Colonização no Brasil Central: a fronteira agrícola em Mato Grosso entre as décadas de 1950 a 1970

Colonization in Central Brazil: the agricultural frontier in Mato Grosso from the 1950s to the 1970s

                                                                                               Gerd Kohlhepp[1]

Sandro Dutra e Silva[2]

 

 


Resumo

Este artigo se insere no debate sobre a história da expansão da fronteira agrícola no Brasil Central, propondo diálogo com diferentes temporalidades e modelos de ocupação. No entanto, os recortes temporal e espacial da pesquisa referem-se ao estudo dos processos de colonização pioneira no estado, com ênfase nas regiões do norte e do sudoeste de Mato Grosso entre os anos de 1950 a 1970. O estudo foi feito com base em fonte documental produzida durante pesquisa de campo dos geógrafos alemães Gerd Kohlhepp e Gottfried Pfeifer em 1965, e de Gerd Kohlhepp em 1973 e 1975, constituinte do arquivo particular de Kohlhepp. Este estudo permite também compreender os investimentos nacionais e estrangeiros que auxiliaram no começo da transformação dessa região em uma das áreas globais de maior produção agrícola, acompanhada de imenso desmatamento e danos ambientais.

Palavras-chave: Mato Grosso; Fronteira agrícola; Colonização.

 

Abstract

This article is part of the debate on the history of the expansion of the agricultural frontier in Central Brazil, proposing a dialogue with different temporalities and occupation models. However, the temporal and spatial sections of the research refer to the study of pioneer colonization processes in the state, with emphasis on the northern and southwestern regions of Mato Grosso between the years 1950 and 1970. The study was based on archival sources produced during field research by German geographers Gerd Kohlhepp and Gottfried Pfeifer in 1965, and by Gerd Kohlhepp in 1973 and 1975, part of Kohlhepp's private archive. This study also allows us to understand the national and foreign investments that helped at the beginning of the transformation of this region into one of the global areas of greatest agricultural production, accompanied by immense deforestation and environmental damage.

Keywords: Mato Grosso; Agricultural frontier; Colonization.


 

 

Introdução

 

O tema da fronteira tem auxiliado diferentes pesquisas geo-históricas e interdisciplinares sobre o fenômeno do avanço significativo da produção e da produtividade agrícola no Brasil. Em razão da dimensão territorial do país e levando em consideração as escolhas históricas de mapeá-lo a partir de grandes formações biogeográficas, os estudos interdisciplinares envolvendo sociedade e natureza privilegiam as abordagens espaciais dos biomas. Isso tem servido, inclusive, para orientar processos comparativos de produção e expansão da fronteira agrícola, sobretudo a partir da criação do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), criado em 2015[3]. Ao mesmo tempo, pesquisas envolvendo a expansão da fronteira são fundamentais para estudos relacionados a processos históricos de desmatamento, incêndios e outros impactos ambientais nos biomas brasileiros, auxiliando, dessa forma, a elaboração de políticas de conservação ambiental.

Quando problematizamos o fenômeno da expansão da fronteira agrícola no Brasil Central, temos em mente a supremacia da conquista territorial dos biomas Cerrado e Amazônia, mas também de áreas sobrepostas a eles, como os territórios da Amazônia Legal[4]. Em termos históricos, a conquista do Oeste esteve associada a essas duas grandes formações biogeográficas (DUTRA E SILVA, 2017). Assim como no Cerrado, a expansão da fronteira agrícola em direção à floresta amazônica foi decorrente de projetos governamentais nacionalistas, desenvolvimentistas e/ou nacional-desenvolvimentistas. Como ponto de partida para esses projetos, destacamos a política de conquista e expansão das fronteiras interioranas no Brasil criada na década de 1930 e relacionada à grande marcha demográfica e econômica em direção ao Oeste – muitas vezes, entendido como uma ficção geográfica (DUTRA E SILVA, 2017). Entre as décadas de 1940 a 1970, projetos governamentais orientaram os processos migratórios de colonização, característicos da fronteira agrícola e demográfica, sobretudo em direção ao Brasil Central. Esses projetos para a abertura das fronteiras interioranas do Brasil Central, iniciados durante o Estado Novo (1937-1945), criaram a ilusão futurista de desenvolvimento e prosperidade (CANCELLI, 2017; ZWEIG, 2006), centrados na marcha e na conquista do Oeste (DUTRA E SILVA, 2017; HENTSCHKE, 1996). Assim, foram fundadas colônias agrícolas nacionais e outros de projetos de desenvolvimento socioeconômico regional visando à colonização agrícola e à ocupação demográfica em Goiás, Mato Grosso e no território genericamente descrito como Amazônia, como estratégia para o povoamento e a exploração econômica das “novas terras” e para o fortalecimento de seus domínios nas áreas de fronteira.

Entre as décadas de 1930 a 1950, o projeto de ocupação do Brasil Central utilizou artifícios legais, burocráticos e mesmo ideológicos na justificativa da conquista territorial do hinterland brasileiro (LENHARO, 1986). Dentre esses projetos, destacamos a construção simbólica do Oeste como categoria analítica (DUTRA E SILVA, 2017). Nesse sentido, a expansão da fronteira agrícola para Goiás serviu como orientação e ponto de partida para a conquista da Amazônia. Dutra e Silva (2017, 2019) fundamenta-se no argumento de que os processos de expansão da fronteira para as áreas de floresta tropical – na qual foi instalada a Colônia Agrícola Nacional de Goiás, descrita na época como a região do Mato Grosso de Goiás – permitiram a criação de uma infraestrutura logística que facilitou tanto os projetos de expansão da malha rodoviária pela construção da rodovia Belém-Brasília, nas décadas de 1950/1960, como também favoreceu o desenvolvimento agronômico anterior à criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na década de 1970. Este autor reforça, ainda, as categorias simbólicas utilizadas na disposição do Oeste, como terra de prosperidade, de recursos naturais abundantes e com espaço ideológico de afirmação de um princípio de nacionalidade (brasilidade). Tais artifícios simbólicos reforçavam o deslocamento e a marcha como atos altruístas do desbravamento pioneiro, imbuindo os colonizadores da fronteira com significados patrióticos. Ademais, o uso da retórica da marcha era amplamente utilizado durante o Estado Novo, como também nas marchas desenvolvimentistas ocorridas posteriormente, entre as décadas de 1950 a 1980.

O processo de instalação de colônias agrícolas federais também foi aplicado em Mato Grosso, onde as terras devolutas disponíveis eram utilizadas para a produção agrícola, tendo como referência fundiária as pequenas e médias propriedades. Em 1943, na parte sul de Mato Grosso – e que corresponde, atualmente, ao estado de Mato Grosso do Sul –, foi instalada a Colônia Agrícola Nacional de Dourados, que representou o início da colonização oficial na região (BARROZO, 2008; PIAIA, 2003). Destacamos também outros momentos que simbolicamente reforçam as intencionalidades governamentais para a conquista do hinterland, como a viagem do presidente Getúlio Vargas à ilha do Bananal, em 1940 – um momento singular na campanha de conquista da fronteira em Mato Grosso. Isso porque, como parte desse processo, havia a necessidade de absorção dos territórios indígenas. Os governos republicanos brasileiros deram amplo suporte aos movimentos sertanistas, com vistas aos vastos sertões, apoiando e celebrando personagens históricos, como o Marechal Rondon (RONDON; LINS, 1942; KURY; SÁ, 2017). O renascimento do movimento sertanista durante o Estado Novo assumiu uma nova roupagem da conquista do Oeste na criação, em 1943, da Expedição Roncador-Xingu e da Fundação Brasil Central. Essas duas instituições marcaram definitivamente a política de expansão das fronteiras agrícola e demográfica para o Brasil Central na primeira década do século XX, com impacto nas demais políticas desenvolvimentistas para essa região (VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 1994; MACIEL, 2005, 2012; MAIA, 2012, 2013).

A Expedição Roncador-Xingu[5] tinha por objetivo pesquisar as condições naturais e o povoamento indígena como base para a ocupação regional no Brasil Central[6], além de mapear a região e fazer a ligação rodoviária com o resto do país (GARFIELD, 2000; MAIA, 2012). Além disso, foram instituídos núcleos urbanos (Aragarças, Xavantina) e bases militares para a Força Aérea Brasileira que, como postos de apoio, garantiriam a segurança das rotas aéreas Rio de Janeiro-Manaus (2.900 km) por conexões sem fio (Serra do Cachimbo, Jacareacanga). Sob grandes dificuldades logísticas e apresentando riscos para os participantes, a expedição resultou em novos contatos entre os sertanistas e os indígenas do Brasil Central, recebendo ampla cobertura da imprensa nacional, cujo conteúdo era marcado por matérias ufanistas sobre o movimento sertanista, sobretudo veiculadas pelo jornal “O Estado de São Paulo” (ALMEIDA, 2018, p. 8). Em 1945, ocorreram os primeiros contatos com os Xavantes e, em 1946, com os Kalapalos, no rio Culuene, alto Xingu (VILLAS BÔAS; VILLAS BÔAS, 1994).

A Fundação Brasil Central, instituição incorporada à Expedição, tinha a incumbência de organizar e coordenar o desbravamento, a exploração e a colonização no Oeste brasileiro, especialmente na região setentrional dos rios Araguaia e Xingu. Infelizmente, o serviço científico no âmbito da Expedição não foi mais ampliado, apesar das solicitações de pesquisadores (SICK, 1997).

Diferentemente do que ocorria em Goiás, o norte de Mato Grosso ainda se apresentava bastante isolado e sem acesso por via terrestre durante a década de 1940. Por exemplo, em 1946, o geógrafo alemão Leo Waibel, com apoio do Conselho Nacional de Geografia, pôde conduzir pesquisas de campo em Goiás (WAIBEL, 1947, 1948). Acompanhado de outros geógrafos brasileiros, ele registrou importantes informações obtidas a partir de pesquisas desenvolvidas no sul de Goiás, que versavam, por exemplo, sobre a difusão da vegetação natural e o uso da terra, bem como a transição do Cerradão para as florestas tropicais em Mato Grosso, cujo limite meridional ainda era quase totalmente desconhecido (WAIBEL, 1947; KOHLHEPP, 2019). Na realidade, Waibel queria ter iniciado suas pesquisas nas regiões mais interioranas e despovoadas do Brasil Central, para que pudesse examinar as mudanças decorrentes de atividades humanas na frente pioneira. Segundo as informações do geógrafo, sua preferência era iniciar pelo território de Mato Grosso. No entanto, a região mais ao norte do estado era inalcançável por linha férrea e mesmo rodoviária. Assim, ele escolheu começar a expedição e o trabalho de campo por Goiás, onde a ferrovia havia chegado em 1935 à cidade de Anápolis, o seu destino final (WAIBEL, 1947; KOHLHEPP, 2019; DUTRA E SILVA; BELL, 2020; DUTRA E SILVA, 2017).

Os registros históricos já apontavam para uma efetiva colonização agrícola em Goiás nas décadas de 1940 e 1950 (WAIBEL, 1947; FAISSOL, 1952; JAMES, 1953), não apenas nas áreas de floresta tropical de Goiás, mas se estendendo a outras regiões, favorecidas também pela mudança da capital federal para o planalto central. Além de Brasília e Goiânia – nova capital de Goiás, construída como projeto de modernização do Oeste, na década de 1930 –, a cidade de Anápolis representava a conexão entre o mundo urbano do Brasil Central com as áreas de colonização do hinterland. Era por meio da ferrovia em Anápolis que a produção agrícola da região adjacente e periférica era exportada, sobretudo de áreas de floresta tropical na região de influência da Colônia Agrícola Nacional de Goiás (DUTRA E SILVA, 2017; DUTRA E SILVA; BELL, 2018).

O processo de colonização agrária no norte de Mato Grosso ainda era muito precário nas décadas de 1940 e 1950, mas o governo estadual já havia reservado uma área de 200.000 hectares somente no vale do São Lourenço – na época, região central de Mato Grosso – para uma Colônia Agrícola Nacional (PEDROSO, 2015). Com o fim do Estado Novo, em 1945, e a abertura democrática promovida pela Constituição brasileira de 1946, os governos estaduais passaram a dar preferência à política de venda de terras públicas devolutas, destinadas para a colonização agrária e a regularização fundiária. Exemplo disso foi a criação, ainda em 1946, do Departamento de Terras e Colonização (DTC). Igualmente, foi criada uma Comissão de Planejamento da Produção, que deveria organizar a colonização agrária e recrutar empresas colonizadoras para o assentamento em Mato Grosso. O governo estadual criou, ainda, novas possibilidades legais para conseguir mais rapidamente a privatização de terras devolutas e legalizar antigos domínios particulares em Mato Grosso (MORENO, 2005).

O novo Código de Terras ampliou o espaço de ação em 1951 em relação às transformações fundiárias. Entre 1950 e 1964, o reordenamento fundiário do Estado levou a uma “venda indiscriminada de terras devolutas e sua utilização nas disputas eleitorais, servindo assim como premiação ou pagamento de favores políticos” (MORENO, 1999, p. 78). A política de colonização tornou-se um negócio extremamente rentável, com aumento de corrupção e descumprimento dos contratos firmados com o governo estatal. A emissão de títulos falsos de propriedades rurais – chamados de “títulos voadores” – dificultava a apropriação de terras. Surgiram boatos sobre inúmeras vendas de terras em Mato Grosso que excediam a área total do Estado. Assim, abrolhou a denominação de “terras de dois ou três andares”, isto é, títulos resultantes de múltiplas vendas de uma única área para várias pessoas (FOWERAKER, 1988)[7]. Isso evidencia a perda de controle do poder público sobre os processos de autoridade e de gestão de acesso e registro de propriedades fundiárias. As atividades do DTC – desorganizado e orientado por interesses privados e de outros grupos – foram suspendidas em 1966, órgão substituído em 1967 pela Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO) (ABREU, 2001).

A partir da fundação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953, e do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek, na segunda metade dos anos 1950, o interesse pela colonização agrária em terras mato-grossenses se intensificaram (SIQUEIRA, 2002; BARROZO, 2008). Uma nova onda migratória para o Brasil Central começou a mobilizar agricultores no Sul do Brasil. Esse processo foi acompanhado pelo surgimento de condições históricas favoráveis para a aquisição de glebas de reassentamento e colonização fundiária nas regiões de florestas tropicais da Amazônia, com destaque para o norte de Mato Grosso.

A partir desse período, os governos militares (1964-1985) consideraram estratégica a abertura geopolítica da Amazônia Legal para o recebimento de investimentos de capital nacional e estrangeiro. O objetivo de absorver excedentes populacionais de outras regiões levou à instalação de empreendimentos privados de colonização em Mato Grosso (CASTRO ET AL., 1994; CADERNOS DO NERU, 1993). No ano de 1953, a colonizadora Rio Ferro Ltda. adquiriu 200.000 hectares no atual município de Feliz Natal. Nos anos de 1970, outra empresa iniciou um projeto para assentamento de colonos de ascendência japonesa oriundos do estado de São Paulo (Colonizadora Industrial, Pastoril e Agrícola Ltda. – Cipa) que tinha por finalidade a produção de gêneros alimentícios e a extração de látex, o qual foi definitivamente abandonado (MENDES, 2012; SILVA, A., 2018).

Com base nesse contexto, o presente artigo tem por objetivo apresentar elementos históricos sobre a colonização agrária em Mato Grosso entre as décadas de 1950 a 1970, bem como a sua relação com os processos de expansão da fronteira agrícola em territórios de floresta tropical da Amazonia Legal. Atualmente, o Brasil Central é considerado um dos celeiros do mundo, com significativa produção de grãos (NEHRING, 2016; DUTRA E SILVA, 2020; COY; HUBER, 2020; COY; HUBER; DORN, 2021). Esse processo de conquista da fronteira tem afetado consideravelmente os biomas Cerrado e Amazônia, que sofrem o impacto direto da expansão avassaladora do cultivo de soja (SILVA, C.; MAJO, 2021; ROCHA et al., no prelo), a qual, por sua vez, pressiona o deslocamento da fronteira do gado para a Amazônia, sobretudo pela valorização fundiária promovida pela expansão da soja. O resultado disso é a abertura de novas áreas de desmatamento para pastagens nas áreas de transição entre esses biomas, sobretudo no norte do Mato Grosso, que compõe o território descrito na literatura ambiental como o “arco do desmatamento” (DOMINGUES; BERMANN, 2012). Esse território não inclui apenas o estado de Mato Grosso, mas compreende uma área ampla da Amazônia Legal, envolvendo 256 municípios nos quais o processo de destruição florestal tem se intensificado pela expansão da fronteira da soja e do gado, principalmente. Os registros de transformação radical das paisagens florestais na Amazônia apontam que o “arco do desmatamento” se estende pelo oeste do Maranhão e, no sentido oeste, atravessa o sul do Pará, o norte de Mato Grosso e os estados de Rondônia e Acre. É fundamental considerar que esse contexto histórico se relacione diretamente com a expansão da fronteira agrícola e demográfica para essa região, associada à ampliação da malha rodoviária, envolvendo rodovias como Belém-Brasília, Cuiabá-Porto Velho e Cuiabá-Santarém, que motivaram a ampliação dos processos de desflorestamento, sobretudo a partir da década de 1960.

A documentação que orienta particularmente o presente artigo decorre, em grande parte, das pesquisas de campo e coletas feitas em Mato Grosso entre as décadas de 1960 a 1970 pelo geógrafo Gerd Kohlhepp e que fazem parte de seu acervo pessoal, em Tübingen, Alemanha. Destacamos que, na década de 1960, Kohlhepp contou com a participação de Gottfried Pfeifer, na época professor na Universidade de Heidelberg, Alemanha[8]. Na década de 1970, Kohlhepp participou de nova pesquisa de campo em Mato Grosso, dessa vez como professor da Universidade de Frankfurt (1973 e 1975). Dentre a documentação, destacamos os registros iconográficos do processo de colonização pioneira, com fotografias do próprio Kohlhepp. Os arquivos ainda contêm entrevistas semiestruturadas e outros registros feitos pelo geógrafo junto a colonos pioneiros na região. As fontes documentais que compõem as análises deste estudo, como diários dos trabalhos de campo, entrevistas, registros, fotografias, dentre outras, encontram-se no arquivo pessoal de Gerd Kohlhepp.

Dessa forma, tendo como base os pressupostos teóricos da história ambiental e da geografia histórica, esta pesquisa procura evidenciar os processos históricos responsáveis pela expansão da fronteira agrícola no Brasil Central, incluindo reflexões que envolvem as áreas da Amazônia Legal, inserindo relações entre sociedade e natureza nos biomas Amazônia e Cerrado em Mato Grosso, entre as décadas de 1950 a 1970. O estudo também procura focalizar diferentes regiões de fronteira em Mato Grosso, com distintos projetos de colonização, mas com forte influência de capital oriundo do empreendimento e da expansão de investimentos e migração para o Sul do Brasil, bem como de investimentos estrangeiros da Alemanha. As regiões do norte e sudoeste de Mato Grosso experimentam processos de expansão da fronteira e migração sulista, impulsionados pelas oportunidades na produção de grãos e extração de borracha, com destaque para a exploração de hévea e pimenta-do-reino (região norte e sudeste de Mato Grosso), assim como de café (sudoeste de Mato Grosso).

 

A expansão da fronteira agrícola no norte de Mato Grosso

A seguir, são expostos alguns exemplos das tentativas pioneiras quanto à colonização agrária e à exploração econômica no norte do estado do Mato Grosso nos anos de 1950 e 1960. Neste contexto, a migração e a procura por terras novas por colonos do Sul do Brasil desempenharam papel importante, como também os interesses econômicos de imigrantes estrangeiros, em sua maioria composta por alemães.

 

Colonização agrária na Gleba Arinos

No âmbito da imigração alemã, italiana e do leste da Europa para o Sul do Brasil no século XIX, os lotes cedidos na colonização estatal – e também privada – tinham, em média, área de 25 hectares, com uso do sistema agrário de rotação de culturas e com adubação adequada. Esse tamanho de estabelecimento era também suficiente para uma família maior. Nas primeiras décadas, as gerações posteriores de imigrantes ainda usavam o sistema de rotação de terras para o qual uma área de 5 hectares com solo pouco fértil necessitava de 20 anos para completar o ciclo de devastação da mata até a regeneração do solo. Isso significa que, neste sistema, é necessária uma área bem maior do que 25 hectares para a sustentabilidade e sobrevivência das famílias de colonos (KOHLHEPP, 1980). Havia, ainda, alta taxa de natalidade entre os imigrantes europeus. Com isso, aumentava a pressão da população nas antigas áreas de colonização. A divisão igualitária dos lotes das áreas de lavoura aumentou, não sendo mais possível a garantia de existência e distribuição de futuras glebas, o que levou à migração da geração seguinte para novas frentes pioneiras, primeiramente nas áreas florestais subtropicais do planalto do Rio Grande do Sul, nas proximidades de Ijuí e Panambi, como na área do alto Uruguai, nos arredores da região de Santa Rosa.

A documentação decorrente de entrevista realizada em Santa Rosa, em 1965, mostrou que entre 60 a 70% dos chefes de família na população rural ainda não tinham alcançado a consolidação do nível de vida que almejavam. Esses colonos ainda não se interessavam por intensificar ou modernizar sua situação agrícola ou mesmo não poderiam o fazer por motivos financeiros. Entre 15 a 20% dos estabelecimentos agrícolas descreviam a sua situação como positiva – em parte, devido ao aumento da área. Esse mesmo índice, ou seja, entre 15 a 20% dos colonos mais pobres, não tinha meios financeiros para a emigração (PFEIFER; KOHLHEPP, 1966). Na procura por novas terras, e devido aos altos preços de terrenos na vizinhança mais próxima, a única alternativa era a emigração para áreas florestais mais longínquas, com preços bem menores. Uma informação relevante era a de que, entre os filhos dos colonos, ainda persistia a “mentalidade pioneira”, muito também favorecida pelos discursos da expansão pioneira no Brasil.

As novas migrações conduziam-se através do oeste de Santa Catarina, sudoeste e oeste do Paraná em direção a Mato Grosso do Sul e, mais tarde, Mato Grosso, onde somente a partir dos anos de 1970 surgiram novas perspectivas – primeiramente nas regiões do Cerrado, com empresas colonizadoras do Paraná e do Rio Grande do Sul, fomentadas pelo Governo Federal, e com cooperativas gaúchas ligadas à atividade do plantio da soja (COY; LÜCKER, 1993; COY et al., 2017, 2020; BLUMENSCHEIN, 2001; KOHLHEPP; BLUMENSCHEIN, 2000; KARP, 1987).

            Uma iniciativa precoce quanto à colonização agrária nas florestas tropicais do Brasil Central partiu dos irmãos Mayer[9], da região Santa Rosa, no alto Uruguai. Os Mayer eram empreendedores que haviam investido capital para a construção de uma fábrica de laticínios, localizada em Santa Rosa, e outra de móveis, em Porto Alegre, bem como gerenciavam uma empresa de transportes, também em Porto Alegre. A família Mayer seguia o modelo de emigração de jovens riograndenses para a frente pioneira no oeste de Santa Catarina e para o Paraná, pois vieram a adquirir uma fazenda de café em Cidade Gaúcha, no Paraná. Depois que foi fundada a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953, bem como da anexação de Mato Grosso à região de planejamento da Amazônia Legal, a família Mayer, mais precisamente Guilherme Mayer (“Willy”)[10], aproveitou a oportunidade de emigrar, fundando a empresa Colonizadora Noroeste Matogrossense Ltda. (CONOMALI). Em 1954, mesmo sem estudos prévios referentes à qualidade dos solos, Guilherme Mayer comprou 120.000 hectares na região do rio Arinos, no norte de Mato Grosso, cerca de 700 km ao norte de Cuiabá (IRGANG, 2011; MEYER, 2015).

Na região do rio Arinos, foi fundada a localidade de Porto dos Gaúchos (posição 11⁰30’S). Muito antes de futuros empreendimentos de colonização nas matas tropicais, as terras dos Mayer próximas a um afluente do rio Juruena foram expandidas em até 220.000 hectares com meios financeiros privados, e sem qualquer apoio do Estado, formando a chamada Gleba Arinos (figura 1). Era o primeiro projeto de uma colonizadora privada autorizado pelo governo de Mato Grosso. A SPVEA aconselhou para que fosse implementado o cultivo da hévea na região. No entanto, merece destaque o fato de a compra de terras na Gleba Arinos na Amazônia ter ocorrido de maneira abrupta e desrespeitosa em relação ao cumprimento dos tratados legais de direitos dos povos indígenas originários à terra. Como nenhuma reserva indígena havia sido demarcada na região, as terras eram simplesmente consideradas como devolutas, ou como “terras vazias”. Em 1975, Gerd Kohlhepp retornou à região, deixando um registro fotográfico dos trabalhos de infraestrutura na região do rio Arinos. A figura 1 mostra o trabalho de maquinário para a abertura de estradas, bem como o desflorestamento para finalidades agropecuárias na região.

Na região da Gleba Arinos e arredores, viviam os Tapayúna, os Kayabí e os Rikbáktsa (Canoeiros), que sempre lutavam contra a ocupação por intrusos em seu espaço vital. Os registros de conflitos na região na década de 1950 referendam que o contato entre os colonos e os indígenas na região não foi pacífico. Os seringais localizados ao longo do rio Arinos foram usados por um conhecido seringalista, que havia sido prefeito de Diamantino. Em 1953, os seringueiros foram acusados de envenenamento, com uso de arsênio em açúcar, de membros do povo Tapayúna (mais conhecidos como beiços-de-pau), como vingança por ataques mortais dos indígenas (LIMA, 2018). Os Tapayúna ameaçavam o trânsito de barcos no rio Arinos, o que impediu uma visita de Kohlhepp a Porto dos Gaúchos em agosto de 1965. Padres jesuítas de Diamantino tentaram, com ajuda da CONOMALI, estabelecer contatos com os povos indígenas. Neste contexto, a situação foi comunicada aos antropólogos Darcy Ribeiro e Egon Schaden, sendo sugerida uma expedição do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) para pacificar a complexa situação (IRGANG, 2011). Em 1968, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) estabeleceu a “Reserva Indígena Tapayúna”. Em 1969, uma epidemia de gripe na comunidade dizimou centenas de vidas da comunidade Tapayúna. Os poucos indígenas sobreviventes foram transferidos pela FUNAI para o “Parque Indígena do Xingu” (LIMA, 2018).

Figura 1: Colonização agrária, Gleba Arinos, Mato Grosso.

Fotografia: Gerd Kohlhepp, em 08/10/1975.

 

Como dito anteriormente, já havia um cenário favorável para a migração de famílias gaúchas para o Brasil Central e para a colonização agrária. Em março de 1955, cerca de 20 pessoas com volumoso equipamento viajaram por via terrestre de Santa Rosa, no Rio Grande do Sul, para o estado de Mato Grosso, para dar início a trabalhos de medição de terras, desmatamento e outras tarefas burocráticas. Já em 1954, foi fundado um escritório da empresa para a venda de terras em Porto Alegre. Em 1956, chegaram as primeiras famílias (87 pessoas), com seis caminhões. Em 1957, foram contados 473 habitantes na Gleba Arinos. A maior parte dos migrantes era teuto-brasileira da região do alto Uruguai. Mais tarde, começaram a chegar novos colonos de outras regiões do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, onde agentes da CONOMALI recrutavam os emigrantes. O tamanho dos lotes girava em torno de 25 e 50 hectares, os quais eram vendidos a preços aceitáveis[11] e que podiam ser pagos em 36 prestações mensais.

A Companhia de Colonização, muito bem organizada, empenhou-se no desenvolvimento sistemático da Gleba Arinos, sob a direção dinâmica de Guilherme Mayer. Nesse período, foram feitos projetos de agrimensura para a construção de ruas e estradas, serrarias, farmácia, posto médico (com médicos e enfermeiras) e, mais tarde, de um pequeno hospital. Também foi instalada estrutura educacional, com escolas de ensino elementar e fundamental. O projeto previa, ainda, a instalação de estruturas religiosas, com a criação de comunidades cristãs (evangélica-luterana e católica) e a contratação de ministros para o serviço eclesiástico. Ademais, havia uma boa organização de assentamentos em diferentes núcleos e administração local organizada. Mayer, cuja família mudou-se para Porto dos Gaúchos, era convicto acerca do papel da vocação para o trabalho de colonização em florestas tropicais desenvolvido pelos descendentes teuto-brasileiros. Isso porque a tradição familiar reforçava a memória e os costumes de seus antepassados na colonização das regiões florestais em Volínia[12].

Em março de 1958, havia uma primeira ligação terrestre precária entre a Gleba Arinos e Cuiabá. Foi, então, estabelecida uma estrutura relativamente boa, com usina elétrica, moinhos, oficina mecânica, artesãos, pequeno estaleiro fluvial para a tão importante construção de barcos. Até 1959, 2.100 hectares foram desmatados e medições foram realizadas em mais de 1.000 km², sendo construídos 287 km de estradas e caminhos na gleba (CONOMALI, 1959). O recrutamento de pessoal para a Gleba Arinos era feito por meio de anúncios em jornais no Brasil, mas também nos EUA, que indicavam a disponibilidade de terras férteis, com boa disponibilidade hídrica e climática (sem geada), e com a potencial para o cultivo agrícola de café, pimenta, cacau e borracha. Em 1963, foi fundado o município de Porto dos Gaúchos, o primeiro ao norte da Chapada dos Parecis, então desmembrado do município de Diamantino, Mato Grosso. Guilherme Mayer foi o primeiro prefeito de Porto dos Gaúchos. Em 1965, a Gleba Arinos tinha quase 1.000 habitantes e 3.700 lotes à disposição dos interessados (figura 2).

Além da produção agrícola de alimentícios básicos para consumo próprio, os colonos iniciaram o plantio e a produção de arroz, café (coffea robusta), cacau, pimenta-do-reino e seringueiras (Hevea brasiliensis), que seriam comercializados em Cuiabá. Segundo informações da CONOMALI, em 1959 foram registradas 610.000 covas de café, 40.000 pés de cacau e 100.000 pés de seringueiras, com produção de borracha estimada em 31 toneladas (CONOMALI, 1959). O seringal que a CONOMALI arrendou do estado de Mato Grosso compreendia áreas em extensão de até 260 km ao norte de Porto dos Gaúchos. A borracha era processada na usina de beneficiamento do Banco de Crédito da Amazônia S.A., com sede em Cuiabá.

Para apoio aos colonos, o Instituto Agronômico do Norte (IAN), em Belém, ajudou na orientação e no apoio técnico para o plantio de seringueira e pimenta-do-reino. Os colonos ainda não tinham se acostumado à situação climática e à sazonalidade pluvial da região setentrional de Mato Grosso, sobretudo com as altas temperaturas durante todo o ano (média anual de 26 ºC, com mínima de 13 ºC em julho). Em termos pluviométricos, a região apresentava precipitação de 2.190 mm, com período de estiagem com duração de quatro meses de seca (junho a setembro). No ano de 1975, a estiagem foi mais intensa, com o registro da estação seca entre abril e outubro. Além das questões climáticas, o processo de colonização em Mato Grosso também foi caracterizado pelo enfrentamento de doenças infecciosas tropicais, como a malária. Esse fenômeno também havia ocorrido no processo desenvolvido em Goiás, conforme as pesquisas de Dutra e Silva (2017) efetuadas na área florestal da colônia agrícola de Goiás.

Um dos grandes problemas da colonização na Gleba Arinos foi o fato de que muitos colonos ficaram frustrados com as diferentes dificuldades enfrentadas e acabaram retornando para o Rio Grande do Sul. Os documentos de Kohlhepp indicam que isso ocorreu seja por saudade da terra natal, seja por dificuldades de adaptação às condições socioambientais e financeiras da colonização. O desconhecimento climático e edáfico da região foi um grave problema para a adaptação ao ambiente tropical e à produção agrícola, assim como a ignorância acerca das condições do solo (baixa fertilidade) e a falta de fertilização apropriada provocaram a baixa produção e a perda de lavouras. Mesmo a fundação de uma cooperativa de proprietários rurais independentes, fora do comando e da influência da CONOMALI – a qual contava com 50 colonos que tinham cerca de 50 hectares cada e contava com o auxílio de trabalhadores assalariados –, não pôde impedir a falência de diversos empreendimentos rurais pioneiros.

Figura 2: Plantio de café, Gleba Arinos, Mato Grosso.

Fotografia: Gerd Kohlhepp, em 08/10/1975.

Os registros de Kohlhepp nos ajudam a compreender esse cenário de enfrentamento entre sociedade e natureza, no norte de Mato Grosso, que atravessou o processo de colonização das florestas tropicais. Um exemplo é o caso dos irmãos Mayer. Ao contrário dos colonos, que detinham um padrão social e financeiro mais baixo e acabaram migrando para Cuiabá, adaptando-se a novas possibilidades profissionais na capital do estado, os Mayer se adaptaram à crise por meio de uma alternativa diferente de atividade urbana. A empresa Irmãos Mayer Ltda. havia extrapolado os recursos financeiros e de crédito para o projeto rural. Entre os membros da família, havia desentendimentos sobre objetivos, decurso e custos do projeto, o que acabou sendo descrito como o “fracasso” do empreendimento[13]. Os relatos memorialistas de Guilherme Mayer reforçam que ele havia perdido influência política e acabou tendo que enfrentar acusações de má administração e dificuldades no controle financeiro, cuja gestão se caracterizava como falha do ponto de vista dos investimentos e com falta de estudos prévios. Ele reconheceu os seus erros e passou a se dedicar à atividade comercial em Porto dos Gaúchos.

Em meados da década de 1970, o cenário otimista da colonização não se reproduzia no cotidiano da região da gleba. No ano de 1975, a cidade de Porto dos Gaúchos dava a impressão de que a crise havia atingido a região, gerando o cenário de “abandono”, caracterizado pela escassez de moradias, pela quase inexistência de atividades econômicas e pela precariedade de infraestrutura e de ação do poder público (figura 3). A via principal – que anteriormente havia sido uma pista de pouso – estava ocupada com bares, com a ausência quase completa de outros estabelecimentos comerciais.

A criação da rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163) favoreceu o rápido desenvolvimento urbano e regional das áreas margeadas pelo novo contorno asfáltico, contribuindo para o surgimento de novas cidades, como Sinop, Sorriso, e Lucas do Rio Verde, entre outras. Esse novo eixo do desenvolvimento atraiu novas ondas migratórias, fazendo com que a região noroeste de Mato Grosso, onde estava localizada a vila de Porto dos Gaúchos, perdesse prestígio e investimentos relativos à colonização. Esse fato representou um significativo obstáculo para o desenvolvimento de Porto dos Gaúchos entre as décadas de 1960 e 1970[14]. Em 1975, a rodovia de terra que ligava Porto dos Gaúchos até Cuiabá se encontrava em péssimas condições de tráfego. Quando começava a estação das chuvas, um caminhão com cargas gastava, aproximadamente, quatro dias para completar todo o trajeto entre as duas cidades.

Figura 3: Porto dos Gaúchos, Mato Grosso.

Fotografia: Gerd Kohlhepp, 1975.

Entre as décadas de 1960 e 1970 – mas principalmente nos anos 1970 –, compradores de terras do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná fundaram novas colônias agrícolas em Mato Grosso. O colonizador José Pedro Dias, conhecido como Zé Paraná, por ser oriundo daquele estado, desempenhou importante papel na colonização e no desenvolvimento do noroeste de Mato Grosso. Ele comprava terras devolutas do estado e as revendia a preço condizente para muitas famílias de colonos do Sul do Brasil. Ele passou a ser reconhecido pelo investimento no empreendimento colonizador, sendo considerado como pioneiro na fundação das cidades de Juara e Tabaporã, nas proximidades de Porto dos Gaúchos. Neste contexto, juntou-se a outros empreendedores pioneiros da colonização no norte de Mato Grosso, como Enio Pipino, Ariosto da Riva e Norberto Schwantes[15], cujo espírito desbravador contribuiu para o atual desenvolvimento da região (SCHWANTES, 1989). Nesse sentido, Guilherme Mayer, que foi o primeiro a se arriscar na fundação de uma colônia privada em Mato Grosso, praticamente caiu em esquecimento.

Também nos anos 1960 surgiram, em Porto dos Gaúchos e vizinhança, diversas empresas de colonização, as quais, no entanto, não eram confiáveis, a exemplo do empreendimento de colonização em Novo Horizonte do Norte, em que os projetos não previam a construção de infraestrutura básica necessária e os lotes rurais e urbanos foram negociados a preços demasiadamente altos. Não havia cumprimento de entendimentos prévios, o que gerava problemas posteriores em relação à titularidade e à escritura fundiária para os colonos. Nesse período, os protestos e as manifestações públicas por parte dos colonos eram ações deveras arriscadas, devido a possíveis denúncias de agitação e associação comunista. Na Gleba Arinos, a empresa de colonização Irmãos Mayer teve que vender terras a compradores da Alemanha, entre outros, que haviam investido no plantio de Hevea brasiliensis desde o ano de 1961.

 

A Hevea brasiliensis e a agrossilvicultura com investidores da Alemanha na Gleba Arinos

Em 1961, durante a abrangente campanha da SPVEA para o plantio de Hevea brasiliensis no Brasil, um grupo de alemães comprou 12.000 hectares da empresa colonizadora dos Irmãos Mayer na Gleba Arinos, em Mato Grosso. A Alemanha do pós-guerra havia iniciado a fase da recuperação econômica e a “guerra fria” do Oeste com a União Soviética levou cada vez mais à ponderação do investimento lucrativo e “seguro” no exterior. Os contatos com o Brasil foram resultantes de anúncios publicados pela CONOMALI e por visita de teuto-brasileiros à Alemanha. Um organizador alemão que já tinha adquirido terras na América do Sul[16], com sede em Stuttgart, conseguiu 100 interessados para participarem do grupo dos plantadores de Hevea brasiliensis. Assim, uma das maiores plantações de hévea no Brasil foi instituída em Porto dos Gaúchos (figura 4).

O primeiro problema surgido foi a constatação de que membros do “grupo alemão de plantadores da hévea” eram pessoas com meios financeiros limitados e que não podiam depender de êxitos a longo prazo, como também não dispunham de capital para um investimento regular e constante. Como característico da produção dos seringais, a primeira extração de látex somente pôde ser feita depois de seis a oito anos e, apenas depois de onze anos, ocorreu a devida compensação do investimento inicial. Mas o problema principal foi a variedade escolhida da planta (FX 25), que não é resistente ao fungo Microcyclus ulei[17] – justamente a doença responsável pela decadência da plantação da borracha da empresa Ford, em Fordlândia, e pelo fiasco sofrido pelo grupo investidor (GRANDIN, 2010). Não foi possível conseguir os desejados investimentos para eventuais enxertos, que possivelmente teriam levado à salvação de parte da plantação, a qual, com cerca de 2.000 hectares de hévea (550 árvores/ha), não recebeu a assistência técnica agronômica necessária. Com base em entrevistas na região concedidas na década de 1970[18], os observadores locais acreditavam que, na verdade, o interesse do grupo investidor era muito mais especulativo, na expectativa da valorização fundiária, em detrimento das atividades de agrossilvicultura no norte de Mato Grosso.

Figura 4: Plantio de hévea, Gleba Arinos, Mato Grosso.

Fotografia: Gerd Kohlhepp, em 06/10/1975.

Ainda em 1967, um segundo grupo alemão (Bralco Arinos) comprou 7.000 hectares de terras da CONOMALI nas vizinhanças. Entre a compra e o ano de 1970, o grupo plantou mais de 1.000 hectares de hévea[19]. Os 50 membros deste grupo detinham um maior capital e a maioria deles pertencia à classe média alta alemã, tendo, com isso, maior liberdade de ação financeira do que os seus antecessores. Eles se organizaram como comunidade de interesses, visitando a Gleba Arinos diversas vezes, e contrataram um administrador que era um comprador de terras e tinha obtido experiência com o antigo Grupo Hévea. As plantas da Hevea brasiliensis foram enxertadas com outras variedades, muito mais produtivas, de Belterra (FX 3810) e de Belém (IAN 717). As plantas eram resistentes contra o Microcyclus ulei, não obstante registrou-se crescimento relativamente lento dos quase três milhões de pés de hévea na Gleba Arinos. Devido à diferença das sementes, nem sempre com a mesma qualidade, aos diferentes solos e a um valor de pH baixo, de 4,3 a 5,5, nem todas as árvores alcançavam diâmetro de 45 cm depois de seis a oito anos. O Instituto de Pesquisa Agropecuária do Norte (IPEAN), com sede em Belém, no estado do Pará, orientou para que fosse realizada a adubação no plantio para plantas jovens. O solo entre as fileiras das árvores de hévea foi coberto com o plantio de uma leguminosa de rápido crescimento (pueraria), evitando, assim, a erosão, a forte insolação e o ressecamento.

Tendo em vista os múltiplos problemas com as sementes da hévea, bem como outros problemas com transporte na venda da borracha e a constante redução da taxa de lucro, a Bralco empenhou-se em instalar um programa diversificado e pretensioso – a agrossilvicultura. Para tal, foram contratados peritos alemães, para a realização de diferentes estudos científicos agronômicos[20]. O objetivo era realizar somente o corte seletivo dos troncos finos e as tentativas de plantio de diversas plantas no “andar inferior” das árvores permanentes, em fileiras especialmente preparadas. Com isso, a umidade abaixo da copa de folhas podia ser mantida na mata – de grande significado em uma região com quatro a cinco meses áridos, com iminente perigo de incêndios. Com isso, era dada proteção contra insolação e erosão. O longo tempo de seca exigia contenção de água nos solos e dificultava ponderações quanto ao uso de múltiplas culturas. A tabela 1 apresenta classificação das plantas de acordo com as formas de plantio e o manejo agronômico.

Tabela 1: Culturas indicadas para cultivo na fronteira agrícola em Mato Grosso[21].

 

O plantio de outras espécies arbóreas buscou dar maior sustentabilidade ao empreendimento, o que, na época, foi atividade pioneira e raramente aplicada na região. Os técnicos incentivaram a plantação de espécies como o jatobá (Hymenaea sp.), a copaíba oleosa (Copaifera langsdorffii), rica em substâncias medicinais anti-inflamatórias, o cumaru (Dipteryx odorata), uma madeira dura, com diversas qualidades medicinais, utilizada também na obtenção de fragrâncias para perfumes.

Devido ao lento crescimento da hévea, os investidores alemães não contavam com lucros rápidos na venda da borracha. As tentativas pretenciosas de procurar plantas ecologicamente orientadas para diversificação e instalação da agrossilvicultura também não representaram alternativas econômicas. A constante realização serial de testes apresentava indícios de interesses reais da administração em manter o projeto, sobretudo pela aplicação regular de recursos e pelo fomento na pesquisa e no controle de dados agronômicos. Igualmente, havia possibilidade de demanda advinda da indústria madeireira que atuava nas matas tropicais semidecíduas. A classificação e o levantamento da existência de madeira de lei na região da Bralco mostraram, em uma área de 90 hectares, o resultado de 23,6 mᶾ de madeira nobre por hectare[22]. É nesse contexto que ocorreu a criação de uma nova empresa, oriunda de uma sociedade com um dono de serraria do Paraná, o qual havia transferido suas atividades para o Mato Grosso devido ao total desflorestamento no norte do Paraná[23]. Por ser registrada como empresa nacional, mesmo com o pequeno capital dos parceiros brasileiros, os benefícios fiscais concedidos pela SUDAM no âmbito dos planos de desenvolvimento para a Amazônia Legal puderam ser usados. Assim, a empresa recebeu incentivos para montar uma serraria movida a vapor (caldeira à base de lenha), com a possibilidade de mercado consumidor para o setor de construção civil na Gleba Arinos e também em Cuiabá. Além disso, o fornecimento de energia elétrica estava garantido pelo uso do motor a vapor. A difícil procura por mão de obra para projetos pioneiros pôde ser solucionada através da contratação de pessoal do Sul do Brasil, sobretudo de trabalhadores de origem teuto e ítalo-brasileira do Rio Grande do Sul.

É importante mencionar que, apesar da mentalidade pioneira de diversos grupos de plantadores, êxitos em longo prazo não puderam ser registrados. Frequentemente, a solução para a saída do negócio, em caso de fracasso, era a venda de uma parte das terras para fazendas de criação de gado, de rápido desenvolvimento na região.

 

A expansão da frente pioneira do café na região do alto Jauru no sudoeste de Mato Grosso

Um dos maiores problemas do plantio de café no norte do Paraná, nas décadas de 1950 e 1960, foi a expansão do plantio para as regiões sul e sudoeste, que eram áreas do limite climático dessa cultura (ca. 24⁰30’S), onde as plantas ficavam suscetíveis e mesmo ameaçadas pelas frequentes geadas (KOHLHEPP, 2014 [1975]), tendo em vista a escassez de terras em regiões preferenciais, como regiões de terra roxa para essa cultura no Paraná, e coincidindo com o boom do café em termos de ótimos preços e alta produção. Assim, em 1953, agricultores do norte do Paraná adquiriram terras de colonizadores gaúchos ainda não desmatadas e com boa fertilidade ao sul do rio Piquiri, perto de Toledo e Maripá, região oeste do estado[24]. Em julho de 1955, uma forte geada provocou grandes danos à região central do plantio de café, cujas consequências foram alguns anos de perda de produção (MOREIRA; CARVALHO, 2021). Na área das novas plantações no limite sul do plantio de café, as geadas foram ainda mais fortes (de até -8 ⁰C), com perda total dos pés de café, levando à única alternativa: a desistência do plantio nas regiões mais meridionais do Brasil.

Como, desde a primeira metade dos anos de 1950, o oeste do Paraná, ao sul do rio Piquiri, foi alvo de abrangente migração de jovens famílias do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, as terras abandonadas onde se plantava o café puderam ser vendidas aos colonos que tradicionalmente plantavam gêneros alimentícios. A madeira do restante das florestas foi comprada pelas inúmeras serrarias da região. Com a renda resultante da venda de terras e madeira, alguns corajosos plantadores de café do Paraná procuravam alternativas espaciais para a planejada expansão de suas terras[25]. Com o iminente perigo de geadas no norte do Paraná, a atividade com o café foi dada como definitivamente encerrada, depois de mais geadas em 1962, 1966, 1969 e 1975 (KOHLHEPP, 1991b), fazendo com que as regiões em Mato Grosso, livres de geadas, e regiões florestais ainda não exploradas passassem a ser alvo do interesse dos plantadores de café, prontos para correr riscos e financeiramente assegurados.

Na década de 1950, em Mato Grosso – além da iniciada colonização agrária na Gleba Arinos e em algumas fazendas de gado nos campos cerrados na região de Diamantino, em 1956 –, somente a região da capital Cuiabá e os arredores de Cáceres junto ao rio Paraguai já experimentavam a expansão da fronteira agrícola. Nas regiões de florestas tropicais no hinterland de Cáceres até o alto rio Paraguai, alguns donos de serrarias compraram em torno de 10.000 hectares de terras florestais dos dois lados do curso médio do rio Jauru, no estado de Mato Grosso. No início, de Cáceres a Corumbá, as tábuas e pranchas eram transportadas por jangadas no rio Paraguai e, mais tarde, por meio de pequenos cargueiros. De Corumbá a São Paulo, o transporte era feito por via ferroviária. Na região de Cáceres e perto do rio Jauru, agiam vendedores de terras e especuladores, com fama duvidosa. Entre eles, estava um alemão que adquiriu – não se sabe como – grandes glebas de terras em Mato Grosso para depois propagar a venda das terras, tanto no Brasil quanto na Alemanha[26].

A Embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro havia sondado a possibilidade de achar terras em Mato Grosso para o assentamento de suábios do Danúbio, refugiados das antigas regiões de assentamento de camponeses alemães e seus descendentes no sudeste da Europa[27]. Isso não pôde ser realizado, mas o encarregado do assunto para a primeira viagem de informação – um plantador de café alemão que residia no Paraná – conseguiu tecer primeiros contatos nos arredores de Cáceres, para uso próprio. Nesse contexto, comerciantes de madeira e donos de serrarias da região de Caçador em Santa Catarina auxiliaram nos processos, por meio de influências e informações.

Estes colonos catarinenses tinham experiência de longos anos com desmatamento e tratamento da araucária, muito procurada como madeira de construção, cujas reservas haviam se tornado escassas no planalto de Santa Catarina. Em Mato Grosso, havia interesse especial na madeira mogno (Swietenia tessmannii), que era abundante a oeste do rio Jauru. Preços de terras extremamente baixos[28] até meados dos anos 1950 eram de grande atração. Os comerciantes de madeira tinham contratado os melhores agrimensores[29], com bons conhecimentos regionais e que agora também trabalhavam para os paranaenses. O levantamento topográfico e a abertura das longas picadas que demarcavam as novas áreas de propriedade eram muito difíceis em terrenos quase intransitáveis. E a grande maioria da mão de obra disponível na região de Cáceres era originária da migração boliviana na fronteira.

Um comprador de terras descreveu bem a situação sobre a atribuição de enormes terrenos devolutos em Mato Grosso e a emissão de títulos de propriedade: “Nos últimos dias e horas de seu mandato e até a meia noite, o Governador não fêz outra coisa senão assinar títulos de propriedades e receber cheques” (citado em Loeb Caldenhof, 1997, p. 121)[30]. Apesar das terras também terem documentos notariados, existiam muitas ambiguidades em relação a compra, venda, retorno de terras ou arrendamento com diversos donos, além de atividades de grileiros. Na frente pioneira, conseguiam ser bem-sucedidos aqueles com resiliência, persistência, influência e informação privilegiada. Nesse sentido, a situação dos povos indígenas (Nambikwara, Parecis, entre outros) e de outros atores sociais era marcada pelos desencontros das distintas temporalidades da fronteira (MARTINS, 2009).

Para a legalização da terra recém-comprada e proteção contra invasores, o devastamento costumava ser imediatamente iniciado. No entanto, grandes áreas de floresta ficavam preservadas no início, para o cumprimento dos requisitos legais, mesmo que o controle tenha sido impossível. Com o auxílio do trabalho dos agrimensores e de vistorias locais feitas por compradores de terras paranaenses, podiam ser identificadas regiões de solo de boa fertilidade (terra-roxa), que eram compradas em alguns mil hectares, para, posteriormente, serem divididas em diversas propriedades.

Paralelamente ao desflorestamento das áreas para o plantio de café, eram construídas casas para os trabalhadores com expertise no plantio e que eram transferidos dos estabelecimentos do Paraná para o Mato Grosso. A implementação dos estabelecimentos cuja localização, também orientada para a planejada construção de rodovias, exigia a presença frequente dos novos proprietários onerava a construção da mais simples infraestrutura na frente pioneira. Em muitos casos, os fazendeiros construíam caminhos e ruas de acesso com recursos próprios, causando, assim, disputas com os vizinhos quanto ao uso das estradas. Em algumas fazendas, havia pistas de pouso, desenvolvendo um trânsito aéreo vivaz, com táxis aéreos dos compradores de terras financeiramente bem-sucedidos.

Em pouco tempo, surgiram, a 180-200 km a noroeste de Cáceres, plantações de café (Coffea canephora = robusta), com proprietários do Paraná e da Alemanha – em círculos da nobreza alemã, Mato Grosso era um alvo para investimentos de capital. O industrial alemão Rudolf-August Oetker também investiu em grande plantação de café[31]. Os proprietários ausentes (absentee-ownership) enfrentaram um problema com relação à administração ordenada, pois os administradores alternavam-se constantemente ou mesmo criavam estabelecimentos próprios. Alguns proprietários empregavam agricultores experientes da Alemanha como administradores, entre eles filhos de senhorios nobres das antigas regiões do leste alemão que não tinham perspectiva profissional correspondente na República Federal da Alemanha.

Além do desenvolvimento de extensos plantios de café, havia em grande escala a plantação da hévea. O emprego de mão de obra experiente do Paraná no plantio de café tornou-se muito difícil, pois, devido ao isolamento da frente pioneira, os trabalhadores abandonavam os estabelecimentos ou vendiam terras que lhes tinham sido transmitidas para uso próprio. Muitos retornavam para o Paraná ou procuravam outras atividades em Cuiabá com o dinheiro da venda do seu lote. Diversos compradores de terras acreditaram no sistema de rotação de pastos (terminus technicus!) para a pecuária extensiva, que mais tarde, durante os governos militares, obtiveram facilidades fiscais através do Programa Polamazônia (KOHLHEPP, 1979).

Figura 5: Plantio de café, fazenda Toriba, alto Jauru, Mato Grosso.

Fotografia: Gerd Kohlhepp, em 07/08/1965.

Nessa condição de fronteira, os atores paranaenses entenderam que o plantio de café na região de Jauru, sudoeste de Mato Grosso, não era uma solução definitiva (figura 5). A precária situação das rodovias contribuiu para a existência de problemas com frete, que se tornaram um enorme obstáculo na região de plantio. O preço do transporte de uma saca de café da fazenda Toriba para Cáceres, a uma distância aproximada de 190 km, custava 2,7 vezes mais do que o transporte de Cáceres para Bauru, em São Paulo – a 1.470 km de distância. Os custos com transporte de Londrina, no Paraná, para Bauru representavam somente 18% dos custos do transporte de Cáceres para Bauru[32]. A fronteira do café em Mato Grosso apresentava uma única vantagem em relação às demais zonas produtoras, em meados dos anos de 1960: não havia geadas em comparação com o Paraná, e os preços de terras eram extremamente baixos.

Mesmo sem geadas, o padrão de sazonalidade climática em Mato Grosso não era favorável para o cultivo de café, muito em função do longo período de estiagem. A planta perdia suas folhas e crescia demais, por causa das altas temperaturas médias, dificultando a colheita. Em termos comparativos, a produção e a produtividade eram inferiores às médias normais obtidas pelo café produzido no Paraná. A tentativa de levar adiante a fronteira do café para o norte de Mato Grosso também fracassou. Não obstante, as terras foram vendidas, com grandes lucros, nos primeiros anos da década de 1980, pois, ao longo dos anos, e com os avanços da mecanização e do desenvolvimento agronômico para o Brasil Central, a região experimentou significativa valorização fundiária. Em suma, fica evidente a impressão de que, na frente pioneira, o espírito empreendedor e o otimismo exagerado eram fatores mais determinantes do que a distância do mercado, os custos com transporte e o bom senso econômico (PFEIFER, 1966).

 

Considerações finais

O modelo de colonização pioneira (pioneering settlement) orientou os estudos geográficos na América Latina, desde a década de 1930, fazendo com que instituições nacionais e estrangeiras buscassem respostas para o rápido avanço da fronteira em países como o Brasil, por exemplo. Diferentes variáveis estiveram associadas a esse interesse, como a própria consolidação da geografia e suas instituições no Brasil, bem como o olhar estrangeiro para as ondas de migração demográfica no pós-guerra. O Brasil Central tem um papel fundamental nos estudos da fronteira na América Latina, em que elementos socioambientais e políticas desenvolvimentistas nos permitem analisar as complexas relações entre sociedade e natureza no país. Nesse sentido, os estados de Goiás e Mato Grosso destacam-se como espaços privilegiados para a análise das marchas históricas em direção ao “oeste”.

Assim, o presente artigo procurou explorar as narrativas da fronteira no Brasil Central, apoiando-se em fontes privilegiadas sobre a migração sulista em direção ao Mato Grosso, identificando momentos e ecorregiões distintas. São fontes produzidas pela pesquisa geográfica, que soube colher o timing da colonização, registradas em imagens, entrevistas, anotações em campo, dados fundamentais para os estudos históricos e ambientais dessa importante região brasileira.

Este estudo vai além da contextualização e do registro histórico de uma determinada temporalidade. Ele nos auxilia a compreender outro fenômeno importante sobre a história da agricultura e da revolução agronômica que se efetivou no Brasil Central, uma região-chave para a produção de grãos e commodities no país. Este trabalho é também relevante do ponto de vista ambiental, ao apresentar documentação que auxilia na interpretação dos avanços espaciais da fronteira, seja agrícola, seja do gado, sobre os biomas Cerrado e Amazônia. Mas, sobretudo, ajuda a compreender os efeitos dos projetos de desenvolvimento para a Amazônia Legal, na qual muitas áreas desses biomas apresentam-se sobrepostas. Assim, elementos que caracterizaram a colonização pioneira como uma marcha civilizatória, em determinado momento, podem ser entendidos como o avanço do desmatamento e da devastação ambiental em outro momento. Essa complexidade é, ao mesmo tempo, rica de elementos simbólicos, por um lado, mas esclarecedora, quando levadas em consideração a relação entre os diferentes contextos históricos e as suas implicações na natureza.

 

Agradecimentos

Sandro Dutra e Silva agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela bolsa de Produtividade em Pesquisa - CNPq 2.

 

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Recebido em 12/11/2021.

Aceito em 17/12/2021.

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[1] Cátedra de Geografia Econômica e Social, Professor Emérito da Universidade de Tübingen, Alemanha. Membro da Academia Brasileira de Ciências. E-mail: gerd.kohlhepp@t-online.de | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5087-2462

[2] Doutor em História (Universidade de Brasília). Professor efetivo na Universidade Estadual de Goiás e Professor Titular na Universidade Evangélica de Goiás. E-mail: sandrodutr@hotmail.com | ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0001-5726

[3] Para mais informações sobre o projeto, ver MapBiomas (2019).

[4] Com base na Lei nº 1.806, de 06 de janeiro de 1953, a Amazônia Legal é uma área que envolve nove estados da federação do Brasil e que estão inclusos no território hidrográfico da bacia amazônica (Brasil, 1953). Esses estados englobam áreas dos atuais biomas Amazônia e Cerrado. A criação da Amazônia Legal, contudo, não teve relação com políticas de conservação ambiental, uma vez que sua criação objetivava estabelecer uma região de planejamento para o desenvolvimento socioeconômico da região amazônica. O território da Amazônia Legal corresponde a cerca de 61% do território brasileiro, abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do estado do Maranhão.

[5] A denominação Roncador-Xingu refere-se à Serra Roncador, divisor de águas entre os rios das Mortes (bacia do Araguaia) e Xingu. Atravessando o leste e o nordeste de Mato Grosso, passando pela Serra do Cachimbo, no sul do Pará, a rota da expedição conduzia a Jacareacanga, nas margens do rio Tapajós, Pará, hoje situada na Transamazônica (BR-230).

[6] Antropólogos do Museu Nacional e também, tradicionalmente, etnólogos estrangeiros realizaram estudos científicos, a exemplo das duas expedições ao Xingu realizadas por Karl von den Steinen, nos anos de 1880. Outro exemplo é a expedição de Helmut Sick, zoólogo alemão que trabalhava para a Fundação Brasil Central entre os anos de 1946 e 1952 – e que obteve a cidadania brasileira em 1952 –, encarregado de pesquisas sobre a fauna e a flora. Seu interessante relatório sobre a expedição (SICK, 1997) e sua obra de referência, “Ornitologia Brasileira” (SICK, 1985, 1986), alcançaram reconhecimento especial.

[7] Em 1965, Gerd Kohlhepp realizou pesquisas de campo em Cuiabá e registrou as expressões de “terras de dois andares” ou “segundo andar”, empregadas frequentemente, entre outros, por vendedores de terras cuja intenção era desqualificar a venda de propriedades da concorrência, atribuindo-lhe a pecha de ser duvidosa.

[8] Destacamos que na década de 1960 Kohlhepp foi assistente de Gottfried Pfeifer, que na época era professor na Universidade de Heidelberg, Alemanha. Pfeifer trabalhou diretamente com Leo Waibel na Alemanha. Antes que Waibel deixasse o Brasil, após um período de trabalho no Conselho Nacional de Geografia, entre 1946 a 1950, ele convidou seu antigo assistente, Gottfried Pfeifer, professor na Universidade de Heidelberg, para que continuasse suas pesquisas sobre a geografia agrária e a colonização no Brasil. Esse foi o início de um período longo e duradouro envolvendo a colaboração entre os geógrafos brasileiros e alemães no Brasil (KOHLHEPP, 2019; DUTRA E SILVA; BELL, 2020).

[9] O nome inicial da família era Mayer, mas, no Brasil, também era usado Meyer. O ciclo de migração desta família é interessante: eles emigraram em 1812 do sudoeste da Alemanha para a Galícia e, mais tarde, para Volínia (que hoje pertence à Ucrânia), onde inúmeros agricultores alemães e seus descendentes foram estabelecidos como colonos. Quando, em 1908, sob o regime russo, os colonos de origem alemã tiveram de deixar o país, houve o retorno à Alemanha e a emigração para o Rio Grande do Sul. Sobre esse tema, ver Irgang (2011), Meyer (2015) e CONOMALI (2011).

[10] Em 10 de outubro de 1975, Guilherme Mayer, chamado “Willy”, que recebeu o título de “cidadão mato-grossense” em 1974, concedeu uma longa entrevista a Kohlhepp em Porto dos Gaúchos. Os primeiros contatos com a CONOMALI ocorreram em 26/05/1965, com Helmuth Mayer, um dos diretores da empresa em Porto Alegre, e em agosto de 1965, no escritório da CONOMALI em Cuiabá.

[11] A especulação fundiária nessa região de fronteira representava uma boa oportunidade para os agricultores sulistas, uma vez que os preços dos imóveis correspondiam a 10 a 20% dos valores das terras nas regiões de colonização do Rio Grande do Sul.

[12] Em uma entrevista de Mayer a Kohlhepp, realizada em Porto dos Gaúchos, Mayer salientou especialmente esse aspecto, reproduzindo a tradição familiar europeia nos novos projetos de colonização no Brasil, nos quais destacava a mentalidade “pioneira” do seu grupo.

[13] Informação de Guilherme Mayer durante a entrevista dada a Gerd Kohlhepp, em 10/10/1975.

[14] Em 1997, a rodovia MT-220, que faz trajeto de Porto dos Gaúchos até a BR-163, foi denominada de “Rodovia Guilherme Mayer”.

[15] O pastor luterano Norberto Schwantes, filho de uma família de pequenos agricultores em Carazinho, Rio Grande do Sul, levou cerca de 400 associados da “Cooperativa de Colonização 31 de Março” da região de Tenente Portela, Rio Grande do Sul, para Barra do Garças, onde o Projeto Canarana significava um “portão de escape” para os sem-terra e pequenos agricultores (SILVA, B. et al., 2022). Estas atividades eram vistas de forma muito cética durante os governos militares, quando o tema da reforma agrária era ainda melindroso (SCHWANTES, 1989).

[16] Mais tarde, este vendedor de terras foi confrontado com acusações de falsidade na Alemanha.

[17] Sobre a história ecológica da Hevea brasiliensis e a baixa produtividade decorrente da doença crônica conhecida como “mal-das-folhas”, causada pelo fungo Microcyclus ulei, ver o trabalho de Waren Dean (1989).

[18] Dados obtidos por meio de entrevistas concedidas a Kohlhepp em Porto dos Gaúchos, em 07 de outubro de 1975.

[19] No ano de 1967, foi fundada a Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), submetida ao Ministério da Indústria e Comércio, cuja incumbência era a de executar a política econômica da borracha em todo o território nacional. Segundo informações de locais, a SUDHEVEA em Porto dos Gaúchos deu pouco apoio e fez poucas visitas ao local (dados constantes dos arquivos pessoais de Gerd Kohlhepp).

[20] O Programa de Diversificação foi elaborado por um agrônomo experiente nos trópicos, que havia trabalhado algumas décadas em Uganda. Os exames detalhados de solo foram realizados por um perito de solos da Universidade alemã de Hohenheim.

[21] Esses dados referem-se à documentação consultada por Kohlhepp em um relatório de Erich von Hippel, em Porto dos Gaúchos, em outubro de 1975.

[22] Segundo informações de E. von Hippel, 26 espécies com 784 troncos, sobretudo sucupira (179) e canela (107). Resultado: 141.500 mᶾ de reservas de madeira de lei em uma área florestal de 6.000 ha.

[23] O sócio do grupo Bralco adquiriu a completa área da colônia Novo Paraná, que, porém, não teve continuidade de desenvolvimento nas vizinhanças de Porto dos Gaúchos.

[24] Colonizadora Maripá: Madeireira Riograndense do Paraná.

[25] O tempo da venda de terras foi ainda antes do início do boom do plantio da soja no oeste do Paraná, que, poucos anos depois, teria lucros bem maiores com a venda de terras (KARP, 1987).

[26] Durante a estada do autor em Cáceres, em 06/08/1965, pôde ser feita abrangente entrevista com esse vendedor de terras. Segundo suas próprias informações, foram assentadas em suas terras a oeste do rio Jauru mais de duas mil famílias, sobretudo do Sul do Brasil, Minas Gerais e Bahia (NEUBURGER, 2002). Os colonos compravam lotes de até 25 ha.

[27] Depois do final da segunda guerra mundial, todos os descendentes de alemães, que já viviam há séculos na região, foram expulsos dos países surgidos após a dissolução da monarquia austro-húngara, como a Romênia, a Iugoslávia e a Hungria, sendo encaminhados para Alemanha e a Áustria. Depois da imigração para o Brasil, em 1952, finalmente estabeleceram-se no município de Guarapuava, estado do Paraná (KOHLHEPP, 1989, 1991a; STEIN, 2011).

[28] Em 1954/1955, os preços de terras na região de Jauru eram de 1 cruzeiro = ˃ 0,2 US$/ha; 1965: 1 ha de terra na mata: 16 US$ (uma saca de café: 19 US$) (informações disponíveis no arquivo pessoal de Gerd Kohlhepp, com base em dados de compradores de terras e vendedores de café, em 1965).

[29] Muitas histórias heroicas eram contadas na frente pioneira sobre os agrimensores e sua turma de trabalhadores florestais, que, em parte, viviam e trabalhavam por semanas na floresta. Os dois agrimensores mais conhecidos eram um austríaco nobre que trabalhava perto do rio Guaporé e um francês que, como jovem aventureiro e garimpeiro, conhecia muito bem a região florestal e, tendo medido todo o rio Jauru, acabou ficando em Cáceres.

[30] G.Kohlhepp tem um especial agradecimento ao Sr. Ricardo Loeb Caldenhof (1909-1993), de Rolândia, Paraná, que concedeu a ele inúmeras informações para a coleta de dados.

[31] Na fazenda, também foi plantada a baunilha. Rudolf-August Oetker, dono da fazenda, como também de diversas indústrias e da Companhia de Navegação “Hamburg-Süd”, nunca tinha visitado sua fazenda, já que não fazia viagens aéreas. Mais tarde, a fazenda foi vendida ao Grupo Boehringer, que atuou no plantio de ervas medicinais.

[32] Fonte: Arquivo pessoal de Gerd Kohlhepp, com base em informações de plantadores de café e transportadoras, em agosto de 1965.