Memórias do debate sobre gênero e sexualidade da Escola de Aplicação da FEUSP (1990-2020)[1]

Memories of the Debate on Gender and Sexuality at Escola de Aplicação da FEUSP (1990-2020)

Renata Guedes Mourão Macedo[1]

Gabriel Delatin de Toledo[2]

Vivian Batista da Silva[3]

 


Resumo

O artigo apresenta o projeto Gênero e Sexualidade da Escola de Aplicação da FEUSP, criado no início dos anos 1990 com o título Orientação Sexual Adolescente. A partir de entrevistas realizadas com dois professores envolvidos no projeto, bem como da análise de documentos escolares, o artigo discute os desafios, transformações e avanços dessa discussão na escola nesses quase 30 anos de debate com adolescentes e jovens sobre temas como identidade de gênero, sexualidade, gravidez na adolescência e saúde. Por meio da memória de dois professores da escola, reconstituímos algumas transformações e desafios enfrentados pelo projeto desde sua criação, nos anos 1990, até 2020, já em contexto de pandemia de COVID-19.

Palavras-chave: Educação; Gênero e Sexualidade; Memória.

Abstract

The article presents the Gender and Sexuality Project of the Escola de Aplicação da FEUSP, created in the early 1990s under the title Adolescent Sexual Orientation. Based on interviews with two teachers involved in the project, as well as the analysis of school documents, the article discusses the challenges, transformations and advances of this discussion at school along almost 30 years of debate with adolescents and young people on topics such as gender identity, sexuality, teenage pregnancy and health. Through the memory of two teachers at the school, we reconstruct some transformations and challenges faced by the project since its creation, in the 1990s, until 2020, already in the COVID-19 pandemic context.

Keywords: Education; Gender and Sexuality; Memory.


 

 

 

Introdução

 

Gênero e sexualidade são parte constitutiva do cotidiano escolar, seja pelo dito, seja pelo não dito. Ainda assim, tratar dessas temáticas abertamente em sala de aula tem sido pauta para controvérsias no Brasil, envolvendo famílias, políticas educacionais, entidades religiosas e educadores (LOURO, 1997; AUAD, 2006; VIANNA; CARVALHO, 2020)[2].

Neste texto, analisaremos as práticas e experiências de como uma escola pública específica – a Escola de Aplicação da FEUSP (EAFEUSP), localizada em São Paulo (SP) – vem enfrentando esse desafio desde os anos de 1990, quando foram criados os primeiros grupos de discussão sobre orientação sexual adolescente, dando origem ao atual Programa de Gênero e Sexualidade.

Neste artigo, por meio da realização de entrevistas com dois professores envolvidos com o debate sobre sexualidade e gênero na escola, além da leitura de documentos como os planos escolares, dissertações, teses e artigos sobre a EAFEUSP, buscamos reconstituir o processo de consolidação de um programa como esse. A pesquisa, ainda em andamento, é parte do projeto temático “Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-...)”[3] e vem sendo realizada coletivamente, reunindo pesquisadores de instituições diversas. O projeto mais amplo tem por objetivo investigar a circulação de sujeitos, artefatos, saberes e práticas educacionais entre o Brasil e demais países do mundo, no período que se estende do princípio do século XIX aos dias atuais. Em nosso grupo[4], o foco tem sido a EAFEUSP, reunindo olhares diversos sobre memória e história da escola, incluindo o recorte aqui apresentado, sobre diversidade na escola.

Nesse sentido, vale esclarecer as orientações teórico-metodológicas que orientam o presente trabalho. Inspirada em pesquisas que conciliam histórias de vida de professores, história oral e educação (BUENO, 2002; BUENO et al., 2006), a pesquisa concilia fontes diversas visando reconstituir aspectos da cultura escolar (AZANHA, 1991; FARIA FILHO et al., 2004). Trata-se, nesse sentido, conforme aponta Ginzburg (1986), de tecer a pesquisa como uma trama que se faz a partir de fios diversos. Assim, além da narrativa biográfica de professores obtida por meio de entrevistas[5] e analisadas na perspectiva da história oral (ALBERTI, 1990)[6], utilizamos fontes como os planos escolares (de 2006 a 2020), relatos, reportagens e fotografias antigas disponibilizados pelo Centro de Memória da Educação da FEUSP e teses, dissertações e artigos escritos sobre a escola (AZANHA, 1984; 1987; 1991; FERREIRA, 2001; CARREIRO, 2006; GORDO, 2010; VIDAL et al., 2016; SILVA; GALLEGO; VICENTINI, 2017; COMISSO, 2018; MACEDO, 2021).

 

A Escola de Aplicação da FEUSP

Vale contextualizar a escola, localizada na Cidade Universitária, no bairro Butantã, na cidade de São Paulo (SP). Ligada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), em 2019 a escola possuía 715 alunos entre ensino fundamental e médio, 51 professores (sendo 12 com contratos temporários de 12 horas) e 21 funcionários (EAFEUSP, 2020). O ingresso na escola se dá anualmente por meio de sorteio realizado para 60 crianças do primeiro ano de Ensino Fundamental, sendo um terço das vagas para filhos de servidores da Faculdade de Educação, um terço para filhos de servidores de outras unidades da universidade e um terço das vagas para ampla concorrência[7], atendendo perfis sociais diversos[8]. Para os demais anos, também são sorteadas vagas remanescentes.

A história oficial Escola de Aplicação se inicia em 1959, tendo comemorado 60 anos em 2019. Sua origem é parte do contexto de formação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), criado sob a coordenação de Anísio Teixeira em 1955. Como parte desse projeto, criou-se em 1956 o Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo (CRPE-SP), tendo Fernando Azevedo como diretor geral (FERREIRA, 2001) e, em 1959 surge a primeira classe de 1° ano primário da Escola Experimental, dando origem à escola. Em 1962 seu nome é alterado para Escola de Demonstração e, em 1972, após a extinção do Centro Regional de Pesquisas, a escola vincula-se à Faculdade de Educação e passa a se chamar Escola de Aplicação (GORDO, 2010). Desde seu primeiro regimento, de 1973, a escola teve como um de seus objetivos “servir de campo de observação” a professores e estagiários da universidade (GORDO, 2010, p. 23), compromisso que se mantém até a atualidade (EAFEUSP, 2020; VICENTINI et al., 2021).  Nos anos 1980, num contexto de crise política e econômica, a própria noção de uma escola de educação básica na USP passou por intensos debates. Em 1985, após longa discussão que envolveu a comunidade escolar, ocorreu a implementação do curso de segundo grau (que corresponde ao atual Ensino Médio), em projeto desenhado por José Mário Pires Azanha, professor da Faculdade de Educação (GORDO, 2010; AZANHA, 1987; 1999).

Pedagogicamente, além do ensino regular, o ensino na escola tem sido caracterizado pela aposta conjunta em projetos, atividades extracurriculares e Estudos do Meio. Professores qualificados e dedicados exclusivamente à escola contribuíram para um ensino de qualidade, contrapondo-se ao cotidiano de escolas da rede estadual paulista, onde é comum professores se revezarem entre mais de uma escola. A presença de espaços físicos jardinados, salas de aulas amplas, além da possibilidade eventual de usufruto de espaços da Universidade de São Paulo, como o Centro de Práticas Esportivas (CEPEUSP), são alguns dos diferenciais. No entanto, desde 2015, com o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) implementado pela USP para reduzir custos com folha de pagamento, a escola vem encontrando dificuldades para manter seu projeto educativo, reduzindo o quadro de funcionários e substituindo professores efetivos por professores com contratos de apenas 12 horas (EAFEUSP, 2020). Entre outras marcas da escola, está sua gestão democrática, arquitetada de modo diferente a outras escolas públicas do estado de São Paulo (SILVA, GALLEGO; VICENTINI, 2017).

Atualmente, a EAFEUSP possui alguns projetos sobre diversidade. Conforme definido no Plano Escolar de 2020, trata-se de uma escola “comprometida com os direitos humanos, a igualdade de direitos, o reconhecimento e a valorização das diferenças e das diversidades, a democracia e a formação para a cidadania” (EAFEUSP, 2020, p. 34). Além do Programa de Gênero e Sexualidade, analisado neste texto, a escola também possui o Projeto Negritude – que visa aplicar a Lei 11.645/2008[9] de forma ampla e debater questões ligadas à diversidade étnico-racial – e um programa de educação inclusiva, especialmente atento aos estudantes com deficiências, que visa valorizar a diversidade no ambiente escolar. Conta também com o EAPREVE (Programa de Prevenção contra o uso indevido de drogas na Escola de Aplicação da FEUSP) e com Programa Integridade, que surgiu em 2017 a partir de uma discussão entre estudantes e tomou como proposta o ensino sobre como lidar com conflitos de forma ética, oferecendo cursos e eventos de caráter educativo, para professores, funcionários e estudantes da escola, com objetivo de formar mediadores de conflitos e comunicação não violenta[10].

 

Anos 1990: construindo um campo de debate

A origem do projeto de Gênero e Sexualidade da EAFEUSP está no início dos anos 1990, quando alguns professores da escola passaram a se reunir para discutir questões sobre saúde e sexualidade a partir das demandas manifestadas pelos estudantes. O professor de geografia José Carlos Carreiro esteve à frente de tais iniciativas, passando a coordenar o projeto em 1996, história que reconstitui em sua pesquisa de mestrado em educação, de 2006 (CARREIRO, 2006; COMISSO, 2018). Em entrevista concedida para a presente pesquisa em dezembro de 2020, o professor narrou as memórias sobre sua inserção profissional como docente e sua participação no início do projeto, nos anos 1990:

Prestei o concurso e passei a ser professor efetivo na gestão da Luiza Erundina (1989-1992). Fui trabalhar numa escola que havia um nível de gravidez adolescente e doenças sexualmente transmissíveis muito alto. E aí a gente levou a demanda para o NAE na prefeitura, que era quem ajudava as escolas a se organizar. Foram se criando grupos de trabalho, grupos de estudo, com psicólogos, médicos, assistentes sociais. Isso foi abrigando diferentes escolas e a coisa se estendeu e partiu-se para a formação. É nesse momento que eu começo a ter uma formação maior e adequada para realmente discutir com os alunos e trabalhar com algumas questões que ali apareciam” (Entrevista, dezembro/2020).

 

Então eu entro na escola [de Aplicação da FEUSP] em 1994, aí eu começo a fazer parte dos grupos de discussão da escola e de estudos sobre o tema. Era um grupo grande, interdisciplinar e estava saindo das mãos das ciências e da biologia. Inicialmente ficava muito nas mãos dos professores de ciências e biologia para a discussão de determinados temas. A Escola de Aplicação possibilitou nesse momento um trabalho mais interdisciplinar e eu já vinha com a minha vivência, a minha experiência, em um trabalho interdisciplinar, transversal que acontecia na prefeitura de São Paulo. (Entrevista, dezembro/2020).

 

Conforme detalha Carreiro (2006), o tema de sexualidade foi ganhando corpo em diferentes frentes institucionais ao longo dos anos 1990. Ainda assim, estava muito ligado às aulas de biologia e ciências, consideradas áreas “autorizadas” a falar sobre sexualidade na escola (tendência que ainda se observa em muitas escolas na atualidade). Na EAFEUSP, conforme narra o professor Carreiro, havia um grupo inicial motivado a trazer essa discussão para o cotidiano escolar, já que até os anos 1990 não havia nenhum projeto sistematizado sobre orientação sexual/educação na escola. De maneira indireta, contudo, a temática da sexualidade se fazia presente nos planos de ensino desde os anos 1970, especialmente nas disciplinas de Ciências, Biologia e Educação Moral e Cívica (esta ligada ao contexto da Ditadura Militar), abordado por meio de temas como “saúde e higiene” ou “a moral na família”[11].

Em 1992, surge na escola um projeto sobre “Educação Sexual”, coordenado por professores das áreas de Ciências Naturais. Nos anos seguintes, formou-se um grupo interdisciplinar composto por sete professores, entre eles José Carlos Carreiro. Nesse segundo momento, em 1996, o projeto passou a se chamar “Orientação Sexual” e tinha como objetivo “efetivar um trabalho mais sistemático ligado à orientação sexual para adolescentes” (2006, p. 44). Estava voltado para estudantes de 5° a 8° ano do então primeiro grau e todos os estudantes do segundo grau. Questões como “gravidez na adolescência”, “doenças sexualmente transmissíveis”, “funcionamento do corpo, seu desenvolvimento e sua identidade sexual”, “papéis sexuais” e a reflexão “sobre valores, preconceitos, posturas e vivências” apareciam no projeto original de 1996 (CARREIRO, 2006, p. 44). A dinâmica inicial do projeto com os alunos aparece nas memórias de Carreiro sobre aquele período, quando questionado sobre o início do projeto nos anos 1990:

Primeiro, que foi uma marca no projeto e é até hoje, é você trazer os alunos para discussão e tirar deles os temas, então isso acontecia a partir dos encontros que a gente chamava de “encontro zero”. Como muitos tinham dificuldade de falar, a gente elaborava um pequeno formulário para eles preencherem e trazerem os temas a serem discutidos. Então muito do projeto foi sendo desenhado a partir dos temas que os alunos traziam e queriam discutir e uma ou outra demanda que aparecia da rotina da sala de aula. (Entrevista, dezembro/2020).

 

A análise desse primeiro documento escrito em 1996, que sistematizava o Projeto de Orientação Sexual, permite compreender um pouco dessa dinâmica de construção coletiva das pautas a serem debatidas:

O projeto a ser desenvolvido em 96, com os alunos de 5a a 8a do 1o grau e do 2o grau da Escola de Aplicação, foi elaborado a partir da necessidade de se efetivar um trabalho mais sistemático ligado à orientação sexual para adolescentes. O interesse pelo tema é grande nessa faixa etária, pois muitos alunos estão iniciando um processo de transformações profundas em suas vidas e outros já vivenciam ativamente sua sexualidade. A questão sexual tem sido veiculada de forma intensa, nos últimos anos, pelos meios de comunicação de massa, aos quais os alunos tem acesso cotidianamente. As questões são colocadas sem a mínima preocupação educativa, sendo utilizadas apenas como um apelo consumista e muitas vezes de forma preconceituosa. (Documento - Projeto de Orientação Sexual, 1996, disponível em Carreiro, 2006, p. 44).

 

A percepção de que o tema da sexualidade vinha ganhando espaço na mídia, porém não era trabalhado de maneira adequada enquanto conteúdo educativo, estava colocada no documento. Conforme destaca Carreiro (2006, p. 45), o objetivo então era “criar um espaço de escuta para o adolescente, onde ele pudesse colocar suas ideias, questões e conversar com outros adolescentes da mesma faixa etária a respeito do tema sexualidade”.

Nesse contexto, e importante lembrar que, durante os anos 1990, o debate sobre sexualidade e educação ganhou corpo na esfera pública brasileira. É de 1994 a publicação do documento “Diretrizes para uma política educacional em sexualidade”, promovida pelo Ministério da Educação e do Desporto (BRASIL, 1994; COMISSO, 2018). Baseado na ideia de uma Educação Preventiva Integral, o documento buscava “capacitar a sociedade, particularmente o segmento infanto-juvenil” em relação a assuntos como “gravidez indesejável na adolescência, Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDs)” (BRASIL, 1994, p. 7)[12]. O documento defendia a escola como local privilegiado para tal debate:

A escola é o cenário mais apropriado para o desenvolvimento de um Programa de Educação Sexual porque, além da ação direta que exerce sobre os educandos, além da capilaridade com que atua na sociedade, indiretamente, incentiva a própria família para que venha a desempenhar o papel que, de direito e dever, lhe é destinado na educação integral do jovem. (BRASIL, 1994, p. 28).

 

Tal discussão se dava em paralelo a importantes debates internacionais sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos, como os realizados na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo em 1994 e na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim, em 1995, que estabeleceram novas bases para o debate sobre direitos sexuais e reprodutivos ao reconhecê-los como direitos humanos e na perspectiva de igualdade de gêneros (CORRÊA et al., 2006)[13].

Entre 1996 e 1998, a elaboração e publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) pelo Ministério da Educação, por meio de “temas transversais”, evidenciou pautas que estavam em discussão no período[14]. Em relação à temática de gênero e sexualidade, os PCNs incluíam um tema transversal intitulado “Orientação Sexual”, a ser trabalhado nas escolas a partir de três eixos: “corpo: matriz da sexualidade”, “Relações de gênero” e “Prevenção às doenças sexualmente transmissíveis/Aids” (BRASIL, 1998). Conforme interpretação de Altmann (2001, p. 576), os PCNs sinalizavam que cabia à escola – “e não mais apenas à família” – o debate sobre sexualidade e saúde de crianças e adolescentes[15]. Ainda assim, predominava a visão da sexualidade heterossexual, especialmente ligada à reprodução saudável (BRABO et al., 2020).

Vale lembrar que foi também no final dos anos de 1990 que surgiram publicações importantes sobre o tema, como o livro de Guacira Lopes Louro Gênero, Sexualidade e Educação, de 1997[16]. Nele, Louro reivindicava que os setores ligados à educação tivessem um olhar mais atento à temática de gênero e sexualidade na escola, demonstrando como essa instituição – mesmo quando não quer tocar nesse assunto – está permeada por questões como gravidez na adolescência, homofobia, doenças sexualmente transmissíveis, gênero dos docentes, entre outros aspectos centrais do cotidiano escolar. Para tanto, a autora já se pautava nos trabalhos de Michel Foucault, Judith Butler e os estudos queer – que começavam a ter impacto no Brasil. Nessa direção, importante ressaltar a contribuição dessas e de outras reflexões teóricas que propõem a análise dos fenômenos relativos à gênero e sexualidade enquanto dispositivos históricos, indo além de dimensões binárias e heteronormativas (FOUCAULT, 1988; BUTLER, 2017).

Na EAFEUSP, o projeto de Orientação Sexual sistematizado a partir de 1996 passou a ser planejado de duas maneiras: uma primeira realizada no período das aulas, inserido no programa das disciplinas de Ciências para o 5° Ano do Ensino Fundamental e Biologia do 2° Ano de Ensino Médio; e uma segunda experiência com encontros no contraturno, por meio de “grupos espontâneos” formados por estudantes de 7° e 8° ano do EF e do Ensino Médio e reunidos uma vez por semana com meninos e meninas (CARREIRO, 2006, p. 48). Progressivamente, devido ao interesse de outros estudantes, e diante das dificuldades de trabalho em horários extraclasse, o projeto passou a ser realizado dentro do espaço regular das aulas, incluindo outras turmas de Ensino Fundamental e Médio. Em entrevista, quando questionado sobre como era a dinâmica do projeto naquele momento, o professor destacou os temas mais abordados:

Eu acho que é interessante falar também que os temas que apareciam ali eram variados. Inicialmente você tem a questão da prevenção à gravidez não planejada, à gravidez indesejada, à questão das doenças sexualmente transmissíveis, mas à medida que o projeto vai ganhando corpo, outros temas vêm, como por exemplo a diversidade sexual, ela começa a aparecer nos temas que os alunos trazem. Aí a gente planejou para que esses diferentes temas pudessem ser contemplados, mas no primeiro momento o forte era prevenção. Até porque era um momento em que a AIDS era ainda muito presente, tanto que teve uma época que a gente acabou fazendo um projeto com um psiquiatra que era convidado, que acabou entrando junto com a gente, o nome era “AIDS não é sinônimo de morte”. Então ele acabou fazendo um trabalho muito bacana. Trouxe os alunos o ano inteiro para essa discussão. (Entrevista, dezembro/2020).

 

Conforme memória do professor, a pluralidade de temas que foram aparecendo nos debates com as e os adolescentes, progressivamente, ampliaram o escopo do projeto. Se o foco inicial era “prevenção”, aos poucos novos temas foram sendo incorporados, como diversidade sexual e de gênero. Ainda assim, o debate sobre “doenças sexualmente transmissíveis” (DST), com foco em HIV/AIDS, era uma das pautas centrais. Carreiro (2006) também relata como a recepção das e dos estudantes sobre o projeto foi bastante positiva, especialmente entre as meninas, gerando demanda para ampliação dos debates no período regular das aulas.

Em suma, apesar das controvérsias e dificuldades envolvidas, ao findar os anos 1990, o tema da sexualidade na escola estava “na ordem do dia”, transformando-se em uma “explosão discursiva”, para utilizar a imagem de Foucault (ALTMANN, 2001, p. 576; FOUCAULT, 1988).

 

Anos 2000 e 2010: entre avanços e recuos

Em relação à temática de gênero e sexualidade nas escolas, os anos 2000 também foram palco de diversas transformações, seja em relação a uma pauta progressista ligada à temática, seja no avanço dos debates conservadores que passaram a combater o que chamam de “ideologia de gênero” (MIGUEL, 2016; MISKOLCI E CAMPANA, 2017; BRANDÃO E LOPES, 2018)[17]. Assim, o início dos anos 2000 foi marcado pela criação de diversos órgãos e políticas ligadas à temática. Destacamos, em 2004, a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD)[18], conduzida pelo Ministério da Educação, que colocou a questão da diversidade no centro do debate educacional (DANILIAUSKAS, 2011; MISKOLCI E CAMPANA, 2017). Foi essa secretaria a responsável por implementar as diretrizes do programa “Brasil sem Homofobia” na educação, que geraria tantas polêmicas na década seguinte. Conforme registra Helena Altmann (2013), tal programa pode ser considerado um marco ao tematizar pela primeira vez o problema da homofobia nas escolas, questão persistente na educação brasileira que afeta a saúde e o desempenho escolar de muitas e muitos estudantes não identificados com a heteronormatividade.

Em 2011, na época do lançamento do material “Escola sem homofobia”, mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que a união homoafetiva poderia ter o mesmo status que uniões heterossexuais, o debate se tornou ainda mais polêmico. Batizado de “kit gay” por pastores evangélicos e políticos conversadores, o material que seria entregue para escolas públicas acabou vetado pela presidente Dilma Rousseff (ALTMANN, 2013; MISKOLCI; CAMPANA, 2017). Tal episódio se deu no mesmo contexto político do debate sobre o Movimento Escola Sem Partido que, criado em 2004, ganharia notoriedade no debate público dos anos 2010, quando foi abraçado por diversos grupos da direita brasileira (MIGUEL, 2016). Segundo os defensores do Escola Sem Partido, por meio do slogan “meus filhos, minhas regras”, caberia exclusivamente à família debater certos temas de âmbito moral, inquirindo o modo como as escolas e os professores vinham abordando temas ligados a gênero e sexualidade (LEITE, 2019). Relacionando muitas vezes pautas religiosas e conservadoras, esse campo tentou impor formas restritivas das definições de família e de gênero, tentando omitir do debate que “há uma profusão dos modos de ser família e uma profusão dos modos de pertencer a uma religião” (SEFFNER, 2020, p. 12).

Na EAFEUSP, no início dos anos 2000, apesar do pouco número de professores envolvidos no projeto, a temática de gênero e sexualidade passou a ser trabalhada de forma transversal no currículo. Conforme registro realizado pelo professor Carreiro (2006), novas turmas foram sendo incorporadas ao projeto, como o quarto ano do Ensino Fundamental, que desde 2002 passou a ter discussões sobre sexualidade na disciplina de Ciências, a partir de demanda dos próprios alunos e alunas, respeitando as adequações à faixa etária. Em 2004, a partir da metodologia de disponibilizar uma “caixinha” para que estudantes trouxessem dúvidas de maneira anônima, a professora registrou quais questões surgiram entre estudantes do quarto ano, com média de 10 anos de idade. Contrariando as expectativas iniciais dos docentes sobre os ainda poucos questionamentos que surgiriam nessa faixa etária, foram registradas na “caixinha” perguntas sobre temas como masturbação, gravidez, orgasmo e hormônios, trazendo discussões entre professores sobre a precocidade ou não de tais questionamentos, mas evidenciando os modos como o tema se fazia presente em diferentes faixas etárias (CARREIRO, 2006, p. 56).

Ao longo dos anos 2000, o número de professores envolvidos com o projeto foi variando. Conforme registro realizado por Carreiro (2006), em 2006 eram apenas três professores envolvidos diretamente com o projeto. Segundo informações disponíveis no site da escola, entre 2013 e 2019 houve a reconstituição do grupo, passando a ser formado por professoras, professores e estagiárias e estagiários, bolsistas ou não (EAFEUSP, 2020). Em entrevista realizada em fevereiro de 2021, a professora de teatro Adriana Silva de Oliveira – atualmente integrante do projeto de gênero e sexualidade, juntamente com outras professoras e professores da escola – relembrou como esses movimentos de diminuição ou aumento das atividades do projeto estiveram ligadas com períodos de contratações (ou não) de professores e funcionários para a escola por parte da reitoria da Universidade de São Paulo:

A partir de 2010, 2011 começam a haver concursos e aí o grupo começa a se reestruturar até 2015, quando a gente tem novamente um novo processo de saídas com o Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV). Então a gente tem nesse processo de reestruturação - que acontece mais ou menos entre 2011 e 2014 -, entra muita gente na escola, inclusive eu entrei com professora efetiva, e aí os programas começam a se reorganizar (Entrevista, fevereiro/2021).

Conforme reconstitui a pesquisadora Raphaela Comisso (2018), um caso possivelmente compreendido como assédio ocorrido entre estudantes em 2015 na escola também teria contribuído para alterar os rumos do projeto. Nesse momento, as questões de gênero e sexualidade, até então trabalhadas de maneira independente, se juntam em 2016, originando o Programa Gênero e Sexualidade. Entre as atividades que Comisso pôde acompanhar durante sua pesquisa de mestrado entre 2015 e 2016, foi registrado um esforço por parte das e dos professores de buscar os temas de interesse dos estudantes, iniciativa realizada por meio de questionários e conversas com alunos do 8° ano do EF e do 3° ano do EM, demonstrando haver continuidade nessa metodologia colaborativa adotada desde o início dos trabalhos.

Entre os participantes do projeto, conforme Comisso (2018), em 2016 eram sete docentes (cinco mulheres e dois homens), um bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), e uma profissional de enfermagem. Naquele momento, semanalmente eram realizadas reuniões para discussão sobre o andamento do projeto. Entre as pautas principais registradas, questões identitárias ganhariam corpo, deixando os temas ligados à saúde – tão centrais nos anos 1990 – algumas vezes em segundo plano. A professora Adriana também refletiu sobre tais questões em entrevista:

Essa é uma pauta que segue sendo importante: a saúde sexual, a iniciação à saúde sexual. Eu sinto que os adolescentes do Fundamental e do Médio têm muito acesso às questões das pautas identitárias, por conta das redes sociais e programas de televisão e eu acho isso sensacional, excelente e importantíssimo. Essas questões das pautas identitárias, identidade de gênero e orientação sexual, são muito importantes que sejam veiculadas de forma transparente e natural, como processo de discussão mesmo, contudo… Eu acho que a gente como Programa precisa dividir esforços, e a gente nem sempre consegue [...]. A gente tem nesse momento um aumento de casos de HIV/AIDS entre adolescentes e isso tem muito a ver com as práticas sexuais atuais, é preciso falar disso também (Entrevista, fevereiro/2021).

 

Interessante sublinhar, a partir desse relato da professora e de outros documentos analisados na pesquisa, como o debate sobre sexualidade na escola se desloca, nos anos 1990, do eixo médico/biológico da “prevenção”, para incorporar a partir dos anos 2000 um eixo mais identitário, compreendido na perspectiva da diversidade sexual e de gênero. Conforme ênfase da professora Adriana, isso não significa que a discussão sobre saúde sexual e reprodutiva tenha deixado de ser importante no cotidiano escolar, mas demostra a abertura para novas perspectivas, de modo que os próprios estudantes passam a incorporar pautas e demandas de diferentes movimentos feministas e LGBTQIA+.

Nesse contexto recente, desde 2016 foram realizadas na escola Jornadas de Gênero e Sexualidade, tornando-se um lócus importante de debate sobre educação, gênero e sexualidade não só para a escola, mas também para a Faculdade de Educação da USP, reunindo bolsistas, professores e pesquisadores de diferentes etapas de formação.

Conforme informações disponíveis no site da Escola, em 2020, eram objetivos atuais do projeto “discutir as construções e reconstruções das identidades de gênero, as desigualdades de gênero e questões relacionadas à sexualidade e à orientação sexual, auxiliando na superação de estereótipos, preconceitos e formas de discriminação, como o machismo e a LGBTfobia” (EA, 2020). O texto firmava ainda a importância de “exercer o debate crítico e fomentar o respeito às diferenças presentes em nossa sociedade” (EA, 2020).

Em anos recentes, pontualmente foram registradas algumas resistências às temáticas debatidas pelo Programa, conforme relatos dos professores nas entrevistas. Contudo, conforme destacaram professores envolvidos com o projeto, são nesses momentos que se torna importante firmar o Projeto Pedagógico da escola, comprometido com os direitos humanos e com a diversidade, conforme narrativa em entrevista:

Mais recentemente a gente enfrentou uma situação que se mostrou transfóbica. E a gente teve que debater, discutir e dizer que “não, a escola vai trabalhar com a diversidade. Se você não quer e não consegue trabalhar isso com seu filho” (...) Essa pessoa defende a ideia do “corpo certo” e a gente acaba tendo que acolher, dialogar, mas também falar que “não é porque você quer que a gente vai mudar” (Entrevista, dezembro/2020).

 

Ao longo de 2020 e, atualmente, em 2021, apesar de todas as dificuldades decorrentes da transferência do ensino presencial para o ensino remoto emergencial por conta da pandemia de COVID-19 (EA, 2020; PARREIRAS; MACEDO, 2020; MACEDO, 2021), o Programa de Gênero e Sexualidade seguiu atuando por meio de oficinas online, em diferentes formatos, com importante auxílio dos bolsistas que participam das atividades da escola. Em 2021 também passaram a ser realizados encontros online intitulados “Encontro LGBTQIA+”, descrito pelos próprios estudantes como “um espaço de escuta e acolhimento para es alunes”, já indicando a incorporação da linguagem neutra de gênero, tão relevante nos debates contemporâneos em distintos movimentos sociais.

 

Considerações finais

Entre avanços e recuos, a EAFEUSP tem conseguido manter, desde os anos de 1990, o debate sobre sexualidade e gênero na escola, por meio do trabalho de diferentes professores, funcionários, estagiários e bolsistas. Neste artigo, por meio de pesquisa ainda em andamento, apresentamos uma breve trajetória da temática na escola por meio da entrevista com dois professores atuantes no projeto, bem como a leitura de documentos escolares, dissertações, teses e artigos escritos sobre a escola.

No período analisado, em paralelo ao projeto desenvolvido na escola, nota-se como a reflexão sobre gênero e sexualidade ganhou corpo também na esfera pública brasileira, incluindo políticas educacionais. Se, no início dos anos 1990, o debate centrava-se na saúde sexual e reprodutiva, com grande foco para DSTs/AIDS e gravidez na adolescência, progressivamente o tema da diversidade sexual e de gênero também ganha espaço, em diálogo com os movimentos LGBTQIA+ e feministas. Neste texto, seguindo as ideias de Foucault (1988), para além da oposição simplista entre repressão e liberação, tratou-se de compreender como diferentes ideias sobre gênero e sexualidade vem sendo progressivamente colocadas em discurso na escola, produzindo a história contemporânea.

Sabemos que, em todo o período analisado, os desafios políticos e morais de tais debates são muitos, posicionando diferentes atores sociais em seguidas controvérsias públicas sobre educação, gênero e sexualidade (MIGUEL, 2016; MISKOLCI; CAMPANA, 2017; BRANDÃO; LOPES, 2018). No entanto, se “acreditamos ser possível construir uma escola em que gênero não seja restritivo e excludente, mas plural” (ESCOURA; FONSECA; LINS, 2016, p. 10), as experiências do trabalho realizado pelos professores e pela equipe escolar na EAFEUSP podem nos ajudar a pensar em caminhos possíveis.

 

 

 

Referências bibliográficas

 

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Agradecimento

Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento da presente pesquisa.

 

Recebido em 05/09/2021.

Aceito em 08/11/2021.



[1] Doutora em Ciências Sociais. Realiza pós-doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Brasil. E-mail: renatagmourao@gmail.com | http://orcid.org/0000-0002-2807-4605

[2] Graduando em História. Realiza iniciação científica na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Brasil. E-mail: gabrieldt@usp.br | https://orcid.org/0000-0001-9142-3524

[3] Doutora em Educação. Professora Associada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Brasil. E-mail: vivianbs@yahoo.com | https://orcid.org/0000-0002-5509-2008



[1] O presente trabalho foi produzido junto ao Projeto Temático “Saberes e práticas em fronteiras: por uma história transnacional da educação (1810-...)” com o apoio e financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (processo nº 2018/26699-4, que acolhe os projetos individuais N°19/25903-0 e N°20/06603-2).

[2] Importante, nesse sentido, esclarecer a perspectiva de gênero aqui mobilizada. Conforme amplo debate trazido nos anos 1990 por Joan Scott (1995), trata-se da compreensão de gênero como uma categoria social, histórica e imbricada em relações de poder. Implica, ainda, pensar gênero e sexualidade como dispositivos históricos (FOUCAULT, 1988; BUTLER, 2017).

[3] Para acompanhar as pesquisas e ações do projeto temático (Processo Fapesp n°2018/26699-4), conferir o site: https://sites.usp.br/educacaoemfronteiras/

[4] O grupo reúne as pesquisadoras Rita de Cassia Gallego (FEUSP), Paula Perin Vicentini (FEUSP), Vivian Batista da Silva (FEUSP) Lindiane Moretti (Professora da EAFEUSP), Brenda Paes Moreira Gonçalves (Professora da EAFEUSP), Gabriel Delatin de Toledo (pesquisador de Iniciação Científica) e Renata Mourão Macedo (pesquisadora de pós-doutorado).

[5] Para a realização das entrevistas com professores, foi elaborado um roteiro semiestruturado, com foco na formação docente, experiências profissionais prévias ao ingresso na escola, experiências profissionais na EAFEUSP e experiências no debate sobre Gênero e Sexualidade, desde o ingresso no projeto até o momento da entrevista.

[6] Conforme defende Alberti (1990, p. 5), a principal contribuição da história oral “decorre de toda uma postura com relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu.”

[7] Sorteios esses que são bastante concorridos, reunindo anualmente cerca de 1000 famílias inscritas (EA, 2020a).

[8] Segundo o Plano Escola de 2020, o perfil socioeconômico das famílias atendidas pela escola é bem heterogêneo. Como a escola não possui merenda, entre outros apoios, os estudantes de baixa renda recebem auxílio financeiro da Superintendência de Assistência Social da Universidade (SAS) para compra de merenda e de material escolar (EA, 2020). Em 2017, 91 estudantes receberam o auxílio. 

[9] A Lei 11.645/2008, em complemento à Lei n.10.639/2003, implementa a obrigatoriedade do ensino de história da África e de cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar brasileiro. Para saber mais, conferir Munanga (2015).

[10] Sobre os projetos da Escola de Aplicação, conferir o site: http://www3.ea.fe.usp.br/projetos/, acesso em 15/10/2021.

[11] Conforme detalhamento trazido por Carreiro, a discussão sobre sexualidade foi discutida na escola desde os anos 1970 em tópicos como: “Nos anos de 1970 no 4o e no 8o ano do Ensino Fundamental, na disciplina de Ciências, aparece no tópico denominado “Saúde e higiene”, o item: “o desenvolvimento do organismo na adolescência”; em 1986 e 1987, na 2a Série do 2o Grau, na disciplina de OSPB nos itens: “A moral na família: na relação homem-mulher”, “Conceito de Moral: a relação homem-mulher; contradições”; 1987 e 1989 na 8a Série do 1º Grau e na 3o Série do 2º Grau: “Genética e aparelho reprodutor”; na 4a Série do 1o Grau, em 1989: “Aparelho reprodutor – como e porque acontece”; em 1990 na 2a Série do 2º Grau no Programa de Educação Moral e Cívica, no tópico “Preconceitos Sociais” o item: “discriminação sexual” (CARREIRO, 2006, p. 43).

[12] Segundo o documento, a promoção da Educação Sexual deveria abordar “a sexualidade, seja na dimensão biológica (saúde sexual e reprodutiva), seja na dimensão sócio-cultural (sexualidade como expressão humana de um bem coletivo, regida pelos valores, normas c crenças de um povo), seja, finalmente, na dimensão psicológica (sexualidade como um bem individual a serviço do enriquecimento e crescimento harmonioso da pessoa humana)” (BRASIL, 1994, p.18).

[13] Conforme esclarecem Sonia Corrêa et al. (2006), um passo importante desses documentos foi ampliar o debate sobre saúde sexual, incluindo “a melhoria da qualidade de vida e das relações pessoais e não o mero aconselhamento e assistência relativos à reprodução e às doenças sexualmente transmissíveis”, conforme documento de Cairo de 1994 (par. 7.3).

[14] Conforme esclarece Helena Altmann (2013, p.74): “Os temas transversais deveriam ser trabalhados ao longo de todos os ciclos de escolarização, os trabalhos ocorrendo de duas formas: dentro da programação, por meio de conteúdos transversalizados nas diferentes áreas do currículo, e como extraprogramação, sempre que surgissem questões relacionadas ao tema”.

[15] No entanto, conforme análise de Altmann (2013), apesar dos avanços, os PCNs se apresentaram como uma proposta curricular sem atenção e investimento na formação profissional, motivo pelo qual foram criticados por instâncias acadêmicas e de militância social.

[16] Entre diversas publicações importantes sobre gênero no período, vale também destacar a tradução brasileira do artigo de Joan Scott “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”, publicada na Revista Educação & Realidade, da UFGRS, em 1995 (SCOTT, 1995), com grande repercussão em pesquisas sobre gênero em diversos campos disciplinares do país. 

[17] Conforme reconstituem Miskolci e Campana (2017), as origens do combate à chamada “ideologia de gênero” remontam ao interior da Igreja Católica, no Vaticano, no final dos anos 1990. Ao longo dos anos 2000, organizações evangélicas e partidos conservadores se unem a causa. No Brasil, a criação em 2004 do projeto Escola sem Partido é parte dessa tendência mais ampla, que ganhará notoriedade nos anos 2010.

[18] O órgão, que passara a se chamar SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), foi extinto em janeiro 2019 pelo governo Bolsonaro.

 

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