O cultivo do arroz de sequeiro no Norte goiano entre 1960 e 1980

The cultivation of upland rice in north goiano between 1960 and 1980

                                                                                               Márcia Inês Florin Costa[1]

Giovana Galvão Tavares[2]

 

 

 


Resumo

O estudo objetiva apresentar a história ambiental do Cerrado na fronteira agrícola do Norte de Goiás de 1960 a 1980, a partir do cultivo do arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) e evidenciar as consequências socioambientais. É uma pesquisa embasada em diversas fontes bibliográficas, documentais e relatos orais de agricultores, engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas que destacam terem sido atraídos para a região principalmente pelos baixos preços das terras, pelo apoio financeiro de programas governamentais e orientações técnicas. Mas, com cortes dos programas governamentais, houve o declínio do cultivo de arroz e a destruição do modelo agrícola implantado, contribuindo para a degradação ambiental e introdução de gramíneas exóticas. 

Palavras-chave: História ambiental; Cerrado; Fronteira agrícola; Arroz de sequeiro; Degradação ambiental.

 

Abstract

The study aims to present the environmental history of the Cerrado in the agricultural frontier of the Northern Goiás from 1960 to 1980, with the cultivation of upland rice (Oryza sativa L.) and to highlight the socio-environmental consequences. It is a research based on several bibliographical sources, documents and oral reports from farmers, agronomists and agricultural technicians who emphasize that they were attracted to the region mainly by low land prices, financial support from government programs and technical guidance. But with cuts in government programs, there was a decline in rice cultivation and the destruction of the agricultural model implemented, contributing to environmental degradation and the introduction of exotic grasses.

Keywords: Environmental history; Cerrado; Agricultural frontier; Upland rice; Environmental degradation.


 

 

Introdução

A integração de Goiás na dinâmica do desenvolvimento nacional ocorreu de forma definitiva a partir do séc. XX. Destacam-se como fatos importantes a instalação da rede de ferrovias ligando a região Sudeste ao Centro-sul de Goiás (1935) e a construção da nova capital - a cidade de Goiânia (1933). Esses fatos promoveram modificações na realidade do estado de Goiás em relação à sua integração na dinâmica da economia nacional (ESTEVAN, 2004).

Os fatores mencionados condicionaram a abertura da primeira fronteira agrícola em Goiás. Mas, passados 30 anos iniciou-se um novo processo de expansão agrícola objetivando a ocupação de terras localizadas ao Norte do estado. O investimento na abertura de rodovias federais, como a Belém Brasília (BR-153) e a transferência da capital federal (Brasília) para o Centro-oeste na década de 1960, viabilizaram a ampliação da fronteira rumo à região Norte com o objetivo de “conquistar” a região Amazônica. Foi um período de aberturas de estradas secundárias e terciárias, incentivos às atividades agrícolas através de importantes programas federais e estaduais, bem como intensa migração populacional com a finalidade de integrar a região à economia nacional.

No momento do processo da expansão da fronteira agrícola para a região Amazônica, o território goiano abrangia também o atual estado do Tocantins (separado apenas em 1988). Desse modo, predomina-se o bioma Cerrado, com solos pobres e ácidos, constituídos de mosaicos de vegetação rala e densa (OLIVEIRA et al., 2015). O processo de ocupação ocorrido entre as décadas de 1960 e 1980, no Norte do estado de Goiás, teve investimento na cultura do arroz de sequeiro (Oryza sativa L.). O arroz de sequeiro ou arroz de terras altas era pouco exigente em termos de insumos e tolerante ao tipo de solo, por isso, foi uma cultura essencial durante o processo de ocupação agrícola das áreas cobertas por Cerrado.

Neste artigo, entende-se que a história ambiental da fronteira agrícola do Norte de Goiás é também a história da cultura de arroz, com narrativas sobre resistências e resiliências dos agricultores na difícil sobrevivência no bioma Cerrado. Segundo Santiago (2012), a rizicultura era usada para “domesticar” e “amansar” o solo após o desmatamento e queima da vegetação original. Este modo de preparar e cultivar a terra perdurou, assim, na década de 1970 e início de 1980, o volume de arroz produzido na região Norte era bastante elevado, por isso, Goiás figurava como grande fornecedor de grãos para as demais regiões brasileiras.

O Norte goiano se transforma com a derrubada da vegetação original e introdução da agricultura. A agricultura foi um empreendimento modificador de áreas naturais e causador de impactos ambientais, sociais e econômicos (LOPES, BRITO; 2021). Logo, é de suma importância analisar as percepções dos agricultores, engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas que atuaram no Cerrado, um sistema biogeográfico, e as consequências ambientais da abertura da fronteira agrícola para cultivar o arroz.

Para tanto, o estudo objetiva apresentar a história ambiental do Cerrado na fronteira agrícola do Norte de Goiás de 1960 a 1980, com o cultivo do arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) evidenciando as consequências sociais e ambientais. Parte-se da premissa de que a abertura da fronteira agrícola provocando impactos e danos irreversíveis nesse ecossistema.

 

Metodologia

Essa pesquisa se desenvolveu dentro dos pressupostos presentes em história ambiental, procurando entender não apenas as questões relacionadas aos processos ecológicos do bioma Cerrado, mas a relação histórica entre sociedade e natureza.

Trata-se de uma pesquisa documental com abordagem qualitativa. Para a realização de coleta de dados, recorreu-se a três etapas de procedimentos metodológicos: 1) pesquisa bibliográfica, 2) pesquisa documental; 3) coleta de relatos orais. A pesquisa, em questão, foi apresentada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, cujo número do processo é 4.406.757.

A pesquisa bibliográfica foi realizada tendo os seguintes descritores: Scielo, Catálogo de Dados Portal Capes para os termos História Ambiental; Relatos de Vida; Agricultura em Goiás; Rizicultura em Goiás; Microrregião Alto Tocantins (1960 a 1980). A pesquisa documental partiu da análise de textos jornalísticos fornecidos pelos agricultores e pela Emater extraídos do Jornal O Popular, Jornal Porangatuense, Jornal Opção e Folha de Goyaz com reportagens sobre o cultivo de arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) no Norte de Goiás relativos à época da pesquisa, além de documentos oficiais sobre as políticas nacionais do período de 1960 a 1980.

A coleta de relatos orais foi realizada tendo como eixo norteador: a) o processo migratório para o Norte do estado de Goiás; b) políticas nacionais e estaduais implantadas (1960 a 1980) e impactos na vida do agricultor; c) atividade agrícola no Cerrado; d) atividades agrícolas dos profissionais da Emater; e, e) plantio do arroz de sequeiro no Cerrado. O estudo abordou a história de vida dos agricultores, relatos dos profissionais da área agrícola, a atividade agrícola no Cerrado e a interrupção do plantio de arroz de sequeiro. Para efeito de análise, as sínteses das discussões foram complementadas com transcrição de trechos de depoimentos dos participantes da pesquisa. Os agricultores foram denominados pelo símbolo P (P01, P02,...) acrescido do número do pesquisado. Já os engenheiros e técnicos agrícolas, foram denominados pelo símbolo P, um número e uma letra maiúscula do alfabeto (P 01A, P 02B, ...) com o objetivo de resguardar suas identidades.

Para a coleta dos dados, realizou-se trabalho de campo no período de 18/12/2020 a 03/11/2021, nos formatos de: observações, entrevistas e análise documental. Durante o período da realização das entrevistas, a observação nos permitiu compreender o contexto socioambiental de cada participante, em seus aspectos físico e econômico no momento atual e como se organizavam e viviam no passado. Para a escolha dos entrevistados, partiu-se de informações e indicações de funcionários da Emater e do Banco do Brasil das agências de Porangatu, Uruaçu, São Miguel do Araguaia e de Formoso. Para ser considerado participante, o respondente preferencialmente deveria ser morador da área de estudo, ter participado do programa de expansão agrícola ou ter a função de engenheiro agrônomo da Emater no período estipulado. Para identificar e comprovar a atividade agrícola na região, as lavouras de arroz de sequeiro, a produtividade, as comemorações, a modernização, os investimentos na rizicultura, coletou-se documentos em posse dos produtores e da Emater para análise e ilustração do artigo. Porém, registra-se aqui, a dificuldade na coleta de dados e uma abrangência de cobertura da área de pesquisa devido ao momento sanitário que a população mundial vivencia. Por esse motivo, alguns relatos foram coletados por telefone e foram gravados para cumprir exigências do Comitê de Ética e Pesquisa.

Através dessa metodologia adotada foi possível descrever as características do Cerrado do Norte goiano, dos percursores e da rizicultura, os quais favoreceram a inserção da região na economia do país através de expansão da fronteira (DUTRA E SILVA, BARBOSA. 2020).

 

Área de estudo                       

A área de estudo foi denominada até 1980 como Microrregião Alto Tocantins, uma área mais a Oeste do estado, quando Goiás ainda não teria passado por uma divisão territorial e política, ou seja, a divisão entre Goiás e Tocantins. Em 1988, com a nova Constituição Federal (Brasil, 1988) cria-se o estado do Tocantins e as regiões de Goiás seguem a divisão segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com uma nova configuração. A Figura 01 mostra a área de estudo, especificamente como se apresentava até 1980 com suas cidades e localizações no estado, que até então era Goiás. No estudo proposto, identificou-se a área como região Norte de Goiás para facilitar a identificação do leitor com a temática abordada.

Figura 01 – Microrregião Alto Tocantins, Goiás, na década de 1960.

 

Fonte: IBGE (1968).

 

Ao visualizar a Figura 01, é possível elencar o recorte histórico, geográfico e temporal desta pesquisa (1960 a 1980). As localidades tinham em comum terras ocupadas para abertura da fronteira agrícola, visto que eram municípios de pequeno porte, pois foram surgindo e se desenvolvendo às margens da rodovia Belém-Brasília, alicerçados pela agricultura. O Quadro 1 apresenta o século do surgimento do povoamento e emancipação política dos municípios estudados.

Quadro 1 – Município, surgimento do povoamento e lei de municipalização.

Nome

Povoamento

Lei de Municipalização

Araguaçu

XIX

Lei Estadual nº 2.135, de 14 de novembro de 1958.

Campinorte

XIX

Lei Estadual nº 4655 de 08 de outubro de 1963. 

Crixás

XVII

Lei Estadual nº 850, de 30 de outubro de 1953.

Estrela do Norte

XIX

Lei Estadual nº 2127, de 14 de novembro de1958.

Formoso

XIX

Lei Estadual nº 4586, de 25 de setembro de 1963.

Mara Rosa

XVII

Lei Estadual n.º 760, de 26 de agosto de 1953, Amaro Leite.

Mutunópolis

XIX

Lei Estadual nº 2105, de 14 de novembro de 1958.

Pilar de Goiás

XVII

Lei Estadual nº 355, de 30 de novembro1949.

Porangatu

XVIII

Lei Estadual n.º 4.896, de 13 de novembro de1963.

Santa Tereza de Goiás

XVIII

Lei Estadual n.º 4.896, de 13-11-1963, desmembrado de Porangatu.

Santa Terezinha de Goiás

XIX

Lei Estadual n.º 4.705, de 23 de outubro de 1963.

São Miguel do Araguaia

XIX

Lei Estadual nº 2137, de 14 de novembro de 1958.

Uruaçu

XIX

Lei estadual nº 8305, de 31 de dezembro de 1943.

Fonte: IBGE. Disponível em https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?id=227295&view=detalhes Acesso em 13 de março de 2021.

 

Características socioeconômicas e culturais dos entrevistados

Dos 73 entrevistados (50 homens e 23 mulheres), 63 eram agricultores atuantes no período em que a região produzia arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) e possuíam diferentes níveis culturais, advindos de várias regiões do país, a exemplo, famílias do Sul (RS, PR, SC), Sudeste (SP) triângulo mineiro (MG) e Sul de Goiás (Jataí, Catalão, Itumbiara, Rio Verde entre outros) e de goianos locais. A idade dos entrevistados variou entre 50 e 89 anos, sendo a população alvo da pesquisa composta, em sua maioria, por idosos (pois já se passaram 60 anos das primeiras ocupações para a produção de arroz de sequeiro). Além disso, considerou-se também o tempo de moradia média de 52 anos na região, confirmando a participação considerável de agricultores que possuem as terras há vários anos na área de estudo. São conhecedores da história da transformação do Cerrado no período da abertura da fronteira agrícola, pois participaram da (re) construção da história ambiental do Cerrado. Os demais entrevistados (10), é o grupo constituído de 08 engenheiros agrônomos com formação superior completa e 02 técnicos agrícolas com cursos de capacitação na área, atuaram efetivamente na implantação da fronteira agrícola, orientando e aprovando projetos juntamente às agências bancárias.

 

Análise dos Dados

Com o objetivo de analisar as falas dos entrevistados sobre a fronteira agrícola do Norte de Goiás, observando pressupostos presentes da história ambiental e sua relação com o Cerrado, seguimos a metodologia vigente na análise de conteúdo (BARDIN, 2011). Após a realização das entrevistas, elas foram transcritas, para a busca de inferências confiáveis de dados e informações do discurso oral, possibilitando exploração mais eficiente dos atores sociais. Assim, as entrevistas foram transcritas e analisadas por temas seguidos de uma análise prévia do material, com posterior análise exploratória com a finalidade de uma categorização ou codificação do material para organização e, interpretação dos dados para tratamento dos resultados obtidos. A seleção dos temas e critérios é baseada em diferentes fontes de dados e informações da literatura, buscando aprofundar o entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos, afetados pelo ambiente natural e, inversamente, como eles afetaram esse ambiente (WORSTER, 1991). Coletaram-se pontuações centrais para discussão nesse estudo: i) a importância da atividade agrícola para a abertura da fronteira; ii) incentivo às migrações para implantação do projeto agrícola; iii) inserção de programas governamentais específicos ao Cerrado iv) modernização agrícola; v) produtividade e vi) fatores que condicionaram a interrupção da rizicultura na fronteira do Norte de Goiás (WORSTER, 1991; SOARES, 2002; CARNEY, 2017). Os critérios utilizados estão no Quadro 2 e Quadro 3, com ênfase no tema e a porcentagem das respostas do grupo de agricultores entrevistados, engenheiros e técnicos da Emater.

Quadro 2 – Percepção dos atores da região sobre a fronteira agrícola e a rizicultura no Norte de Goiás.

Temas

Percentual (%)

Importância da atividade agrícola para desenvolvimento da região

100% dos entrevistados

O que estimulou as Migrações

-Preço baixo das terras 71%;

-Plantar e desmatar com autonomia 29%

Programas estaduais e federais

-Influenciaram 100%

Produtividade do arroz de sequeiro

-Boa 80%

-Razoável 20%

Comemorações em torno da rizicultura

-Festa do arroz 100%

Ano de início da Festa do arroz na fronteira agrícola

-1980 (20%)

-1982 (60%)

-1984 (20%)

Principais entraves para a continuidade da atividade.

-Taxa de juros praticada pelas instituições financeiras 60%

-Desequilíbrio climático 20%

-Aparecimento de doenças fúngicas no arroz 10%

-Ambas as causas 10%.

Dividas em agências bancárias

-100% dos agricultores estavam endividados, pois o modelo agrícola imposto na fronteira agrícola os vinculava às agências financiadoras.

Outros temas levantados nas entrevistas

-Slogan do período da abertura da fronteira agrícola: “Plante que o governo garante” com 88%;

-Mudanças climáticas profundas na região após intenso desmatamento, ocorrendo um desequilíbrio que passou a afetar a produtividade de arroz de forma significativa no início da década de 1980 com 22%;

-Mudanças na política agrícola pelo governo federal com 78%;

-Importância da Emater na implantação do processo produtivo com 64%.

-Incentivo de abertura de áreas de cerrado em larga escala com 100%.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quadro 3 – Percepção dos Engenheiros e Técnicos da Emater sobre a fronteira agrícola e a rizicultura no Norte de Goiás.

Temas

Percentual (%)

Importância da atividade agrícola para o desenvolvimento da região

100% dos entrevistados

O que estimulou as Migrações

-Preço baixo das terras 63%;

-Incentivos governamentais 37%

Importância da Emater na implantação da fronteira agrícola.

-100% dos entrevistados

Produtividade do arroz de sequeiro

-Produção razoavelmente boa (entre 20 a 25 sacas por hectare) 100%

Comemorações em torno da rizicultura

-Festa do arroz 100%

Ano de inicio da Festa do arroz na fronteira agrícola

-1982 (100%)

Principais entraves para a continuidade da atividade

-Taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras 88%

-Desequilíbrio climático 6%

-Aparecimento de doenças fúngicas no arroz 4%

-Ambas as causas 2%.

Dívidas em agências bancárias

-100% dos agricultores estavam endividados, pois o modelo agrícola imposto na fronteira agrícola vinculava às agências financiadoras.

Outros temas levantados nas entrevistas

-Mudanças na política agrícola pelo governo federal (abandono do projeto) com 78%;

-Limitação de crédito agrícola pelo governo federal; suspensão do Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (PROAGRO) com 100%;

-Necessidade de novos investimentos agrícolas, tais como: insumos para continuidade do programa com 100% dos entrevistados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Resultados e Discussões

O contexto histórico da abertura da fronteira agrícola ocorrida após a década de 1960 na região Norte de Goiás intitulada Microrregião Alto Tocantins, coincide com os processos globais da grande aceleração, que para McNeil e Engelke (2014) são marcas que definem o antropoceno. Isto é, faz parte de um processo que se caracteriza pelo ritmo acelerado do uso de energias, do crescimento populacional e das emissões de gases de efeito estufa que levaram o planeta, a partir da metade do século XX a um ritmo descontrolado de impactos ambientais (DUTRA e SILVA, BARBOSA. 2020).

O processo de aceleração instaurado no Brasil se faz presente nos resultados coletados dos agricultores, engenheiros e técnicos da Emater expostos na análise de dados nos Quadros 02 e 03. Percebe-se que a rizicultura foi uma atividade impactante para toda área de estudo investigada. A ação do governo federal e a política agrícola fomentaram o deslocamento de população para a região, desmatamento e a prática da monocultura, impondo um “aparente” desenvolvimento acelerado de uma área de Cerrado considerada improdutiva, por mais de duas décadas.

Foi capaz de provocar impactos ambientais profundos em toda a área de estudo. Segundo relatos orais, a cultura influenciou diretamente na sazonalidade climática da região. Também afetou o agricultor que, envolvido no processo de expansão agrícola na nova fronteira agrícola, no decorrer do tempo, enfrentou mudanças políticas e econômicas profundas, inflação alta e baixo preço do produto agrícola (arroz), ocasionando uma quebra do processo instaurado, levando-o a buscar novas alternativas em relação ao uso da terra ou novas áreas agrícolas e até mesmo o total abandono da atividade após endividamento bancário. O agricultor, o homem que trabalha na terra e dela tira seu sustento é excluído de um sistema criado pelo governo federal com a finalidade de promover o progresso de regiões localizadas no planalto central.

 

Expectativas

As análises gerais dos fatos coletados possibilitaram a conexão da abertura da primeira fronteira agrícola em Goiás ocorrida na região Centro-sul na década de 1930 com a ocorrida em 1960, visto que ambas transformaram a paisagem local, provocaram densidade demográfica e o fluxo de transações comerciais de forma avassaladora. A implantação da política conhecida como “Marcha para o Oeste”, com a criação da Colônia Agrícola Nacional de Goiás (CANG), fomentada pelo eixo ferroviário condicionava a abertura da fronteira agrícola em que 60% dos desbravadores eram de Minas Gerais.

Para Faissol (1952), o objetivo fundamental da CANG era colonizar a área, tornando-a agrícola e moderna em relação aos modelos existentes. Os colonos desbravavam a área e iniciavam o cultivo de gêneros agrícolas, tais como: arroz, milho, feijão, açúcar, algodão e mandioca para fabricação de farinha. Essa região possuía uma vegetação privilegiada com pequenas faixas de Mata Atlântica nas margens de rios e serras, já, as demais se compunham de Cerrado denso (cerradão). As colônias agrícolas desenvolveram rapidamente com um planejamento governamental voltado para a agricultura e industrialização. Assim, a primeira fronteira aberta rumo a Goiás foi veiculada. Segundo Franco et al. (2012) a “fronteira”, diz respeito ao espaço, a ocupação de uma terra livre – ou considerada livre – em processo de colonização.

A segunda fronteira agrícola surge após 30 anos de abertura da primeira. Objetivava a ocupação do Norte de Goiás, especificamente a Microrregião Alto Tocantins, incentivando as migrações, monocultura, modernização agrícola, baseando-se em pressupostos da revolução verde. Viabilizou-se a incorporação de áreas carentes e consideradas improdutivas na área de estudo, revelando potencial da região dos Cerrados, com uma mecanização no setor agrícola através do programa estadual Goiás-rural (1973) com parceria da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA/1972). A Embrapa oferecia suporte na disseminação das técnicas de correção da acidez e fertilização do solo, acompanhada do melhoramento genético de forrageiras e animais de acordo com as condições ambientais do Cerrado.

O Norte goiano se transforma com a derrubada de vegetação nativa, implantação da cultura de arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) e de culturas exóticas, tais como: gramíneas para pastagens como brachiaria, andropogon entre outras (DUTRA e SILVA et al, 2015). A possibilidade de ocupação dessa região foi estimulada por mudanças de paradigmas implantados no cenário mundial, ocorrendo a abertura de rodovias como a BR-153 que ligava o Sul do país ao Norte e a mudança da capital federal para a região central do país, viabilizando a implantação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) na região do Cerrado brasileiro.

Estimavam-se melhorias na qualidade de vida dos migrantes, continuidade nos programas governamentais em torno da agricultura e fortalecimento da fronteira agrícola, tornando-se uma referência na produção de arroz. Porém, o depoimento abaixo define a insatisfação em relação aos rumos que a fronteira agrícola estava estabelecendo para o grupo de percursores:

Meu Deus!!!! E de repente tudo acaba!!! Nós nos sentimos perdidos! Muitos perdiam tudo e outros endividados no banco. Quem conseguiu segurar alguma coisa, segurou. A inflação alta, o governo não teve consideração [...] Tudo o que recebemos de incentivo foi retirado e quando vimos, o nosso arroz não tinha valor comercial, estava em excesso no mercado, sem qualidade, [...]. (P 15)

 

Histórias de vida: agricultores e profissionais da área agrícola

De acordo com os relatos, muitos dos que aqui chegaram fizeram longas viagens e abandonaram familiares. Alguns migrantes do Sul do país passavam 03 a 04 dias ininterruptamente viajando até chegar ao Norte de Goiás. Eles foram atraídos pelo baixo preço das terras e por programas de incentivos governamentais.

Em muitos depoimentos, percebe-se bem a saudade da terra natal, a origem e base familiar, os amigos que deixaram para trás, ou seja, a necessidade de criar nova identidade com o lugar, a paisagem, as pessoas, a cultura local. Todos lutavam por condições de vida melhores, por suas famílias e pela terra que os sustentava, mas sentiam medo do novo. Os que chegavam e se estabeleciam no meio rural enfrentavam inúmeros desafios.

Não conhecia o Cerrado, casa de pau-a-pique, pamonha, pequi, nem plantava arroz. Na nossa terra não tinha uma casa [...]. Fiquei com as crianças num barraco de pau-a-pique por três meses. Os homens trabalhavam dia e noite na terra bruta. Eu cozinhava para tratorista, mecânico, muita gente! Nós vencemos! (P 11)

 

Vencer possui muitos significados, pois as mulheres acompanhavam seus cônjuges, eles trabalhavam com a terra, os filhos acompanhavam os pais e/ou iam para a cidade estudar. Havia diferenças culturais profundas nos modos de vida. Relatam que após a primeira colheita de arroz, abriam mais terras para aumentar a área e continuavam plantando, pois os financiamentos eram destinados à rizicultura e incluíam desmatamento e assistência técnica.

Sempre abrindo terra, desmatando, entrando no cerrado e plantando arroz. O governo, no inicio, garantia preço, tinha prazo, assistência agrícola. Aproveitei o que podia. Fazer o que? Foi o que ofereceram pra nós: cerrado e arroz!” (P 11)

A abertura de novas áreas para implantar a rizicultura estimulava o desmatamento e exigia a presença de pessoal qualificado para o grande projeto de aceleração. Após o plantio da lavoura, estes profissionais, os engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas, acompanhavam todo o desenvolvimento em campo.

 

Como Engenheiro Agrônomo, fui cadastrado no Banco do Brasil para analisar as áreas de plantio, elaborar projetos para derrubada. financiamento e depois escolha de sementes, plantio e colheita. Orientava os agricultores recém-chegados em todo seu trabalho. Mas também estava aprendendo a lidar com o plantio de arroz em larga escala, o uso de inseticida para conter as pragas na lavoura era uma orientação comum pra todos os agricultores, pois se acreditava que este era o caminho certo. Incentivávamos a plantarem arroz e nunca pensamos na possibilidade de diversificar culturas, a principio [...]. (P 01A).

 

Apoiados em pressupostos da revolução verde e técnicas agrícolas modernas, a agricultura intensiva no Cerrado percorre o caminho da produtividade e do lucro na perspectiva capitalista e esquece-se da relação história/homem e natureza (WORSTER, 1991; DRUMMOND, 1991). Esse modelo agrícola imposto perdurou até meados da década de 1980. Nessa mesma década, o país sofre interferências de tratados ambientais[3] importantes e a política agrícola do governo federal sofre influências destes pactos para preservação da natureza.

O agricultor, envolvido com todo o processo agrícola em que estava inserido, não percebeu as mudanças rápidas no contexto, sofreram consequências diretas das transformações na política, economia e na legislação ambiental, bem como uma mudança brusca de foco por parte dos governantes em busca de novos resultados em outras regiões agrícolas do país e outros produtos mais competitivos. A expansão agrícola e a perpetuação da cultura do arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) no Cerrado era uma etapa vencida.

 

Com a crise no setor agrícola e os cortes do governo na área da agricultura no inicio dos anos 80, o plantio do arroz na região se tornou inviável. Nós precisávamos do seguro agrícola no caso de perda, pois a ferrugem no arroz era uma realidade e os veranicos também. (P 23, P 37)

 

Além dos problemas financeiros ocasionados pela crise agrícola na região, houve queda na produção de grãos substancialmente com a brusone, um fungo, que apareceu nas lavouras e infestou a rizicultura no início da década de 1980. Para o entrevistado 01 A, a brusone ...

... apareceu em meados de 1980 como resultado das técnicas agrícolas defasadas e atacou 100% das lavouras, uma perda de 50% na capacidade de produção [...]. Em meados de 1988 e 1989 a região já havia parado de plantar porque não havia controle químico do fungo. O que se tinha que fazer era investir na terra e fazer rotação de cultura para minimizar problemas. O pessoal achou difícil e as terras que não foram abandonadas, aos poucos viraram pastagem.”

 

A brusone, segundo a literatura é uma ferrugem que aparece no arroz e causa danos, “na produtividade e na qualidade em função de uma série de fatores, tais como as práticas culturais adotadas, o grau de suscetibilidade do genótipo, as condições climáticas, o nível de inóculo do patógeno, o momento em que a doença se instala na cultura, entre outros” (LOBO, 2004, p.01 e 02). Esses fatores vieram a contribuir com o fim da atividade agrícola na década de 1990.

 

Relatos dos Profissionais da Área Agrícola

Segundo relato dos profissionais agrícolas, para a obtenção do crédito, os agricultores tinham que apresentar um projeto devidamente elaborado, com responsabilidade técnica, por Empresas de Assistência Técnica particular ou Oficial (Emater), legalmente credenciadas pelo banco e cujo “corpo técnico deveria ser formado por engenheiro agrônomo (em maior número pela atividade agrícola), técnico agrícola e ou outros profissionais afins” (P 06F). Depois, os profissionais credenciados ao banco acompanhavam as lavouras de arroz dando assistência técnica e fornecendo laudos de perdas para obtenção do seguro agrícola.

 

Havia acabado de me formar e fui indicado para atuar com os agricultores em parceria com o banco. O PROTERRA, o programa para o Centro-Oeste destinou tanto recurso que não conseguimos absorvê-lo até o final da década de 70. Sobrava verba e dinheiro para quem quisesse desmatar e ... e... plantar arroz no inicio do programa. (P 01A)

 

Para o Participante 07G, também Engenheiro Agrônomo da época em questão,

 

o arroz já era cultivado há vários anos no Estado de Goiás. A cultura do arroz era praticada de forma não irrigada, [...]. Entre os anos de 1960 a 1977, o arroz tinha tanta importância para a economia goiana que representava quase que 50% da área total, plantada em todo o Estado!!!

 

Esse crescimento vertiginoso ocorreu até a década de 80. Observe no relato P 08H que...

... da safra de 1974/75, a cultura do arroz de sequeiro começa a deixar as áreas férteis, oriunda das derrubadas e roçada (roça de toco, explica) praticada pelos sertanejos, migrando para o bioma Cerrado, cujos solos predominantemente de baixa fertilidade, porém representam mais de 80% da área plantada.

 

A partir de 1985, ocorreram inúmeros problemas. Mas, até isso acontecer os produtores ampliaram a frota agrícola, melhoraram as tecnologias de produção ao cultivo do arroz de sequeiro, “[...] tratores equipados, colheitadeiras, plantadeiras, etc. Foram receptivos ás novas tecnologias e passam a cultivar arroz em escala comercial, sempre abrindo novas áreas de Cerrado e investindo na cultura, pois acreditavam na continuidade do programa” (P 02B).

Para o Participante 01A, acreditava-se que a atividade agrícola na região iria perpetuar. Mas, as mudanças na política e economia do país e o modelo de crescimento imposto condicionaram o endividamento do agricultor e dificuldades para gerir os negócios.

 

A atividade agrícola no Cerrado                                                                   

Como abordado no tópico anterior, após se instalarem na região, os agricultores buscavam orientação especializada nas cidades polos e iniciavam as negociações com os bancos. Passavam a dispor de terras, maquinários, trabalho e conhecimento agrícola, visto que a necessidade do domínio de tecnologias visava ao melhor aproveitamento das áreas de vegetação de Cerrados. Os engenheiros agrônomos viabilizavam as propostas de financiamento na agência bancária. Segundo o entrevistado P 01A, vários fatores contribuíram para que a agricultura fosse implantada no Cerrado, tais como:

 

A redução de áreas férteis em outras regiões evidenciou a necessidade de explorar mais racionalmente a fronteira agrícola do Norte goiano. Os investimentos em tecnologias para o aumento de fertilidade dos solos e melhor utilização dos recursos naturais, além da adaptação dos cultivos aos ambientes de Cerrado, condicionaram no estabelecimento acelerado da produção agrícola. Os relevos na maior parte planos ou suavemente ondulados permitiram a mecanização das lavouras, em todas as suas fases.

 

Nessas condições, os agricultores foram se adaptando na região. Assim, as transformações paisagísticas foram rápidas (SCHAMA, 1996). A produtividade da região foi expressa na caracterização de um município de Porangatu.

 

O município cultivou em torno de 60.000 ha com arroz de sequeiro (1980 a 1986). A produtividade média do arroz  na época era de 1.800 kg por ha. A Emater prestava assistência técnica aos agricultores, através de seus técnicos. Orientava a organização dos agricultores e da produção, em cooperativas, associações e conselhos de produtores, sindicatos rurais e outras formas organizacionais. O agricultor estava empenhado, envolvido na atividade. (P 05E)

 

O agricultor se organizou e nesse período houve grande respaldo da agricultura, especialmente na produção de sequeiro, sendo o município de Porangatu um dos maiores produtores do país no ano de 1982. E mais, relatam que a atividade agrícola gerava, aparentemente, riqueza para todos, pois havia disponibilidade de recursos financeiros por parte do Governo Federal através do PROTERRA.

Segundo dados da EMBRAPA/CNPAF (1988, p. 02), em 1970, a região Centro-Oeste foi responsável por 24,3% da produção de arroz, em 28,6% da área total sob plantio no país. Em 1978/79, dados mostram que Goiás produzia mais de um milhão de toneladas de arroz, em 931 mil hectares plantados. No início da década de 1980, segundo Santiago (2012, p.30), o volume de arroz produzido na região Centro-Oeste era bastante elevado, e Goiás figurava como grande fornecedor de grãos para as demais regiões brasileiras, chegando a ocupar 6 milhões de hectares. Já, na década de 1990, o declínio da produção de arroz chegou a 60% em comparação ao ciclo de 1986/87. Torna-se relevante, então, elencar os fatores que condicionaram o declínio da rizicultura no Norte de Goiás.

 

Fatores que influenciaram no declínio da rizicultura no Norte de Goiás

A partir de 1986, houve declínio absoluto no cultivo de arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) na região. Os principais motivos para o declínio da atividade e seu desaparecimento, nos relatos orais (SCHAMA, 1996; BLOCH, 2011) dos agricultores e profissionais que atuaram na área foram:

1) A instabilidade econômica[4] que provocou a suspenção do PROAGRO, que tinha finalidade de cobrir os prejuízos referentes à perda da lavoura, caso isso acontecesse. Assim, problemas relativos às variações climáticas, principalmente, sofreram cortes substanciais. Esse fator, aliado ao descontrole inflacionário, as taxas de juros altas e os preços de produtos agrícolas que não acompanhavam as demandas, levaram os agricultores ao endividamento e pagamento de empréstimos com juros abusivos.

 

Estamos lutando na justiça e vamos provar que fomos lesados nesse período de hiperinflação no fim da década de 80. Quando fomos pagar dívidas no banco, o arroz, nosso produto não pagava pela prática de juros adotada pelo governo. Por causa da política agrícola adotada na época, de juros altos nos empréstimos e perda dos subsídios, legalmente temos R$1.000.000,00 em reais calculados para receber de indenizações. (P 35).

 

Os reflexos da política econômica adotada no regime militar persistem na região e no Brasil até os dias atuais. “A partir de 1986 as dívidas não se pagavam no banco. O juro chegava a 40%, 50% até 70% ao mês... não tinha como vender arroz para pagar as dívidas... não fechava a conta.” (P 23)

Para piorar a situação, em 1990, no governo Fernando Collor de Melo modifica a tabela de reajuste de índices atingindo todos os agricultores com juros majorados de 41% para 82%[5]. O Plano Collor I (medida provisória nº 168, transformada em Lei nº 8024 que implantava o Plano Color[6]) atingiu o setor agrícola e operava sobre dívidas retroativas, impossibilitou o pagamento dos débitos no sistema bancário, levando agricultores à falência. Haja vista que a situação deles era difícil em anos anteriores com juros altos e a produção indexada ao Governo Federal. Esse fato atualmente é uma ação civil pública que envolve todos os agricultores junto ao Ministério Público na tentativa de reaver juros abusivos do período de hiperinflação no país.

2) Divulgação de estudos sobre a região identificando-a sob a linha do Paralelo 13S ou proximidades, alegando ser uma zona de instabilidade climática, que após desmatamento altera vertiginosamente o clima, com períodos prolongados de estação seca, aumento de calor e sensação térmica indesejáveis, e, período chuvoso irregular atingindo a produtividade.

3) Investimento em produtividade, quantidade de arroz, com poucos armazéns para secagem de tanto produto. Os caminhões permaneciam nas filas para descarregar por até 06 dias, o arroz, muitas vezes, nascia ou estragava antes de ser descarregado[7]. Secava-se arroz nas ruas, sobre o asfalto. Eram causa de transtornos e prejuízos aos agricultores, pois tinham dificuldades em escoar a produção. Ainda faltava infraestrutura (estrada, energia, assistência técnica, transporte, armazéns). Como as demais fronteiras agrícolas abertas no país faltaram planejamento das ações (Ver Fig. 02).

Figura 02 – Reportagem sobre a falta de estrutura para a produção do arroz na Microrregião Alto Tocantins, 1982.

Fonte: Jornal Porangatuense. Festa do Arroz. Jornal de Porangatu, 05 a 19 de abril de 1982.

 

4) Com a rizicultura, havia geração de empregos diretos e indiretos à população. Mas, com a interrupção da atividade em questão, houve uma queda do poder aquisitivo dos indivíduos prestadores de serviços, que foram obrigados a se deslocarem a centros urbanos ou a outras regiões do país em busca de novas oportunidades. Ocorreu uma estagnação em aspectos de desenvolvimento na região até meados de 2000.

Após décadas de plantio de arroz de sequeiro (Oryza sativa L.), os impactos sociais e ambientais eram imensuráveis. Constata-se que os agricultores converteram as suas terras em pastagens com a introdução de gramíneas exóticas, sobretudo de origem africana, tais como: braquiária (brachiaria decumbens stapf), andropogon (andropogon gayanus kunth), jaraguá (hyparrhenia rufa stapf), capim-gordura (melinis minutiflora), deslocando espécies nativas do Cerrado goiano graças à agressividade das gramíneas. Desse modo, investiu-se na pecuária, tornando-se a segunda região produtora de rebanho bovino do Estado, uma nova relação entre a história do homem e a história ambiental (CRONON, 1995).

 

Considerações finais

A abertura da fronteira agrícola do Norte de Goiás comprova que as terras do Cerrado são agricultáveis e possuem capacidade de produzir grãos e contribuir com a economia do país. Na verdade, a atividade agrícola da região existia anteriormente à implantação de programas específicos para o Cerrado. As comunidades locais cultivavam o arroz em pequenas roças de toco, para consumo próprio realizando a abertura de terras, a queimada e a introdução de sementes. Esse modelo de agricultura de subsistência fazia parte da cultura goiana.

Com a implantação dos projetos de desenvolvimento dos Cerrados, especificamente na área de estudo, seguindo pressupostos da revolução verde, investindo-se em modernização, migrações e capital estatal, a produção de arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) torna-se uma atividade agrícola atrativa por duas décadas e a entrada de diferentes atores no território goiano, condicionam a perda de valores culturais regionais e mudam o curso da história do homem do cerrado e sua relação com o bioma.

Logo, foi a agricultura da região que possibilitou a abertura de terras, plantio de sementes e aparente desenvolvimento. Mas, com o fim dos Programas governamentais, condicionou-se o declínio do cultivo de arroz de sequeiro (Oryza sativa L.) e a destruição do modelo de agricultura familiar na região. A falência dos agricultores, sobretudo pelo endividamento, levou ao abandono das terras e ao mesmo tempo, deixando um passivo ambiental pela degradação do solo, desmatamento e introdução de gramíneas exóticas. 

 

Agradecimentos

Os autores agradecem aos editores, aos pareceristas anônimos e a UniEVANGELICA.

 

Referências bibliográficas

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Recebido em 25/11/2021.

Aceito em 27/12/2021.

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[1] Doutoranda do Curso Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente da Universidade Evangélica de Goiás, UniEVANGÉLICA. Anápolis, GO, Brasil. E-mail: ciaflorim@hotmail.com | https://orcid.org/0000-0003-0483-665X

[2] Doutora em Ciências, professora titular do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente e coordenadora do Núcleo de Educação Ambiental, ambos da Universidade Evangélica de Goiás, UniEVANGÉLICA, Anápolis, GO, Brasil. E-mail: gio.tavares@gmail.com | https://orcid.org/0000-0001-5959-2897

[3] Na década de 1980 órgãos ambientais foram criados, como o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

[4] Presentes nos relatos dos agricultores e técnicos da Emater.

[5] Site: https://jus.com.br/artigos/68694/produtores-rurais-tem-direito-a-devolucao-das-diferencas-do-plano-collor. Acesso em 04/01/2021.

[6] Informação retirada do site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8024.htm. Acesso em 29/12/2020.

[7] Relato dos agricultores (P 23).