Colonizando a floresta: migrantes do Oeste catarinense e a abertura da Transamazônica (1972)

Colonizing the forest: migrants from the west of Santa Catarina (1972)

 

                                                                                               Marina Andrioli[1]

Marlon Brandt[2]

 

 


Resumo

Esse estudo tem por objetivo analisar uma experiência migratória ocorrida em 1972, buscando ocupar a região da rodovia BR-230 (Transamazônica) com colonos oriundos do Oeste Catarinense. Por parte do estado nacional, o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) estimulou estes pequenos agricultores a construir um novo Eldorado e enriquecer praticando agricultura em solos férteis. Somado a isso, jornais e revistas locais buscaram noticiar a saga destes colonos como um objetivo patriótico e, de certa forma, civilizatório na região Norte do Brasil. Com isso, argumentamos que um processo migratório localizado e relativamente diminuto pode auxiliar no entendimento de um momento histórico vivido pela nação ou por aquela sociedade em especial. As fontes utilizadas para essa pesquisa são, entre outras, a Revista Celeiro Catarinense e relatórios de vigilância do Serviço de Segurança e Informações (SSI) lavrados na década de 1970.

Palavras-chave: Migração; Incra; Transamazônica; Catarinenses.

Abstract

This study aims to analyze a migratory experience that took place in 1972, seeking to occupy the region of the BR-230 highway (Transamazônica) with settlers from Western Santa Catarina. On the part of the national state, the National Institute for Agrarian Reform (Incra) stimulated these small farmers to build a new Eldorado and become rich by practicing agriculture in fertile soils. Added to this, local newspapers and magazines sought to report on the saga of these settlers as a patriotic and, in a way, civilizing goal in the Northern region of Brazil. With this in mind, we argue that a localized and relatively small migratory process can contribute to the understanding of a historical moment experienced by the nation or by that society in particular. The sources used for this research are, among others, the Celeiro Catarinense magazine and Serviço de Segurança e Informações’ report from the 1970s.

Keywords: Migration; Incra; Transamazônica; Catarinenses.


 

 

Este artigo tem por objetivo traçar algumas considerações a respeito da migração interna relacionada a agricultores catarinenses saídos de Chapecó, rumo ao Projeto Altamira, encabeçado pelo Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra) em 1972. Esse projeto estava inserido dentro do contexto da criação de projetos de integração territorial das regiões consideradas menos desenvolvidas do país, no caso o Nordeste e a Amazônia como era o caso do Plano de Integração Nacional (PIN), instituído pelo Decreto-Lei Nº1106, de 16 de julho de 1970. Em relação à Amazônia, os objetivos centrais do PIN consistiam na construção da Rodovia Transamazônica (BR-230), visando interligar essa região ao Nordeste bem como a reserva, em uma faixa de até dez quilômetros às margens das novas estradas para, como diz a própria Lei, “executar a ocupação da terra e adequada e produtiva exploração econômica” (BRASIL, 1970). Historicamente alvo de preocupações quanto à sua integração territorial, a Amazônia era também vista como uma fonte abundante de recursos naturais, a expansão espacial do povoamento da Amazônia esteve relacionada conforme apontam Silva et. al. (2021, p. 3) “às diferentes políticas públicas territoriais que redirecionaram os fluxos econômicos e demográficos para a Amazônia”, como era o caso do PIN e de outros projetos de ocupação e integração territorial amazônico (BATISTA, 2016). No caso dos projetos da Transamazônica, seu traçado, bem como a localização das áreas que seriam destinadas a colonização podem ser visualizados no mapa da Figura 1:

Figura 1: projeto do traçado da Transamazônica e localização dos núcleos de colonização.

Fonte: Veja, 1970, p. 32 apud Oliveira Neto, 2013, p. 285.

 

            Estudar esse episódio contribui para a análise de uma série de problemáticas envolvidas na ocupação da Amazônia durante a ditadura como um todo e também no contexto da modernização agrícola da região do Oeste catarinense. São poucas as informações encontradas sobre esse processo migratório na região, sendo uma delas encontrada em uma revista que circulou nas décadas de 1960 e 1970 na cidade de Chapecó, chamada “Celeiro Catarinense”. Essa revista, como consta em sua linha editorial, estava interessada em noticiar “importantes eventos políticos locais e nacionais”, incluindo temas de modernização agrícola, podendo ser descrita como um relevante meio de propaganda e informação para a sociedade chapecoense e o seu entorno (ANDRIOLI, 2020). Uma reportagem específica, que será discutida adiante, motivou a pesquisa; por outro lado, não é a única fonte de pesquisa para este artigo, que contou com documentos produzidos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) para complementar as análises.

             A Chapecó da década de 1970 vivia uma transição em seu desenvolvimento agrícola e agroindustrial após um longo processo de colonização, que levou o município e seu entorno regional a relativo destaque nacional, especialmente pela sua atribuída capacidade de produção no setor agropecuário tendo sido beneficiada com programas de desenvolvimento do Governo Federal e do Estado, como foram os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND´s) e os Planos Estaduais de Desenvolvimento (como o Plano de metas do Governo – o Plameg – em Santa Catarina). O município foi contemplado com amplo volume de subsídios agrícolas e aparato técnico, este último materializado na assistência prestada pelos agrônomos da Acaresc (Associação de Crédito Agrícola e Extensão Rural do Estado de Santa Catarina). Tal processo de modernização tensionou as relações no campo, pois trouxe consigo uma nova forma de produzir e pensar (ANDRIOLI, 2020). Pois como afirma Lohn:

 

O atraso estaria com seus dias contados, pois os formuladores do novo, portadores do poder de nomeação e de fazer existir pela palavra — fazer ver e crer —, dispunham ainda dos mais impressionantes meios e recursos tecnológicos, os quais aplicados no meio rural revolucionariam totalmente a vida dos homens ali existentes. Mais do que isso, como que transformados internamente, em suas naturezas, os agricultores não sairiam imunes a este contato com máquinas e produtos industrializados, passando por um processo de mudança cultural profunda, tornando-se mais aplicados agentes de desenvolvimento e modernização, com valores e normas de condutas mais adequadas às relações de mercado. (LOHN,1997, p. 147)

 

            Analisando a fala de Lohn (1997), encontramos subsídios para compreender a necessidade de alguns agricultores, excluídos do processo modernizante na região em buscar outras oportunidades em solos distantes. Por outro lado, o início dos anos 1970 marcaram a intensificação da política de ocupar a “terra sem homens” com os “homens sem-terra”, de acordo com a propaganda militar, que objetivava inicialmente povoar a Amazônia com populações oriundas do Nordeste brasileiro. Os agricultores sulistas, vistos como agentes de desenvolvimento, foram incluídos também nos programas governamentais – não sem controvérsias. Em uma reportagem da revista Celeiro Catarinense intitulada “Amazônia, a nova esperança” (Celeiro Catarinense, 1972) é possível visualizar como a Amazônia despertava a possibilidade de uma nova vida a muitos dos alijados ou em dificuldades a se inserir nesse modelo modernizador da agricultura. Uma passagem do texto busca carregar, em um tom sentimental, as esperanças e incertezas desses migrantes:

 

Iniciada a migração de catarinenses para habitar a Amazônia. Quando os dois ônibus da Reunidas perfilaram para receberem os primeiros colonos em Chapecó, as emoções incontidas de amigos e parentes dos que iam partir contagiaram a todos que assistiam ao primeiro embarque para a Amazônia. Alguns nervosos, outros alegres, porém, todos denunciavam incerteza ao embarcarem rumo ao desconhecido. Mas a ajuda oficial, de um salário-mínimo durante 6 meses, dava-lhes alento para a grande viagem. (Celeiro Catarinense, 1972, p 21).

 

            Essa e outras reportagens publicadas na época que oscilavam entre textos jornalísticos e propaganda do governo conforme Cesco e Lima (2018) buscavam atrair migrantes nordestinos e sulistas para a Região Norte, atuando em um projeto de integração territorial que “se apresentava como a solução dos graves problemas do período que eram a falta de terras no Sul ou a seca no Nordeste. Também resolveriam a necessária ocupação do território brasileiro, prioridade do então governo militar” (CESCO; LIMA, 2018, p. 124). Se esse processo de ocupação territorial na região amazônica não era o primeiro, assim como o discurso de povoamento na região, sendo alguns deles já efetivados ao longo do século XIX como apontam os autores, tampouco era estranho aos sulistas as migrações em busca de novas terras. Haesbaert (1996) aponta para a “diáspora” que se iniciou com a imigração europeia para o sul do Brasil e que foi gradativamente se expandindo por áreas de floresta no Oeste catarinense e Paraná, entre as décadas de 1920 a 1950, Mato Grosso, nos anos de 1950 e a Amazônia a partir de 1970.

            Radin e Silva (2018), ao realizarem a síntese do processo de colonização do Oeste de Santa Catarina, que se iniciou a partir da década de 1920, por meio da atuação de diversas companhias colonizadoras, observaram como se criou uma certa elite agrária-agropecuária, que continuou se deslocando a partir das gerações subsequentes para outras partes do Brasil e da América do Sul. Nas palavras de Nodari (2009, p. 34), esses colonos oriundos do Rio Grande do Sul faziam parte de uma política estatal que colocou “em prática a opção de uma migração dirigida a grupos específicos que se adequassem aos padrões estabelecidos pelo governo estadual e por elas próprias”. Ou seja, grupos “que povoassem e colonizassem a região ordeiramente”. Nesse espaço, onde caboclos e indígenas foram excluídos do projeto colonizador, Radin e Silva (2018, p. 695), afirmaram, a respeito da viagem do governador Adolfo Konder em 1929 à região que,

 

Aos olhos das autoridades estaduais, esse domínio efetivar-se-ia por meio do avanço da colonização do oeste catarinense, que teria sido ‘incorporado à Santa Catarina, em nome do Brasil’, por intermédio da expedição liderada por Konder. Aos colonizadores, de forma explícita ou velada, atribuía-se a missão de civilizar aquele meio hostil e caótico em que a região se apresentava. Tal percepção, em geral, está presente no processo de colonização do oeste catarinense, bem como das diferentes áreas coloniais do Sul do Brasil (RADIN; SILVA, 2018, p.695).

 

            Ou seja, tal colonização estava revestida de um discurso civilizatório do Estado, que atribuía aos colonizadores imigrantes a missão de reverter o ´caos´ e disciplinar aquele território ainda pouco integrado à economia estadual, já que teve seu processo de colonização posterior ao de outras regiões brasileiras, especialmente se consideradas as cidades e capitais situadas ao leste do país e a própria capital do estado de Santa Catarina, Florianópolis, que teve seu primeiro registro de colonização no século XVII, de forma similar àquela retórica aplicada na década de 1970, que atrairia migrantes para a Transamazônica.

            Kohlhepp (2002) descreve seis fases de programas de desenvolvimento regional pelos quais passou a Amazônia Legal, de cinco milhões de quilômetros quadrados, nos últimos trinta anos. Sobre as motivações da primeira fase, que ocorreu na década de 1970 e interesse de nosso estudo, escreveu:

 

O rápido aumento de tensões sociais no nordeste brasileiro, causado pela negligência à urgente e necessária reforma agrária, tornou-se ainda maior depois da desastrosa seca, levando em 1970 a um acordo de estratégia geopolítica que combinava programas de exploração da infraestrutura e econômicos na Amazônia com um projeto de colonização para o assentamento de nordestinos sem-terra. (KOHLHEPP, 2002, p. 37).

 

            Ainda, como marcador da primeira fase, destaca o PIN, como sendo uma possível solução aos acirramentos dos conflitos agrários na região e ainda, uma opção de assentamento para o grande contingente de sem-terra, especialmente do próprio nordeste brasileiro, por meio da ação estatal, que faria os esforços de infraestrutura para a integração nacional e da iniciativa privada, que teria o papel de investir em troca de subsídios governamentais. (KOHLHEPP, 2002, p. 37). Sobre a área destinada para essa iniciativa e suas configurações naturais, destaca-se:

 

As bases legais foram estipuladas no sentido de estabelecer corredores de 200 quilômetros de extensão para colonização estatal. De acordo com o modelo do Incra, para a operação de assentamento em grande escala, principalmente de trabalhadores rurais e arrendatários do Nordeste, foi fixada uma faixa de 10 quilômetros de extensão de ambos os lados das estradas através da Amazônia, com vistas ao estabelecimento de pequenas propriedades de 100 hectares cada, num sistema de rotação de terras com apenas 50% de devastação – o restante era organizado em unidades de três mil hectares (KOHLHEPP, 2002, p. 38).

 

            Em relação ao projeto do Incra e a colonização em si, Kohlhepp (2002), argumentou que este iniciou com otimismo, prevendo no início da década de 1970 um contingente de um milhão de colonos para essas faixas pré-determinadas, mas que devido a incompreensão ecológica e ambiental daquela região, esse número caiu para 100 mil, sendo que nos anos de 1970, apenas 7% do previsto estava assentado.

            Léna (1988), trouxe dados da densidade populacional e extensão territorial do Norte do país em 1980, abrangendo o bioma Amazônico:

 

A Região Norte do Brasil, isto é, os Estados do Amazonas, Pará, Acre e Rondônia, bem como os territórios do Amapá e Roraima, representa 3.581.180 1tm2 (42% do território nacional) e 5.880.706 habitantes (cerca de 5% da população brasileira), ou seja, 1,64 hab/km2 em 1980 (LÉNA, 1988, p. 94)

 

            Para Léna (1988, p. 34), este relativo “vazio populacional” e a facilidade de implantação de projetos grandiosos pelo setor privado, fez do incentivo para a colonização deste bioma uma estratégia geopolítica, pois poderia garantir “o controle do Estado sobre uma região subpovoada e logo potencialmente ameaçada por ingerências externas”. Algumas políticas são citadas como o início do processo do pensar a reforma agrária no Brasil, entre elas estão a criação da Superintendência de Política Agrária (Supra) em 1962, o PIN, a promulgação do Estatuto da Terra em 1964 e a posterior criação do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), já na década de 1970. Sobre essa questão, os autores Bursztyn e Tourneau (2010, p. 114) afirmaram que:

 

Em 1970, extinta a estrutura governamental de fomento à reforma agrária, foi criado o Incra. O novo órgão assumiu o papel de organizar a política de terras do governo, segundo os critérios vigentes. Por um lado, os focos de tensão fundiária nas áreas de ocupação consolidada – a luta pela terra por pequenos agricultores com ou sem terras – seriam objeto de uma ação governamental coordenada. Por outro, no lugar de promover uma mudança na estrutura fundiária nos locais de conflito (reforma agrária, incidindo sobre terras particulares), a opção foi abrir novas áreas de ocupação, distribuindo terras públicas em territórios ainda inabitados (colonização). Esse deslocamento do eixo da política fundiária, com o Incra agindo, sobretudo, no aspecto “C” (colonização), em detrimento do aspecto “RA” (reforma agrária) é crucial como explicação da dinâmica territorial brasileira desde então.

 

            Alguns equívocos são apontados por diversos autores quando tratam do processo de colonização da Amazônia, um deles, que foi o principal motivador deste movimento de ocupação, foi o de os governos considerarem o bioma Amazônico como um “espaço vazio”, ignorando a ocupação territorial por comunidades tradicionais e povos indígenas. Outro deles é o de considerar que o processo de colonização da Amazônia poderia ser considerado reforma agrária, neste caso, o argumento contrário reside no debate de que não houve expropriação de largas terras, o que ocorreu foi um processo de assentamento em terras federais (PASQUIS et al, 2005). Andrade (2019), rompe, de certa forma, com a interpretação de “vazio demográfico” dada àquela região, especialmente quando afirma que:

 

Do ponto de vista institucional, a ideia de uma região “vazia” e “selvagem” limitava-se à retórica, pois instituições já atuavam na região, como o Museu Paraense (este, desde o século XIX), o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e o Instituto Evandro Chagas [...] (ANDRADE, 2019, p. 23).

 

            O autor, diferente de outros autores, prefere evitar as narrativas de fracasso ou sucesso na ocupação da Amazônia inclusive, contestando, como pode ser observado no argumento em relação ao “vazio demográfico”, pois, esclarece que a região já há muitos anos era estudada e possuía a atuação de diversas instituições, estando assim inserida em um processo que aqui chamaremos de “civilizador”. No decorrer de seu artigo, Andrade (2019, p. 19-23) estuda “ações voltadas à ciência e saúde, nos projetos direcionados à região amazônica [...] durante 1950 a 1960”, a construção da rodovia Belém-Brasília no governo Juscelino Kubitschek, que marcaria a “era urbana” da região e como a complexidade das interferências humanas afetaram a disseminação de algumas doenças e seus vetores.

            Becker (2005) separa o processo de povoamento e colonização em diferentes etapas e observa em cada uma distintos interesses e agentes promovedores. Ao falar mais especificamente do movimento da década de 1970, ela afirma que:

 

Nos anos de 1970, o que sustentou a fronteira foram os incentivos fiscais e a migração generalizada do país inteiro, esta induzida pelo governo federal. Atualmente, a migração dominante é intra-regional, de um estado para o outro e, sobretudo, rural-urbana (exceção feita ao Mato Grosso, que continua atraindo população de fora, principalmente do Sul e do Nordeste). (BECKER, 2005, p. 80)

 

            Ou seja, a autora diferencia os agentes da ocupação daquela fronteira na década de 1970, da ocupação após a década de 1980. Para tal, argumenta que houve incentivo tanto fiscal quanto político do governo federal em impulsionar aquele movimento, diferente do que pode ser observado posteriormente, onde “o que há de novo na expansão das frentes é que são comandadas por madeireiras, pecuaristas e sojeiros já instalados na região, que a promovem com recursos próprios” (BECKER, 2005, p. 80-81). Ainda, faz importante diferenciação das motivações pela ocupação dessa fronteira, onde a terra não é mais vista como reserva de valor e sim utilizada em todas as suas potencialidades, para plantio e pecuária, por exemplo, já inserida em outra dinâmica tecnológica e para o mercado.

            Em relação a ocupação planejada pelo governo militar no início da década de 1970 é possível encontrar em uma reportagem da revista Celeiro Catarinense (1972) algumas informações sobre processo migratório que estava em curso, de catarinenses do Oeste buscando oportunidades nas terras distantes da Transamazônica, por meio do projeto Altamira. Para a revista, as opções que se apresentavam para estes migrantes eram tão escassas que havia uma máxima circulando por entre os viajantes: “é melhor a incerteza de adaptação do que a certeza de trabalhar muito para ficar mais pobre” (Celeiro Catarinense, p. 21). Esse pensamento expõe a situação na qual se encontravam aqueles colonos que estavam empobrecendo, em via de perder suas terras ou não mais as possuíam e necessitavam vender a sua força de trabalho para o sustento (ANDRIOLI, 2020). Reproduzimos abaixo a foto que ilustra a matéria da Revista Celeiro Catarinense:

Figura 2: Amazônia, a nova esperança

Fonte: Celeiro Catarinense (n. 9, p. 21, outubro de 1972) – Arquivo CEOM 2019.

            Sobre esta matéria, Andrioli (2020, p. 83), observa a imagem deduzindo que todos os pertences dessas famílias caberiam em uma mala, alegando que as posses destas deveriam ser inversamente proporcionais a sua necessidade de migrar, naquele momento. Tal situação poderia demonstrar a situação de pobreza e vulnerabilidade socioeconômica de muitos agricultores excluídos do processo de modernização agrícola, ou também a busca por melhores condições de vida, onde muitos se desfizeram dos bens que possuíam para investir nesse novo espaço (SILVA; BAMPI, 2020). Ou seja, o sentimento de esperança superava todos os riscos e as longas horas da descomunal viagem. O programa do Incra considerava alguns critérios, que somados deveriam obter o mínimo de 500 pontos para que se efetivasse a participação de cada família, entre as condições se verificava: saúde, quantidade de filhos e idade por exemplo. Na tabela abaixo, um resumo dos dados trazidos pela revista Celeiro Catarinense (1972):

 

Tabela 1: Famílias catarinenses com saída de Chapecó para a Transamazônica em 1972

Embarque

Famílias

Total Pessoas

1º Embarque

15

98

2º Embarque

7

29

3º Embarque

13

71

4º Embarque

20

92

5º Embarque

15

98

TOTAL

 

388

 

Fonte: Celeiro Catarinense (n. 9, p. 21, outubro de 1972) – Arquivo CEOM 2019. Elaborada pelos autores.

            A matéria da Revista Celeiro Catarinense ocupou uma página inteira, porém, não fornece detalhes técnicos de como se deu a inscrição a participação destas famílias de migrantes, enquanto o tom utilizado pela revista é de entusiasta daquilo que nomeou “Inferno Verde” (p. 21), repleto de riquezas e oportunidades.

            O conceito de “Inferno Verde” se popularizou com a obra literária do militar Alfredo Rangel e seu prefácio feito pelo então amigo Euclides da Cunha, intitulada “Inferno Verde: cenas e cenários da Amazônia” e publicada em sua primeira versão em 1908 e na qual o ideário de “Inferno Verde” é assinalado por meio de contos que descrevem a paisagem e as agruras da vida em meio a selva. Mais tarde, este termo daria lugar a outro, e a região amazônica seria conhecida como o “Eldorado Brasileiro” (FRANCHI, 2013) frente às promessas da riqueza mineral da região, incluindo o ouro. Em sua tese de doutorado, Franchi (2013, p. 199) esmiúça os diferentes contextos que levam a mudanças de interpretações dos militares e a construção da natureza amazônica no discurso:

 

Ao longo do século XX, a visão militar sobre a natureza da Amazônia muda. Essa variação é consequência ora do contexto geopolítico, interno e externo, ora é resultado da ocupação da selva e de seu desvendamento. A imagem da Amazônia foi transformada. Se, por um lado, predominava uma série de adjetivos negativamente carregados, por outro, adjetivos diferentes começaram a ser usados, enaltecendo a região. “Inferno verde”, “deserto”, “natureza selvagem”, “verdura infernal das matas amazônicas”, “interminável floresta” ─ estas são apenas algumas expressões que descrevem a Amazônia brasileira nos relatos de militares na primeira metade do século XX.

 

            Já na segunda metade do século XX, a perspectiva de “Inferno Verde”, motivada por programas e projetos governamentais, vai dando lugar a esperança de prosperidade econômica. De acordo com o referido autor, “desde o processo da Marcha para o Oeste; da criação de secretarias e órgãos especiais; incorporação da sua extensão territorial ao sistema produtivo nacional, a imagem da Amazônia começou a ser reconstruída como um Eldorado possível” (FRANCHI, 2013, p. 248). Para que essa perspectiva fosse alterada, tanto no imaginário, quando nas possibilidades oferecidas pela Amazônia e, mais especificamente no caso deste estudo, nas terras destinadas à colonização ao longo da Transamazônica, diversos programas — acompanhados de forte discurso governamental —, entraram em ação.

            Em relação ao discurso e propaganda civil-militar e, aproveitando a riqueza de matérias jornalísticas que ilustram esse período, selecionamos um recorte da Folha de São Paulo, de 10 de outubro de 1970, quando o então presidente Emílio Garrastazu Médici viaja à região de bioma amazônico em Altamira, no Pará, e cria um marco para a construção da rodovia Transamazônica:

 

O presidente emocionado assistiu à derrubada de uma árvore de 50 metros de altura, no traçado da futura rodovia, e descerrou a placa comemorativa do início da construção. [...]

Descendo do carro que o conduzia, o presidente hasteou o pavilhão brasileiro em um mastro improvisado no tronco de uma arvore, enquanto uma banda militar tocava o Hino Nacional. Depois, descerrou uma placa de bronze incrustrada no tronco de uma grande castanheira com cerca de dois metros de diâmetro, na qual estava inscrito:

"Nestas margens do Xingu, em plena selva amazônica, o Sr. Presidente da República dá início à construção da Transamazônica, numa arrancada histórica para a conquista deste gigantesco mundo verde".  (Folha de São Paulo, 1970, p. 01.)

 

            A árvore derrubada, até então obstáculo para a construção da rodovia, dá espaço a conquista do “Gigantesco Mundo Verde” (Folha de São Paulo, 1970, p. 01). Notamos que a referência agora ao bioma amazônico se dá em tom otimista, como sendo um mundo repleto de possibilidades e descobertas, viabilizado, finalmente, pelo início da construção da rodovia Transamazônica.

            Sobre o Projeto Integrado de Colonização (PIC), desenvolvido pelo Incra, este se dividia em três frentes, a de Marabá, Altamira e Indaiatuba. Os catarinenses estavam inscritos na frente de Altamira, que contemplou 57% dos assentamentos de famílias entre as três cidades receptoras (CONTINI, 1976). De acordo com Contini (1976, p. 144): 

 

Todo o processo de seleção esteve orientado por uma restrição: dar preferência a agricultores do Nordeste. O "Projeto Altamira I” previa que 75% dos parceleiros deveriam ser constituídos por nordestinos e 25% das demais regiões brasileiras. As áreas com maior capacidade de expulsão e problemas de tensão social deveriam contribuir com maior percentual.

 

            A preferência por agricultores do Nordeste, em especial de áreas com excedente populacional, se deu como uma tentativa de inserir esse contingente em um bioma com secas menos frequentes das que habitualmente ocupavam, sendo assim uma possibilidade de sobrevivência alimentar. De acordo com Pereira (2013), os 25% destinados a migrantes do Centro-Sul carregava a expectativa de que aqueles parceleiros pudessem inserir técnicas modernas de cultivo, ou até mesmo “civilizadoras” passando assim esse aprendizado aos colonos oriundos do Nordeste. Sobre esse tema, um paralelo pode ser realizado, retomando o artigo de Radin e Silva (2018), quando estes autores afirmaram, sobre o processo de colonização do Sul do Brasil nas primeiras décadas do século XX, que:

 

Aos colonizadores, de forma explícita ou velada, atribuía-se a missão de civilizar aquele meio hostil e caótico em que a região se apresentava. Tal percepção, em geral, está presente no processo de colonização do oeste catarinense, bem como das diferentes áreas coloniais do Sul do Brasil. (RADIN; SILVA, 2018, p. 695)

 

            Ou seja, o que notamos é um retorno, ainda que transformado, da ideia de que os colonizadores advindos do Sul carregariam — tratando agora da década de 1970 —, um capital civilizador e tecnológico, capaz de promover as mudanças desejadas pelo governo militar na região da Transamazônica, ao exemplo do que era esperado com a vinda de migrantes europeus para a colonização da região Sul do país nas primeiras décadas do século XX em detrimento aos caboclos que já ocupavam aquelas regiões.

            O PIC era sistematizado em algumas fases, definidas em cronograma, que abrangiam desde a chegada do agricultor ao projeto, a preparação do terreno a ser ocupado e por fim o início do plantio. Sobre a partilha de lotes:

 

O meio de transporte utilizado pelo Incra foi o aéreo e o fluvial, além do rodoviário pelo menos em alguns trechos. Principalmente no início, o chefe de família deslocava-se à área para escolha da parcela e depois retornava para buscar sua família. Depoimentos de técnicos nos dão conta de que tem havido parceleiros insatisfeitos nas áreas dos projetos, devido ao não cumprimento de promessas, segundo eles, feitas por ocasião da entrevista. Tais promessas referem-se a serviço médico em casa, água encanada, três salários na chegada e mais três após 90 dias, além de uma ajuda de custos no valor de seis salários-mínimos regionais. Segundo projeções do Projeto Altamira I, o Incra deveria oferecer ao parceleiros 4 hectares desmatados no lote e a construção de casas nas Agrovilas. Em face do aumento do fluxo de chegada das famílias dos agricultores tornou-se impossível a execução do referido programa. (CONTINI, 1976, p. 145-146)

 

            Concluímos, analisando a fala de Contini (1976), que as promessas feitas pelo Incra se transformaram em metas muito ambiciosas para o grande fluxo de famílias que se inscreveram e chegavam, especialmente em Altamira I. Os quantitativos por região de parceleiros até 1974 podem ser observados na Tabela 2, uma observação importante é a de que a Tabela 2 não considera as desistências para o período.

 

Tabela 2: Procedência dos Parceleiros – Projeto Altamira (Até 1974 - Inclusive)

Região

Número

%

Norte

1.053

34

Nordeste

933

30

Centro-Oeste

194

6

Sudeste

227

7

Sul

688

23

Total

3.095

100

Fonte: Incra. Relatório CR-01 de 1974 apud Contini (1976, p. 164).

 

            Em relatórios obtidos junto à Divisão Central de Informações (DCI) da Secretaria de Segurança e informações do Estado de Santa Catarina e também do Serviço Nacional de Informações da Presidência da República (SNI), deparamo-nos com uma rica fonte de relatos sobre a percepção da comunidade, nesse caso especialmente do Oeste de Santa Catarina sobre o projeto do Incra, inclusive, com os boatos que eram difundidos por importantes nomes do comércio e política locais, na tentativa de impedir a adesão de alguns parceleiros ao Projeto Altamira no ano de 1972 (SANTA CATARINA, 1972a; SANTA CATARINA, 1972b; PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1972).

            O relatório da primeira informação (SANTA CATARINA, 1972a, p. 01) descreve que o Incra por “prever um grande fluxo de famílias interessadas em deslocar-se para àquela região”, evitou investir em grandes campanhas de divulgação, tendo optado por criar duas comissões de seleção, uma em Florianópolis e outra em Chapecó, tendo inserido anúncios na rádio local desta última. O relatório descreve que logo da chegada destas chamadas via rádio também começaram a surgir os boatos, entre eles, descritos no relatório: “Duzentas famílias de gaúchos foram devoradas por índios”; “Há relatos que atacam humanos”; “Mosquitos enormes com picadas mortíferas atacam as pessoas” (SANTA CATARINA, 1972a, p.02). Ainda, segundo interpelação do Incra, possíveis parceleiros de Quilombo – SC, confirmaram a existência destes boatos, atribuindo-os naquele período ao senhor Jorge Gonçalves da Silva, então Presidente da Câmara de Vereadores daquele município. Segundo o órgão, a consequência destes primeiros boatos foi o declínio de alguns colonos de investir nesse empreendimento.

            Na segunda informação obtida junto ao DCI/SC (SANTA CATARINA, 1972b), há o relato de pessoas diretamente ligadas à disseminação de informações falsas sobre o projeto do Incra na transamazônica, inclusive respaldadas por depoimentos tomados à época pela Polícia Federal, na cidade de Chapecó. Dentre os principais “disseminadores”, de acordo com a PF, estavam o senhor Francisco Orestes Libardoni, então deputado federal de Santa Catarina e Ernesto José de Marco, pai de Sadi de Marco, ex-prefeito de Chapecó deposto pelo golpe civil-militar de 1969 e proprietário do Magazine Vitória (loja de confecções) em Chapecó.

            É possível indicar algumas das estratégias de Francisco Orestes Libardoni e Ernesto José de Marco, na tentativa de convencer os então possíveis migrantes para não seguirem rumo a transamazônica, de acordo com os depoimentos à Polícia Federal: 1) Mostravam mapas alertando das longas distâncias entre Altamira e outras cidades; 2) Afirmavam já ter visitado a transamazônica algumas vezes, alertando que o local era péssimo; 3) Diziam que apesar de alguma assistência do governo, a comida era escassa e a fome um destino certo para quem aceitasse a aventura; 4) Alertavam sobre o calor alarmante e as possíveis doenças transmitidas pela mais inúmera quantidade de mosquitos.

            Em relação aos comentários que eram proferidos sobre os indígenas e o seu caráter selvagem e predatório, tais falas estavam infladas de preconceitos e falácias que vinham sendo repetidas de geração a geração; Oliveira (1995), promove importante debate no sentido de desmistificar esses estereótipos, quando afirma que:

 

[...] as populações rurais que convivem com os índios frequentemente estão dominadas política e ideologicamente por uma elite municipal, a qual tem fortes interesses econômicos que colidem com os índios, pretendendo apossar-se de suas terras e recursos ambientais (madeira, minério, peixes, caça, etc.), alimentando assim uma postura racista. Estereótipos como o de "preguiçosos", "ladrões" e "traiçoeiros", correspondem a acusações não comprovadas, mas que, de tanto repetidas, parecem juízos naturais. E, pior ainda, são usados como evidências que permitem justificar as medidas contra os índios e até mesmo ações genocidas. (OLIVEIRA, 1995, p. 2).

 

            Apesar de se referir a outro contexto, que é o de populações que já convivem com os indígenas, não sendo o caso daqueles migrantes que viriam a ter esse contato, notamos que a intenção no discurso de boatos é a mesma, menosprezar aquelas populações originárias na tentativa de torná-los menos humanos, sendo assim mais passíveis a desapropriações e violências, tendo como pano de fundo uma floresta, naquela década de 1970, cheia de possibilidades e riquezas.

            Outras motivações daqueles constantes alertas dados aos candidatos a parceleiros, podem ser levantadas, como a do medo do desconhecido, alimentado por um imaginário presente quando o assunto era o bioma Amazônico e, nesse caso, a Transamazônica. Ainda, os interesses poderiam ser também de caráter político, pois, o sucesso daquela colonização estaria atrelado a duração e êxito também do regime militar. Outra hipótese é a de que, sendo os principais propagadores dos boatos membros da elite local, havia medo da perda de mão de obra, clientes e mesmo de eleitores. Em síntese, muitas poderiam ser as motivações, que quando observadas numa ótica privilegiada de cinco décadas pós-projeto Altamira, ajudam a compreender os problemas, descaminhos e os fatores que culminariam em seu relativo fracasso. Para Hébette (2004, p. 284):

 

Seria injusto atribuir ao Incra a origem de todas as frustrações. Muitos dos fracassos registrados se devem mais à política agrícola global do Estado, à marginalização generalizada da pequena produção de alimentos, à pressão dos objetivos de Segurança Nacional.

 

            Pereira (2013), assumindo as limitações do Incra para cumprir o acordado e publicizado, identificou outro fenômeno ligado à propaganda do projeto, houve, apesar do término do projeto de colonização em Altamira, Marabá e Indaiatuba alguma migração espontânea para a Transamazônica, motivada pela propaganda governamental, caracterizando um processo de colonização não-oficial nessas áreas. O autor argumenta que a demarcação, nesse caso era feita pelos próprios colonos, trazendo “as demandas por terras e, consequentemente, o debate sobre a reforma agrária, ainda no período ditadura civil-militar e, sobretudo, por ocasião da elaboração do Plano Nacional de Reforma Agrária” (PEREIRA, 2013, p. 14). Retomando o texto de Becker (2005), temos, agora, com o encerramento do projeto do Incra, uma nova fase na década de 1980 no tipo de colonização naquelas áreas, menos pautadas e subsidiadas pelo poder estatal e objetivando interesses privados, com foco na plantação de soja e criação de gado.

             Neste estudo buscamos compreender como um pequeno fenômeno migratório ocorrido há quase cinco décadas no Oeste Catarinense carregou significados políticos, econômicos e sociais, que se analisados sob a ótica dos documentos dos serviços de informação estaduais e nacional da ditadura militar e dos teóricos que se debruçaram a estudar migrações e, mais especificamente, migrações no bioma amazônico, nos dão respostas para compreender os desdobramentos daquela ambiciosa operação de colonização intentada pelo Incra no ano de 1972.

             Observamos discursos locais, em forma de boatos, que consistiam em questionamentos do projeto, sua segurança e eficiência e que não se mostraram, totalmente equivocados no sentido de que toda a propaganda divulgada pelo governo militar não pode ser cumprida. Ou seja, o básico para a sobrevivência daqueles parceleiros não pode ser fornecido, o que impactou em seu retorno e abandono do projeto, não só dos migrantes catarinenses, como de todo o país.

            Apesar de termos realizado avanços no tema e inclusive identificado alguns elementos locais por meio das informações dos serviços de informação nacional e estadual, não nos debruçamos em buscar a história dessas famílias do Oeste Catarinense que se envolveram no projeto, sendo esta uma possibilidade de novas pesquisas que visam, por exemplo, estudar o destino dessas famílias que abraçaram o projeto rumo a transamazônica, bem como as relações socioambientais desenvolvidas nesse bioma.

 

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Recebido em 30/11/2021.

Aceito em 12/12/2021.

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[1] Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Brasil. E-mail: marina.andrioli@uffs.edu.br. A pesquisa integra o projeto intitulado “Memórias e imagens de uma paisagem em transformação: colonização e desmatamento no Oeste de Santa Catarina”, que conta com apoio da Universidade Federal da Fronteira Sul (apoio financeiro). | https://orcid.org/0000-0002-7108-6679

[2] Professor do Programa de Pós-Graduação em História e do Professor do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Brasil. E-mail: marlon.brandt@uffs.edu.br | https://orcid.org/0000-0002-0392-4167