“Escola sem Partido” como ameaça à Educação Democrática: fabricando o ódio aos professores e destruindo o potencial educacional da escola1

 

 

Fernando de Araujo Penna

 

Com relação ao problema do argumento surrado de que o aluno não é uma folha em branco, que uma criaa de doze anos de idade sabe perfeitamente como dialogar com o professor, com o professor tarimbado, com o militante... que eles estão ali em de igualdade. Evidentemente como disse o professor Jungmann isso é um argumento de pessoa sonsa, com todo o respeito. E mais: é um argumento que é típico dos abusadores que procuram minimizar a gravidade dos seus atos apelando para a condição pessoal das suas vítimas. [...] E digo mais: é um argumento também típico dos estupradores que alegam em sua defesa que aquela menina de doze anos, que eles acabaram de violentar, não é tão inocente quanto parece. Este é o argumento de que o aluno não é uma folha em branco.

Miguel Nagib em Audncia Pública na Câmara dos Deputados (14/2/2017)2

 

No dia 5 de outubro de 2016, foi instalada a Comissão Especial “PL n. 7.180/2014 – Escola Sem Partido” na Câmara dos Deputados3. No ano 2017, já foram realizadas, até o momento, quatro audiências públicas e existem requerimentos para várias outras. A fala acima reproduzida foi parte de uma das intervenções do advogado Miguel Nagib criador e coordenador do Movimento Escola Sem Partido” (Mesp) em uma dessas audiências, na qual ele falou como um expositor convidado. O que realmente tem chamado a atenção o as falas dos deputados que tem participado dessas audiências pelos seus ataques grosseiros à categoria profissional dos professores. Passagens de algumas dessas falas serão utilizadas como material para a análise do discurso dos defensores do projeto “Escola Sem Partido” no presente texto. Este será o principal material empírico aqui analisado.

A citação anterior reproduzida da fala do advogado Miguel Nagib é muito significativa para compreendermos a atuação e o discurso do Mesp. Ela revela uma enorme incompreensão sobre o argumento de que “o aluno não é uma folha em branco”, tendo como base dois pressupostos: de que ele significa que alunos e professores estão em de igualdade com relação as suas capacidades e que mobilizá-lo seria apelar para a condição pessoal dos alunos. O primeiro pressuposto está equivocado porque, no campo educacional, quando se afirma que “o aluno não é uma folha em branco” o objetivo não é comparar as capacidades, seja entre os alunos, seja entre alunos e professores. A ideia é afirmar que os alunos o são incapazes, muito pelo contrário: eles questionam o que lhes e ensinado e tem seus próprios interesses4. O problema é que o Mesp, para combater esse pressuposto equivocado, apela para o outro extremo: representa os alunos como verdadeiros prisioneiros (audiência cativa) em sala de aula à mer da vontade do professor e como timas do professor abusador5. E, graças a essa representação, fazem a defesa de que o professor seja apenas um burocrata que transmite um conteúdo predeterminado (indícios para corroborar essa leitura serão apresentados ao longo do texto). O primeiro objetivo deste artigo será problematizar a redução da figura do professor a um burocrata e da escolarização à instrução, por meio de uma discussão teórica sobre a relação entre a escola e a democracia (Seção II Educação democrática: a relação entre a escola e a democracia).

O segundo pressuposto é absolutamente descabido, que a fala de que o aluno não é uma folha em branco” não está se referindo a um aluno específico ou à sua condição pessoal, mas ao aluno como uma generalização: nenhum aluno é uma folha em branco. A desconstrução desses dois pressupostos bastaria para invalidar o argumento de que, quando o professor afirma que “o aluno não é uma folha em branco, ele estaria procedendo como estuprador que apela para a condão pessoal de uma determinada vítima menor de idade afirmando que elao era tão inocente assim. No entanto, devemos considerar a possibilidade de que o objetivo deste discurso não seja argumentar racionalmente a favor de uma comparação entre professores e estupradores, mas simplesmente usar de forma retórica a aproximação entre o profissional da educação e um criminoso responsável por um crime repulsivo com a intenção de demonizar os docentes. Já analisei em texto anterior este discurso de ódio direcionado aos professores disseminado pelo próprio Mesp nas suas redes sociais e falas públicas de seus representantes6. O segundo objetivo deste texto será tentar compreender como o Mesp se aproveita de circunstâncias conjunturais para fomentar o medo e, consequentemente, o ódio aos professores (São III - Fabricando o medo e o ódio aos professores).

O presente texto, para alcançar os dois objetivos propostos, iniciará com uma breve discussão teórica pertinente para ambas temáticas, focando em uma caracterização dos domínios público e privado e uma definão do conceito de liberdade na última fase da modernidade (I - A interface entre o público e o privado e a liberdade para mudar o mundo), e terminará com breves considerões finais articulando as temáticas abordadas.

 

A interface entre o público e o privado e a liberdade para mudar o mundo

 

O jogo segue em frente, não importa o que façamos, anotou Günther Anders pela primeira vez em 1956 [...] Meio século depois, ouvimos as mesmas preocupações expressadas por grandes pensadores do nosso tempo. Pierre Bourdieu, Claus Offe e Ulrich Beck podem diferir consideravelmente em suas descrões deste mundo que joga conosco, compelindo-nos, do mesmo modo, a participar de um jogo de “livresparticipantes mas todos eles lutam para alcançar em suas empreitadas descritivas o mesmo paradoxo: quanto maior nossa liberdade individual, menos pertinente ela é para o mundo em que a colocamos em prática7.

 

Grandes pensadores do nosso tempo defrontaram-se com o paradoxo anteriormente descrito e Zygmunt Bauman também dedicou parte dos seus escritos para enfrentá-lo. Com seu olhar sociológico perspicaz, ele identificou que nós, nos dias de hoje, nutrimos duas crenças contraditórias com relação à liberdade. A primeira delas remete ao fato de considerarmos que a questão da liberdade humana, de uma maneira geral, está resolvida na sociedade ocidental. Os indiduos, com poucas exceções, sentem-se livres. Essa, no entanto, é uma liberdade negativa, no sentido de não serem coagidos a fazer algo que o fariam de livre e espontânea vontade. A segunda crença diz respeito ao fato de não nos percebermos capazes de mudar a maneira como as coisas acontecem no mundo à nossa volta ou a forma como elas são conduzidas. Não nos sentimos positivamente livres para mudar o mundo no qual vivemos8.

O pensador explica essa contradição (nossa percepção do aumento simultâneo na liberdade individual e da impotência coletiva) por meio do diagnóstico da perda da nossa capacidade de perceber o que de comum nas nossas experiências individuais e traduzir essas preocupações privadas em questões públicas. Essa “arte da tradução constrói pontes entre a vida privada e a pública e, para compreender por que esta arte vem caindo em desuso, precisamos entender como as transformações sofridas pelas esferas das atividades humanas afetaram a construção dessas pontes9.

A teoria potica em geral e a teoria da democracia em particular devem ter no seu centro a preocupação com a ligação, a dependência tua, a comunicação entre os domínios privado e público e a fronteira entre eles deve ser vista como uma interface. A distinção entre as esferas privada e pública remonta à experiência dos gregos antigos e pode ser captada na sua língua: oikos o ambiente doméstico da família e eclésia o ambiente formalmente potico da assembleia no qual os assuntos da cidade eram discutidos e resolvidos. A vida privada, então, estava associada às experiências pessoais e ao direito a mantê-las em segredo e a vida pública, ao espaço apropriado para exposição, debate e decisões sobre questões e eventos de natureza coletiva. No entanto, os gregos situavam, entre estas duas, uma terceira esfera, intermediária: a ágora mercado-lugar de reunião. A ágora é um espaço nem público nem privado, mas simultaneamente ambos. Seu papel era unir e manter juntas as esferas privada e pública: o espaço no qual as questões particulares podem vir a público, seja para simplesmente serem expostas em busca de celebridade ou articuladas de forma a se tornarem uma questão pública. Se para a teoria democrática é importante perceber a fronteira entre o privado e o público como uma interface, a tarefa de compreender como a ágora está configurada em uma determinada sociedade é central. Assim como tamm é central para aqueles preocupados com a arte da tradução, pois este é seu locus privilegiado10.

O problema com relação a estas esferas das atividades humanas é que, na última fase da modernidade11, os termos “privado e “público” sofreram uma reversão. Bauman narra o seguinte episódio para tornar essa mudaa mais clara:

 

Alain Ehrenberg aponta um início de noite de outubro, numa quarta de 1983, como o divisor de águas. Naquela noite, Viviane e Michel, um casal comum, sem nada demais, que facilmente se confundia na massa urbana apareceu diante das câmeras da televio francesa (e portanto de milhões de telinhas) e Viviane declarou sobre Michel: Meu marido sofre de ejaculação precoce”, queixando-se de que “nunca tinha prazer com ele”. Bem, esse foio divisordeáguasna França(momentos semelhantes ocorreramem outros psesemdatasdiferentes):importante tabu foirompidode uma vez portodas palavras impronunciáveis em blico tornaram-se pronunciáveis, experiências que supostamente se deveriam confiar apenas às pessoas mais intimas e queridas tornaram-se passíveis de confissão blica12.

 

Os termos privado e público, no período no qual vivemos, tiveram seus sentidos alterados. A esfera privada, que se caracterizava pelo direito ao segredo, passou a ser marcada pelo direito à publicidade, e a esfera pública, que era o espaço para o debate e decisão sobre assuntos coletivos, tornou-se o território para a exposição de assuntos e bens particulares. O “ser de interesse público passou por uma mudança, sendo reduzido à exposição de qualquer coisa que possa despertar a curiosidade. O público foi despojado de sua agenda própria e o passa mais de um aglomerado de problemas e assuntos privados. O problema é que esse aglomerado não é mais do que a soma de suas parcelas não conseguimos traduzir esses problemas privados em causas comuns.

As consequências destas mudanças para a nossa liberdade foram severas. A liberdade individual só pode ser produto do trabalho coletivo, mas caminhamos hoje rumo à privatização dos meios de garantir essa mesma liberdade. Esta incapacidade de traduzir os problemas privados em questões públicas e a consequente necessidade de cada um enfrentá-los sozinho veio a ser chamada de liberdade individual. Esta forma de individualidade privatizada significa essencialmente uma antiliberdade. Ser livre é poder fazer algo da própria liberdade. “E isso significa primordialmente poder influenciar as condições da própria exisncia, dar um significado para o bem comum e fazer as instituições sociais se adequarem a esse significado13. Este tipo de ação é possível na vida pública, quando agimos coletivamente, e depende da existência de uma esfera de interface entre o público e o privado, onde os problemas pessoais possam ser traduzidos em causas comuns. As questões da educação democrática e da aprendizagem cívica não podem ser esquecidas porque ainda não foi realizado o projeto democrático de ter uma sociedade livre constituída de indivíduos livres.

 

Educação democrática: a relação entre a escola e a democracia

 

Burocrata não faz sermão. Burocrata aplica a lei, pune, exige o cumprimento da norma, mas ele não faz sermão. Quem faz sermão é padre. Quem diz o que é moral ou imoral é o padre, o pastor, o pai e a mãe. Não é o funcionário público. O funcionário blico só faz aquilo que a lei determina. E a lei brasileira, a legislação brasileira não possui um decálogo, não possui um código moral. Quem possui código moral são as religiões. Então essa é a diferença: burocrata não faz sermão, burocrata aplica a lei. O professor é um burocrata. Ele transmite aos alunos o conteúdo do currículo, aquilo que es escrito e foi aprovado pelas autoridades competentes. Não lhe cabe dizer aos filhos dos outros o que é certo e o que é errado em matéria de moral. Esse é o ponto.

Miguel Nagib em Audncia Pública na Câmara dos Deputados (14/02/2017)14

 

 

Esta fala foi recortada da mesma intervenção feita pelo advogado Miguel Nagib da qual retirei a citação que abre o presente texto. Nela o criador e coordenador do Mesp tenta reduzir a docência a um ato burocrático de aplicar a lei, exigir o cumprimento das normas e punir aqueles que as infringem. O maior equívoco desta citação, no entanto, é considerar que a única maneirade trabalharvalores em sala de aula seriapor meio de um sermão e, desta forma, proibir o professor de discuti-los e ensiná-los em sala de aula. É possível que a escolarização transmita conteúdos, sem socializar os alunos de acordo com valores e restringindo todo espaço para a emergência da subjetividade em sala de aula? Mais do que isso, seria desejável que a escola se reduzisse a isso? Qual é a relação entre a educação e a democracia? Qual é o papel das escolas em uma sociedade democrática? Qual é o tipo de subjetividade que se considera desejável ou necessário para uma sociedade democrática? Tentarei indicar algumas respostas parciais para essas perguntas na presente seção, focando a questão sobre a relação entre a escola e a democracia.

Na citão da fala do criador e coordenador do Mesp reproduzida no início deste texto a tentativa de negação do argumento de que “o aluno não é uma folha em branco, tendo como pressuposto que isso significaria igualar a capacidade de alunos e professores. Apesar deste pressuposto estar equivocado (como argumentei no início do texto), a resposta do Mesp é o oposto contrário: de que os alunos, prisioneiros dentro da sala de aula, são o incapazes que os professores não podem discutir nada que possa contradizer as crenças de seus pais. Os professores teriam de agir como meros burocratas que apenas transmitiriam as informações que lhes foram determinadas. Neste caso, a escolarização seria reduzida à dimensão da qualificação, que corresponde em proporcionar aos alunos conhecimento, habilidades e entendimento e também, quase sempre, disposões e formas de julgamento que lhes permitam fazer alguma coisa15. O problema aqui não se encontra na dimensão da qualificação no fenômeno da escolarização, mas à redução deste último somente a esta dimensão. o poderíamos nem falar em educação (afinal decontas, parao Mesp, o professor não éeducador” como afirma o título do livro que consta da biblioteca politicamente incorreta do site do movimento) e muito menos em um aprendizado para a cidadania a escola nada teria a ver com isso16. Uma ruptura total entre a escola e a democracia.

Umasegundamaneirade conceber a relação entreaescola eademocracia seria naforma de uma sucessão temporal: uma começa quando a outra termina. O papel da escola seria preparar o indivíduo (as criaas e os jovens) para a sua futura participação na democracia. A democracia precisaria de um determinado perfil de indivíduo e a tarefa da educação seria produzi-lo, por isso podemos chamar este modelo de educação para a democracia, com uma concepção individualista de pessoa democrática. Uma variação sobre esse tema seria o argumento de que a melhor maneira de educar para a democracia seria por meio da democracia: por meio de formas democráticas de educação. Neste caso, teríamos uma educação por meio da democracia, correspondendo a uma concepção social de pessoa democrática17. Nestas duas formas, existiria uma relação externa (de sucessão temporal) entre a escola e a democracia.

Algumas cticas são feitas atualmente com relação à educação para a democracia e à educação por meio da democracia. Em ambos casos se opera com uma perspectiva instrumentalista da educação, que gera expectativas irrealista com relação à escola como se ela pudesse solucionar os problemas de não engajamento ou participação política dos indiduos. Outra crítica pertinente é que já se espera das criaas e dos jovens que se portem de acordo com os valores democráticos, não se pode esperar que elas se tornem adultas para tanto18. Uma maneira de lidar com essas questões acima apontadas seria operar com uma concepção política da pessoa democrática, a subjetividade não é mais vista como um atributo dos indiduos, mas como uma qualidade da interação humana (nem toda situação social servirá)19. Neste ponto, as reflexões de Bauman e Biesta convergem: essa qualidade da interação humana reside nas circunstâncias nas quais os indivíduos se encontram juntos na vida pública e a liberdade pode emergir. o a liberdade negativa de não ser coagido a fazer algo que não faria de livre e espontânea vontade, mas a liberdade positiva de poder mudar o mundo através da ação coletiva. No entanto, a minha subjetividade (capacidade de agir) só é possível quando os outros tamm podem agir. A condição da democracia ideal é que todos possam tomar parte na condução dos assuntos coletivos e possamos viver e aprender uns com os outros:

 

Democracia, na sua fórmula mais curta, é sobre aprender com a diferença e aprender a viver com outros que não são como nós. Por esta exata razão, a democracia pode ser aprendida com a vida. E este tipo de aprendizado democtico é verdadeiramente uma tarefa para a vida toda20.

 

Assumir essa concepção política da pessoa democrática teria grandes impactos sobre a forma como entendemos a relação entre a escola e a democracia. A condição de viver em uma democracia não estaria associada a um perfil restrito e predeterminado de cidadão democrático que pudesse ser produzido pela escola. A aprendizagem cívica não se daria apenas nas escolas, mas em todas nossas experiências políticas, sejam elas positivas ou negativas em termos de convivência democtica.

 

Se, como sugeri, a aprendizagem cívica é a aprendizagem que ocorre nos e através dos processos e práticas que compõem a vida cotidiana das crianças, jovens e adultos e que estão proximamente conectados com a sua atual condição de cidadania, eno, diferente do assumido em muitas correntes de pensamento curricular, nós não deveríamos conceber a aprendizagem vica como um processo linear movendo de uma situação de “ainda não ser um cidadão para uma situação de cidadania plena. A aprendizagem cívica deveria, ao invés disso, ser compreendida como não-linear, recursiva e cumulativa. Aaprendizagem cívica é um processo o-linear porque está proximamente conectada às experiências positivas e negativas ainda em curso com a democracia e a cidadania e, portanto, é provável que reflita as flutuações nessas experiências. Além disso, aaprendizagem cívica oésimplesmenteo resultado dasexperiênciascotidianas com a democracia e a cidadania, mas também se retroalimentam dentro destas experiências, o que constitui a razão de classificarmos a aprendizagem cívica como um processo recursivo. Apesar da aprendizagem cívica não ser um processo linear, é importante perceber que é cumulativa porque experiências positivas e negativas no passado não podem simplesmente ser erradicadas e influenciarão a ação e o aprendizado futuros21.

 

A educação por meio da democracia pode ser compreendida como uma concepção da aprendizagem cívica como socialização, que percebe o objetivo primário desta aprendizagem como a reprodução de uma ordem sociopolítica e a adaptação dos indivíduos a essa ordem. No entanto, podemos operar com uma concepção da aprendizagem cívica como subjetivação, neste caso, o foco seria na promoção de uma subjetividade democrática. Dentro desta proposta, a educação democrática teria como ênfase da aprendizagem cívica a oferta de oportunidades para que as crianças e os jovens tivessem experiências democráticas nas escolas e inserir processos de reflexão sobre as experiências políticas negativas ou positivas vividas na sociedade mais ampla. Este segundo aspecto é, inclusive, um enorme potencial da educação democrática na escola: é talvez a única instituição por onde toda a população passa em um momento ou outro da sua vida e temos a possibilidade de realizar este tipo de reflexão22.

Aqui temos uma contundente contradição entre a discussão acadêmica qualificada sobre a educação democrática e o discurso do Mesp. No centro desta contradição, está a expressão audiência cativa, que no seu sentido mais restrito se refere ao fato de os alunos serem obrigados a estar dentro da sala de aula, mas no discurso do Mesp assume toda força da analogia entre a escola e a prisão. Os alunos seriam prisioneiros e estariam à completa mercê da vontade do professor. Sabemos que isso é um absurdo justamente pelo aluno ser dotado de capacidade crítica e o ser obrigado a concordar com o que o professor fala. Enquanto o Mesp justifica todas as proibições que pretende impor sobre os professores no fato de os alunos serem uma audiência cativa, os pesquisadores acamicos da educação democrática afirmam que, justamente por a escola se constituir como essa oportunidade única de inserir processos de reflexão nas experiências democráticas, aí está o seu potencial:

 

O que é único sobre as escolas é a possibilidade de inserir processos de reflexão nas tentativas de existir politicamente. Isso não se dá devido a uma autoridade especial dos educadores apesar disso desempenhar um papel tamm mas primeiro e acima de tudo pela mais mundana razão de que no espaço escolar as crianças e os jovens são em um sentido (e apenas em um sentido) uma audiência cativa”. Isso mostra qual é o problema se s declararmos a escola uma “área proibida” para a existência política, isto é, se concebermos a escola apenas como um espaço para a aquisição de conhecimento e habilidades mas não também um lugar onde a liberdade pode aparecer, porque neste caso qualquer aprendizagem que pode ser significante para a existência potica torna-se estéril e desconectado da experncia real. Não é apenas irresponsável tentar manter a existência política fora da escola, é também impossível fazer isso porque a vida das crianças e dos jovens dentro e fora da escola são permeadas por questões sobre estar junto na pluralidade23.

 

 

Fabricando o medo e o ódio aos professores

 

Não é surpresa que o discurso de um movimento que representa os alunos como prisioneiros em sala de aula e vítimas de um professor que se aproxima de um abusador de menores gere nos seus ouvintes (especialmente pais de alunos em idade escolar) medo de que isso aconteça com os seus filhos e ódio aos professores assim como representados. Em outro texto, analisei a campanha de ódio direcionada aos professores, sempre os representando como abusadores das crianças e jovens e até como vampiros24. Nesta seção, pretendo compreender porque essa estratégia tem obtido sucesso, porque a demonizão dos professores tem gerado uma mobilização. Para tanto, tentarei entender esse movimento de demonização e perseguição dos professores como uma forma de comunidade característica do momento no qual vivemos e do quadro que descrevi na primeira seção.

A tarefa de lidar com os problemas foi privatizada (entregue aos recursos pessoais de cada indivíduo) e, graças a isso, os medos que cada um sente tornam-se mais difíceis de serem unidos em uma causa comum e enfrentados a partir de uma ação conjunta. Bauman afirma que a principal forma de comunhão nestas circunstâncias é uma “comunidade do gancho: esse tipo de grupo se reúne quando encontram um gancho onde podem pendurar simultaneamente os medos de muitos indiduos. Um aglomerado de medos privados em busca de uma válvula comum de escape25.

Bauman descreve um caso muito peculiar que aconteceu em três cidades inglesas, nas quais se pode perceber um típico caso de “comunidade de gancho. Este caso é muito pertinente porquealgumas das reflexões produzidas apartir dele podem ser aplicadas ao caso dacampanha de perseguição dos professores levada a cabo pelo Movimento “Escola Sem Partido”. O caso dá-se quando o pedófilo Sidney Cooke é liberado da prisão e volta para casa, levando uma multio eclética às ruas em protesto. Essas pessoas se reúnem em torno da delegacia local, sem ao menos saber se ele se encontrava. Muitos pediam a sua morte e acreditavam ter encontrado a sua causa pessoal na perseguição ao pedófilo. Sidney Cooke era o gancho perfeito para reunir pessoas que precisavam de uma válvula de escape para a sua ansiedade difusa longamente acumulada. Bauman descreve os motivos pelos quais a figura do pedófilo torna-se o gancho perfeito para a formação dessa comunidade fugaz:

 

Primeiro, Cooke tem um nome, o que o torna um alvo palpável, fisgando-o em meio ao mingau de medos ambientes e lhe uma realidade corpórea que poucos medos possuem; mesmo sem ser visto, ele ainda pode ser constrdo como um objeto sólido que pode ser manuseado, amarrado, trancado e neutralizado, até destruído ao contrário da maioria das ameaças, essa tende a ser desconcertantemente difusa, escorregadia, evasiva, derramando-se por todos os lugares, não identificável. Segundo, por feliz coincidência, Cooke foi colocado num lugar que as preocupações privadas e as questões públicas se encontram; mais precisamente, seu caso é um cadinho alquímico no qual o amor pelos próprios filhos experiência diária, rotineira, embora privada pode ser miraculosamente transubstanciado num espetáculo público de solidariedade. Cooke tornou-se uma espécie de prancha de desembarque, ainda que fgil e provisória, para escapar à prisão da privacidade. Por fim, mas não menos importante, a prancha é larga o bastante para que um grupo, talvez um grupo grande, possa escapar; é provável que a cada fugitivo solitário se reúna mais gente a fugir das próprias prisões particulares, criando-se assim uma comunidade apenas com o uso do mesmo caminho de fuga, comunidade que vai perdurar enquanto todos os pés estiverem sobre a prancha26.

 

Um primeiro paralelo possível entre a comunidade de gancho formada em torno da perseguição ao pedófilo narrada por Bauman e a campanha de ódio aos professores conduzida pelo Mesp é que ambas tocam em um tema onde as preocupões privadas e as questões públicas estão sobrepostas: o bem-estar das crianças e dos jovens. A princípio parece absurdo imaginar no que os professores podem ameaçar o bem-estar dos jovens, mas o Mesp esforça-se em representar os professores como agentes que se aproveitam da inocência das criaas para explorá-las. Esta estratégia é levada ao extremo quando o criador e coordenador do Mesp compara professores a estupradores, conforme pode ser visto na citação reproduzida no início deste texto.

A estratégia de associar a figura do professor à de abusadores e estupradores cria um poderoso gancho no qual uma comunidade pode se formar em torno do ódio aos professores. Podemos traçar paralelos entre esses motivos no caso da comunidade de gancho formada pelos perseguidores de Sidney Cooke e aqueles que se reúnem para perseguir os professores, mas há diferenças importantes. A primeira delas é que a tentativa de demonizão dos professores é menos espontânea do que o caso narrado por Bauman: o Mesp vem se esforçando na fabricação dessa figura negativa do professor anos e esse discurso vem encontrando eco mais recentemente27. A ideia principal é a de que uma conspiração de esquerda que chegou ao poder com os governos recentes de presidentes do Partido do Trabalhadores. Eles teriam chegado ao poder graças a uma mudança de estratégia adotada pela esquerda mundial e a referência para essa mudança seria o pensamento de Antônio Gramsci, que, segundo essa narrativa, recomendaria o fim de um conflito direto e uma lenta infiltração nas instituições. Seria parte de um plano executado intencionalmente:

 

O projeto Escola Sem Partido tem que prever uma criminalização, uma pena, porque eles sabem o que eles estão fazendo! E estão fazendo de tão ruim, tão ruim que esses treze anos de PT vão ser difíceis de ser recuperados. A economia a gente corre atrás, corrupção a gente pode debater um projeto de lei, mas a molecada formada na escola nesse pensamento de Paulo Freire isso aí vai demorar décadas. Eles na verdade estão aqui é mudando a estragia: passaram do Marx tentaram tomar os quartéis no passado e não conseguiram graças aos militares, obrigado aos militares de 64 e tentam agora através de Gramsci, filosofo italiano, que prega o seguinte: não tomem quartéis, tomem escolas. E tem feito esse trabalho.

Deputado Eduardo Bolsonaro em Audiência blica na mara dos Deputados (14/2/2017)28

 

Este discurso, compartilhado pelo Mesp, aproveita-se de um contexto de polarização política no Brasil para demonizar o professor como parte desta conspiração. Temos aqui um paralelo com a descrição de Bauman do caso de Sidney Cooke: os professores tornam-se um inimigo palpável e facilmente localizável frente ao medo difuso de uma conspiração de esquerda. Para demonizá-los ainda mais, os professores são responsabilizados por todos os fracassos educacionais, especialmente os resultados ruins em avaliações. Nenhum outro fator é considerado, por exemplo, falta de estrutura, baixos salários, violência escolar etc. O único problema, segundo eles, são os professores e a ideologia que domina a toda esta categoria profissional:

 

Uma nota que foi aprovada por unanimidade pelo Fórum Nacional de Educação que de-termina que o Escola Sem Partido é uma iniciativa intimidatória (sic). Essa é a prova

cabal de que um pensamento único nas universidades e nas academias brasileiras. [...] Isso tem que ser combatido e combatido com muita ênfase porque o resultado aí para quem quiser ver: o ANA, Avaliação Nacional da Alfabetizão, de 2015 jovens, crianças na terceira série do ensino fundamental com oito anos de idade demonstrou que 56% das crianças brasileiras são analfabetas e analfabetas funcionais. [...] Isso é fruto justamente da doutrinação na formação dos professores alfabetizadores que são formados nas nossas universidades com uma grade sem evidências científicas e com um viés ideológico e doutrinário [...] É a constituão brasileira que tem sido aviltada, rasgada, dilacerada, depredada com a estragia de Joseph Goebbels: as mentiras reiteradas e repetidas se tornam verdadeiras. o as palavras de ordem.

Deputado Rogério Marinho em Audncia Pública na mara dos Deputados (14/2/2017)29

 

 

Considerações finais

 

Bauman afirma que na última fase da modernidade, na qual nós vivemos, os sentidos de público e privado sofreram reversões e, neste processo, a arte de traduzir problemas pessoais em questões públicas caiu em desuso. Privatizamos a resolução de questões que antes poderiam ser percebidas como coletivas, mas muitas destas não podem ser solucionadas por pessoas isoladamente apenas por meio da ação coletiva no espaço público. A liberdade negativa (de não ser coagido a fazer nada que não se faria por livre e espontânea vontade) não significa muito, quando outras formas mais sutis de limitar as opções e induzir à escolha de algumas delas podem ser aplicadas sem gerar resistência. A capacidade de influenciar coletivamente as condições sob as quais levamos as nossas vidas a liberdade positiva para mudar o mundo parece perdida e seu resgate depende da interface entre a vida pública e privada.

Biesta coloca-nos o desafio de utilizarmos uma concepção potica da pessoa democrática, na qual a subjetividade é pensada como uma qualidade da interão humana, e um conceito de aprendizagem cívica, no qual esta é uma tarefa paraa vida toda conforme refletimos sobre as experiências positivas e negativas com a democracia. Ao aceitarmos este desafio, começamos a operar com a proposta de uma educação democrática, que não busca a produção de um perfil preestabelecido de cidadão para uma vida democrática futura, mas oferece a vivência de experiências democráticas no espaço escolar e insere processos de reflexão no debate sobre as experiências vivenciadas dentro e fora da escola. A escola tem um papel estratégico na aprendizagem vica, mas as condições da cidadania em uma sociedade tamm são de extrema importância. As experiências positivas de engajamento democrático fora da escola são essenciais para todo esse processo.

O projeto “Escola Sem Partido” constitui uma amea à proposta de uma educação democrática. Como vimos, o coordenador do movimento homônimo defende que professores

o passam de burocratas que devem apenas transmitir um conhecimento que foi pré-determinado e não podem mobilizar valores em sala de aula. Como abrir espaço para que os alunos aprendam com as suas diferenças e estimular a emergência de uma subjetividade que se caracterize por essa interação humana onde a liberdade possa surgir? Impossível. E mais: vimos que o discurso dos defensores do projeto, especialmente na Câmara dos Deputados, responsabiliza os professores por todas as mazelas da educação e defendem abertamente a criminalização da sua prática. Sem a valorização dos professores, nenhum projeto educacional pode prosperar, seja ele voltado para a educação democrática ou não.

Concluo com uma pergunta: seráqueas escolas o poderiam ser um espaço deinterface entre a vida privada e a pública, no qual os jovens convivem talvez pela primeira vez com uma pluralidade característica do espaço público? Espaço público no qual os jovens poderiam perceber quais de seus problemas privados são compartilhados por outras pessoas e serem estimulados a agir coletivamente com relação a eles? Os gregos antigos diferenciavam os termos kois30, referente ao que é comum ou público, e ídios31, indicando o que é pessoal ou privado. A escola pode ser essa interface, na qual os alunos entram em diálogo com o que é comum a todos que ocupam aquele espaço ou podem continuar presos em suas vidas privadas, sem aprender com a diferea. De ídios deriva a palavra idiótes32, de onde vem o nosso termo idiota, para se referir à pessoa privada que não se preocupa com os assuntos públicos. Neste sentido, o projeto “Escola Sem Partido” seria o melhor caminho para a formação de idiotas.

 

 

 

 

1 Uma versão anterior deste texto foi publicada em: MACHADO, And Roberto de A.; TOLEDO, Maria Rita de Almeida (Orgs.). Golpes na Hisria e na Escola: Brasil e a América Latina nos culos XX e XXI. São Paulo: Cortez Editora: ANPUH SP, 2017.

2 Audncia Pública ocorreu na Câmara dos Deputados no dia 14 de fevereiro de 2017. A fala em questão ocorreu as                         19:34:53.                     Disponível                      em:                     <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/arquivos/videoArquivo?codSessao=58813#videoTitulo>. Acesso em: 1 mar. 2017.

3 O objetivo da referida comissão e apreciar o Projeto de Lei n. 7.180, de 2014, e os demais projetos a ele apensados: PL 7.181/2014, PL 867/2015 (“Escola Sem Partido”), PL 1.859/2015, PL 5.487/2016 e PL 6005/2016. Todas as informões sobre a referida comissão podem ser encontradas em sua página no site da mara. Disponível         em:                                           <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pl-7180-14-valores-de-ordem-familiar-na-educacao>. Acesso em: 1 mar. 2017.

4 Essas ideias são quase consensuais no campo da educação, o que torna dicil citar uma referência específica que dê conta do tema. No entanto, a própria obra de Gert Biesta, autor que utilizarei como referencial teórico nesse texto, pode ser usada para defender essa ideia. (Cf. BIESTA, Gert. Para além da aprendizagem: educação democrática para um futuro humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.)

5 PENNA, Fernando de A. O ódio aos professores. In: ACAO EDUCATIVA ASSESSORIA, PESQUISA E INFORMACAO. (Org.). A ideologia do movimento Escola Sem Partido: 20 autores desmontam o discurso. São Paulo: Ação Educativa, 2016, p. 93-100. Esse texto já foi publicado em diversos meios de divulgação e sua versão original pode ser encontrada no blog Professores contra o Escola sem Partido. Disponível em: https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/2016/06/03/o-odio-aos-professores/>. Acesso em: 1 mar.2017.Uma continuação desse texto original,intitulada O ódio aosprofessores se profissionaliza,foi publicada no mesmo blog. Disponível em: <https://professorescontraoescolasempartido.wordpress.com/2016/11/14/o-odio-aos-professores-se-profissionaliza/>. Acesso em: 1 mar. 2017.

6 Ibidem.

7 BAUMAN, Zigmunt. A ética é possível num mundo de consumidores? Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 115. (grifos nossos.)

8 BAUMAN, Zigmunt. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 9. 9 Ididem, p. 10.

10 Ibidem, p. 70-71, 92-93.

11 Bauman chama esta última fase da modernidade, na qual vivemos, de modernidade líquida. (Cf. BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.)

12 BAUMAN, op. cit., p. 70. 13 Ibidem, p. 112.

14 Essa Audiência Pública ocorreu na Câmara dos Deputados no dia 14 de fevereiro de 2017. A fala em questão ocorreu  às                            19:34:53. Disponível             em:                           <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/arquivos/videoArquivo?codSessao=58813#videoTitulo>. Acesso em: 1 mar. 2017.

15 BIESTA, Gert. A boa educação na era da mensuração. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 42 n. 147, p. 818, set./dez. 2012.

16 Em texto anterior, fiz uma análise aprofundada desses temas. (Cf. PENNA, Fernando de Araújo. Programa “Escola Sem partido”: uma ameaça à educação emancipadora. In: GABRIEL, Carmem Teresa; MONTEIRO, Ana Maria; MARTINS, Marcus Leonardo Bonfim. (Orgs.). Narrativas do Rio de Janeiro nas aulas de história. Rio de Janeiro: Mauad, 2016a. p. 43-58.

17 BIESTA, op. cit., p. 162-174. 18 Ibidem, p. 166-167.

19 Ibidem, p. 174-180.

20 BIESTA, Gert. Learning democracy in school and society: education, lifelong learning and the politics of citizenship. Rotterdam: Sense Publishers, 2011. p. 70. (Tradução minha.)

21 Ibidem, p. 86. (Tradução minha.) 22 Ibidem, p. 86-87.

23 BIESTA, Gert. The beautiful risk of education. New York: Routledge, 2016. p. 117-118. 24 PENNA, op. cit.

25 BAUMAN, op. cit., p. 54-55. 26 BAUMAN, op. cit., p. 18-19. 27 PENNA, op. cit.

28 Essa Audncia Pública ocorreu na Câmara dos Deputados no dia 7 de fevereiro de 2017. A fala em questão ocorreu     às                            17:52:55. Disponível             em:                           <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/arquivos/videoArquivo?cod-Sessao=58813#videoTitulo>. Acesso em: 1 mar. 2017.

29 Essa Audncia Pública ocorreu na Câmara dos Deputados no dia 7 de fevereiro de 2017. A fala em questão ocorreu     às                            17:28:38. Disponível             em:                           <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/webcamara/arquivos/videoArquivo?codSessao=58813#videoTitulo>. Acesso em: 1 mar. 2017.

 


30                   Disponível <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=koino%2Fs&la=greek&can=koino%2Fs0&prior= Acesso em: 1 mar. 2017.

31                   Disponível <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry% 3Di%29%2Fdios>. Acesso em: 1 mar. 2017.

32                   Disponível <http://www.perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3Atext%3A1999.04.0057%3Aentry% 3Di%29diw%2Fths>. Acesso em: 1 mar. 2017.

 

 

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