Gemas Mágicas Romanas e Identidade Cultural no Mediterrâneo Antigo

Roman Magical Gems and Cultural Identity in the Ancient Mediterranean

 

Ronaldo Guilherme Gurgel Pereira[1]

 

 


Resumo

Durante o período romano imperial ocorreu uma dramática transformação na mentalidade popular, no tocante a crenças na proteção divina. O interesse romano por magia e amuletos mágicos aumentou e era suprido pelas suas mais recentes províncias do Mediterrâneo Oriental. De fato, o Egito Helenístico e a Celessíria já estavam há três séculos vivenciando sincretismos culturais e religiosos antes do estabelecimento do governo romano. As gemas mágicas tornaram-se um elemento inovador na magia, uma vez que traziam em sua iconografia informação complementar aos conteúdos dos papiros mágicos em circulação no Mediterrâneo. Embora os encantamentos das gemas mágicas imperiais sejam idênticos aos conteúdos compilados nos PGM, muitos motivos iconográficos das gemas não ocorrem nos textos mágicos conhecidos.

Palavras-chave: Egito Greco-Romano; Glíptica; Papiros Mágicos.

 

Abstract

The Roman Imperial period seemingly witnessed a dramatic transformation in people’s beliefs and expectations concerning divine protection. Roman interest for magic and magical amulets increased and was supplied by the eastern Mediterranean provinces. Indeed, Hellenistic Egypt and Coele-Syria experienced three centuries of religious and cultural syncretism prior to Roman rule. As an innovation on magic during the Imperial Roman period, complementary information on magical gems and their iconography started circulating in form of compilations of magical papyri. Plus, the spells displayed on imperial era magical gems are, essentially, the same magic of the PGM. On the other hand, imperial magical gems are not mere vignettes of magical texts, as many motifs in gems iconography never occurred in the surviving magical texts.

Keywords: Graeco-Roman Egypt; Glyptic; Magical Papyri.


 

 

 

 

 

Introdução: Gemas Mágicas e Identidade Cultural

A premissa deste artigo define o fenômeno das gemas mágicas romanas imperiais como um desdobramento de sincretismos decorrentes da recepção de tradições mais antigas. O conceito de “gemas mágicas” aqui empregado (DASEN, 2015; DASEN; NAGY, 2018) abrange toda uma categoria de joalheria consumida pelo seu portador devido a motivos religiosos, médicos e mágicos em justaposição ao seu impacto social óbvio, dado que jóias são elementos de distinção social por natureza.

As gemas mágicas aqui estudadas partilham características tipológicas comuns (DASEN; NAGY, 2018): uma combinação de texto, imagens e símbolos; bem como similaridades estruturais, como dimensões, matéria-prima e o emblemático formato elíptico.

Por fim, o fenômeno das gemas mágicas romanas do período imperial está diretamente ligado à tradição de confecção de réplicas de amuletos/selos escaravelhos da Península Itálica em períodos anteriores. As tradições glípticas de réplicas egipcizantes dos fenícios e gregos foi absorvida pelos etruscos, que passaram a lapidar gemas para a criação de tipologias locais de selos/amuletos escaravelhos a partir de finais do século VI a.C.[2]

Contudo, é importante sublinhar que os aspectos transculturais dos conhecimentos sobre a magia não são uma inovação romana. Fenícios, gregos e etruscos já interpretavam simbolismos e iconografia religiosa egípcia desde os séculos XI, VII e VI a.C., respectivamente. Tal sincretismo religioso e intelectual permaneceu em curso no Mediterrâneo Oriental no período Helenístico e era a norma quando do advento da conquista romana.

Dito isto, este texto se posiciona a respeito das gemas romanas imperiais como um processo de “atualização” cultural no contexto das relações sincréticas envolvendo o consumo de amuletos mágicos pelo Mediterrâneo romano. Isto significa que as gemas mágicas imperiais refletem uma nova identidade cultural das práticas de produção e consumo de amuletos mágicos.

“Identidade”, segundo os autores pós-freudianos, é o resultado de uma assimilação inconsciente de um universo simbólico pré-estabelecido (BOURDIEU, 1989). Esse processo inclui a assimilação de linguagem, organização social, crenças e práticas religiosas, enfim, as relações de um grupo com as suas tradições e costumes ancestrais. Assim, todo o grupo que partilhe desses valores comuns formam um núcleo de “identidade étnica” (BARTH, 1969).

Por outro lado, o “discurso de identidade” promove valores simbólicos, ou seja, normatiza que aqueles costumes partilhados pela comunidade são imutáveis e atemporais. Se, eventualmente, a norma é perturbada por alguma percepção de “diferença”, esses agentes da diferença tendem a ser identificados como ameaças à ordem da comunidade e ao seu modo de vida (DERRIDA, 1978).

Apesar do discurso de identidade assegurar à sua comunidade a percepção geral de continuidade da ordem, a identidade está em constante ameaça de “atualização”, uma vez que os contatos promovidos pela dinâmica das práticas sociais são capazes de produzir resultados espontâneos e imprevisíveis (SAHLINS, 1985).

As gemas mágicas são um estudo de caso interessante para essa discussão, posto que demonstram como os discursos de identidade precisam de constantes ajustes para se manterem conectados à realidade refletida pela prática social quotidiana (WOODWARD, 1997).

 

A Tradição Glíptica (Etrusco-)Romana

No final do século IV a.C. artesãos etruscos começaram a adaptar a sua produção de gemas para atenderem outros grupos culturais da Península Itálica. Consequentemente, motivos não etruscos foram incorporados a essas tipologias, bem como novos formatos e técnicas de corte de gemas. O resultado dessas adaptações serviu de base para o surgimento de gemas de luxo, decoradas para servirem de adorno pessoal: os intaglios (HANSON, 2013, p. 940).

Os mercados itálicos, inclusive o romano, eram particularmente interessados em gemas encrustadas em anéis. Entre o final do século III e início do século II a.C. ocorreu uma substituição gradual de oficinas de corte de gemas-escaravelho por oficinas de confecção de gemas para camafeus e anéis. A expansão de oficinas pela Península Itálica centrou-se especialmente nas regiões da Campânia, Lácio e Aquiléia.

Com o estabelecimento de novas oficinas pela península, a técnica original etrusca do globolo (figuras formadas a partir do esboço de pequenos globos) tende a ser também denominada “estilo etrusco-itálico” (DE GRUMMOND, 2009).

É digno de nota que a cultura etrusca era admirada pelos romanos. De fato, a principal fonte de informação que temos sobre a cultura etrusca provém de autoria romana. Como fora bem resumido por Dumézil (1970, p. 661): “os romanos (...) estavam inclinados a identificar as suas práticas com um rótulo respeitável etrusco, o qual emprestava-lhes um prestígio por antiguidade e um grau de garantia intelectual.”

Reflexos dessa admiração podem ser verificados na insistência de autores romanos em denominarem as suas próprias práticas religiosas e funerárias como “disciplina etrusca” (IZZET, 2007, p. 11 ff.; BRIQUEL, 2013). Assim, os romanos atribuíam aos etruscos a origem para a prática de divinação,[3] o augúrio pela interpretação do vôo das aves,[4] e pela interpretação do caminho de raios em tempestades.[5] Essa apropriação cultural instrumentalizada como um discurso de identidade pelos autores greco-romanos atrela a percepção romana da cultura etrusca a um imaginário de “legado” cultural romano.

Inicialmente orientados segundo a moda etrusca, os centros produtores de gemas na Península Itálica continuaram fiéis àquela iconografia, onde figuravam preferencialmente os deuses e mitos gregos, bem como referenciais homéricos. Todavia, durante o período imperial, uma nova iconografia proveniente das novas províncias orientais surgiu e rapidamente se popularizou por todo o Mediterrâneo.

 

A Relação entre Magia e Gemas Mágicas no Período Imperial

A partir do século I d.C. a magia, enquanto prática fortemente baseada em tradição oral e local, sofreu um processo atualmente denominado “escribalização” (FARAONE, 2011, p.50, 57). Este conceito descreve um fenômeno geral que ocorria no Mediterrâneo, onde as tradições orais estavam sendo gradualmente substituídas pelo registro escrito.

            Essa “escribalização” das tradições orais afetou as práticas mágicas em duas principais dimensões. Primeiramente, diferentes culturas e suas percepções particulares do sobrenatural ficaram registradas em manuscritos. Consequentemente, isso provocou uma “cristalização” de interpretações orais, o que restringiu as respectivas tradições ao exato momento em que foram compiladas para um texto. Em segundo lugar, a produção de cópias desses manuscritos permitiu que aquelas interpretações cristalizadas de práticas mágicas viajassem por todo o império.

A intertextualidade provocou um complexo processo de leitura, interpretação e re-significação do conteúdo desses mesmos textos e tradições por um público que fosse estranho àquelas práticas. Naturalmente, a circulação desses compêndios mágicos pelo Mediterrâneo permitiu múltiplas interpretações e variações dos conteúdos descritos pelos manuscritos. Enfim, novas interpretações emergiram a partir de uma relação intercultural com esses textos, o que acabou por conferir um renovado caráter multicultural aos textos e amuletos mágicos produzidos nesse período.

       Esse fenômeno sincrético da magia no período romano imperial reflete-se diretamente no surgimento (ou atualização) das gemas mágicas. Essa relação entre textos e gemas mágicas tem sido largamente debatida (BONNER, 1946, p. 25 ff; SMITH, 1979; VITELLOZZI, 2018). Elas são consideradas como uma inovação da magia do período imperial e a sua importância era tamanha que muitos textos mágicos dedicam-se a informar o mago sobre os procedimentos apropriados para a confecção e usos desses amuletos (DELATTE; DERCHAIN, 1964; PRESENDANZ, 1966).

       Atualmente, a historiografia estabeleceu um consenso de que os principais centros produtores dessas gemas mágicas estariam situadas no Egito e Levante. Contudo, uma vez que instruções precisas sobre a sua confecção circulavam juntamente com os papiros mágicos, não é impossível que existissem produções locais de gemas mágicas em regiões diferentes do império. A própria antiguidade e qualidade da tradição glíptica itálica, por exemplo, permite-nos assumir que trabalhos de igual qualidade poderiam ser comissionados tanto em Alexandria como em Roma, bastando para isso um modelo e/ou instruções escritas (DASEN; NAGY, 2018, p. 153-154, n. 82).

       Gemas mágicas são objetos ritualisticamente confeccionados. Múltiplas interpretações regionais afetarão as suas instruções de confecção. A substituição da matéria-prima por equivalências mais facilmente encontradas em alguma região, bem como o talento e a criatividade artística individual do artesão, serão variáveis igualmente responsáveis pela criação da rica variedade de tipos existentes e das adaptações iconográficas de motivos descritos por uma descrição dada num único texto mágico.

       Mas os textos mágicos dedicados aos amuletos não se limitam a uma simples lista de instruções. Tomando, por exemplo, os chamados Papiros Gregos Mágicos (PGM), a descrição dos amuletos normalmente está acompanhada de um complemento sobre a sua história e as suas relações com os poderes que representam.

       Contudo, é importante notar que a iconografia das gemas mágicas nem sempre está presente nos textos mágicos (ao menos nos que chegaram até nós) (VITELLOZZI, 2018, p. 181 ff.). Isto significa que as gemas traziam um conteúdo original que poderia ser conjugado com o conhecimento armazenado nos manuscritos em circulação na sociedade romana imperial.

Nos PGM, os encantamentos dedicados às gemas são: PGM I 42 – 195; IV 1716 – 1870, 2125 – 2139, 2622 – 2707, 2785 – 2890, 2943 – 2966; V 213 – 303, 447 – 458, VII 628 – 642; XII 201 – 269, 270 – 350; LXI 1 – 38; LXII 24 – 46; XCIV 12 – 29. Todos esses casos podem ser consultados na obra de Vittellozzi (2018). Para uma consulta aos PGM em versão bilíngue (grego-alemão), pode-se consultar Preisendanz (1928-1931), e para uma tradução do grego para o inglês, Betz (1986). Entretanto, para uma referência a outros textos mágicos greco-romanos (fora dos PGM), igualmente comprometidos com amuletos, ver: Dasen e Nagy (2018).

 

Do Sincretismo das Gemas Mágicas

Durante o período imperial, as gemas mágicas começaram a apresentar novas iconografias baseadas em referenciais egípcios e levantinos.

A popularidade dos deuses egípcios no Mediterrâneo Oriental, estimulada durante a dinastia Lágida, permeou a sociedade romana conforme o império anexava novas províncias no Leste. A iconografia greco-egípcia existente em amuletos Helenísticos tradicionalmente estampavam o panteão egípcio habitual: Ísis, Osíris, Harpócrates, entre outros; mas, evocando funções de protetores domésticos e, por vezes, ampliando a sua jurisdição original (PEREA YÉBENES, 2018, p. 245).

Plínio, o Velho, escrevendo em meados do século I d.C. comentou a respeito do hábito recente de jovens romanos portarem sempre anéis com a efígie de deuses egípcios: “(...) Nos dias atuais, inclusive, uma moda foi introduzida até mesmo entre os homens, de usar efígies representativas de Harpócrates e outras divindades do Egito.” (Naturalis Historia, XXXIII, 12. 3). (Fig. 1a).

Figura 1a (esquerda): Intaglio em jaspe: Harpócrates sentado sobre uma flor de lótus[6]

Figura 1b (direita): Inscrição: ABLANATHANALBA

Jasper intaglio: Harpocrates seated on a lotus, Jasper, Roman Jasper intaglio: Harpocrates seated on a lotus, Jasper, Roman

Fonte: © The Metropolitan Museum of Art, New York - Accession Number: 41.160.638. [Public Domain].

 

Harpócrates é uma versão jovem do deus solar egípcio, Hórus. A iconografia que o retrata no topo de uma flor de lótus representa o evento cósmico do surgimento do Sol no horizonte do Oceano Primordial no ato da criação do mundo. Apesar de ser uma referência comum desde a Época Baixa (664 – 332 a.C.), essa iconografia tornou-se particularmente popular no período Romano (EL-KHACHAB, 1971).

A chamada “interpretatio graeca” equipara Hórus a Apolo, outra divindade solar, que segundo o mito grego, teria nascido numa pequena ilha nos pântanos. A aparência jovem de Harpócrates pode ter sido assimilada ao epíteto de Apolo enquanto protetor dos jovens, da saúde e educação das crianças (κουροτρόφος). Apolo-Harpócrates pode ter sido uma iconografia tão popular entre os jovens romanos, que Plínio sentiu a necessidade de demarcá-lo de “outras divindades do Egito” em seus comentários (Naturalis Historia, XXXIII, 12. 3).

Durante o período imperial, o chamado processo de “solarização” do culto imperial refletiu numa adoção iconográfica de coroas radiantes e de outros elementos solares, de maneira generalizada e sincrética, na representação de diversas divindades do Mediterrâneo, inclusive no Egito. Harpócrates foi então adicionalmente identificado ao Sol Invictus, acumulando uma nova camada de significado (TALLET, 2021). Entretanto, nessa época os próprios sacerdotes egípcios também assimilavam Harpócrates a uma outra divindade: Heka, a personificação do poder mágico criador, associado ao demiurgo (KÁKOSY, 1977, p. 1109-1110).

            Na iconografia acima (Fig. 1a), a representação de Harpócrates está protegida por uma moldura em forma da serpente Ouroboros. Na Oitava Hora do livro egípcio da Amduat (Fig. 2), essa serpente é descrita como uma força divina que circunda toda a Terra (mn-t) (HORNUNG; ABT, 2007, p. 266). É possível que “Terra” (t) aqui seja apenas uma referência direta ao submundo, o Rosetau (KÁKOSY, 1986, p. 887).

Figura 2: Recorte da Oitava Hora da Amduat

Fonte: Adaptação de HORNUNG, 1992, p. 142-143 – Imagem 9.

 

No canto inferior esquerdo da vinheta, a serpente mn-t guarda o deus solar formando o círculo protetor com o arranjo do seu corpo. No registro de cima, ela aparece novamente, mas agora circundando o deus solar a bordo da barca solar. Neste registro a sua ação apresenta dois simbolismos complementares.

Primeiramente, ela substitui o pequeno aposento  (O18) em forma de capela/naos onde o deus solar está acomodado para a sua jornada (comparar com a Fig. 3). Ao substituir o naos, a serpente assume a sua capacidade de estabelecer um espaço sagrado e protegido no interior do perímetro que estabelece com o próprio corpo. Em segundo lugar, ela recria o círculo protetor representado pelo Ouroboros.

Pela definição do dicionário, a serpente mḥn (“serpente circundante”) tem como determinativo variações do hieróglifo (I14d), a serpente que forma um círculo com o próprio corpo e está diretamente identificada a Ouroboros (HANNIG, 2006, p. 377).

Horapolo (Hieroglyhica I, 59) considerava a possibilidade de existir uma relação entre a função protetora da delimitação de espaços pela serpente e o cartucho real dos faraós. De fato, o cartucho é uma forma estilizada do disco-shenu (šnw). O hieróglifo que compõe o nome šn  (N89) pode significar, igualmente, um amuleto de proteção homônimo e o número de uma miríade, 10.000.000  (HANNIG, 2006, p. 891). Nesse caso, o símbolo pode ser entendido como a adoção metafórica de uma longa duração de tempo para implicar a eternidade. O hieróglifo também pode ser lido como o verbo 3-inf. šnj “ser/estar redondo/oval”, “circular”, “rodear”, “proteger” (HANNIG, 2006, p. 892); e também como o substantivo “anel”, “círculo”, “muro perimetral” (HANNIG, 2006, p. 892).

Esse hieróglifo em forma de anel é recriado pela linguagem corporal do Ouroboros e simboliza a eternidade. Confirmando a hipótese de Horapolo, a função mágica do cartucho era a de preservar a integridade do nome do faraó, tal como o Ouroboros preserva a integridade do interior do espaço que delimita.

A serpente que engole a própria cauda também é uma representação do conceito egípcio de eternidade cíclica nḥḥ (HANNIG, 2006, p. 447). Concordando com outra especulação de Horapolo (Hieroglyphica I, 2), a mudança de pele da serpente também colabora para a sua associação aos conceitos de rejuvenescimento e ao recomeço, ambos abrangidos pela idéia de eternidade-nḥḥ.

A associação iconológica do arquétipo de uma “serpente circundante/protetora” com o conceito de tempo lhe confere um caráter solar por excelência. Isto se verifica também na vinheta da Sexta Hora da Amduat (Fig. 3), onde uma serpente de cinco cabeças é vista rodeando e guardando o deus solar Kepri (HORNUNG; ABT, 2007, p. 200). Essa imagem também pode ser associada ao Ouroboros a partir da sua função de estabelecer a Ordem na Terra e protegê-la contra as forças do Caos.

Figura 3: Recorte da Sexta Hora da Amduat

Uma imagem com texto, chave inglesa, ferramenta

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptação de: HORNUNG, 1992, p. 116-117 - Imagem 6.

 

Na parte esquerda do registro, o deus solar está novamente representado no interior da sua tradicional capela/naos, abordo da barca solar (comparar com Fig. 2).

Na extremidade direita, uma serpente de cinco cabeças circunda e protege o deus khepri, a manifestação dos primeiros raios do sol matutino. O poder solar e protetor inerente ao Ouroboros pode estar bem representado nessa cena. Haggag (2020, p. 186) debate a solarização de Osíris, fenômeno tardio da religião egípcia, e demonstra como a serpente que circunda e protege Osíris está diretamente ligada ao renascimento do Sol.

Retornando à análise da iconografia da gema mágica (Fig. 1a), Harpócrates encontra-se rodeado por um arranjo circular formado pelas sete vogais gregas: α ε η ι ο υ ω, seguidas pela evocação do nome divino άω. Essas letras estão arranjadas em harmonia com o padrão circular estabelecido pelo Ouroboros e reforçam simbolicamente o poder do espaço sagrado estabelecido pela serpente.

O uso de um arranjo com as sete vogais gregas em ordem alfabética (vocales) permite a recriação de todos os sons mágicos existentes na linguagem humana. Nesse caso, as vocales em uso no período greco-romano podem integrar uma estratégia adotada pelos falantes de língua grega.

Frequentemente, os encantamentos dos textos mágicos gregos se apresentavam como traduções de originais sírios, egípcios, enfim, de todas as proveniências distantes e exóticas em relação a um receptor helênico. Contudo, a tradução era vista como uma forma de “enfraquecer” o poder mágico dos encantamentos. Portanto, recursos como as vocales (bem como as voces magicae e os nomina barbara, que serão vistos nas próximas secções) garantiam a mesma eficácia mágica que se supunha ser possível obter ao se evocar encantamentos nas suas línguas originais, e/ou em línguas dotadas de sons mais poderosos, como a egípcia (PEREIRA, 2017).  As vocales podiam ainda acumular diversas camadas de significados simbólicos ocultos. Existe, por exemplo, uma provável relação entre as sete vogais e os sete planetas (MAHÉ, 1978, p. 73).

Quanto ao nome Iaô, Diodoro Sículo (I, 94) enumera os grandes legisladores do passado e menciona Moisés, que teria recebido o seu código diretamente do seu deus (άω).

A origem etimológica de άω é YHW, que significa “senhor” em aramaico. Devido ao seu uso corrente pela comunidade judaica de Alexandria, o termo fora utilizado em substituição ao grego “Kyrios” na Septuaginta (EERDMANS, 1948, p. 1-29). O emprego desse nome sagrado nos Papiros Judaicos Mágicos (PJM) encontrados em Alexandria demonstram que desde os tempos do Segundo Templo (sécs. VI a.C. – I d.C.) os hebreus confeccionavam gemas mágicas com variantes do tetragrama Yod, He, Waw, He. No século IV d.C., São Jerônimo escreveu no Salmo VIII da sua Vulgata que essas letras (YHWH) compõem o “nome do Senhor” (ALFRINK, 1948).

Os gnósticos ditos “Sethianos” (ca. séc. II d.C.) identificavam Iaô como um arconte, filho de Yaldabaoth, outro nome frequente nos papiros mágicos e textos gnósticos. No Evangelho Apócrifo de João (II 11, 25-30) Iaô é o quarto dos Sete Arcontes, descrito como possuidor de um rosto de serpente com sete cabeças (ROBINSON, 1990, p. 111). Pode haver aí uma nova referência a uma função de guardião, tal como ocorre com a serpente solar Ouroboros, que remonta à já discutida idéia do Protetor, verificada na Sexta (Fig. 3) e Oitava (Fig. 2) Horas da Amduat.

Entretanto, a raiz verbal de YHW traduz-se por “ser”, “existir” “causar a existência” (KNIGHT; LEVINE, 2011). Essa característica linguística aproxima YHW do verbo egípcio pr “transformar-se”, “tornar-se”, “regenerar-se”, “permanecer”, “manifestar-se”, “existir” (HÄNNIG, 2006, p. 638). Essa relação permite que se atribua a Iaô uma característica solar, assimilando-o como um aspecto do deus-escaravelho Khepri - a personificação egípcia do renascimento diário do deus Sol.

Tal possibilidade encontra alguma confirmação no tratado gnóstico Valentiniano “Pistis Sophia” (sécs. III – IV d.C.). Na passagem (358), onde Jesus interpreta os mistérios do nome Iaô: ϊαωϊαωϊαω• (...) Iota é tudo aquilo que partiu – Alpha é tudo aquilo que voltará a ser – Ômega é aquilo que concluirá tudo o que deverá ser concluído” (SCHIMIDT, 1925, p. 261-262).

            Portanto, uma interpretação Valentiniana associa Iaô às doutrinas da Emanação, Retorno e Aniquilação-Reabsorção do Universo.

No reverso da gema (Fig. 1b), as letras gregas representam um “nomen barbarum[7] sob a forma de um palíndromo mágico: αβλαναθαναλβα.

A iconografia das gemas mágicas imperiais era corriqueiramente combinada com letras gregas, de modo a representarem sons, palavras e nomes mágicos. A representação visual de letras gregas supostamente conferia maior eficácia aos amuletos (FRANKFURTER, 2018b, p. 637). Era um conceito estrutural do pensamento mágico grego que os sons possuíam um poder capaz de produzir efeitos persuasivos (VERNANT, 2002, p. 53 ff.), tanto sobre homens como sobre animais (FRANKFURTER, 2018a, p. 621 ff.).

Os palíndromos mágicos representam as múltiplas dimensões de um nome transcendente, ao mesmo tempo que evita os efeitos nefastos de nomes potencialmente perigosos (FARAONE, 2012). Assim, a inscrição de palíndromos mágicos tende a ser orientada em arranjos geométricos nos textos mágicos.[8]

 

Inovações Iconográficas

O fenômeno iconográfico sincrético das gemas mágicas imperiais não estava restrito ao processo de reinterpretação de divindades conhecidas. Por vezes, os nomes gregos revelam novas dimensões de sincretismo, combinando atributos de divindades egípcias e do Oriente Médio com novos arquétipos demoníacos/angelicais/divinos greco-romanos.[9] Essas inovações incluem – entre muitos outros – Chnoubis (Fig. 4),  o Anguípede (Fig. 5a) e Aképhalos (Fig. 5b).

Figura 4a (esquerda): Intaglio em calcedônia: Serpente com cabeça de leão[10]

Figura 4b (direita): Inscrição: CHNOUMIS

Chalcedony intaglio: Lion-headed serpent, Chalcedony, Roman Chalcedony intaglio: Lion-headed serpent, Chalcedony, Roman

Fonte: © The Metropolitan Museum of Art, New York - Accession Number: 81.6.302. [Public Domain].

 

A serpente com a cabeça de leão, coroada por raios solares, Chnoubis (ou Chnoumis) foi uma entidade muito popular no universo iconográfico das gemas mágicas imperiais. Diferentes tradições evocam-no e a ele são atribuídas as mais variadas funções e jurisdições. Possivelmente, Chnoubis é o produto de um sincretismo envolvendo o guardião Agathos Daimon (e outras serpentes divinas), o decano egípcio, Khenmet, o deus Chnum e uma série de poderes solares, incluindo o deus de Israel (DASEN; NAGY, 2018).

No reverso (Fig. 4b), nota-se o chamado “emblema de Chnoubis”: um arranjo de três signos em formato de “S” atravessados por uma linha transversal. O texto inscrito identifica a entidade pelo nome (Χνουμις), para a sua devida evocação.

Durante o Período Helenístico, os decanos zodiacais eram potências espirituais menores, subordinadas à autoridade de uma divindade específica. Acreditava-se que as gemas com a efígie de Chnoubis protegiam a saúde do ventre (DASEN; NAGY, 2018) e, talvez, o estômago e o coração (MICHEL, 2004, p. 168).

Se por um lado, a sua figura e atuação terapêutica lhe aproxima dos decanos egípcios, por outro lado, não há ainda qualquer evidência definitiva que associe Chnoubis a uma tradição religiosa específica. A sua existência, aparentemente, é um produto exclusivo do contexto multicultural dos textos e gemas mágicas do período imperial romano.

A mera evocação do nome de Chnoubis teria o mesmo efeito profilático que o de outros poderes, como Iaô. Isto ocorre porque, no contexto de invocações ritualísticas, os sons mágicos podem ser arranjados de maneira aparentemente aleatória. O mago não esperava que essas combinações de sons fizessem qualquer sentido para os ouvidos humanos. Tais arranjos, denominados voces magicae, combinavam vogais e consoantes para alcançarem a esfera divina, de modo a obterem a devida credibilidade transcendental para os encantamentos.

Embora Chnoubis seja mencionado com bastante frequência em tratados astrológicos, ele está praticamente ausente nos PGM. De fato, as poucas ocorrências do seu nome nos papiros gregos mágicos restringem a sua presença como um recurso de voces magicae.[11]

            Os sons mágicos podiam ser arranjados de diversas formas, empregando-se as sete vogais ou combinações de letras que formavam nomes desconhecidos – ocasionalmente dando origem a palíndromos mágicos, como “ablanathanalba” (Figs. 1b, 5b).

       Apesar das vogais mágicas e das voces magicae parecerem arranjos aleatórios, existia um zelo particular na maneira correta de se pronunciar esses nomes. Por exemplo, o nome mágico AOIAÔ EOÊY devia ser recitado num tom enérgico e alto, de acordo com o seguinte guia de pronúncia de vogais:

“[…] τ ανεγμέν τ στματι, κυματομενον

τ ο’ ν συστροφ πρς πνευματικν πειλν,

τ ιαω γ, ἀέρι, οραν,

τ ε’ κυνοκεφαλιστ,

τ ο’ μοως, ς πρόκειται,

τ η’ μεθ’ δονς δασνων,’

τὸ υ’ ποιμενικῶς, μακρόν. […]” (PGM V 24 – 29).

 

“[…] o ‘A’ com a boca aberta, ondulante como uma onda;

o ‘O’ de modo sucinto, como um suspiro ameaçador,

o ‘IAÔ’ para a terra, o ar e o céu;

o ‘E’ como um babuíno;

o ‘O’ do mesmo modo com o acima;

o ‘Ê’ com gosto, aspirando,

o ‘Y’ como um pastor, arrastando a sua pronúncia […].’

 

É importante esclarecer que o fenômeno das voces magicae não estava restrito ao contexto de textos mágicos e da operação de encantamentos. Pode-se encontrar esse tipo de evocação em evangelhos gnósticos, como o “Evangelho dos Egípcios”:

“(...) aquele cujo nome [é] um símbolo invisível. [Um] oculto e secreto mistério manifesta-se ιιιιιιιιιιιιιιιιιιι[ιιι]    ηηηηηηηηηηηηηηηηηηηηηηη[ηη   ο] οοοοοοοοοοοοοοοοοοοοοο  υυ[υυυυυυυυυυυυυυυυυυυυ  εεεεεεεεεεεεεεεεε  ααααααα[ααααααααααααααα  ωωωωωωωωω[ωωωωωωωωωωωωω.” (Nag Hammadi Codex III, 43-49 = ROBINSON, 1990, p. 210).

 

... bem como no tratado hermético “O Discurso do Oitavo e do Nono”:

“O grandioso poder, aquele que é exaltado acima da majestade, aquele que é melhor do que os Exaltados, Ζοχαθαζο α  ωω  εε  ωωω  ηηη  ωωωω  ηη  ωωωωωω  οοοοο  ωωωωωω  υυυυυυ  ωωωωωωωωωωωω  Ζοζαζοθ.” (Nag Hammadi Codex VI, 56, 14-21 = ROBINSON, 1990, p. 324).

 

Os nomes Ζοχαθαζο e Ζοζαζοθ ocorrem, respectivamente, nos PGM XIII 138 e 213. Ζοχαθαζο pode ser uma combinação de Vida (ζωή) e Morte (θάνατος) (HOLZHAUSEN, 1997, p. 521, n. 57).

Nota-se imediatamente a relação intrínseca entre textos mágicos e religiosos, no sentido de que eles eram consumidos de maneira indissociável pelo público dedicado aos assuntos da espiritualidade. De fato, do mesmo modo que textos de apelo religioso dominante incluíam recursos como voces magicae e nomina barbara, um fenômeno semelhante se poderia verificar nos textos mágicos.

Nos textos mágicos, a utilização de sons mágicos (vocales), nomes divinos (nomina barbara) e fórmulas (voces magicae) por vezes incluía preces e aclamações ao poder invocado. O seu objetivo era o de proclamar a eficácia do guardião espiritual evocado, bem como assegurar a sua proteção  (FARAONE, 2011, p. 96). Os PGM oferecem um vasto número de casos onde esses elementos mágicos e piedade religiosa se combinam:

“[…] ρκίζω σέ, ερν ϕς, ερ αγ, πλάτος, βάθος,| μκος, ψος, αγ, κατ τν γίων νομάτων,|τν ερηκα κα νν μέλλω λέγειν. κατ το | άωΣαβαθ ρβαθιάω σεσενγενβαρφα|ραγγης αβλαναθαναλβα ακρμμαχμαρι | αϊ αϊ ιαο αξαξϊναξπράμεινόν μοι | ν τ ρτι ρ, χρις ν δενθ το θεο | κα μάθω, περ ν βούλομαι” (PGM IV 978 – 985).

 

“Eu te conjuro, luz sagrada, brilho sagrado, largura, profundidade, comprimento, altura, brilho, pelos santos nomes que falei e agora vou falar. Por IAÔ SABAÔTH ARBATHIAÔ SESENGENBARPHARAGGÊS ABLANATHANALBA AKRAMMACHAMARI AI AI IAO AX AX INAX, permaneça comigo na presente hora, até que eu reze para a divindade e aprenda sobre as coisas que eu desejo.”

 

O Anguípede (Fig. 5a) era um caso ainda mais complexo nessa conjuntura de inovações iconográficas, uma vez que ele não é sequer mencionado nos textos mágicos conhecidos (VITELLOZZI, 2018, p. 181). Essa iconografia é emblemática do contexto sincrético das gemas e textos mágicos da Roma Imperial. O Anguípede (literalmente: “pés de serpente”) é representado como uma criatura monstruosa, armada com couraça romana, escudo oval e chicote. Apesar da figura humanóide, o Anguípede possui uma cabeça de galo e, no lugar das pernas, duas cobras serpenteiam para fora da parte inferior da sua armadura.

Figura 5a (esquerda): Intaglio em Jasper: O Anguípede com cabeça de galo[12]

Figura 5b (direita): Aképhalos

Jasper intaglio: Cock-headed anguipede, Jasper, red, gold, Roman Jasper intaglio: Cock-headed anguipede, Jasper, red, gold, Roman

Fonte: © The Metropolitan Museum of Art, New York - Accession Number: 95.15.1. [Public Domain].

Analisando-se as características físicas da sua representação, percebe-se que elas descrevem um poder que reúne virtudes mágicas ctônicas e solares (HAGGAG, 2020, p. 188).

O simbolismo da cabeça de galo pode ser analisado por duas vias, seja através de um referencial grego, ou por um referencial do judaísmo.

Pela perspectiva greco-romana, o galo era um protetor contra o mal. O nome grego do animal tem a mesma raiz que o verbo λέξομαι “afugentar”, “advertir” (ALTINOLUK; ATAKAN, 2014, p. 220). O seu canto matutino era interpretado como uma saudação ao Sol nascente.

Galos eram utilizados regularmente em encantamentos e rituais mágicos-religiosos (GÜNTERT, 1930-1931). Especula-se que o chicote e o escudo oval seriam atributos de sua capacidade de afugentar demônios e de proteger o mago contra o mal. Além disso, o chicote estabelece um paralelo entre o Anguípede e Hélios, que também usava o instrumento para controlar os cavalos de sua quadriga (ALTINOLUK; ATAKAN, 2014, p. 220). 

Por outro lado, a partir de um referencial do judaísmo, verifica-se que, em hebraico, o radical da palavra galo, GBR, pode ser vocalizado de diferentes formas. Se a vocalização for GiBoR, obtém-se “guerreiro”, “bom soldado” (ALTINOLUK; ATAKAN, 2014, p. 220).

O escudo do Anguípede pode estar relacionado a idéia de que Deus protege os homens com um escudo e é chamado “Escudo de Abraão” (Gênesis XV 1). Deve ser essa a razão para que a iconografia do Anguípede inclua, ocasionalmente, na sua decoração o nome Iaô (BARB, 1957, p. 78).

A adoção de uma couraça romana está em harmonia com a tendência do período imperial em assimilar divindades solares ao culto ao imperador (ou “solarização”). Deuses estrangeiros, como o Júpiter Dolichemus, na Síria e Hórus, no Egito, passaram a ser regularmente representados em uniforme romano e em trajes imperiais.  Tal como o imperador governava o mundo pela força das armas, os deuses eram venerados em uniforme romano para expressarem o seu poder e autoridade (NILSSON, 1951, p. 61; TALLET, 2021).

Essa combinação de opostos, ctônico (serpentes) – solar (galo), pode estar relacionada à premissa da dualidade da existência humana, presente no neoplatonismo de Plotino (Enéadas). Esse conceito foi particularmente popular nos sistemas gnósticos e nos textos herméticos, que estabelecem a existência de uma gnosis secreta como única chave para que o ser humano transcenda para as esferas divinas e abandone a sua condição mortal/material/animal (PEREIRA, 2010).

Infelizmente, dado que não existe, até o momento, qualquer referência textual a respeito do Anguípede, as interpretações sobre o seu simbolismo permanecem restritos ao campo das conjecturas.

Uma teoria bem estabelecida como consenso acadêmico sugere que poderia existir uma forte referência ao deus de Israel na sua iconografia (NAGY, 2002; ZWIERLEIN-DIEHL, 2014). Segundo esses autores, o escudo portado pode ser uma alusão ao epíteto “hyperaspistes” (aquele que se protege com um escudo), um atributo divino presente na Septuaginta. Uma vez que a imagem descreve apenas um dos muitos nomes do deus de Israel, e não o deus propriamente, não haveria qualquer transgressão à Lei Judaica nessa iconografia (NAGY, 2002, p. 149).

A imagem do Anguípede (Fig. 5a) está circundada por letras gregas. Elas recriam, de forma estilizada, o Ouroboros (Fig. 1a), ao estabelecerem um círculo protetor para a efígie. As letras formam o nomen barbarum βρασάξ e uma vox magica: α μ α ι ε η ι ο υ α ε ω

O nome Abrasax (ou Abraxas) é frequente, tanto nos PGM[13] como nas gemas mágicas, e é regularmente associado ao Anguípede, embora nome e imagem possam também aparecer separadamente. Segundo a gematria grega (MERKELBACH; TOTTI, 1990, p. ix), o nome tem um valor total de 365 (α = 1; β = 2;  ρ = 100; α = 1; σ = 200;  α = 1; ξ = 60). Esse valor numérico confere ao nome um poder equivalente tanto ao do deus grego Hélios, como ao do deus persa Mithras, que protegiam o fiel durante todo o ano e que podiam ver tudo aquilo o que se passava na Terra (NOLLÉ, 2007, p. 252).

De acordo com uma análise da heresiologia cristã sobre as crenças dos gnósticos seguidores de Basilides, sabe-se que esse grupo acreditava que Abrasax era o nome do “Grande Arconte” que governava 365 esferas ou céus (HORT, 1911). No “Evangelho do Egípcios”, Abrasax, que personificava a Vida Eterna, é listado como o sexto grande espírito da sua Ogdóada, criado a partir da Grande Luz de Eleleth, que personificava a Prudência (Nag Hammadi Codex III, 52-53 = ROBINSON, 1990, p. 213).

A face oposta da gema (Fig. 5b) representa uma outra entidade nova no contexto iconográfico das gemas mágicas imperiais. Trata-se do humanóide decapitado Aképhalos (literalmente, “o sem cabeça”), também rodeado por uma inscrição em arranjo circular.

Na metade superior do arranjo circular, as letras gregas formam o nome βρασάξ e na metade inferior, o arranjo forma o palíndromo mágico αβλαναθαναλβα. No interior do espaço da iconografia, entre as pernas do Aképhalos, três letras gregas compõem o nome άω.

Há uma representação gráfica desse demônio nos papiros mágicos gregos (PGM II 166). Aképhalos é devidamente identificado a Osíris para auxiliar o mago num ritual de exorcismo (PGM V 96-172). De fato, há referências a uma forma decapitada de Osíris na religião egípcia. A idéia por trás da ausência de cabeça pode ser a representação de algo que não possui forma. Um texto mágico egípcio da XXV dinastia (c. 747 – 656 a.C.) designa o deus como “o corpo sem cabeça, a múmia sem rosto” (KLASENS, 1975, p. 25-26).

O humanóide decapitado é uma representação greco-romana de uma forma solar de Osíris, remontando ao evento cósmico da morte e desmembramento do deus nas mãos do rival Seth (DARNELL, 2004). Na Quarta Hora da Amduat (Fig. 6), existe uma associação entre as cabeças decapitadas dos mortos abençoados e as estrelas do céu (HORNUNG, ABT, 2007, p.132-133).  

Figura 6: Recorte da Quarta Hora da Amduat

Fonte: Adaptação de HORNUNG; ABT, 2007, p. 110-111.

Na figura 6, na extremidade direita, o Sol alado está prestes a liderar uma procissão, seguido por duas fileiras de sete cabeças humanas posicionadas sobre estrelas.

A cabeça perdida de Aképhalos representa o Sol. O corpo e a cabeça são reunidos no submundo. Assim, na Sexta Secção do Livro das Cavernas (Fig. 7), o escaravelho divino Khepri, que representa a regeneração solar, é aclamado como “o (re)conectado à (sua) cabeça” (HORNUNG, 1992, p. 424).

Figura 7: Recorte da Sexta Secção do Livro das Cavernas

Uma imagem com texto

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Adaptação de HORNUNG, 1992, p. 405 – Imagem 80.

 

A figura 7 é um detalhe do segundo registro, extremidade direita, da vinheta da Sexta Secção do Livro das Cavernas. A imagem, originalmente horizontal, foi inclinada 90º para que o seu discurso iconológico fique bem claro.

A cena descreve o momento que os deuses posicionam o Sol nas patas do Escaravelho divino, Khepri. O deus está ladeado por duas colinas a formarem o hieróglifo  (N27), aqui representando o horizonte oriental, de onde emergirá os primeiros raios solares da manhã, pondo fim à jornada noturna do Sol.

Uma vez estabelecida essa perspectiva vertical da imagem, pode-se perceber bem que o escaravelho com o Sol nas suas patas forma uma figura humanóide: disco solar como cabeça, patas dianteiras do escaravelho como ombros, escaravelho como torso e pernas.

Finalmente, todos esses elementos iconológicos e textuais aqui analisados podiam ser combinados e apresentados sob a forma de discursos iconográficos muito mais complexos (Fig. 8a-b). Assim, as gemas mágicas conservam-se como um importante testemunho material das múltiplas tradições mágicas/religiosas em constante interação no Império Romano. 

Essas gemas são dispositivos únicos, posto que, a despeito das suas dimensões minúsculas, elas são capazes de sintetizar toda uma carga multicultural e multiétnica de espiritualidade Mediterrânea no período Greco-Romano e Tardo-Antigo.

 

Um Condensador de Textos Mágicos

As gemas mágicas imperiais apresentavam um discurso iconográfico conciso e sincrético, baseado em diálogos simbólicos e releituras dos panteões grego, egípcio, persa, judaico, entre outros. Foi apresentado neste ensaio um esforço no sentido de explorar em profundidade as origens e os principais referenciais de alguns casos produzidos por esse fenômeno.

Todavia, não se pode afirmar que o público que consumia essas gemas compreendia a totalidade desse simbolismo. O que se observa com regularidade é que as entidades retratadas nas gemas podiam interagir entre si, a despeito de possuírem suas origens em panteões diversos. O efeito dessas interações era o de complementarem efeitos, jurisdições e poderes para auxiliarem o mago (Fig. 8a).

Figura 8a: Intaglio em jaspe cinza – A Barca Solar[14]

Figura 8b: Texto de Invocação

Uma imagem com preto

Descrição gerada automaticamente 

Fonte: © Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa - MNAE 540 /540-1. [© MNA-DGPC/ADF, José Rubio].

A Iconografia da figura representa a Barca Solar egípcia e o evento cósmico da jornada que o Sol realiza todas as noites pelo submundo (Amduat) para se regenerar e renascer para dar início a mais um dia, no horizonte oriental. Segundo o mito egípcio, a jornada noturna da barca pelo submundo dura 12 horas e a cada hora ela cruza uma das 12 regiões que integram aquele domínio (Figs. 2, 3, 6). Enquanto cruza o submundo, a barca, acompanhada por um séquito divino, enfrenta as forças do Caos que tentam impedir que nasça um novo dia.  Ao final da jornada, o Sol está regenerado e rejuvenescido, pronto a dar início a um novo ciclo diário. O tema da barca solar também está presente no PGM XIII (457-477).

Na gema analisada, a barca solar é tripulada por um séquito divino diferente. O deus  Harpócrates no topo de uma flor de lótus (Fig. 1a) ocupa a posição de figura central na cena. Ao lado dele, em direção da popa da barca está o Aképhalos (Fig. 5b) e em seguida, um babuíno. Normalmente, quando o Harpócrates está representado a bordo da barca solar, a iconografia decora a popa da barca com um babuíno e a proa (aqui perdida) com um falcão (PEREA YÉBENES, 2018, p. 240; PGM XIII 457-477).

Seguindo para a direção da proa, a partir de Harpócrates, há uma figura humana desconhecida. Essa figura pode representar algum herói, ou o próprio Orfeu, já que a jornada da barca percorre o submundo. Depois do homem, aparece o Anguípede (Fig. 5a) e, por fim, na porção fragmentada da gema, viria a proa com o falcão.

Certamente, a associação do jovem Harpócrates com os demais poderes solares a bordo da barca sugerem a idéia de regeneração e renascimento (HORNUNG, 1992 403-405; DARNELL, 2004, p. 115-116, n. 364, 366).

A iconografia recebe ainda uma inscrição em grego contendo os nomes de entidades angelicais e demoníacas. Acima da barca, pode-se ler o nome de sete arcanjos, seguidos pelos nomes mágicos de Iaô e Abrasax[15]

Οριήλ αφαήλ ‘Ρασοιλ

Γαβριήλ Χαβριλ Μιχαλ Σαριλ

Ιω βρασάζ (sic)

 

Ouriel Raphael, Rasoiel

Gabriel, Chabriel, Michael, Sariel

Iaô, Abrasaz (sic)

 

Abaixo da barca, à esquerda, o nome de outro arcanjo:

Σαήλ

Sael

 

Abaixo da barca, à direita, os nomes de três arcanjos:

Ραφαήλ

Σαριήλ

Koυστιήλ

 

Raphael

Sariel

Koustiel

 

A tradição judaica passou a adotar nomes para os anjos após o exílio, influenciados pelas tradições babilônicas. Uma sistematização formal de sete arcanjos ocorre pela primeira vez no Primeiro Livro de Enoque (1, 20), datado do século II d.C. (PEREA YÉBENES, 2018, p. 247). Apesar de aparentarem duas forças opostas, tanto os anjos do judaísmo como os demônios dos textos mágicos greco-romanos exercem duas funções essenciais em comum. Primeiramente, eles são representantes de um poder divino e distribuem recompensas e punições. Em segundo lugar, eles são potências espirituais responsáveis pelo caminho das estrelas no céu (1 Enoque 82, 10; PEREA YÉBENES, 2018, p. 247).

A jornada da barca solar é aqui interpretada como um combate contra as forças das trevas. O mago tem a proteção combinada de forças solares e astrais, representados pelos deuses, demônios e anjos invocados, que lhe proverão a luz necessária para chegar em segurança ao seu destino.

No reverso da gema (Fig. 8b) está gravada uma longa invocação com seis linhas de nomes mágicos, combinando voces magicae e nomina barbara:

Ϊαρβαθαχραμνηφιβαωχνυμεω

Φησοο νόητε σανκανθαρα

κρουροβόρε κοδηρε Σημέα κεντευ κοντευ

κεντευ κι κι κι δευγένυσσε αυμ̣̣υν

αυκυν ξυ λυκυνξ̣̣υντα ΚΗ̣̣Υ̣̣Ρ̣̣Ν̣̣

Θηνωρ βαρραβ̣̣αω̣̣θ̣̣ YḲ̣Ṇ̣Ṇ̣

 

IARBATHACHAMNÊPHIBAÔCHNYMEÔ

PHÊSOOO ANOÊTE SANKANTHARA

AKROYBORE KODÊRE SÊMEA KENTEY KONTEY

KENTEY KI KI KI DEYGENYSSEY AYMYN

AYKYN KSY LYKYNKSYNTA KÊYPN

THÊNÔR BARRABAÔTH YKNN

 

A primeira linha da invocação é formada fórmula ιαρβαθαχραμνηφιβαωχνυμεω. Nos Papiros gregos mágicos existem diversas variantes dessa vox magica (PGM I 142, 196; PGM III 472, 534; PGM IV 1578; PGM XII 94-95, 168). Todas  essas variantes possuem em comum o princípio ιαρβαθα-. Por isto, essa fórmula é genericamente denominada logos Iarbatha. Trata-se de uma invocação que pode estar relacionada a Abrasax e ao ciclo solar anual (BONNER, 1950, n. 210; PEREA YÉBENES, 2018, p. 251).

A segunda fórmula é iniciada pelo nome mágico Φησοο e concluída pela vox σανκανθαρα, um elemento também presente em diversos papiros mágicos gregos (PGM II 33; PGM IV 2664; PGM V 425; PGM XII 184; PGM XIII 926; PGM XIXa, 12).

Logo a seguir, na terceira linha, ocorre a expressão κρουροβόρε κοδηρε, que está presente no PGM VII 683, 897. Além disso, a totalidade da terceira linha da gema, κρουροβόρε κοδηρε Σημέα κεντευ κοντευ, pode ser atestada também no PGM V 426. Graças a essa correlação com o papiro foi possível decifrar a linha, bastante danificada, da gema (PEREA YÉBENES, 2018, p. 252).

O elemento de destaque para a quarta linha é a repetição κι κι κι. No PGM XIII 13, 597-598 ocorrem repetições semelhantes, mas com χι e τι. Dado o seu contexto, possivelmente κι κι κι seria uma onomatopéia (PEREA YÉBENES, 2018, p. 252).

A quinta linha apresenta uma vox magica de princípio αυκ- , cujas variantes podem ser verificadas no PGM V 428 e PGM XVI 62.

Finalmente, a sexta linha da invocação mágica começa com o nomen barbarum Θηνωρ. Thenor é uma entidade solar mencionada nos PGM IV 1291 (identificado a Hélios), 1937; e também no PDM 7.20.  A seguir, ocorre a vox magica βαρραβ̣̣αω̣̣θ̣̣, que remonta a uma vocalização normalmente presente na invocação do arcanjo Miguel (PGM VII 977), Iaô (PGM XIII 964), Abrasax (PGM XIXa 1, 42), entre outros.

           

Conclusão

A expansão imperial romana e a consequente integração de todo o Mediterrâneo sob uma única administração incrementou a disponibilidade de recursos, ampliou os horizontes sociais e culturais.

Conforme a integração econômica de um Mediterrâneo Romano se consolidava, os povos circunvizinhos passavam a interagir com maior dinamismo e intensidade. A circulação de bens comerciais seguia acompanhada de novas tecnologias, crenças, religiões, formas de pensamento e novas idéias. Esse cosmopolitanismo greco-romano, intensificado por uma koiné pré-existente no Mediterrâneo Oriental, reformulou a maneira como os indivíduos expressavam a sua espiritualidade e isso se reflete na produção e circulação dos textos e amuletos mágicos.

As gemas romanas imperiais apresentam uma iconografia sincrética, fruto de combinações de tradições greco-romanas, judaísmo, religião egípcia, mitraísmo, e muitas outras expressões de espiritualidade do Oriente Médio. Além dessas tradições, releituras e adaptações sincréticas dessas mesmas tradições também estão presentes na iconografia dessas gemas, como se atesta pelas referências a diversas tradições gnósticas.

Uma vez que as gemas mágicas são um produto diretamente ligado à produção e circulação de textos mágicos, elas também testemunham o processo de expansão do repertório mágico e a redefinição de inúmeros elementos religiosos das tradições do Egito e do Oriente Médio.

A sua iconografia sincrética era capaz de acumular múltiplas camadas de simbolismo visual e estava associada ao uso da escrita grega, para a produção de uma fenômeno similar na dimensão da linguagem. As letras gregas eram utilizadas para a vocalização de sons mágicos e divinos não-gregos, proporcionando uma caráter intercultural à magia no Mediterrâneo. 

Os nomes dos deuses, demônios e anjos que se popularizam em decorrência dessa intertextualidade, também podiam ser empregues sozinhos, como uma forma de invocação. Assim, atesta-se uma combinação de nomes e efígies de diversas entidades espirituais de múltiplas origens, tanto em gemas como em textos mágicos. Exemplos desse fenômeno, apenas para se limitar ao presente ensaio, incluem: Harpócrates, Chnubis, o Anguípede/Abrasax, Aképhalos, Jeová, Hélios, Mithras, Raphael, entre muitos outros.

Nesse sentido, pode-se dizer que as gemas mágicas sejam um “fenômeno Mediterrâneo”. Todavia, este não se trata de um fenômeno homogeneizador, ou “universalizante”, uma vez que o consumo e a circulação de textos e gemas mágicas produziram efeitos multiculturais e diversificados. As gemas integram um comportamento/cultura comum mediterrâneo em relação a um sincretismo das práticas mágicas nos primeiros séculos da Era Cristã/Comum.

A circulação das gemas mágicas demonstram a existência de um “espaço de negociação simbólica” (BOURDIEU, 1989) onde há uma particular tolerância para com elementos culturais “externos” e uma predisposição geral para o diálogo com o “diferente”. Esse processo de significação é cultural, posto que remonta a um senso comum local (SAHLINS, 1985). Assim, a negociação de gregos, romanos, judeus, egípcios/coptas, cristãos, gnósticos, etc., com esses sincretismos produz sempre novas re-significações e justificativas culturais/religiosas/ideológicas locais. 

Portanto, para se estabelecer como aquelas diversas identidades culturais/étnicas mediterrâneas sob a administração romana interpretavam e interagiam com essas gemas, seria necessária uma análise das estruturas significantes desse sincretismo, algo que exige um estudo de caso para regiões e grupos sociais/culturais em “diálogo” com as gemas e os textos mágicos.

Os casos estudados neste ensaio demonstram que uma dada inscrição ou iconografia podem ser transversais a múltiplas tradições religiosas e remontar a diferentes fontes textuais. Logo, um estudo de gemas mágicas implica numa abordagem transversal de diferentes culturas e cuja transdisciplinaridade inclui, mas não se limita à: linguística, antropologia da religião, filosofia, teologia, estudos bíblicos, assiriologia e egiptologia.

As gemas mágicas são um testemunho material do ambiente cosmopolitano e sincrético das crenças e das expressões individuais de espiritualidade no Mediterrâneo Romano.

 

Agradecimentos

Este artigo recebeu o necessário suporte do Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa, (MNA-DGPC/ADF, José Rubio) para obter permissão de uso das imagens: © MNA-E 540 e 540-1.

 

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Fig. 1a-b Title: Jasper intaglio: Harpocrates seated on a lotus (41.160.638)

Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/253781 (Acesso em 23/04/2022).

Fig. 4a-b Title: Chalcedony intaglio: Lion-headed serpent (81.6.302)

Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/245145 (Acesso em 23/04/2022).

Fig. 5a-b – Title: Jasper intaglio: Cock-headed anguipede (95.15.1)

Disponível em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/245888 (Acesso em 23/04/2022).

Perseus:

“Pliny the Elder, The Natural History” John Bostock, M.D., F.R.S., H.T. Riley, Esq., B.A., Ed.: Disponível em: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Aabo%3Aphi%2C0978%2C001%3A33 (Acesso em 25/04/2022).

Recebido em 07/05/2022.

Aceito em 09/06/2022.



[1] Doutor em Egiptologia. Investigador (DL 57/2016/CP1453/CT0023) CHAM, FCSH - Universidade NOVA de Lisboa, 1069-061 Lisboa, Portugal. E-mail: ronaldo.gurgel@yahoo.de | https://orcid.org/0000-0002-8457-6220

[2] As relações entre a tradição glíptica etrusca, (dando ênfase às influências fenícia e grega), e o desenvolvimento das técnicas romanas do intaglio e das gemas mágicas são devidamente aprofundadas na obra: PEREIRA, (no prelo).

[3] Cícero, Div. 1.41.92; Plutarco, Rom. 11.1; Sêneca, Q Nat. 2.32.2; Vitrúvio 1.4.1–7.1.

[4] Sêneca, Q Nat. 2.32.3–5.

[5] Plínio, Naturalis Historia 2.51.138–44.

[6] Detalhes: 2.7 x 2.4 cm; séc. II – III d.C.

[7] Por definição, os nomina barbara são corruptelas gregas dos nomes e frases contendo referências a poderes divinos, angelicais e/ou demoníacos, originários de tradições estrangeiras. Frequentemente, esses nomina remontam a referenciais alegadamente egípcios, judaicos e persas, apesar de muitos deles serem ainda indecifráveis ou sujeitos a alguma polêmica no meio acadêmico (PETERSEN, 1926; FRANKFURTER 2018a-b).

[8] No caso dos Papiros Mágicos Gregos, os exemplos são: PGM I 13 – 19; V 83 -90; X 43 – 50; XIII 905 – 911; XIXa; XXXVI 204 – 210; LXII 95 -96; XLIV.

[9] Nota: É importante esclarecer que o termo “demônio”, no contexto dos papiros mágicos, identifica genericamente as hierarquias “menores” (ou seja: abaixo de deuses) de poderes espirituais que podem ser invocados para atenderem a vontade do mago. O uso pejorativo do termo para identificar um espírito necessariamente maligno é restrito à uma interpretação cristã. Para os cristãos, a única intervenção espiritual legítima tinha origem no seu deus. Daí a caracterização negativa dos demais panteões e egrégoras espirituais. Por outro lado, há exorcismos descritos nos papiros mágicos. Nesses casos, os espíritos malignos a serem combatidos também são tratados genericamente por “demônios”. O próprio contexto era suficiente para distinguir os demônios benéficos e os demônios maléficos. Para um estudo mais contextualizado sobre as disputas intelectuais entre os primeiros pensadores cristãos e os seus antagonistas pagãos do Mediterrâneo romano tardo-antigo, ver: PEREIRA, 2012.

[10] Detalhes: 1.7 x 1.3 x 0,6 cm; séc. II – III d.C.

[11] O nome de Chnoubis aparece em combinações de voces magicae em: PGM III 435- 436, 560-563; PGM IV 2433; PGM VII 1023 – 1025; PGM XXXVI 219 – 220 e no Papiro Demótico Mágico (PDM) 16, 6-9.

[12] Detalhes: 3,5 x 2,2 x 0,3 cm; séc. II – III d.C.

[13] Para algumas referências, ver: PGM IV, 331-332; PGM VIII 49, 611; PGM XII 156, 466, dentre muitos outras.

[14] Detalhes: 4,4 X 3,3cm. Alexandria, Séc. III – IV d.C.

[15] O Estudo completo desta gema, inclusive a tradução do texto grego, foi feito por PEREA YÉBENES, 2018.