias maneiras: obstáculo, e também caminho para o contato com outras sociedades, espaço de trabalho e de representações simbólicas (DIEGUES, 1998, p. 39).

 

A entrevista e a espacialização da diferença

Para entendermos um pouco mais de Aterino, é essencial entender como ele enxerga a si mesmo e a sua posição no mundo e na comunidade. Seu Russo é uma das figuras mais conhecidas da comunidade da Tapera, bairro periférico no sul de Florianópolis. Ele construiu boa parte da sua vida na região com a pesca e com o comércio, coisas que o tornaram popular no bairro. Todos conhecem o Seu Russo, fato expressamente marcado na realização da entrevista, quando foi intercedido constantemente por conhecidos que passavam perto da praia, onde estávamos reunidos. Essa boa disposição para relações sociais foi também fundamental na construção de laços no mar com outros pescadores em todas as comunidades de pesca da cidade, como o mesmo afirma. Entretanto, Aterino considera-se um dos poucos pescadores verdadeiramente profissionais da Tapera, em oposição a maioria de pescadores amadores na região. Sobre essa distinção evidente na fala ele afirma:

Antigamente tinha é, os pescador era mais unido porque existia pescador. Hoje não tem mais. Ó nós aqui ó. Está eu outro rapazinho que mora ali no canto da praia. Que é um pouquinho mais velho do que eu e outro rapaz que está aqui mais ou menos está com cinquenta e cinco anos. São três pescadores aqui na Tapera. Mas tem muita embarcação aí ó, mas nenhum deles é pescador profissional. São tudo funcionário público (ATERINO, 2021).

Entender Aterino é compreender também essa distinção. O grande diferencial entre o pescador profissional e o pescador amador, de acordo com Seu Russo, seria o fato de viver completamente da pesca. Segundo Aterino, dos seus 68 anos, a maioria foram dedicados ao mar, fato que o legitimaria enquanto um verdadeiro pescador. Essa vida dedicada a pesca começou, segundo ele, no Ribeirão da Ilha, bairro vizinho à Tapera e marcado pela relação com a cultura pesqueira e litorânea. Segundo ele, o pai, que também vivia da pesca mudou-se da Barra do Aririu, na Palhoça, para o Ribeirão nos anos de 1940. Aterino nasceu em 1953 e partilhou a infância e a adolescência com 17 irmãos e irmãs, fato que o obrigou desde cedo a trabalhar com a pesca e a também cedo mudar-se de casa, quando viajou para pescar no Rio Grande do Sul com apenas quatorze anos. Ele conta:

É dos anos quarenta pra mais ou menos isso aí né? A gente nasceu aqui, eu sou de cinquenta e três então ele veio né, mais ou menos isso aí e antes de mim já nasceram já nasceu seis aqui. Aí então como ele tinha a pescaria, né, vieram pra cá. Parece que na época tinha mais mão de obra pra ele pescar então ele veio pra cá, mas também viveu pouco, bebia muito, né. Aí pra criar os filho, os filho foram crescendo, foram saindo de casa, né, porque não podia ficar todo mundo em casa, aquela época dificuldade era grande. E eu com quinze anos fui pro Rio Grande, aí pesquei lá uns seis meses, aí voltei, voltei pra casa, fui com quatorze anos e voltei com quinze (ATERINO, 2021).

 

A mesma experiência encarada por Aterino também foi compartilhada com uma pluralidade de pescadores artesanais de Florianópolis que compunham um grupo intitulado posteriormente de “embarcados”, esses eram reconhecidos como indivíduos de camadas populares da Ilha de Santa Catarina que “trabalhavam embarcados nas antigas parelhas de pesca do litoral gaúcho, em pequenos barcos, em barcos pesqueiros de alto mar” (GARCIA, 2008, p. 7). A pesquisa de Garcia (2008) revelou através dos testemunhos orais desses pescadores, que:

Se deslocavam temporária ou definitivamente para outros centros, outras cidades do litoral brasileiro, preferencialmente Rio Grande (Rio Grande do Sul) e Santos (São Paulo), onde vislumbravam a possibilidade de romper com o trabalho duro na lavoura e na pesca de subsistência. Trabalhavam e “colhiam” algum dinheiro com o qual poderiam participar das relações monetárias de consumo que se colocavam presentes através da modernização brasileira entre (1940-1980). Esse movimento fazia-se necessário, uma vez que os territórios urbanos do município de Florianópolis “não dispunham de condições materiais” nem simbólicas de oferecer a estes sujeitos a liberdade e o acesso às “facilidades” ou “complexidades” de uma vida moderna (GARCIA, 2008, p. 7).

 

A vida de Aterino, da mesma forma que a experiência dos embarcados, mesmo na infância era ligada exclusivamente ao trabalho. A situação de vulnerabilidade não permitia nem que o mesmo tivesse a oportunidade de estudar. Por isso, viver da pesca era uma obrigação. Como ele mesmo afirma, “não tinha como correr do mar”:

Aterino: a gente se lembra tudo. Quando era guri pequeno que a gente passou muito trabalho né, então não esquece não. Eu quando comecei a pescar que era guri pequeno, naquela época não existia nem rede, não existia nada, corda não existia, fazia corda de cipó pra puxar rede, tinha seis, sete anos já, deixava de ir para a escola, pra ir pro mar, não estudei.

Vinícius: O senhor não chegou a fazer escola?

Aterino: Não filho, se estudasse, eu morria de fome. Nós tinha que trabalhar pra estudar. E eu era mandrião na escola mesmo. Eu saí no segundo ano, aprendi o básico do básico. Aí depois, no andar da carruagem né, que a gente começou a aprender mais alguma coisa, que tem certos lugares que a gente chega pra trabalhar, não tem nada, então a gente, né, quando era mais novo pegava um livro, tentava ir lendo, né, então eu sei ler o básico, eu sei ler pra mim, ler pros outros não, ler pros outros não dá, eu tenho dificuldade de juntar as letras. A minha filha já tentou duas vezes me botar na sala de aula e eu não tenho nem paciência. Cara, eu não consigo prestar atenção com a professora me falando. Isso não é de agora, desde rapaz pequeno... Meu pai não tava nem aí, a minha mãe sempre dizia "vai pra escola meu filho, vai fazer falta", mas se eu for pra escola quem é que vai botar comida na mesa amanhã? Eu tenho que andar à procura, tirava ostra, tirava berbigão, era no peixe... Tirava berbigão pra vender em pratinho. Aí vendia, era uma merreca, diferente de hoje, hoje um quilo de berbigão é cinquenta pila e não tem (ATERINO, 2021).

 

O entrevistado também foi questionado sobre a relação com o pai, figura que aparecia em alguns dos seus relatos e que segundo contou, viveu pouco, bebia e “não estava nem aí” para o filho. Ele conta sobre o pai e a pesca na infância:

Vinícius: E aprendia sozinho ou com teu pai aprendeu?

Aterino: Não, rapaz, isso aí foi experiência da vida mesmo. É a experiência do dia a dia né?

Vinícius: Mas quando tu começou a pescar o teu pai não te ensinou nada?

Aterino: Não.  É assim ó. O meu pai como era um homem que não ele na época ele pescava só no remo e quando eu comecei a pescar já era motor né? Assim ó ele pescava com nós assim, nós pescava vinte e cinco numa baleeira[5], ele já não queria nem a polpa da lancha já "ó, pesca na polpa" ele dizia pra mim.

Vinícius: É mais difícil?

Aterino: É que é mais difícil e ele ficava sentadinho na proa só com reminho de voga pra ir levando a lancha junto com a rede e assim ó ele não dava opinião, ele conhecia tudo, mas ele não dava opinião de nada né, nem onde cercar onde não cercar, sempre foi uma pessoa assim. "Ah tu vai fazer um buraco e vai te ensinar?" Não, não ensina, ele sabia fazer mas também ensinar ele não ensinava (ATERINO, 2021).

  

Aterino também revela o período que passou em terras gaúchas, que foi, segundo ele, curto e doloroso por conta da enorme quantidade de trabalho e o pequeno pagamento. Quando voltou para Florianópolis, em meados de 1968, sua história pessoal acabou combinando-se com a história de modernização da cidade. Segundo ele, estava no lugar certo e na hora certa quando alugou uma de suas lanchas para uma firma do Rio de Janeiro que a época estava em Florianópolis para a construção da Ponte Colombo Salles, o principal símbolo modernizante do período na cidade, como coloquei anteriormente. Ele narra:

Como eu tinha já uma baleeira, uma lancha chamado baleeira né, apareceu uma firma do Rio de Janeiro pra fazer sondagem na ponte Colombo Salles. Aí coincidiu que eu estava no local certo, na hora certa. Ali foi pra fazer a sondagem da ponte, em setenta e um. Aí eu entrei em, né, em negócio com um cara, o fiscal da firma, que era uma firma chamada Tecnosolo e ali eu aluguei a baleeira pra trabalhar na ponte, puxar o flutuante. Flutuante é onde fazia a sondagem, botar uma ferramenta em cima, aí tinha que tirar ele do meio do canal, né, pra levar pra praia e também fazer baldeação do pessoal. Ali fiquei três meses, três meses e meio, na sondagem (ATERINO, 2021).

 

Assim como na experiência de Aterino, segundo Garcia (2008), o trabalho na crescente área de construção civil foi também a saída para muitos dos embarcados, que:

Após vários anos trabalhando, indo e vindo, entre Santos e Rio Grande, os embarcados começaram a perceber as oportunidades que a cidade de Florianópolis poderia oferecer através do crescimento urbano que estava experimentando. Podendo com isso, utilizar as experiências adquiridas em grandes centros para trabalharem em Florianópolis na construção civil, na crescente área de serviços que surgia com o desenvolvimento do turismo e no empreendimento de pequenos negócios (GARCIA, 2008, p. 36).

 

Nesse sentido, o Aterro da Baía Sul e a Ponte Colombo Salles foram obras visionadas pelo engenheiro e governador do estado de SC, Colombo Salles, como fatores que transformariam e renovariam a capital catarinense, na medida em que na visão dos “formuladores de políticas de desenvolvimento, a capital deveria assumir um papel de protagonismo socioeconômico” (LOHN, 2016, p. 305) que ainda não desempenhava completamente. Eram símbolos de uma época de progresso e desenvolvimento pautados no rodoviarismo e na construção de grandes obras. Símbolos de uma nova capital. Santos relata:

Para seus planejadores o Aterro seria a superfície, o berço de um complexo de auto-estradas. Este complexo compõe o sistema viário da segunda ligação Ilha-Continente, a Ponte Colombo Machado Salles (l972-75). Criou se a partir desta obra, a maior área livre da cidade, porém entrecortada por auto-estradas. É composta pelas areias dragadas e lançadas junto á orla sobre as águas, onde vai se encontrar com uma camada de argila orgânica, resultado em grande parte obtido pela ocupação centenária do homem na Baía Sul do Esteiro de Santa Catarina (SANTOS, 1997, p. 34).

 

É facilmente inteligível na narrativa de Aterino e em sua trajetória de vida a percepção de como os trabalhadores braçais não especializados e periféricos construíram a modernização da cidade. Lohn nesse sentido demonstra as péssimas condições de vida dos pescadores por volta dos anos de 1970, descritos por um jornal da época como “vítimas inocentes de privações de um desnível social tão grande” (LOHN, 2016, p. 297). Nesse contexto, a construção civil foi a saída para uma grande massa de trabalhadores pobres e não especializados na capital, como os pescadores, mas composta em grande parte por migrantes que acompanhavam o desenvolvimento econômico da cidade. Lohn coloca: “Na capital de Santa Catarina os migrantes eram ‘absorvidos nas muitas frentes de trabalho’, criadas pelo ‘acelerado crescimento de Florianópolis...” (LOHN, 2016, p. 309).

A convergência entre a trajetória dele e a trajetória do desenvolvimento de Florianópolis não acabara ali, entretanto. Seu Russo conta que acompanhou a firma em mais algumas obras pela região sul. A primeira foi em Bagé, no Rio Grande do Sul, quando passou sete meses afastado de sua cidade natal. Após esse período foi liberado, quando passou 4 dias de folga até ser chamado para outra sondagem em Florianópolis, agora na Baía Norte. A região passou por uma série de aterros que afastaram o mar da cidade, abrindo espaço para os carros. O primeiro foi na década de 1960, responsável pelo desaparecimento da antiga Praia de Fora. O segundo aterro foi realizado na década de 1970 para a implantação da Avenida Beira-Mar Norte, como hoje é conhecida. Segundo Andriani:

Esse aterro foi executado em duas etapas. A primeira foi construída na segunda metade da década de 1960 e a segunda na década de 1970. Devido ao crescimento dos bairros no entorno da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, instituição implantada em 1960 no bairro da Trindade, o movimento do trânsito para este bairro e os demais do entorno cresceu rapidamente. Outro fator foi a intensificação da procura pelas praias do Norte e Leste da Ilha a partir dos anos de 1970. Estas demandas tornaram necessária uma nova ligação do Centro de Florianópolis com estas regiões. Por ser inviável o alargamento das vias existentes, surgiu a necessidade de aterrar a orla para a construção da Av. Beira-Mar Norte. Inicialmente, esta avenida começava na antiga Praia do Müller (final da Rua Felipe Schmidt) e terminava na praça Governador Celso Ramos. Com esta primeira etapa concluída, o trânsito da malha viária a norte da área central ficaria mais livre até que houvesse aporte de recursos para o término do projeto, previsto para chegar até a UFSC (ANDRIANI, 2015, p. 58).

 

Após o trabalho no aterro da baía norte, Seu Russo revela que também havia participado no esforço de construção do Aterro da Baía Sul, que impressionava pelo tamanho e era o maior da cidade até então:

Agora, depois eu fiz a sondagem aqui na Baia Sul pra draga Sergipe e isso já foi em setenta e três (...) Ai fiz sondagem ali, tinham quarenta furos, todos os quarenta furos com areia... ali dá pra aterrar dez Florianópolis. Dali eu fui embora de volta pro Sul, fui de volta pra Bagé... (ATERINO, 2021).

 

O tamanho e o significado da obra para a cidade são percebidos até mesmo na lembrança de Aterino do nome da draga que realizou a obra. O historiador Santos (1997) também faz múltiplas menções a draga Sergipe em seu trabalho e revela um pouco de sua magnitude, que atraía opiniões passionais e a atenção de múltiplos espectadores. Sobre a obra, ele revela:

O arquiteto Wilson Luiz Pereira, da Secretaria de Transportes e Obras e presidente da Comissão de Fiscalização do Projeto de Urbanização do Aterro, define a operação realizada por mais de um ano pela draga Sergipe - que incorporou à ilha uma área de 45 mil metros quadrados - como uma verdadeira cirurgia plástica na paisagem da capital (SANTOS, 1997, p. 37).

 

Após os trabalhos nos aterros, Aterino volta para Bagé, onde conhece sua companheira de mais de quarenta e três anos. Em 1975 casou-se, largou o emprego na firma e voltou para Florianópolis com a esposa, onde passou a dedicar-se exclusivamente a pesca. A pesca, entretanto, não era o suficiente para sustentar a família, o que o motivou a vender sua casa no Ribeirão da Ilha e vir para a Tapera nos anos de 1990 em busca de mais oportunidades. Ele narra:

Eu tinha, né, tinha um terreno bonito aí na beira da praia, de mil e cem metro quadrado, eu vendi, na época eu vendi pra isso aí, pra botar o comércio. Aí como eu precisava que as guria trabalhassem também, que eu só na pesca não ia, não estava vencendo, aí eu tive a opção de vender o que eu tinha pra comprar uma outra morada num ponto que desse comércio, que aonde eu estava não dava de eu colocar comércio, naquela época também não tinha movimento no Ribeirão, hoje é diferente, hoje já tem, qualquer lado lá que tu abre qualquer coisa dá negócio, porque o Ribeirão virou uma via de turista. Diferente da Tapera, a Tapera não entra turista, Tapera só morador daqui mesmo. (ATERINO, 2021).

 

Em sua fala podemos perceber como foi construída a compreensão de um status superior do Ribeirão da Ilha em relação a Tapera a partir do contexto de constituição e valorização de uma suposta identidade açoriana e o processo de modernização da cidade. Ou seja, apesar de ambos os bairros possuírem ligações com a cultura pesqueira e litorânea, apenas o Ribeirão da Ilha é valorizado enquanto um espaço de atrações culturais e turísticas. Até a década de 1970 ambas as localidades vizinhas tinham pouca relevância na vida urbana da capital e eram majoritariamente ligados a uma cultura de subsistência ligada à pesca e às atividades agrárias, como nos engenhos de farinha de mandioca. Eram da mesma forma vítimas da falta de uma estrutura que ligasse o centro da cidade ao interior da Ilha, como revela Santos:

No início do século XX, Florianópolis era uma cidade ilhada e com estradas interioranas muito precárias. O contato de certos distritos com a capital só era possível através do mar. Tanto que as comunidades que mais se encaminharam no sentido do adensamento urbano, eram justamente as que se encontravam junto a um atracadouro seguro (SANTOS, 1997, p. 17).

 

O Ribeirão da Ilha, entretanto, passou por um processo de legitimação e identificação enquanto representante de uma determinada cultura açoriana nos anos de 1980. Processo esse que acarretou em investimentos públicos e urbanos na região.

 

A identidade açoriana e o “manezinho da ilha”

Essa construção tem como base um ideal de açorianidade desenvolvido como fator positivo de identificação entre a população de Florianópolis a partir de 1948, quando ocorreu na cidade o “Primeiro Congresso de História Catarinense” em comemoração ao Segundo Centenário da Colonização Açoriana, cujo objetivo era resgatar a importância do papel do açoriano na colonização de Santa Catarina (FLORES, 1997, p. 114). A partir da realização do Congresso, se deu na cidade uma sistemática tentativa por parte das elites locais, de historiadores e representantes do governo de criação de uma identidade local baseada na origem açoriana de diversos aspectos fundamentais da cultura florianopolitana, portanto, “um fenômeno de reconstrução de uma unidade cultural, fundada numa ascendência comum” (FLORES, 1997, p. 119).

Essas questões surgiram no período em que a capital de Santa Catarina enfrentava dificuldades econômicas, buscava a modernização e corria o risco de deixar de ser capital do estado, em contraste com a região do Vale, que prosperava economicamente. Assim, a colonização açoriana do litoral catarinense foi positivada e “inventada” (FLORES, 1997, p. 133) enquanto uma empreitada mais bem sucedida em função de sua importância cultural do que sua importância econômica e material, como no caso da colonização germânica do Vale. Construída em uma conjuntura de disputas de futuros e planos para a cidade, bem como no contexto de uma luta pela hegemonia cultural do estado (FLORES, 1997, p. 133), essa identidade açoriana sustentou simbolicamente o processo de construção simbólica da cidade.

Atrelada a identidade açoriana foi desenvolvida a figura do “manezinho da Ilha”, que adquiriu peso no debate e no imaginário público através, por exemplo, da obra do jornalista florianopolitano Aldirio Simões. O jornalista, entre muitas das suas contribuições, foi responsável pela criação em 1987 do “Troféu Manezinho da Ilha”, que tinha o objetivo de homenagear ilustres personalidades que representassem fielmente os costumes e as tradições pelas quais são reconhecidos os nativos da Ilha de Santa Catarina. Criado com o objetivo de “resgatar” os valores que se perdiam com a rápida expansão da cidade, o prêmio fazia parte de outros esforços para o estabelecimento desse tipo específico de identidade na época. A historiadora Cláudia Cristina Zanela traz uma das mais interessantes manifestações artísticas do período que buscavam exaltar e cimentar a figura do manezinho da Ilha. Ela reproduz assim o texto de Claudir Silveira para a Campanha de Preservação da Identidade Florianopolitana, realizada em 1986:

Vivo em Florianópolis por opção, disto muito me orgulho e diariamente agradeço a Deus o privilégio de aqui residir; curto as coisas da Ilha (natureza exuberante, povo simples, cultura açoriana misturada com uma infinidade de outras, seus abundantes casos e ocasos raros); sou eclético, portanto tolerante com outras culturas, pois a experiência tem demonstrado que logo serão absorvidas pela cultura local; conheço os símbolos do meu Município e sei cantar seu hino, o Rancho de Amor a Ilha do mestre Zininho; só voto nos políticos que agradecem minha terra com projetos, leis e medidas que a preservem dos inconsequentes, dos insensíveis e dos gananciosos; sou hospitaleiro (sei receber bem, exceto os istepores mal agradecidos e despeitados), generoso (sei repartir as benesses do pedaço), mas não sou tanso, estou sempre alerta contra os esganados que querem tomar tudo; desejo o progresso da minha terra mas não às custas de sua descaracterização cultural e redução da excelente qualidade de vida nela existente; participo das coisas do meu Município (associações, movimentos e manifestações), porque sei que só pela participação poderei ajudar a preservar tudo que de bom aqui existe; aceito qualquer alimento, mas prefiro os que o conduto vem do Mar, de preferência acompanhados com pirão de farinha e mandioca; sou manezinho, si mi qués assim qués, se não me qués diz. O Ihó Ihó! (ZANELA, 1999, p. 110).

 

A figura ideal do “manezinho da Ilha” surge junto com a identidade cultural açoriana enquanto uma resposta a acentuada ocupação da cidade por imigrantes nos anos decorrentes do processo de abertura e desenvolvimento de Florianópolis. Visto pelos ilhéus como uma “invasão” esse processo faz surgir na cidade uma cultura política que valoriza o nativo da Ilha, transformado em um valor e um ideal através da figura do “manezinho, que seria o único representante legítimo da cidade (FANTIN, 2000), em direta contraposição ao estrangeiro, o “estranho”, que toma o espaço da cidade antes pertencente unicamente aos nativos. Dessa divisão imaginária e cultural surgem, além dos conflitos físicos pela cidade, os conflitos simbólicos e culturais, onde a figura do estrangeiro, apelidado pejorativamente como “haole”, é sistematicamente associada a perda da cidade e dos seus valores originais e o “manezinho”, seus espaços e hábitos ganham um estatuto superior no campo cultural da urbe.

Esse processo é explicado também por figuras como a do professor Nereu do Vale Pereira, sociólogo, economista e folclorista que enxerga o Ribeirão da Ilha como um espaço de manezinhos:

Escreveu uma série de trabalhos aonde evidenciou de maneira incisiva o “ser açoriano”. Em uma reportagem, no do Jornal AN Capital de 1999, cujo título era “O sentimento açoriano de Nereu”, o autor é colocado como esse “locutor legítimo” quando se trata de “açorianidade”. O trabalho representa em linhas jornalísticas a trajetória pessoal e profissional de Nereu, justificando seu interesse pela açorianidade por ser de “descendência” direta açoriana (...) Em seus trabalhos, tanto de cunho folcloristas, quanto os acadêmicos, destacam-se as “invenções de tradições”, da Ilha e o “ser e fazer ilhéu”. Em Ribeirão da Ilha: Vida e relatos, o autor enfatiza o açoriano como formador do Distrito; em outros trabalhos como, Sobre a pombinha açoriana (1988), Contributo açoriano para formação do mosaico cultural catarinense (2003), dentre outros, destaca a presença açoriana na Ilha (MENDES, 2014, p. 80).

 

Assim, o bairro do Ribeirão da Ilha, marcado pelas características coloniais, pesqueiras e agrícolas tornou-se símbolo e representante hegemônico de uma cultura manezinha e insular. Através de uma série de patrimonializações, como o tombamento municipal da Igreja Nossa Senhora da Lapa no ano de 1975 e o tombamento do conjunto urbano da Freguesia do Ribeirão da Ilha em 1985 (MENDES, 2014) buscavam-se criar símbolos de uma memória coletiva que apelava para a ancestralidade açoriana das ocupações no bairro. Esses tombamentos, bem como a iniciativa de reparação e restauração de características coloniais do bairro, como as casas no estilo colonial e o calçamento original do século XIX, buscavam criar um espaço atrativo turisticamente para aqueles que queriam conhecer a “alma” de Florianópolis, ainda colonial e identificada com as sociabilidades marítimas. A historiadora Caroline Cunha Mendes assinala:

O discurso do executivo municipal da época, se colocado em relação aos demais discursos analisados nesse capítulo, demonstram que o Ribeirão da Ilha estava sendo ressignificado, por meio de alguns elementos. Através dessas intervenções junto ao Centro Comunitário, a Prefeitura dirigia-se aos habitantes do Ribeirão, especificamente da freguesia, para que conservassem aquilo que atraia as pessoas de “fora”. (MENDES, 2014, p. 26).

 

Essa ressignificação do espaço pelo poder público no período também se deu através de uma tentativa de que os próprios moradores do bairro encarnassem e atuassem junto desse novo papel da localidade frente aos olhos dos “de fora”. Nesse sentido, “os moradores tinham por dever, “apresentar ao povo” essa ressignificação do Ribeirão, ou seja, além de reconhecer essas categorias como legitimas, os moradores precisavam reafirmá-las para os demais.” (MENDES, 2014, p. 30). O Ribeirão torna-se assim um dos principais arautos na cidade da propaganda pela colonização açoriana, colocada através da identidade do manezinho da Ilha.

Outra entrevistada para a realização da pesquisa que deu origem a esse artigo foi Maria, que é nascida no Ribeirão e extremamente identificada com a cultura litorânea, como a mesma diz. Para ela, ser manezinho ou ser do Ribeirão significaria ser adepto de um determinado estilo de vida muito específico:

Isso significa fazer parte de um modo de vida, de um estilo de vida né. Então tem gente que diz assim "ah, fulano de tal é manezinho", tá, mas por que? Porque nasceu aqui? Então ser manezinho, não quer dizer que se você nasceu em Florianópolis que você é manezinho, né. Então é o modo de viver de forma mais pacata, tranquila, de preservar a natureza de viver de frente para o mar, né. Acho que dizer "eu sou do Ribeirão" é gostar de um modo de viver mais calmo, mais tranquilo, em comunidade (MARIA, 2021).

 

 

 

A Tapera e a cidade dos “outros”

Já o bairro da Tapera, onde mora Aterino, passou por uma explosão demográfica apenas nos anos de 1990 e anos 2000, onde se constituiu como uma das maiores periferias da cidade de Florianópolis. Segundo a arquiteta Maria Inês Sugai, a Tapera “constituiu-se na maior área de informalidade pesquisada, onde foram feitas 43% das entrevistas, e também a mais extensa e populosa entre as comunidades escolhidas.” (SUGAI, 2009, p. 171) em pesquisa realizada em periferias da cidade em 2005. Assim, a região é considerada pela autora como parte do terceiro momento de ocupação informal do solo na cidade de Florianópolis, o primeiro se daria no final do século XIX e início do XX com a ocupação dos morros na região central da cidade, o segundo a partir dos anos 1960 com a ocupação da parte continental e dos morros da região central e o terceiro momento a partir dos anos 1990 com a ocupação de regiões mais distantes do centro e do continente. Essa ocupação seria marcada pela acentuada desigualdade social no contexto (SUGAI, 2009). Descrevendo o paradigma geral da região, ela coloca:

A Tapera da Base caracterizava-se até há poucos anos pela pobreza, pelos esgotos correndo a céu aberto, pelas gangues, ela violência urbana, pela implantação de “toque de recolher” pela Polícia Militar no ano de 2001, pela existência de apenas uma rua pavimentada e pela ausência de infraestrutura urbana (SUGAI, 2009, p. 171).

 

Mesmo com esse contexto, que não lembra nada o da cultura açoriana descrita anteriormente – ainda que tenha passado por extrema transformação nos últimos 10 anos – podemos facilmente identificar que Aterino é um representante fiel dessa imaginada cultura açoriana ligada ao mar, identificada também no jeito de falar, de se vestir e dos hábitos ligados à pesca. Entretanto, é comum que histórias e trajetórias como a de Aterino passem despercebidas pelo olhar público. Isso se dá em função do caráter de classe inserido em suas memórias, típicas de um representante da classe trabalhadora. Adicione isso ao fato de morar em um bairro periférico, ou seja, dispensável ao turismo e podemos entender porque certas histórias são valorizadas e outras não. Uma pesquisa realizada na região do Ribeirão da Ilha nos dá mais indícios dessa conflituosa relação entre os bairros.

A tese de doutorado intitulada “Paisagem e Lugar como Referências Culturais - Ribeirão Da Ilha - Florianópolis”, de autoria de Soraya Nór, constata através de entrevistas com moradores do Ribeirão da Ilha, que apesar da Tapera fazer parte oficialmente do Distrito do Ribeirão da Ilha, os moradores da região reconheceram “no grupo do Plano Diretor Participativo (...) que a maioria dos moradores dos bairros Carianos e Tapera da Base vieram de fora, portanto, não faziam parte do Ribeirão.” (NÓR, 2010, p. 40). Desse modo, em entrevistas realizadas pela autora, muitos depoimentos apresentavam discursos que buscavam separar os moradores de Ribeirão e os da Tapera através da utilização de termos como ‘nós’ e ‘eles’.” (NÓR, 2010, p. 42). Assim, nos relatos de moradores do Ribeirão da Ilha, a Tapera era vista como um lugar à parte do bairro pela falta de “açorianidade” do local, ou seja, pelo grande número de migrantes que ocupavam a região. A diferença entre a aceitação de turistas que desfrutam do Ribeirão e a rejeição aos migrantes que ocupam a Tapera é evidentemente o abismo que separa o status social e financeiro das duas populações. Fica evidente, novamente, o significado dado a maritimidade nas formações simbólicas das populações insulares.

Essas informações são completas por outro estudo realizado na região da Tapera, intitulado “O MAL-ESTAR QUE SINTO”: Medicalização do sofrimento em camadas populares” (2013). O trabalho, realizado enquanto Trabalho de Conclusão de Curso da graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal de Santa Catarina, tem como eixo central a investigação e análise de como beneficiários do Programa Bolsa Família são levados a pensar, nas Unidades Básicas de Saúde, seus sofrimentos em termos médicos psíquicos. A pesquisa, apesar de não ser da área da História, foi realizada através de entrevistas e observações empíricas e traz dados importantes sobre a população local. Segundo o autor, combinando também com dados trazidos por Sugai (2009), as primeiras migrações tinham caráter agrícola e localizado fundamentalmente no estado de Santa Catarina:

O Fluxo da população que veio das cidades do litoral catarinense e da região serrana, como Enseada do Brito, Palhoça, Garopaba, Lages, Fraiburgo entre outras, trouxe pessoas que pretendiam trabalhar na lavoura e, não encontrando emprego nesse setor, dedicando-se a outras áreas, como o comércio e o funcionalismo público. Muitos desses vieram ocupar áreas que eram utilizadas para criação de gado, plantação, as chamadas áreas comunais que, com a decadência da pequena produção açoriana não tinham o mesmo vigor de antes, tais ocupações contribuíram para a expansão da cidade de Florianópolis (DALLMANN, 2013, p. 32).

           

Podemos inferir que mesmo possuindo uma população formada por imigrantes, identificados na cidade como os “outro”, o bairro da Tapera é ainda marcado por trajetórias como a de Aterino, que demonstram relação com a tradição cultural e marítima da cidade de Florianópolis, expressa no conceito de “ilheidade” de Diegues (1998). Entretanto, por não possuir valor turístico como “paraíso”, toda a herança cultural do bairro colocada nas sociabilidades pesqueiras é deixada de lado pelo poder público em detrimento do bairro vizinho. Ainda assim, essas histórias continuam vivas e circulando como nunca e a Tapera continua tendo seu espaço na vida de todos aqueles deixados de lado pela cidade. Seu Aterino declara assim seu agradecimento ao bairro como: “(...) um lugar que deu pra mim ajeitar meu pé de meia, como diz o outro. Hoje eu tenho uma renda eu agradeço a Tapera, meu trabalho. Trabalho aí no mar aí porque a gente ainda gosta disso, mas graças a Deus fome não se passa mais.” (ATERINO, 2021).

Nesse sentido, Aterino também revela a identificação do progresso e da modernização como partes do bairro e da cidade. Ele narra:

Vinícius: Florianópolis era muito ligada ao mar, né e hoje em dia não é mais tanto assim né?

Aterino: É, na minha época de guri, mas assim, o progresso vai chegando, que antigamente nós saia daqui de barco, ia embora, chegava lá pra vender o peixe, encostava no cais, aquela coisa precária, peixe sem gelo, que quase não existia gelo e o peixe era né, aquele fedor naquele mercado, que ia longe aquele fedor. Ai o progresso foi chegando, foi evoluindo, hoje tu vai na peixaria dentro do mercado tu nem sente o cheiro de peixe lá dentro. Se visse como era antigamente aí tinha um trapiche aqui assim na frente do mercado, lá fora lá tinha uma ilha chamada Ilha dos Carvão, que era os escoteiros que eram donos, que descarregavam carvão lá e por isso ganhou a Ilha do Carvão, mas os escoteiros que eram donos daquilo lá. Hoje a rodoviária tá em cima daquela ilha. (...) Aí o progresso vai chegando vai melhorando as coisas né... a gente que é velho que viu como era isso aí antigamente, hoje é outra coisa. Pra ir pra cidade era um ônibus de manhã e outro à noite (ATERINO, 2021).

 

 

Conclusão

A historiadora Sandra Pesavento revela em sua obra “Lugares malditos: a cidade do “outro” no sul brasileiro” (1999) um importante mecanismo de produção da diferença simbólica, ou seja, da produção do “outro” nas cidades modernas ao entender que “aqueles que detêm o poder estabelecem os registros de linguagem que definem e atribuem sentido à realidade” (PESAVENTO, 1999, p. 196). Assim, a estigmatização sobre determinado espaço da cidade é produzida através de palavras que definem o espaço social, desse modo, certos “léxicos” são usados como forma de percepção da diferença. A autora diz: “a linguagem de estigmatização transforma o espaço num objeto qualificado, no qual as palavras compõem o registro da diferença.” (PESAVENTO, 1999, p. 197). O critério de comparação entre os “bons” espaços e os “ruins” seria a adequação aos critérios de progresso e modernidade, vistos aqui como vetores na produção e no registro da diferença nas cidades.

Estendendo essa lógica para a cidade de Florianópolis, podemos compreender que o próprio nome “Tapera” já diz bastante sobre o sentido dado a esse lugar, visto como algo abandonado, em ruínas e assim entendido desde sua concepção como parte desregrada da cidade, a cidade dos “outros”, dos pobres, dos migrantes e da diferença, em direta contraposição à cidade moderna e organizada, a produzida para os turistas. Já o “Ribeirão da Ilha” revela rapidamente a legitimidade conferida ao espaço através da identificação com o processo de produção da identidade marítima e insular na cidade. O objetivo desse trabalho foi justamente compreender o processo de criação da diferença e do “outro” na cidade de Florianópolis, olhando com especificidade para o bairro da Tapera e um de seus moradores como forma de reflexão desse longo processo, visto inicialmente na modernidade europeia.

O campo de estudos da História do Tempo Presente foi, nesse sentido, de grande importância nessa empreitada ao revelar a importância do estudo de histórias e memórias ainda vivas na sociedade, o comum, o individual, o subjetivo e na busca por narrativas outras para a experiência humana no tempo (FERREIRA, 2018). Dosse (2012) compreende dessa maneira que a noção de tempo presente “se torna nesse contexto um meio de revisitação do passado e de suas possíveis certezas, como também as possíveis incertezas” (DOSSE, 2012, p. 11).

O estudo conduzido até então compreende precisamente a busca por outras narrativas possíveis para o passado ainda vivo no cotidiano florianopolitana, de modo que a fala e o registro das memórias de Aterino estão inseridos na revisitação do passado e na exploração de suas incertezas ainda colocadas nas disputas narrativas sobre o espaço da cidade. Foi fundamental, desse modo, a percepção de diferentes perspectivas do progresso na fala do entrevistado e na pesquisa, por exemplo. Esse, ao mesmo tempo em que é visto como fator essencial na produção da diferença em que o entrevistado está inserido, também é visto com conveniência por Aterino, ao proporcionar melhores condições de vida na atualidade da periferia urbana de Florianópolis. A perspectiva positiva mostra que apesar de ter demorado, as benesses da modernização talvez tenham alcançado um dos braços que a construíram, mesmo diante de todas as dificuldades e vulnerabilidades percebidos em sua trajetória. Essa mesma ambiguidade em relação à modernização é também identificada nas falas dos embarcados (GARCIA, 2008).

Ao trabalhar com a desfatalização do passado presente no campo da História do Tempo Presente (DOSSE, 2012), compreendo que a fala de Aterino nos dá também a possibilidade de olhar para o bairro da Tapera como abertura, ou seja, de forma plural e inconclusiva. Assim, enxergamos o bairro mais do que apenas periferia e diferença, mas como uma pluralidade de construções, narrativas e possibilidades de estudo. Por meio dessa mudança de olhar torna-se inevitável a problematização dos processos de construção da identidade cultural florianopolitana, que é sim permeada pela noção de maritimidade, mas delimitada de acordo com a classe social em que está inserida. Nesse sentido, a percepção de uma modernização focada na produção da cidade como mercadoria turística é identificada como questão central nesse sentido.

Seguindo esse pensamento, na tentativa de trabalhar com diversas perspectivas e visões para um mesmo objeto, finalizo com uma das últimas falas de Aterino na entrevista, que faz referência à beleza da região da praia da Tapera, coisa frequentemente esquecida nas narrativas produzidas sobre a periferia e a cidade dos “outros”. Ele coloca:

Me diz um refúgio mais bonito que isso aqui na ilha. É difícil. Pra quem conhece a ilha toda que nem eu conheço, não só a Ilha, muitos lugares pela praia fora, um lugar pra ganhar isso aqui só o Zimbros, ali que é a parte da Armação da Piedade, em direção ali de Camboriú, aí ganha essa nossa região na boniteza. (...) Mas assim, na Baia aqui do Sul não tem região igual a nossa em boniteza (ATERINO, 20221).

 

Figura 3: Seu Russo e a embarcação "Estrela Guia".

Fonte: Acervo do autor.

 

Agradecimento

Agradeço a CAPES pela bolsa.

 

Referências bibliográficas

 

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Entrevistas realizadas:

 

ATERINO. Entrevista concedida à ________. Novembro de 2021. Entrevista

 

MARIA. Entrevista concedida à ________. Setembro de 2021. Entrevista.

 

 

Recebido em 08/05/2022.

Aceito em 29/05/2022.

 



[1] O presente artigo foi realizado com base em entrevistas e pesquisas produzidas durante a dissertação de mestrado do autor.

[2] Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História do Tempo Presente na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bolsista CAPES. Brasil. E-mail: vini.sluz80@gmail.com | https://orcid.org/0000-0002-5177-1556

[3] Por conta da pequena população e arrecadação até os anos de 1960 a cidade de Florianópolis passou por diversas ameaças de mudança da capital para o interior do estado. Lohn aponta para o contexto dos anos 1950 em Florianópolis: “Sua inferioridade econômica em relação ao municípios da área de colonização alemã e o crescimento de cidades como Criciúma, com a exploração do carvão, vem como a redução da importância da atividade do porto, que não apresentava condições para escoar a principal atividade exportadora de Santa Catarina de então, a exploração madeireira. Uma cidade isolada numa extremidade do território estadual, enquanto uma nova área de expansão econômica e de povoamento começava a ser aberta na outra extremidade, ou seja, no Oeste, onde surgiam as bases de importante complexo agroindustrial.” (LOHN, 2016, p. 63).

[4] Diegues define maritimidade como “um conjunto de várias práticas (econômicas, sociais e sobretudo simbólicas) resultante da interação humana com um espaço particular e diferenciado do continental: o espaço marítimo.” (DIEGUES, 1998, p. 40).

[5] Pequena embarcação a remo, a vela ou a motor.