Violações de direitos humanos em uma instituição para adolescentes em conflito lei (Santa Catarina/Brasil, 1984 - 2010)

 

Human rights violations in an institution for adolescents in conflict law (Santa Catarina/Brazil, 1984 - 2010)

 

 

Silvia Maria Fávero Arend[1]

Otoniel Rodrigues Silva[2]

 


Resumo

Este artigo focaliza alguns indícios de violações de direitos humanos que ocorreram no interior do Centro Educacional São Lucas entre 1984 e 2010, procurando compreender as relações entre as normas jurídicas e os discursos que circulavam entre os agentes responsáveis pela gestão dos adolescentes em conflito com a lei no Estado de Santa Catarina/Brasil no período. A partir de fontes produzidas pelo Ministério Público de Santa Catarina e pelo Poder Judiciário estadual, analisadas sob a ótica da História da Infância e Juventude, procurou-se identificar a trajetória histórica de discursos autoritários que continuaram em voga mesmo depois da redemocratização do Brasil.

Palavras-chaves:  Adolescentes em conflito com a lei; Estatuto da Criança e do Adolescente; Santa Catarina. 

 

Abstract

This article focuses on some evidence of human rights violations that occurred within the São Lucas Educational Center between 1984 and 2010, seeking to understand the relationship between legal norms and the discourses that circulated among the agents responsible for managing adolescents in conflict with the law in the State of Santa Catarina/Brazil in the period. Based on sources produced by the Public Ministry of Santa Catarina and the State Judiciary, analyzed from the perspective of the History of Childhood and Youth, an attempt was made to identify the historical trajectory of authoritarian discourses that continued to be in vogue even after the redemocratization of Brazil.

Keywords: Adolescents in conflict with the law; Child and Adolescent Statute; Santa Catarina.


 

Introdução[1]

“Os menores infratores notoriamente perigosos, na faixa etária de 14 a 18 anos, poderão ser internados no Centro Educacional São Lucas, localizado na Comarca de São José” (SANTA CATARINA, 1984). Este é um trecho extraído de uma normativa jurídica intitulada Provimento 20, datada de 14 de setembro de 1984, editada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC). Foi instituída antes da vigência da Constituição Federal de 1988,[2] da Convenção sobre os Direitos da Criança promulgada em 1989[3] e do Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990,[4] legislações construídas a partir da ótica dos Direitos Humanos.

Expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, o Provimento 20/84 regulamentava a internação de menores,[5] prática social e institucional que atingia, naquele momento, em razão do Código de Menores de 1979,[6] um considerável segmento da população brasileira que se encontrava em situação considerada irregular. Por meio do citado documento, a autoridade judicial catarinense, baseando-se nas prescrições do Código de Menores de 1979, classificava as instituições destinadas à internação de crianças e adolescentes. A partir das prescrições referido Provimento, conforme o “grau de periculosidade” atribuído às crianças e aos adolescentes a serem institucionalizadas, foram estabelecidas três categorias de unidades de internação. No primeiro grupo, estavam aquelas destinadas à internação de crianças e adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária de 7 a 14 anos, cuja internação decorresse da necessidade de proteção material e/ou moral, não propiciada pelos pais ou responsáveis. Um segundo grupo receberia crianças e adolescentes de ambos os sexos considerados/as em desvio de conduta ou infratores/as,[7] com idade superior a 10 anos, desde que não fossem considerados/as notoriamente perigosos/as (SANTA CATARINA, 1984). Essas duas primeiras categorias de instituições possibilitavam legalmente tanto a internação de crianças e adolescentes para fins de assistência e proteção – aos considerados em perigo moral ou material – quanto a internação com fins sancionatórios aos considerados em desvio de conduta ou autor de infração penal. Eram possibilidades expressas no Código de Menores de 1979, o qual dava respaldo às iniciativas do Estado.

Contudo, os representantes do Poder Judiciário de Santa Catarina consideraram tal cenário insuficiente e instituíram uma terceira categoria de unidades de internação. A unidade que recebeu o nome de Centro Educacional São Lucas, de forma singular, inaugurou a categoria das instituições destinadas exclusivamente aos adolescentes entre 14 e 18 anos, considerados notoriamente perigosos. Mesmo não estando presente na legislação brasileira da época, o termo menor notoriamente perigoso foi admitido no discurso jurídico utilizado no Estado de Santa Catarina, introduzido no senso comum e, nas décadas seguintes, estigmatizou tanto os/as adolescentes quanto a referida instituição (ROSA, 2008).

Passados 26 anos desde a expedição do Provimento 20/84, em maio de 2010, o Juízo da Infância e Juventude da Comarca do município de São José (situado na região da Grande Florianópolis), onde se localizava o Centro Educacional São Lucas, instaurou um procedimento administrativo[8] com vistas a apurar possíveis irregularidades ocorridas no local. Instado a se manifestar nos autos desse processo, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC) peticionou pela interdição total do estabelecimento. Para sustentar tal solicitação, entre outros pontos, os representantes do MPSC argumentaram que, na inspeção realizada na instituição, em 22 de abril daquele ano, se depararam com o seguinte cenário:

O gerente não estava presente; os adolescentes estavam trancafiados nos cubículos e alguns dos internos apresentavam lesões corporais visíveis a olho nu. Em suma, a violação reiterada dos direitos humanos, que ainda não havia sido de todo afastada do CER São Lucas, recrudesceu (MPSC, 2010, p. 283, grifos nossos).

Este artigo focaliza alguns indícios de violações de direitos humanos que ocorriam no interior do Centro Educacional São Lucas entre 1984 e 2010, procurando compreender as relações entre as normas jurídicas e os discursos que circulavam entre os agentes responsáveis pela gestão dos adolescentes em conflito com a lei em Santa Catarina no período. É importante observar que o Centro foi tema de estudos acadêmicos em distintos campos de saberes, como, por exemplo, o Serviço Social (CARDOSO, 2003), a Psicologia (VETTORAZZI, 2006) e as Ciências Sociais (ROSA, 2008). Nenhum destes trabalhos, contudo, buscou analisar as violações de direitos humanos ocorridas no interior dos “muros” da entidade oficial.

A manifestação do MPSC, peticionando pela interdição do Centro Educacional, foi a peça processual originária de uma intensa disputa jurídica. Estavam em flancos opostos o Poder Executivo estadual — na condição legal de mantenedor da instituição — e os órgãos responsáveis pela fiscalização correcional, o MPSC e o Poder Judiciário estadual. Posta a disputa judicial, no desenrolar da lide, para firmar e defender posições à medida que se desconstruíam argumentações contrárias, as partes produziram uma significativa quantidade de documentos. Nas petições, relatórios sociais, respostas recursais e outros documentos que compõem o processo, os litigantes emitiram de maneira expressa, ou nas entrelinhas, posicionamentos que, transcendendo as questões técnico-jurídicas, expunham concepções a respeito das infâncias, dos direitos humanos e da educação no contexto em que se situavam os adolescentes em conflito com a lei.

Devido à amplitude das peças que compõem o processo, acumuladas no decorrer do ‘imbróglio judicial’, foi necessário selecionar determinados documentos em detrimento de outros. Estas foram as razões que levaram a optarmos, prioritariamente, pelas peças “dorsais” do processo: a Manifestação do MPSC nos autos e a Liminar de Interdição Total do Centro Educacional São Lucas, exarada, no mesmo processo, pela Vara da Infância e da Juventude da Comarca de São José. Em menor grau, o Provimento 20/84 e os relatórios de inspeções realizadas no Centro Educacional São Lucas também serão utilizados na análise.

A Manifestação do MPSC nos autos do processo foi realizada por meio de uma peça processual de 32 laudas. No decorrer destas páginas, a representante do MPSC elaborou um contundente arrazoado forense, por meio do qual contextualizou os fatos que, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, embasavam os pedidos pela interdição da instituição. Ressalte‑se que, além de produzir consequências nos autos do processo, a referida peça processual foi premiada pela Associação Catarinense do Ministério Público, como 3ª melhor peça processual do ano de 2010.[9]

A mesma importância conferida à peça processual apresentada pelo MPSC pode ser atribuída à liminar de interdição do Centro Educacional São Lucas exarada pela Vara da Infância e da Juventude de São José. Em um arrazoado mais extenso, composto por 76 laudas, além de considerar o posicionamento do MPSC, a magistrada fundamentou sua decisão em relatórios elaborados por representantes do Departamento de Justiça e Cidadania, da Corregedoria Geral de Justiça e da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Santa Catarina.

Tal documentação evidencia as tramas de um bem estruturado conjunto de enunciados discursivos que circula no interior do campo jurídico. A análise destes enunciados, seja em suas convergências ou dissonâncias no âmbito deste campo de saber-poder, possibilita à historiografia dedicada ao tema das infâncias e das adolescências a construção de interpretações sobre as tensões e disputas presentes nas sociedades em diferentes temporalidades que afetam as vidas de um grande número de pessoas. O trabalho historiográfico exercido com tal finalidade e com base em fontes jurídicas, depara-se com desafios significativos, conforme Ironita Policarpo Machado:

 

Com relação às fontes do Poder Judiciário, essas suscitam múltiplas possibilidades interpretativas de uma dada realidade social. O direito é um fenômeno sociocultural inserido num contexto fático e a pretensa imparcialidade e objetividade de suas ações nunca passou “de uma utopia, originária da ilusão de autonomia deste poder em relação às pressões externas”. Por esse motivo, as fontes judiciais produzidas se constituem em importante documentação para se compreender as articulações entre os poderes locais, o sistema de poder entre os representantes do Poder Judiciário e os demais poderes do Estado (MACHADO, 2011, p. 86).

 

Os marcos temporais que balizam as reflexões propostas neste artigo são os seguintes: o ano de 1984, em que foi editado o Provimento 20 e, o ano de 2010, quando foi decretada a interdição total do Centro Educacional São Lucas. As mencionadas fontes documentais foram analisadas à luz da metodologia proposta por Michel Foucault sobre o discurso (FOUCAULT, 1996).

 

Centro Educacional São Lucas: de centro de internação a unidade socioeducativa

Apesar de “batizada” com nome de santo e de o prenome indicar tratar-se de uma instituição educacional, o Centro Educacional São Lucas, desde a sua criação, não foi socialmente benquisto pela comunidade da área em que foi instalado. Por se tratar de uma unidade de internação de adolescentes em conflito com a lei, o Centro Educacional São Lucas, juntamente com as prisões e os manicômios, figurava no rol das entidades que foram tomadas ao longo do tempo como necessárias, porém abjetas, destinadas a isolar do convívio social os que de alguma forma eram (ou ainda são) considerados ameaças ao bem-estar comunitário (GOFFMAN, 1974). A instituição localizada no município de São José, região metropolitana da capital, Florianópolis, foi inaugurada oficialmente em 13 novembro de 1982, herdando a estrutura física e o quadro de pessoal do Centro Educacional para Menores (CEM) e do Centro de Recepção e Triagem de Menores (CRTM). Estas duas instituições haviam sido criadas em 1973, durante o mandato do governador nomeado pela Ditadura Militar (1964-1985), Colombo Machado Salles. O Centro Educacional São Lucas custodiou durante a sua existência majoritariamente adolescentes em conflito com a lei do sexo masculino. Todavia em diferentes momentos de sua história a instituição teve uma ala em que meninas e moças foram custodiadas.

É importante observar que os gestores do Estado de Santa Catarina oficializaram o seu alinhamento ao prescrito na Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), criada em 1964 e difundida pela Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), somente em 1975, com a criação da Fundação Catarinense do Bem-Estar do Menor (Fucabem). Em âmbito nacional, a Funabem tinha por objetivo “formular e implantar a política nacional do bem-estar do menor, mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação, coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política”. A instituição federal foi criada pelos governantes militares com o intuito de buscar uma “solução” para o denominado “problema do menor”, que desde o advento da república no final do século XIX, esteve na pauta das discussões nacionais. Era um mecanismo de gestão envolvia agentes públicos federais e locais, conforme Camila Serafim Daminelli:

 

No estado de Santa Catarina, a FUCABEM – Fundação Catarinense do Bem-Estar do Menor tornou-se uma realidade, em 1975, pelas mãos do governador biônico do estado, Antônio Carlos Konder Reis. As instituições públicas voltadas aos infantojuvenis no estado só organizaram-se em torno da Política Nacional do Bem-Estar do Menor deste momento em diante. Nas reportagens coletadas no jornal O Estado, entre os anos de 1979 e 1990, percebemos que o termo FUCABEM, para aqueles que estavam incumbidos da redação das matérias, não era entendido como sigla de uma fundação que seguia uma política nacional, mas sim como a instituição que abrigava os “menores em situação irregular”, sediada até os primeiros anos da década de 1980 onde atualmente se encontra, na cidade de Florianópolis, a Cidade da Criança, no bairro Agronômica. Depois, por FUCABEM buscava-se referir aos Centros Educacionais situados nas cidades de Palhoça e de São José (DAMINELLI, 2013, p. 101-102).

 

Mesmo sem nunca ter sido subordinado à Secretaria de Estado de Educação,[10] a denominação de Centro Educacional atendia ao previsto no Art.14, inciso VI, do Código de Menores de 1979, o qual denominava dessa forma tais instituições. Até então, conforme prescrevia o Código de Menores de 1927,[11] tais unidades eram denominadas de escolas de reforma. No Centro Educacional São Lucas, em detrimento de qualquer caráter educacional, prevaleceram outros sentidos, especialmente no senso comum. Os representantes do MPSC levaram ao processo judicial as percepções comuns à época acerca da entidade:

Conhecido no Estado inteiro como o "cadeião" dos "menores delinquentes de mais alta periculosidade" de Santa Catarina, o CER São Lucas foi uma das muitas unidades de contenção brasileiras que permaneceu quase duas décadas excluída da regência estatutária pautada na doutrina da proteção integral, e atrelada à extinta doutrina da situação irregular (MPSC, 2010, p. 264, grifos nossos).

A partir das considerações de Goffman (1974) e Foucault (2011) sobre a existência de longa data de instituições dessa natureza, depreende-se que, ao agregar o predicado de notoriamente perigosos aos adolescentes que cumpriam medida de internação no Centro Educacional São Lucas, o Provimento 20/84 não inaugurou uma categoria de instituição. Considera-se, todavia, que a medida estatal “potencializou” a desqualificação social em relação aos adolescentes e à instituição. O discurso da periculosidade, possivelmente, afetou as equipes profissionais multidisciplinares que atuavam na instituição, o corpo policial, os membros dos juizados de menores e, posteriormente, as varas das infâncias e juventudes, entre outras instâncias de poder. Possivelmente, os “ecos” desse discurso sociojurídico também incidiram na produção de subjetividades dos adolescentes, pessoas em idade da vida de desenvolvimento biopsicossocial e constituição de identificações.

Conforme assinalado anteriormente, o Provimento 20/84 e os efeitos diretos de suas prescrições datam de período anterior ao da vigência da Constituição Federal de 1988. O Artigo 227 da carta magna introduziu no ordenamento jurídico nacional a Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, o que se desdobrou no Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante disso, o referido Provimento e outras disposições que contrariavam a nova legislação brasileira deveriam ter sido automaticamente revogados. Sabe-se que a legislação brasileira sobre o assunto é regida pelo ordenamento constitucional:

 

Art. 277. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, grifos nossos).

Ao se propor livrar a população com menos de 18 anos de toda forma de negligência, discriminação, exploração e violências, os constituintes acenaram também às crianças e adolescentes que se encontravam em privação de liberdade com a possibilidade de atendimento humanitário. É importante salientar que a Doutrina da Proteção Integral não se limitava a positivar direitos. Alinhando-se aos avanços no direito internacional voltado à população infantojuvenil, pretendia alçar crianças e adolescentes à condição de sujeitos detentores de absoluta prioridade no atendimento de suas demandas:

O Estatuto reafirma os direitos individuais e coletivos assegurados na Constituição Federal e acrescenta disposições específicas que sustentam os privilégios de toda a população infanto-juvenil, abandonando a antiga dicotomia entre menor e criança (GONÇALVES, 2005, p. 37).

É consenso no campo da História da Infância e Juventude ser a Constituição Federal de 1988 um divisor de águas em relação à garantia de direitos da população infantojuvenil brasileira, estabelecendo uma ruptura com a tradição menorista e a da situação irregular, previstas nos Códigos de Menores de 1927 e 1979 (RIZZINI; RIZZINI, 2004). No mesmo sentido de garantir direitos à infância, em 1989, no plano internacional, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança, normativa que vinha sendo gestada desde 1978. Essa normativa internacional resultou de um amplo debate, por meio do qual a comunidade internacional expressava os preceitos dos direitos humanos aplicados ao universo infantojuvenil (AREND, 2020).

Dentre as proposições da Convenção sobre os Direitos da Criança estava a da manutenção do reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito. Assim, estavam abarcados por todos os direitos inerentes à pessoa humana previstos na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1948), bem como detentores de assistência e cuidados especiais em decorrência de sua condição peculiar. Ao abordar os direitos das pessoas menores de 18 anos acusadas de praticar delitos, e, portanto, processadas judicialmente, o Artigo 37 da referida normativa internacional demanda que “[...] nenhuma criança seja submetida à tortura ou a outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”.[12] Antevendo as possíveis dificuldades de defesa dos adolescentes em conflito com a lei nos tribunais nacionais e/ou no decorrer da execução das sanções de diferentes naturezas, a comunidade jurídica internacional buscou garantir a proteção aos direitos humanos desta população infantojuvenil. No caso brasileiro, a partir de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente alçou, ao menos no plano legal, as crianças e adolescentes à condição de sujeitos de direito. Para Antônio Carlos Gomes da Costa (2006), pedagogo brasileiro que participou do grupo de redação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a partir deste conjunto de legislações internacionais e nacionais, editadas nas décadas finais do século XX, o poder discricionário dos adultos sobre crianças e adolescentes, frequentemente arbitrário, perdeu margem de atuação. Neste outro cenário sociojurídico, a retórica da incapacidade dos considerados crianças e adolescentes, base da conduta tutelar e eixo central da Doutrina da Situação Irregular, perdera sua sustentação (COSTA, 2006).

Na esteira desta virada doutrinária em relação aos direitos da população infantojuvenil brasileira, com vistas a assegurar a efetivação das conquistas legais ora positivadas, um conjunto de novas instituições e políticas sociais emergiu no período. Dentre estas instituições e ações destacamos os conselhos estaduais e municipais dos direitos da criança e do adolescente, os conselhos tutelares implementados em âmbito municipal, além dos programas sociais voltados ao combate ao trabalho infantil e à exploração sexual de crianças e adolescente. Visando estender as garantias de direitos também aos adolescentes em conflito com a lei, no ano de 2006 foi instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). A partir de tal sistema, foram estabelecidas, em âmbito nacional, as primeiras diretrizes e parâmetros para a execução das medidas socioeducativas.[13] Consideramos, assim, que ao se propor a garantir os direitos de todas as crianças e adolescentes, os gestores do Estado brasileiro, através da implementação do disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente, buscavam superar a dicotomia que, por meio de práticas e representação sociais, historicamente distinguia crianças/adolescentes e menores.

Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente ter mantido a possibilidade de privação de liberdade como medida sancionatória pela prática de ato infracional,[14] a própria lei delimitou que tal medida deveria ser aplicada apenas em último caso, situação em que seria executada em caráter eminentemente pedagógico. Dessa forma, a partir de 1990, em um novo contexto jurídico e sob o entendimento de que crianças de até 12 anos incompletos não estavam sujeitas à internação com fins sancionatórios, caberia ao Centro Educacional São Lucas e às instituições da mesma natureza executar medidas socioeducativas de internação apenas nas seguintes situações: em “ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa”; quando na “reiteração no cometimento de outras infrações graves; pelo “descumprimento reiterado e injustificável” de medidas socioeducativas impostas anteriormente (BRASIL, 1990). É importante observar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceu, em seu Artigo 124, mais um rol de direitos específicos aos adolescentes em conflito com a lei. Da observação do prescrito na referida legislação verificamos que os legisladores buscavam garantir que as ações de diferentes naturezas levadas a cabo nas instituições de privação de liberdade estivessem submetidas aos princípios da Doutrina da Proteção Integral.

Buscando distanciar a “imagem” do adolescente em conflito com a lei da figura do menor notoriamente perigoso, de longa data cristalizada no senso comum da população brasileira, e com isso potencializar as chances de uma plena reintegração social, os legisladores reformularam terminologias jurídicas. Assim, termos como menor, menor em desvio de conduta ou infração penal, presentes no Código de Menores de 1979, foram suprimidos do texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, dando espaço a outros conceitos. Ressaltamos não se tratar de simples ajuste de terminologia, mas, sobretudo, de questão doutrinária quanto à distinção entre a medida socioeducativa e a punição penal.

Legalmente, as medidas socioeducativas levadas a cabo pelo Estado brasileiro consistem na responsabilização de adolescentes acusados de cometerem atos infracionais. Devido ao cunho estritamente pedagógico das medidas socioeducativas, os adolescentes em conflito com a lei sancionados pelo sistema de justiça, quando privados de liberdade, deveriam ser submetidos a um processo educacional. Este não deveria restringir-se aos mesmos objetivos e práticas pedagógicas da educação/escolarização formal. Frente à demanda por uma proposta educacional específica para os adolescentes em conflito com lei privados de liberdade, idealizou-se a socioeducação.

O pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, com base em sua experiência como diretor de uma unidade de internação de adolescentes localizada na cidade de Ouro Preto (Minas Gerais), percebeu a necessidade de referenciar teórica e metodologicamente as práticas educativas da unidade de internação em que atuava. Visava ampliar o alcance das intervenções pedagógicas, com o objetivo de educar para a não reincidência de práticas consideradas delituosas. A partir de então, Gomes da Costa, fundamentando-se em conceitos e métodos que atendessem às especificidades daquele “fazer educativo”, passou a sistematizar as práticas pedagógicas executadas na unidade de internação da qual era diretor (RANIERE, 2014).

Desta “inquietação” pedagógica, e inspirado no “Poema Pedagógico”[15] do educador ucraniano Anton Makarenko, Gomes da Costa desenvolveu uma experiência bem-sucedida em sua unidade de trabalho, ganhando notoriedade nacional, o que o credenciou a trabalhar na relatoria do Estatuto da Criança e do Adolescente. Nesta oportunidade, Gomes da Costa expôs o conceito de ‘socioeducação’, apresentando-a como alternativa metodológica para o trabalho pedagógico a ser desenvolvido durante o período de internação dos adolescentes em conflito com a lei. De suas proposições advém o caráter eminentemente pedagógico das medidas socioeducativas (RANIERE, 2014).

Alguns eixos dessa modalidade educacional firmaram-se de forma consensual neste campo de estudos ao longo das décadas seguintes. A socioeducação foi tomada como vertente da educação social, com foco prioritário nos contextos de exclusão social, além de consubstanciada nos direitos humanos. Segundo Oliveira:

A socioeducação, portanto, situa-se nesse vasto campo da educação social, apoiando-se na concepção de uma educação fortemente social, pautada na afirmação e efetivação dos direitos humanos, com compromisso com a emancipação e a autonomia de cada sujeito em sua relação com a sociedade. A socioeducação se orienta por valores de justiça, igualdade, fraternidade, entre outros, tendo como objetivo principal o desenvolvimento de variadas competências que possibilitem que as pessoas rompam e superem as condições de violência, de pobreza e de marginalidade que caracterizam sua exclusão social (OLIVEIRA et al., 2015, p. 581-582, grifos nossos).

É necessário, contudo, evitar o recorrente reducionismo de compreender a educação social meramente nos limites da educação informal, direcionada aos considerados socialmente excluídos, tais como, os moradores de rua ou os assentados. As ações levadas a cabo através da socioeducação não se limitam à inclusão dos considerados marginalizados. Seus fundamentos teóricos, métodos e conteúdos estão ancorados na construção de processos educativos que buscam a superação da condição social de exclusão advinda sobretudo da pobreza (ZANELLA, 2011).

O Centro Educacional São Lucas tornou-se, então, legalmente, uma instituição de implementação da medida socioeducativa da privação de liberdade,[16] tendo em vista a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, os objetivos das medidas socioeducativas e os princípios da socioeducação. Mesmo privados de liberdade e sendo responsabilizados pelos atos dos quais eram acusados, os adolescentes em conflito com a lei deveriam ter assegurada a proteção física e psicológica no interior da instituição. O período de internação, por sua vez, deveria propiciar aos adolescentes em conflito com a lei as condições à plena reintegração social e à autonomia.

 

Violações de direitos humanos em uma unidade socioeducativa do Estado de Santa Catarina

 

Em relação aos adolescentes em conflito com a lei, a garantia de proteção se tornou temática de destaque político e institucional em âmbito federal, especialmente a partir da criação da Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SNDH), em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Posteriormente, em 2006, as normativas do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)[17] foram aprovadas pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, delimitando de forma mais precisa as condições para a execução das medidas socioeducativas em conformidade com a perspectiva dos direitos humanos. Portanto, em que pese as reminiscências da Doutrina da Situação Irregular, no ano de 2010 estavam há muito estabelecidas as condições inarredáveis para que as autoridades do Poder Judiciário e do MPSC decretassem a interdição do Centro Educacional São Lucas.         

Ao elaborar a peça processual, por meio da qual solicitou a interdição do Centro Educacional São Lucas, o MPSC estruturou o documento de modo a evidenciar que as violações dos direitos humanos dos adolescentes em conflito com a lei não eram casos esporádicos ou fortuitos, mas constituíam práticas disciplinares-pedagógicas contínuas, sistematizadas e institucionalizadas. Tal situação foi descrita em um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ):

Nenhuma unidade apresentou registro de seu projeto pedagógico junto ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou mesmo no Conselho Municipal. Sem a aprovação do Conselho Estadual, ou pelo menos do Municipal, estão as unidades em situação irregular, pois o registro é requisito exigido por lei (BRASIL, 2010, p. 10).

O fragmento de texto acima é um trecho de um relatório expedido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por meio deste documento, os técnicos do CNJ apresentaram os resultados de uma inspeção realizada nas unidades do sistema socioeducativo do estado de Santa Catarina em junho de 2010. Ao longo do documento, dentre outras constatações sobre a precariedade do sistema, os técnicos do CNJ apontam que o Centro Educacional São Lucas e demais unidades socioeducativas do estado não dispunham de um projeto político pedagógico (PPP).

Diante da inexistência de um PPP, a instituição funcionava então sem objetivos educacionais definidos e, assim, sem definição expressa de métodos de ensino, métodos avaliativos e de um perfil de formação do egresso. A ausência de uma proposta pedagógica orientando as etapas do processo socioeducativo a partir de uma concepção de educação que reconhecesse os adolescentes em conflito com a lei como sujeitos de direitos, colocava em cena a existência de uma grande lacuna em relação aos direcionamentos da unidade socioeducativa. Ao discutirem o problema da ausência de planejamento educacional, Gemerasca e Gandin (2004, p. 10) apontam que a “situação se agrava ainda mais quando os educadores e a instituição em si não têm definidos claramente o seu ideal, a sua identidade, o que pretendem em termos de educação”. No caso do Centro Educacional São Lucas, tendo em vista a natureza da instituição, a lacuna existente devido à ausência de uma normatização do funcionamento pedagógico criava um campo fértil para a adoção e/ou a manutenção de práticas pedagógicas de cunho meramente punitivista.

No sentido de explicitar como ocorriam as violações de direitos, os representantes do MPSC apresentaram, inicialmente, um histórico da instituição, rememorando que o Centro Educacional São Lucas havia sido constituído como herança do período da Ditadura Militar e sob a égide da Doutrina da Situação Irregular. Pontuaram ainda a precariedade das instalações físicas, destacando a falta de manutenção do prédio, observando que “o estigma reproduzido pela imprensa, o repúdio social e o esquecimento estatal sinalizavam o desprezo pela clientela adolescente” (MPSC, 2010, p. 264-265).

Ainda no decorrer da contextualização histórica, os representantes do MPSC afirmavam que nos intramuros do Centro Educacional São Lucas a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente não havia representado uma ruptura com determinadas práticas atreladas à Doutrina da Situação Irregular. Avançando para o campo das representações sociais, o texto da promotoria afirmava que a identificação dos adolescentes em conflito com a lei abrigados no Centro Educacional São Lucas fora constituída a partir do discurso da periculosidade:

 

A “alta periculosidade” da clientela era alardeada pela mídia, que tinha, e ainda tem, na referenciada instituição governamental uma inesgotável fonte de notícias, sensacionalismos e especulações. Afinal, rebeliões, fugas, apreensões de armas, drogas, celulares e espetos não constituem problemas para a reflexão das crises da nossa precária república, mas engordam o cardápio de absurdos com os quais os sistemas de notícias replicam as vendas e seus lucros. É que a violência tem mesmo forte potencial sedutor: é um excelente artigo em termos de recepção no mercado consumidor da informação (MPSC, 2010, p. 265).

 

Cabe ressaltar que o discurso acerca de menores notoriamente perigosos circulava amplamente no Poder Judiciário estadual na década de 1980. Assim, não se restringia à imprensa, constituindo-se em um dos “pilares” no processo do governo da população, especialmente a considerada pobre. Para Foucault (2013), o medo do considerado delinquente social, produzido pelo discurso da periculosidade, contribui para a manutenção de uma ordem social que se impôs à medida em que as relações sociais capitalistas se tornaram “hegemônicas” entre as sociedades no mundo ocidental. Ao abordar a questão da periculosidade, Foucault afirma que a passividade social se assenta em parte sobre a difusão do medo social, legitimando o uso da força na coerção estatal. “Como isso seria aceitável se não houvesse os delinquentes? Ou se não houvesse, todos os dias, nos jornais, artigos onde se conta o quão numerosos e perigosos são os delinquentes?” (2013, p. 225).

Para os representantes do MPSC, os problemas do Centro Educacional São Lucas, além da herança de práticas pedagógicas efetuadas sob a ótica menorista e dos estigmas de nascimento da instituição, estavam associados também a questões político-administrativas.  Gestores nomeados para as funções de direção, não qualificados em termos técnicos, buscavam muitas vezes tão somente prestígio partidário e eleitoral, sendo coniventes com ações de cunho carcerário realizadas na instituição. Segundo os representantes do MPSC, eram levadas a cabo na instituição práticas que disciplinavam e, ao mesmo tempo, puniam os adolescentes em conflito com a lei. Eis o afirmava o texto da promotoria:

 

O fato é que os monitores se colocam como titulares da tarefa disciplinadora: a punição padrão é a tal “medida de quarto”, a definição de faltas é casual e a punição não obedece norma regimental, nem o direito à defesa ou à prévia definição normativa, tudo em prol da prevalência do arbítrio e da desumanidade na disciplina. Assim, l cercado pelos muros, fora do olhar da vizinhança, encontram-se porretes, cacetetes, sprays de pimenta, máquinas de choque, espancamentos, vexames, fome, frio, sujeira, algemas, falta de sol, nudez coletiva, segregação, formas diferentes de fazer o que já fizeram os inquisidores, os feitores de escravos, os torturadores da ditadura (MPSC, 2010, p. 281-282).

A partir dos apontamentos do MPSC, observamos que a responsabilidade pela adoção de ações disciplinares e punitivas no Centro Educacional foi atribuída principalmente aos monitores.[18] Foucault (2011) não deixou de discutir os papeis desempenhados pelos funcionários das instituições disciplinares. Segundo o autor, desde o início da modernidade, a sociedade ocidental distribui a vergonha de punir, delegando aos pequenos funcionários da ortopedia moral a tarefa de intervir sobre os corpos e mentes. De acordo com o prescrito na normativa Sinase, aos monitores são delegadas “tanto tarefas relativas à preservação da integridade física e psicológica dos adolescentes e dos funcionários quanto às atividades pedagógicas” (BRASIL, 2006). Ou seja, legalmente, cabia aos monitores a tarefa de intervir diretamente no processo pedagógico de reintegração social dos adolescentes em conflito com a lei. Contudo, segundo o MPSC, a prática corrente na instituição catarinense era de que extrapolassem seus limites de atuação, atuando frequentemente no âmbito da punição física.

Cabe ressaltar que, no decorrer do processo, tanto o MPSC quanto o Poder Judiciário estadual teceram contundentes críticas à formação profissional dos monitores. Segundo o apontado nos autos, a formação profissional dos monitores não estava de acordo com o proposto pela Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, alinhando-se à tradição menorista e à situação irregular do menor. Segundo o documento, a formação profissional dos monitores do Centro Educacional São Lucas ocorria no seguinte cenário:

(...) a capacitação do quadro funcional é feita pela Academia de Polícia ACADEPOL, da Polícia Civil de Santa Catarina, o que desvirtua conteúdos e, principalmente quanto aos monitores, formação, tornando-os agentes de repressão e não de socialização (MPSC, 2010, p.281).

Mas, o documento exarado pelo MPSC também responsabilizava os gestores estaduais que atuavam em escalões superiores pelas violações de direitos que ocorriam na instituição:

Homens do governo estadual, portanto servidores da sociedade ocupantes de cargos públicos, omitiram-se, como gestores, diante da crueldade e preferiram a imprensa que ao explorar o medo urbano da violência que atormenta a sociedade, pode lhes garantir o prestígio pela maquiagem da eficiência carcerária obtida às custas da violação de direitos e do extermínio das civilidades (MPSC, 2010, p. 283).

Do exposto em relação à formação profissional e à atuação dos monitores e ao posicionamento dos gestores que ocupavam cargos em escalões superiores, verificamos outras questões que contribuíram para a sistematização de práticas que violavam os direitos humanos. As punições, que se repetiam de maneira contínua, estabeleciam relações de poder entre os monitores e os adolescentes em conflito com a lei. Isso ocorria em um contexto social e institucional que há muito mudara o foco do atendimento de tal população para a socioeducação. Franco (2016) compreende que a concretização de processos pedagógicos envolve um exercício social que visa a formação educacional:

 

As práticas pedagógicas se organizam intencionalmente para atender a determinadas expectativas educacionais solicitadas/requeridas por uma dada comunidade social. Nesse sentido, elas enfrentam, em sua construção, um dilema essencial: sua representatividade e seu valor advêm de pactos sociais, de negociações e deliberações com um coletivo. Ou seja, as práticas pedagógicas se organizam e se desenvolvem por adesão, por negociação, ou, ainda, por imposição (FRANCO, 2016, p. 541).

No Centro Educacional São Lucas os adolescentes em conflito com a lei eram disciplinados em condições completamente contrárias às previstas na legislação e em um ambiente social e político democrático e voltado para a garantia dos direitos humanos. O processo judicial constatou uma série de violações. Os adolescentes habitavam espaços considerados insalubres, tal como descrito pelo MPSC: “o sistema de esgoto permanece por longos períodos entupidos, causando mau cheiro nos níveis e nos pátios. As instalações elétricas estão deterioradas, com fiações aparentes e iluminações inadequadas” (SANTA CATARINA, 2010). Eram ainda mantidos em isolamento completo e indiscriminado: em um dos casos registrados, “o castigo indiscriminado denominado ‘medida coletiva de quarto’” foi imposto “pelos monitores por quase 03 (três) semanas consecutivas”, impedindo o “banho de sol” no período (SANTA CATARINA, 2010). A restrição ao acesso a direitos sociais era ampla e variada: “mais de sessenta adolescentes, entre 14 e 20 anos, completamente reclusos, ociosos, pois não existe curso profissionalizante e outras atividades pedagógicas" (SANTA CATARINA, 2010). Garantias judiciais básicas, como o direito à defesa, eram tolhidas: “um adolescente comentou que seu advogado foi visitá-lo e que foi impedido de entrar, e a maioria afirmou não ter conhecimento a respeito de seu processo" (SANTA CATARINA, 2010). Por fim, mas não menos importante, a frequente imputação de castigos físicos, como em um caso relatado que descreve a atuação de um “Soldado PM”,[19] auxiliado por um “monitor”, que obrigou um interno a despir-se, passando “ambos lhe aplicaram uma surra como castigo pela falta cometida” (MPSC, 2010, p. 280).

Segundo o documento do Poder Judiciário estadual, as práticas disciplinares‑pedagógicas levadas a cabo na instituição faziam com que “adolescentes infratores”[20] de todo o Estado de Santa Catarina relatassem “pavor” de serem internados no Centro Educacional São Lucas, pois sabiam “que a comida era ruim, os alojamentos eram úmidos, sujos e frios, banheiros entupidos, catres sem colchão e os monitores eram agressivos” (SANTA CATARINA, 2010). Para Foucault (2011), nos espaços de privação de liberdade o Estado apodera-se completamente do tempo dos detentos, potencializando um processo educativo que ocorre continuamente sobre todas as ações do indivíduo. Em um espaço de vigília e regulação dos movimentos durante 24 horas, as práticas pedagógico-disciplinares difusamente abarcam os diferentes setores da vida do indivíduo.

A partir dos posicionamentos emitidos pelo MPSC, observamos a prevalência, no espaço institucional do Centro Educacional São Lucas, de uma concepção de infância cujos significados sociais destoavam das prescrições legais e negavam as conquistas alcançadas no decurso do processo histórico brasileiro do período da redemocratização. Os adolescentes em conflito com a lei custodiados na instituição não eram reconhecidos e/ou tratados como sujeitos de direitos.  De acordo com o documento emitido pelo MPSC, a sistemática violação de direitos humanos foi levada a cabo porque os responsáveis pela instituição “tinham e têm certeza da desintegração da lei. Os muros facultam a desumanidade entre humanos” (MPSC, 2010, p. 284).

Em 10 de junho de 2010, a juíza titular da Vara da Infância e da Juventude da comarca de São José emitiu uma liminar prescrevendo a interdição total do Centro Educacional São Lucas. Na ocasião, de acordo com a magistrada, frente ao flagrante desrespeito ao enunciado no Estatuto da Criança e do Adolescente e às diretrizes do Sinase, não lhe restava outra opção senão a interdição total da instituição. A interdição do Centro Educacional São Lucas foi uma medida extrema e sem precedentes na história de Santa Catarina, denotando a gravidade das denúncias apresentadas pelo MPSC e acolhidas pelo Poder Judiciário estadual.

No Brasil, desde longa data, as denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes institucionalizados eram recorrentes (RIZZINI; RIZZINI, 2004), especialmente após a década de 1980. Conforme afirma Camila Serafim Daminelli (2013), jornais do Estado de Santa Catarina, em tom de denúncia, informavam para a população local sobre violações de direitos humanos que ocorria em instituições de abrigo para crianças e adolescentes. Revisando a literatura sobre o Estado de Santa Catarina, constatamos que desde a emergência do regime republicano não se encontrou decisão judicial semelhante à interdição total imposta ao Centro Educacional São Lucas. Possivelmente, as denúncias de violações de direitos não tenham sido anteriormente consideradas graves o suficiente no entendimento das autoridades judiciárias formadas em um processo histórico autoritário ao longo da ditadura militar. Podem ter se valido da percepção de que tal situação poderia ser passível de resolução sem a necessidade de interdição das unidades de internação ou dos outros abrigos. Contudo, cabe considerar, sob a perspectiva histórica, que o processo de transição democrática ocorrido no Brasil se fez de tal maneira que durante muito tempo prevaleceu nas estruturas estatais a cultura jurídica menorista e da situação irregular do menor, minimizando a gravidade dos fatos frente ao desvalor da figura do menor considerado infrator e/ou abandonado entre os Operadores do Direito de então.

Após a decretação da interdição total do Centro Educacional São Lucas, a contragosto dos representantes do Poder Executivo estadual, que recorreu da decisão, os adolescentes em conflito com a lei foram transferidos para outras unidades socioeducativas existentes no Estado de Santa Catarina. Tendo sido mantida a decisão da Vara da Infância e Juventude da comarca de São José nas instâncias superiores da corte catarinense, as instalações físicas da instituição seguiram interditadas até a data da sua demolição, o que ocorreu em 6 de junho de 2011.

 

Considerações Finais

As práticas sistemáticas de violações de direitos humanos de adolescentes em conflito com a lei internados no Centro Educacional São Lucas na década de 2000, apontam no sentido da manutenção de representações sociais que os percebiam como potencialmente perigosos. Portanto, indivíduos que deveriam ser submetidos a processos disciplinares-pedagógicos tornando-os, conforme afirma Foucault (2011), senão cidadãos, ao menos “delinquentes” úteis.

Observando a forma regular e contínua como ocorreram as violações de direitos humanos descritas, questionamos não só o alcance e a efetividade da Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, mas, sobretudo, o princípio da isonomia na aplicação da lei e da equidade na formulação das políticas públicas. A partir de 1990, para determinados segmentos da população infantojuvenil, a legislação e a implementação de políticas públicas específicas possibilitaram a redução significativa dos índices de mortalidade infantil, trabalho infantojuvenil e exploração sexual. Da mesma forma, reduziu-se drasticamente o número de crianças e adolescentes fora da escola (UNICEF, 2019).

Sabe-se que para alguns segmentos da população infantojuvenil a paulatina aplicação da Doutrina da Proteção Integral alterou, inclusive por meio de campanhas midiáticas, percepções e significados relativos às infâncias. Por exemplo, houve um significativo esforço de esferas oficiais e não governamentais para a desnaturalização do trabalho infantil. Contudo, para a parcela da população infantojuvenil acusada de prática de ato infracional, sobretudo no caso de adolescentes privados de liberdade, tanto a legislação e as políticas públicas quanto a empatia da imprensa e a difusão de percepções e preconceitos sociais, apontaram direções diversas para o tratamento da questão.

As medidas socioeducativas de privação de liberdade seguiram sem nenhuma regulamentação desde a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente até o ano de 2006, quando da criação da normativa Sinase. Assim, da mesma forma que os governos catarinenses não se preocuparam em definir uma proposta pedagógica para suas unidades socioeducativas, no plano nacional, até a sanção da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, o país não havia regulamentado a execução das medidas socioeducativas, deixando a cargo das próprias unidades de internação um significativo espaço de discricionariedade sobre os direitos dos que ali estavam privados de liberdade. Nesta mesma toada, o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, documento que definiu objetivos e estratégias, estabelecendo metas de curto, médio e longo prazos para execução das políticas socioeducativas, só foi aprovado em 2014. 

Considera-se que a morosidade e/ou o descaso com a implementação de políticas públicas voltadas a efetivar os direitos sociais e a assegurar os direitos humanos dos adolescentes em conflito com a lei assenta-se em um processo histórico marcado ao longo do século XX pelo desvalor de crianças, adolescentes e jovens oriundos das famílias pobres brasileiras, especialmente as que residem no espaço urbano (RIZZINI; RIZZINI, 2004). Por fim, cabe ressaltar a permanência do discurso da periculosidade, que segue vinculado, como sina, a determinados grupos sociais.

 

Agradecimento

 

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Ministério da Ciência e Tecnologia/Brasil, bem como a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC)/Brasil pelo fomento à pesquisa.

 

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Recebido em 12/09/2021.

Aceito em 01/11/2021.

 



[1] Doutora em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do curso de Graduação em História e dos Programas de Pós-graduação em História e em Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Brasil. E-mail: silvia.arend@udesc.br | https://orcid.org/0000-0002-3262-5596

[2] Mestre em Educação pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). Professor de Pedagogia no Instituto Federal do Paraná (IFPR). Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Brasil. E-mail: otoniel.silva@ifpr.edu.br | https://orcid.org/0000-0002-3729-196X



[1] O artigo apresenta resultados parciais do projeto de pesquisa “Uma História dos adolescentes em conflito com a lei: justiça e políticas sociais na trajetória democrática brasileira (1990-2016)”, financiado pelo Edital CNPq N◦ 9/2020 – Bolsa Produtividade em Pesquisa e pelo Edital Chamada Pública FAPESC N◦ 027/2020 - Apoio à Infraestrutura para os Grupos de Pesquisa da UDESC.

[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988.

[3] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989.

[4] BRASIL. Lei Número 8.069, de 13 de julho de 1990

[5] Neste artigo, o termo jurídico menor foi utilizado em reprodução às fontes documentais.

[6] O Código de Menores de 1979 foi instituído pela Lei número 6.667, em 10 de outubro de 1979. O termo menor em situação irregular utilizado na legislação era considerado impreciso, abarcando as crianças e adolescentes considerados “abandonados”, “em situação de carência social” ou “carenciados”, “em desvio de conduta” e os acusados da prática de infrações penais.

[7] De acordo com o Código de Menores de 1979, os menores eram considerados em desvio de conduta devido à grave inadaptação familiar ou comunitária e considerados infratores quando praticassem uma infração penal.

[8] Processo nº 064.10.008808-6.

[9] Anualmente, por meio do Prêmio Milton Leite da Costa, a Associação Catarinense do Ministério Público premia os melhores trabalhos ou arrazoado forense apresentado pelos promotores públicos e pelos procuradores de justiça. 

[10] Durante a sua existência a instituição foi vinculada à Fundação Catarinense do Bem-estar do Menor, Secretaria de Justiça e Cidadania/Estado de Santa Catarina e a Secretaria de Segurança Pública/Estado de Santa Catarina.

[11] BRASIL. Decreto Número 17.943-A, de 12 de outubro de 1927.

[12] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, Artigo 37.

[13] São as medidas aplicáveis aos adolescentes considerados autores de atos infracionais.

[14] Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, ato infracional é o termo jurídico utilizado para caracterizar conduta análoga a crime ou contravenção penal praticado por criança ou adolescente.

[15] Obra literária e autobiográfica escrita pelo pedagogo ucraniano Anton Semionovich Makarenko. O livro narra o período em que o autor dirigiu a Colônia Górki entre 1920 e 1928. 

[16]A partir da criação do Sinase (2006), as unidades de internação para ao/as adolescentes paulatinamente foram alterando suas nomenclaturas. Atualmente, predominam denominações como ‘unidades de atendimento socioeducativo’ ou ‘centros de atendimento socioeducativo’ (Case).

[17] Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-SINASE/ Secretaria Especial dos Direitos Humanos – Brasília-DF: CONANDA, 2006. Ver ainda: BRASIL. Lei número 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.

[18] Nome legalmente atribuído aos servidores públicos que no período eram os responsáveis pela custódia dos adolescentes privados de liberdade no Estado de Santa Catarina.

[19] Em função de questões éticas, os nomes do agente policial e do monitor foram omitidos neste artigo. Todavia, os nomes de ambos se encontram registrados nos autos.

[20] O termo “adolescentes infratores” está reproduzido conforme expresso na fonte. Considera-se que, ao reproduzir nos documentos institucionais tal termo, o Ministério Público de Santa Catarina, mesmo posicionando-se na defesa dos direitos dos adolescentes, persistia incorrendo na estigmatização das pessoas. A situação é emblemática, apontando a incompletude na consolidação da Doutrina da Proteção Integral de Crianças e Adolescentes.

 

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