“- E eu, professor?!”: o ensino remoto de história e o cenário de inclusão deficitária em áreas rurais e periféricas do Estado do Pará

"- And me, teacher?!": remote history teaching and the deficient inclusion scenario in rural and peripheral areas of the State of Pará


 Catarina da Silva Moreira1

 

Resumo

Este artigo objetiva identificar desafios quanto ao ensino de história no contexto da pandemia do novo coronavírus, analisando cenários de inclusão deficitária que envolvem a educação pública em áreas rurais e periféricas no interior do Estado do Pará.  Para este fim, desenvolveuse uma pesquisa qualitativa em campo digital (DESLANDES; COUTINHO, 2020), por meio da qual buscou-se dados interpretativos para significar experiências de ensino de história desenvolvidas na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará, na segunda metade de 2020 e no primeiro bimestre de 2021.  Os dados obtidos foram analisados seguindo referências teóricas voltadas para o ensino de história. Os resultados apontaram para a necessidade de sensibilidade e participação efetiva da sociedade em geral, e do Estado na construção de políticas educacionais que atendam principalmente as necessidades das populações rurais e periféricas, a fim de oferecer um ensino de história efetivamente cidadão e democrático.  Palavras-chave: Ensino de História; Exclusão social; Pandemia.

 

Abstract

This article aims to identify challenges regarding the teaching of history in the context of the new coronavirus pandemic, analyzing scenarios of deficient inclusion that involve public education in rural and peripheral areas in the interior of the State of Pará. For this purpose, a qualitative research was developed. in the digital field (DESLANDES;

COUTINHO, 2020), through which interpretive data were sought to signify experiences in teaching history developed at the State High School Dr. Pádua Costa, in Santa Bárbara do Pará, in the second half of 2020 and in the first two months of 2021. The data obtained were analyzed following theoretical references aimed at teaching history. The results pointed to the need for sensitivity and effective participation of society in general, and the State in the construction of educational policies that mainly meet the needs of rural and peripheral populations, in order to offer an effectively citizen and democratic history teaching.

Keywords: History teaching; Social exclusion; Pandemic.


 

Introdução    

No mês de março de 2020, a dinâmica escolar em todo o Brasil precisou ser modificada, estudantes e professores não puderam mais comparecer ao espaço escolar, como medida de segurança para prevenção de contágio pelo novo coronavírus. Assim, diante dessa realidade, o ambiente doméstico se tornou espaço de trabalho para os professores, o lugar em que estes dedicam uma grande parte de seu tempo na elaboração de materiais didáticos para uso a distância. Da mesma forma, estudantes e pais estão dividindo tempo entre as tarefas domésticas e as atividades escolares, além de outras situações desencadeadas pelo contexto da pandemia, que vai desde a perda do emprego, poder de consumo, entes queridos, entre outros. Diante deste cenário, a pesquisa desenvolvida para produção deste artigo objetivou identificar os desafios quanto ao ensino de história no contexto da pandemia do novo coronavírus, analisando cenários de inclusão deficitária que envolvem a educação pública em áreas rurais e periféricas no interior do Estado do Pará.

Para alcançar o objetivo proposto, desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa em campo digital (DESLANDES; COUTINHO, 2020), por meio da qual buscou-se dados interpretativos para significar experiências de ensino de história desenvolvidos na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará, na segunda metade de 2020 e no primeiro bimestre de 2021. Segundo Suely Deslandes e Tiago Coutinho (2020, p. 7), o campo de pesquisa digital é “efêmero e volátil, fazendo com que os ambientes por ele produzidos se transformem e se modifiquem de forma acelerada”, desta forma, segundo eles, o pesquisador precisa usar recursos “que lhe garanta algum tipo de materialidade ao dado extraído desses ambientes”. Diante deste desafio da pesquisa digital, foi importante iniciar com a pesquisa bibliográfica no campo do ensino de história, em seguida, busquei na experiência de professorapesquisadora nativa, possibilidades de materialidade de registros.

Os dados quantitativos foram coletados em plataformas digitais de importantes instituições de pesquisas. Quanto as fontes qualitativas, estas foram coletadas no campo de pesquisa digital, e constituíram-se de amostragens de textos produzidos pelos alunos, dados de conversas informais com professores, pais e alunos, as quais aconteceram por meio das redes sociais e telefonemas, mas também coletou-se amostragens de textos manuscritos que foram entregues por alunos diretamente na escola. 

Desta forma, a pesquisa configurou-se em de(s)colonial1 ao considerar a importância da participação de professores, pais e alunos da Educação Básica, como parceiros nesse processo de compreensão da realidade em estudo. Os resultados desta pesquisa estão organizados da seguinte maneira: na primeira seção deste artigo, intitulada “A prática docente em história: antigos e novos desafios”, apresenta-se algumas reflexões de pesquisas sobre formação e prática docente no ensino de história na Educação Básica, destacando os desafios identificados quanto ao ensino de história, apresentando as estratégias de ensino desenvolvidas por professores, bem como aquelas que precisaram ser reinventadas para atender aos estudantes no contexto da pandemia. Na segunda seção intitulada “O ensino remoto e a inclusão deficitária”, analisa-se realidades da educação escolar, enfatizando as formas de desigualdades no acesso ao conhecimento escolar em áreas rurais e periféricas, a partir do contexto da Escola Estadual Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará. Nas “Considerações finais”, destaca-se a importância de se pensar estratégias de ensino menos excludentes e mais democráticas, bem como a necessidade de comprometimento do poder público com políticas sociais mais efetivas para a realidade educacional do país, em especial em áreas rurais e periféricas.  

Ao decorrer deste artigo, veremos que os desafios quanto ao ensino de história neste tempo de pandemia são muitos e variados, pois a pandemia se constituiu em experiência diversificada para a população brasileira. Veremos que a situação socioeconômica, as dificuldades de acesso e domínio das tecnologias, que marcam a realidade de muitas famílias, foram invisibilizadas nos planos das secretarias de educação para manutenção das atividades escolares de forma remota, pois esta modalidade carece de acesso à internet e recursos tecnológicos, fato que vem marginalizando grande porcentagem de estudantes que não possuem acesso a esses recursos. Diante dessas situações sociais de impacto pedagógico sobre o ensino de história, este se percebe diante de antigos e novos desafios para sua concretização de forma cidadã e democrática.

 

A prática docente em história: antigos e novos desafios

A dinâmica escolar que se estabeleceu com a pandemia do novo coronavírus veio a desafiar o papel do professor de história para a construção de novas realidades de ensino e aprendizagem. De repente, os professores viram-se diante de uma modalidade de ensino completamente diferente daquela a que foram formados para atuar. A comunicação direta em diálogos com os seus alunos na sala de aula foi substituída por conversas em ambientes virtuais, assim, o processo de ensino e aprendizagem vem exigindo dos professores um protagonismo para reinvenção das suas formas de ensinar, mantendo o compromisso com a formação cidadã de seus alunos. Nesta seção, apresenta-se reflexões sobre formação e prática docente no ensino de história na Educação Básica, destacando os desafios identificados quanto ao ensino de história em áreas rurais e periféricas do Estado do Pará, e apresentando as estratégias de ensino desenvolvidas por professores, em especial aquelas que precisaram ser reinventadas para atender aos estudantes no contexto da pandemia.

Sabemos que a prática docente é abraçada por muitos professores de história em meio de inúmeras dificuldades, que se iniciam ainda no processo de formação acadêmica. De acordo com os estudos de Maria Auxiliadora Schmidt (2015), o currículo de formação de professores de história na década de 1990 já vinha apresentando sinais de que era preciso um papel ativo deste sujeito no processo de ensino voltado para a formação cidadã dos estudantes. Segundo a pesquisadora:

 

Requeria-se à formação do historiador professor, um sólido conteúdo científico, um consistente preparo de pesquisador, teórico e prático, envolvendo o compromisso político de transformá-lo significativamente na relação com a práxis, não com a prática em si mesma, mas com o mundo real, concreto e histórico de si mesmo e dos seus alunos. (SCHMIDT, 2015, p. 518)

 

 

Schmidt (2015) ressalta acima, que o papel ativo do professor de história deveria ser ampliado também como historiador e pesquisador. O professor de história, na ótica da pesquisadora, deveria ser protagonista2 tanto na produção quanto na disseminação do saber histórico no contexto escolar. Porém, ao observar os currículos dos programas de formação acadêmica que juntaram a licenciatura com o bacharelado, verificou-se que esses currículos priorizavam o bacharelado, desfocando as discussões em torno do papel dos professores de história na educação básica. Essa reflexão foi quase que esquecida nas décadas seguintes do século XXI, “quando a produção do conhecimento histórico tornou-se privilégio de determinados sujeitos e espaços, como a academia, promovendo a dicotomia ensino e pesquisa” (p. 518), principalmente com a separação entre licenciatura e bacharelado em História. 

Mesmo no início do século XXI, o poder público não escondia a forma como se desvalorizava do papel do professor. Luís Fernando Cerri (2013, p. 177), enfatiza essa questão em seu trabalho destacando a fala do Presidente da República em 2001, durante a cerimônia de premiação de projetos tecnológicos, "Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor. Então fica a angústia: se ele vai ter um nome na praça ou se ele vai dar aula a vida inteira e repetir o que os outros fazem". Segundo Cerri (2013), essa postura em relação ao papel do professor, repercutia na formação acadêmica que, priorizava a formação de pesquisadores3 em detrimento dos professores, em especial os que atuariam no ensino básico. 

Neste contexto da pandemia do novo coronavírus, a situação educacional requisitou o protagonismo do professor pesquisador4 de forma mais atuante a fim de cooperar com o ensino de forma menos excludente, em especial o ensino de história nas áreas rurais e periféricas. O professor da educação básica, ao conviver diretamente com a realidade socioeconômica e cultural que envolve o cotidiano escolar, torna-se participante de alguns desafios diários para o exercício da prática educacional em cenários de inclusão deficitária (COELHO; COELHO, 2016). Desta forma, é importante conhecer as observações e reflexões traçadas por esses professores a respeito dessas realidades que envolvem os contextos de ensino e aprendizagens.  

No início do ano letivo de 2020, as aulas presenciais nas redes pública e particular foram suspensas como medida para conter o avanço do contágio pelo vírus da covid-195, que se espalhava pelos países e chegara ao Brasil. Os órgãos competentes recomendaram o isolamento social, evitando as aglomerações de pessoas nos espaços públicos. Desta forma, a fim de garantir acesso dos alunos aos conteúdos escolares no contexto de seus lares, em meados do mesmo ano, a Secretaria de Estado de Educação do Pará estabeleceu o chamado currículo contínuo em modalidade remota6, propondo modificações no currículo da educação básica. De acordo com as novas diretrizes para o currículo contínuo aplicado na rede pública do Estado do Pará, “a reorganização curricular em que os anos letivos 2020/2021 tornam-se um contínuo, no qual as atividades desenvolvidas em 2020 estendem-se ao ano de 2021” (SEDUC-PA, 2020).

A conjuntura educacional que se estabelece a partir da pandemia do novo coronavírus, solicita debates acerca do papel do professor na Educação Básica, em especial os professores de história, bem como a respeito das condições de ensino e aprendizagem que envolvem a educação pública. Os professores estão no esforço de manter o ensino de história em modalidade remota e contínua, situação que os coloca diante de antigos7 e novos desafios para garantir o ensino cidadão e democrático. Por meio de pesquisa bibliográfica, percebemos os principais desafios.

Para Adriana Dickel (1998), Menga Lüdke e Marli André (1986), os professores da Educação Básica convivem com o desafio de pensar possibilidades de ensino que possam garantir aulas mais acessíveis e significativas a seus alunos, as quais precisam ir muito além do cumprimento das orientações curriculares. Segundo elas, a atuação do professor como pesquisador é uma realidade que precisa ser fortalecida e valorizada, pois estes são fundamentais na produção de formas de ensino aplicáveis à realidade vivenciada por seus alunos.

 As pesquisas desenvolvidas pelas professoras Wilma Coelho (2016; 2019) e Antônia Brioso (2018), no contexto de escolas públicas de áreas rurais e periféricas do Estado do Pará, apontaram para o desafio de construção de metodologias de ensino que atendam o estudante em seu contexto social, e lhe ofereça oportunidade de adquirir conhecimentos significativos para melhoria de sua qualidade de vida.

Schmidt (2015, p. 518) destaca um importante desafio ao papel do professor de história, a saber, atuar no ensino como historiador e pesquisador, sendo comprometido “não com a prática em si mesma, mas com o mundo real, concreto e histórico de si mesmo e dos seus alunos”. Ela destaca ao professor de história, seu desafio em conhecer e interpretar historicamente o ambiente de ensino em está inserido, o qual envolve múltiplas realidades socioeconômicas e culturais.

A breve pesquisa bibliográfica traçada acima destacou três importantes desafios ao ensino de história, ressaltando que esses desafios não são recentes, mas estão presentes na dinâmica de ensino de modo contínuo e diversificado, a saber:

01.  Pensar possibilidades de ensino, destacado por Adriana Dickel (1998) e Menga Lüdke (1986). 

02.  Construção de metodologias de ensino, apontado por Wilma Coelho (2016; 2019) e Antônia Brioso (2018). 

03.  Conhecer e interpretar historicamente o ambiente de ensino em está inserido, destacado por Schmidt (2015).

Ao lidar cotidianamente com esses desafios em ambientes escolares de áreas rurais e periféricas, professores de história estão em busca de formas de ensino menos excludentes, como foi observado na pesquisa desenvolvida por Jesimar Cardoso (2021) na comunidade rural do município de Vigia de Nazaré, interior do Estado do Pará. Na referida pesquisa, o professor pesquisador destaca sua experiência de ensino de história e educação patrimonial a partir das vivências dos alunos da Educação Básica. Essa possibilidade de ensino permitiu ao professor pesquisador adentar na realidade socioeconômica e cultural dessa comunidade rural, construindo estratégias de ensino para potencializar a valorização do sujeito e seu patrimônio. Nessa experiência, Jesimar Cardoso (2021, p. 149) vem desafiando professores de história a “pensar em realidades e ritmos de ensino e aprendizagem diversos e bastante diferentes”. 

De modo semelhante, o professor pesquisador Silvio Vilhena (2021) adentra a realidade histórica e sociocultural de Parauapebas, no Estado do Pará, para conhecer o cotidiano vivenciado pelos estudantes da Educação Básica. Apesar de se tratar de um município conhecido como a “capital do minério”, sendo “uma das cidades mais ricas da Amazônia”, segundo Silvio Vilhena (2021, p. 175-175), esse município possui bairros “bastante carentes economicamente”, porém, muitos deles são detentores de preciosos sítios arqueológicos. Diante dessa realidade plural, o professor pesquisador propõe metodologias de ensino de história em “diálogo com as comunidades através do reconhecimento e do fazer reconhecer dos sujeitos históricos” (p. 183), por meio das quais ajusta a dinâmica do currículo escolar com os saberes locais, valorizando suas múltiplas experiências históricas.

Em Santa Bárbara do Pará, desenvolvi pesquisas que deram origem a dissertação de Mestrado no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de História (PROFHIS-UFPA), as quais revelaram aspectos importantes sobre as diversas comunidades que compõem esse município, a saber, comunidades rurais e urbanas, localizadas no interior da floresta, às margens de rios e próximas de estradas. Assim, destacar a Escola Dr. Pádua Costa, localizada na sede do município, como locus para pesquisa foi importante, pois esta escola recebe estudantes dessas diversas comunidades, e na dinâmica escolar de ensino de história em diálogo com a historicidade das comunidades, conhecer e interpretar historicamente esses ambientes conforme orientou Schmidt (2015), é fator fundamental para garantir o ensino de história cidadão e democrático.

Para atender os anos letivos de 2020 e 2021, contexto da pandemia do novo coronavírus, as estratégias de enfrentamento dos desafios no ensino de história precisaram ser reinventadas. O desafio do momento imposto aos professores, em especial aos de história, é desenvolver dinâmicas educacionais de forma democrática e cidadã, isto é, atender aos estudantes de forma remota, procurando meios para reduzir a exclusão quanto a formação escolar e valorização de suas experiências histórica e sociais. Essa corrida por metodologias de ensino remoto conduziu até Circe Bittencourt (2008), em suas diversas propostas de ações pedagógicas, as quais precisaram de adequações para serem aplicadas neste contexto da pandemia. As fontes históricas, como documentos diversos, jornais, literatura, música, cinema, objetos, imagens e fotografias, muito bem orientados por Bittencourt (2008) estão sendo trabalhadas de forma interdisciplinar e de forma remota. 

Nossa primeira experiência de ensino remoto interdisciplinar na Escola Dr. Pádua Costa envolveu professores de história, geografia, língua portuguesa e química. Na experiência utilizamos uma fotografia da escola como objeto de estudo. A partir da imagem fotográfica, exploramos conceitos de objetos de memória e memória histórica, conceitos de espaços e formas de apropriação, explorou-se tipos de textos e gêneros textuais, o estudo também abordou processos químicos em revelações fotográficas. Como o currículo contínuo mescla séries diferentes, a experiência foi trabalhada com todos os alunos do Ensino Médio. Os alunos receberam e devolveram as tarefas aos professores de forma digital, manuscrita ou impressa. 

Ao trabalhar com a temática da memória na fotografia, neste contexto de pandemia, foi uma experiência bastante emotiva para professores e aluno, as produções textuais realizadas pelos alunos destacaram sentimentos de tristeza e saudade, ao se referirem ao espaço escolar indicado na fotografia. Entretanto, alguns comentários destacaram as dificuldades de compreensão sobre os conteúdos abordados, pois, embora os textos explicativos postados nos grupos ou no site, e uso do uso do livro didático, o contato com os professores ainda se apresenta como fundamental na mediação do conhecimento, como veremos mais à frente.  

Sobre as ferramentas desenvolvidas para esta forma de ensino remoto interdisciplinar, foram criados três canais de comunicação online, a saber, grupos de whatsapp, um blog e um site, nesses espaços virtuais, os alunos acessam as orientações de seus professores e recorrem aos grupos nas redes sociais para resolver possíveis dúvidas a respeito do assunto abordado. Foi necessário aos professores, buscar conhecimentos sobre as formas de elaboração e uso de ferramentas digitais para traçar aulas online e envio de material didático aos alunos. As pesquisas para elaboração de textos acessíveis aos alunos e as gravações de vídeos aulas se tornaram rotinas, embora as dificuldades com uso das tecnologias. Muitos professores precisaram criar seus canais, sites e blogs, lidando com a timidez de se expor em meios midiáticos e virtuais, e mesmo de tornar seu ensino público excessivamente exposto ao contexto vivenciado nestes tempos. 

Ressalto, porém, que os canais de comunicação com os alunos, necessitam de acesso à internet, dessa forma, as ferramentas de ensino desenvolvidas para esse momento não estão alcançando todos os estudantes, o que significa que existe um público distanciado do seu direito a educação com qualidade. Assim, destaco que a busca por melhorias no processo de ensino e aprendizagem é um antigo esforço dos professores para manter a educação de qualidade nas escolas públicas, e neste cenário de pandemia, com o estabelecimento do ensino remoto, esse esforço se tornou ainda mais necessário. Porém, veremos a seguir, que embora as ações desenvolvidas pelos professores para reduzir o impacto da pandemia sobre a formação escolar dos alunos, são necessárias políticas sociais favoráveis à garantia desse direito.

 

O ensino remoto e a inclusão deficitária

Ao atender de forma remota um estudante da Escola Dr. Pádua Costa, rede pública do Estado do Pará, este informou que na comunidade em que mora, os alunos estão acompanhando as aulas remotas com uso do celular, porém, são muitas as dificuldades para compreensão dos conteúdos. Segundo o estudante, “neste tempo de pandemia, está complicado para todos, mas aqueles que não dispõem de equipamentos digitais e internet adequados, a situação se torna mais agravante”, pois, segundo ele, a baixa conexão e qualidade dos equipamentos usados, comprometem as leituras e a compreensão dos conteúdos, além de dificultar download dos textos e vídeos. Nesta seção, estaremos analisando as formas de desigualdades de acesso ao conhecimento escolar nas áreas rurais e periféricas, enfatizando o contexto da Escola Estadual Dr. Pádua Costa, em Santa Bárbara do Pará.

Como já observamos na sessão anterior, ao levar o processo de ensino para o contexto doméstico, descortinaram-se as formas de desigualdades presentes nos ambientes escolares, principalmente em áreas rurais e periféricas do Brasil. Nas áreas distantes dos centros urbanos da Região Norte8 do Brasil, em que as águas dos rios que banham essa região, em determinados espaços são escuras e profundas, sendo pouco possível a visibilidade do que se encontra debaixo delas, além disso, suas margens são cheias de resíduos florestais e lama, que surgem e desaparecem de acordo com as enchentes e vazantes. Nesses locais, o acesso à parte seca e habitável é feita por meio de trapiches improvisados, para os quais se usam os troncos de madeira. Mas são nesses locais que muitos de nossos estudantes residem com suas famílias, usam de seus conhecimentos e estratégias para obter o sustento da vida por meio da agricultura, pesca, entre outras tantas atividades para as quais desenvolvem saberes de importância extrema. Esses estudantes enfrentam as dificuldades diárias impostas pelo meio ambiente e pelas deficiências no acesso à políticas públicas que atendam suas necessidades básicas, em especial à educação. E neste contexto de pandemia, a situação se agravou. 

As nossas últimas aulas presenciais na Escola Dr. Pádua Costa aconteceram em fevereiro de 2020. Estávamos iniciando o ano letivo apresentando as expectativas para desenvolvimento de nossos projetos escolares, os estudantes estavam expondo seus anseios quanto a formação acadêmica, em especial os estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, que estavam na preparação para a prova do Exame Nacional do Ensino Médio, na expectativa pela oportunidade de acesso ao Ensino Superior. Apesar da credibilidade no ensino público para cooperar com os projetos de vida desses estudantes, destaco que a estrutura física da escola encontrava-se em condições precárias, com constantes falhas no fornecimento da energia elétrica, o que dificultava o uso do condicionador de ar e dos ventiladores. Em determinados momentos, as aulas estavam acontecendo fora de sala, nos corredores, onde se podia desfrutar de ar natural, trazido pela brisa da tarde e pelo balanço de algumas árvores próximas. Embora os problemas nada românticos ligados à estrutura física da escola, os quais são constantes em muitas escolas da rede pública no Brasil (SCHNEIDER et al, 2020), nós, professores de história, que atuamos na educação pública, compreendemos a importância de mantermos nossos objetivos educacionais voltados para cooperar com o sonho desses estudantes de um dia conseguirem melhorar suas condições de vida. 

Por meio de questionários de sondagens aplicados aos alunos da Escola Dr. Pádua Costa, no início do ano letivo de 2020, foi possível perceber parte das dificuldades enfrentadas por esses alunos para obterem acesso à educação. Nos relatos, observamos que muitos deles levantam pela madrugada e remam até a saída do igarapé, porque as águas baixaram, e a lancha escolar os aguardaria no trapiche. Outros alunos afirmaram precisar caminhar até o ramal mais próximo para esperar o ônibus escolar. Enfim, eles chegam, de perto ou longe da escola, com seus materiais escolares em mãos em busca de sonhos diversos. 

Como já foi mencionado, no início do ano letivo de 2020, o afastamento dos alunos e professores da rotina escolar foi uma medida importante e necessária para evitar o aumento do contágio pelo novo coronavírus. Em cumprimento das recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS)9, e priorizando a saúde de estudantes e funcionários, as escolas do Estado do Pará aderiram à suspensão de suas atividades presenciais, promovendo distanciamento social entre seu público escolar, a fim de evitar aglomerações. Dessa forma, a escola buscou formas de se reinventar nos espaços doméstico, no chamado ensino remoto. 

Ao levar o processo de ensino para dentro das casas dos alunos, ficou impossível invisibilizar a situação de vulnerabilidade social em que se encontram as famílias dos estudantes e as formas de desigualdades de acesso ao conhecimento escolar nas áreas rurais e periféricas. As pesquisas realizadas no campo digital destacaram como o desemprego, as dificuldades financeiras, as dificuldades quanto ao acesso aos recursos digitais, bem como às redes de internet, comprometem o ensino remoto, distanciando muitos estudantes do seu direito à educação, desafio que transcende a atividade docente.  

Gráfico 1: Mostra de domicílio sobre pessoas afastadas do trabalho

Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Desocupação, renda, afastamentos, trabalho remoto e outros efeitos da pandemia no trabalho. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. Disponível em: https://covid19.ibge.gov.br/pnad-covid/trabalho.php. Acesso em: 24/03/2021.

 

Conforme os dados da pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020), os impactos da pandemia sobre a vida econômica dos brasileiros foram ampliados10. Os dados mostram uma acirrada queda no percentual de pessoas exercendo algum tipo de ocupação remunerada, e essa situação se revela atingindo homens e mulheres em diferentes idades. Ao traçar um olhar para além dos dados numéricos, podemos perceber que muitos pais e mães de alunos estão com dificuldades financeiras para garantir o ensino de suas crianças e adolescente em suas casas. “Aqui na comunidade enfrentamos várias dificuldades na pandemia, com o afastamento do trabalho, estamos tendo que se virar de outra forma para colocar alimento na mesa”, o trecho do relato da aluna residente de uma comunidade rural, enfatiza a realidade destacada no gráfico. 

Ainda de acordo com o IBGE (2020), e o depoimento da aluna citado no parágrafo anterior, as dificuldades de ordem financeira foram acirradas pelo contexto da pandemia, o que significa que os estudantes de camadas mais pobres, encontram-se impossibilitados em prosseguir com os estudos11, devido a precariedade da situação financeira. Segundo o IBGE (2020), essa situação ficou ainda mais acirrada na Região Norte do país:

 

Foi verificado que entre os ocupados que estavam afastados do trabalho que tinham na semana de referência no Brasil (4,7 milhões), aproximadamente 900 mil pessoas estavam sem a remuneração do trabalho, este total representava 19,2% do total de pessoas afastadas do trabalho que tinham, em setembro este percentual era de 19,8%, mas vem caindo consistentemente ao longo da pandemia. A Região Sul teve o menor percentual, 16,3% e a Região Norte, o maior percentual, 26,8%. (IBGE, 2020)

 

Mais uma vez analisando esses resultados para além dos números, verifica-se que na Região Norte ocorre maior percentual de pessoas afastadas do trabalho e sem remuneração. Os dados sugerem que os estudantes dessa região estão com grande impacto sobre seu processo educacional, devido aos diversos fatores desencadeados pelas dificuldades financeiras. Considerando que sem remuneração adequada, além das dificuldades de garantir o suprimento das necessidades básicas, como alimentação e cuidados com a saúde (principalmente neste contexto da pandemia), ainda é difícil para essas famílias adquirir recursos digitais (computadores e celulares), e internet, os quais estão sendo necessários para acompanhamento das aulas remotas. Esses fatores ampliam as desigualdades de acesso à educação neste contexto de pandemia, pois de acordo com Anna Carolina Venturini et al (2020):

Além das desigualdades de raça e classe, a compreensão das desigualdades educacionais, em especial neste contexto de pandemia, envolve alguns aspectos importantes: as diferentes condições das escolas públicas e privadas, as expressivas desigualdades regionais, assim como a estrutura domiciliar e de acesso a equipamentos que viabilizem o ensino remoto. (VENTURINI et al., 2020, p. 3). 

As observações de Venturini et al (2020) reforçam a compreensão da realidade em que se encontra a educação pública nestes tempos de pandemia. As dificuldades são múltiplas para os estudantes das escolas públicas no Estado do Pará, assim como em outros estados do Brasil. Os estudantes convivem com as dificuldades de acesso à internet de qualidade, além de aquisição de equipamentos tecnológicos adequados para garantirem a participação nas aulas remotas. Desta forma, esses estudantes ficam em desvantagem no processo de formação escolar, pois se encontram limitados aos momentos de leituras nos livros didáticos, e resoluções de exercícios, sem contato adequado com os professores para obterem as orientações. O gráfico abaixo informa sobre essa realidade:

 

Gráfico 2: Mostra de domicílio sobre uso da internet.

Fonte: IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Acesso à Internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2018. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101705_informativo.pdf. Rio de Janeiro: IBGE: 2019. Acesso em: 26/03/2021.

 

Os dados no gráfico 2 mostram que as Regiões Nordeste e Norte apresentam menor percentual de acesso à internet que as demais regiões do Brasil, com respectivamente, 69,1% e 72,1%. E as áreas rurais dessas regiões são as que tem menores percentuais de acesso em relação aos seus centros urbanos, sendo que as áreas rurais da Região Norte estão apresentando menor percentual, com 33,1%. Como estou fazendo ao longo deste artigo, mais uma vez convido para olharmos os dados para além dos números e das linhas geométricas traçadas, dessa forma, conseguimos visualizar de maneira mais realista, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes das áreas rurais e periféricas do Brasil, mas especialmente da Região Norte. 

Ainda sobre a questão do acesso à internet, dados de pesquisas realizadas em 2019 pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade da Informação (Cetic.br) foram divulgados por Jonas Valente (2020) no início de 2020. De acordo com os resultados da pesquisa, 74% dos brasileiros obtiveram acesso à internet nos últimos três meses de 2019. Porém, segundo pesquisadores, os índices indicam variação de uso entre os brasileiros, e, mais uma vez se verifica as desvantagens das populações de áreas rurais no que diz respeito ao uso da internet:

 

Mas os dados da pesquisa evidenciam diferenças entre os brasileiros. O índice varia entre as pessoas nas áreas urbana (77%) e rural (53%). Foi a primeira vez que a conectividade no campo ultrapassou a metade dos residentes nesses locais. (...) No recorte por renda, o nível de acesso foi de 61% entre os que ganham menos de um salário mínimo, 86% entre os que recebem de três a cinco salários mínimos e 94% entre os usuários com remuneração acima de 10 salários mínimos. (VALENTE, 2020)  

A partir desses dados citados acima, verificamos que em 2019 as populações residentes das áreas rurais permanecem em profundas desvantagens para acesso aos recursos digitais. Sendo que as famílias que vivem com menos de um salário, pouco mais da metade delas consegue acessar internet, sendo 53%. Já as famílias que vivem com renda entre cinco e dez salários, o acesso à internet fica entre 86% e 94%. Dessa forma, as pessoas que residem em áreas rurais e com baixos salários encontram-se em desvantagens para acesso à internet e, consequentemente ao ensino remoto, como fora enfatizado anteriormente. 

Os dados anteriores podem ser comparados com os estudos do Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC, 2020), segundo o referido estudo: 

Profundas desigualdades regionais e socioeconômicas que marcam a sociedade brasileira também se reproduzem no ambiente on-line, com menor proporção de uso da Internet em áreas rurais, entre indivíduos com menor renda e escolaridade, bem como entre os mais velhos. Além disso, há também desigualdades no acesso à Internet de qualidade nos domicílios e nos tipos de dispositivo sutilizados para acesso à rede – para a maioria dos brasileiros, o único dispositivo conectado é o telefone celular. (CETIC, 2020, p. 8). 

O trecho citado acima destaca como a realidade do ensino remoto descortinou questões sociais profundas existentes no ambiente escolar, revelando que as formas de ensino e aprendizagens são comprometidas pelas especificidades econômicas regionais. Pois os processos de ensino e aprendizagem remota acontecem de maneira desigual entre elas, a saber, a inclusão deficitária dos estudantes das áreas rurais às formas de acesso aos conteúdos digitais, uma realidade que já vinha colocando em desvantagem os estudantes que convivem com essas questões de exclusão social e digital. 

Na esperança de driblar parte desse processo de inclusão deficitária, escolas da Região Norte recorreram com mais frequência ao uso de materiais impressos e livros didáticos, conforme revelam os dados abaixo: 

Entre as regiões do país, os usuários da Região Norte foram os que mais reportaram o acompanhamento das aulas ou atividades por meio de materiais impressos (37%) e de transmissões em canal de televisão (21%) e os que reportaram em menor proporção o uso de aplicativos da escola, universidade ou da Secretaria de Educação (44%) e de site, rede social ou plataforma de videoconferência (52%). A entrega de livros e apostilas pelas Secretarias de Educação foi uma das estratégias adotadas para que os estudantes, especialmente aqueles das camadas mais vulneráveis da população, sem acesso a dispositivos e redes, tivessem acesso a materiais didáticos e atividades educacionais durante a pandemia. (CETIC, 2020, p. 11).

Como está enfatizado na citação acima, as escolas da Região Norte do Brasil mantiveram as atividades remotas, porém, essas escolas precisaram usar em maior percentual de uso dos materiais impressos, com acompanhamento pela televisão, para seus alunos estudarem em suas casas, e, em relação às demais regiões, o Norte apresentou menores percentuais para formas de comunicação de estudos com uso da internet. Considerando a má qualidade dos sinais de internet que atendem a região, o acompanhamento das dinâmicas de aulas diretamente com o professor fica comprometido, deixando estes alunos limitados ao uso da televisão, sem a reciprocidade devida para trabalhar didaticamente suas dúvidas em relação aos conteúdos das disciplinas. Dessa forma, o acesso aos conhecimentos específicos das disciplinas escolares está sendo desenvolvido em casa com uso dos livros didáticos. Mas essas dificuldades estão provocando desconforto tanto em professores, como nos pais, e principalmente nos alunos.  

Como estratégia de pesquisa de campo digital (DESLANDES; COUTINHO, 2020), conversei com estudantes do Ensino Médio da Escola Dr. Pádua Costa, via telefonemas e redes sociais, e interroguei pais e alunos sobre suas dificuldades em relação às aulas remotas. Esses dados qualitativos destacaram algumas das principais dificuldades, a saber: “A maior dificuldade é não ter um professor para explicar”, nesta afirmação, o estudante considera a importância do diálogo professor-aluno no processo de construção do conhecimento. Outro aluno do Ensino Médio destacou que “pela parte de estudar em casa é legal, a gente tem tempo de sobra, concentração, mas com a presença do professor ou da professora tudo fica mais fácil”. Uma aluna do segundo ano do Ensino Médio respondeu no grupo de estudo digital que a experiência de estudo remoto tem sido “diferente e difícil”, pois segundo ela, o fato de não ter uma internet de qualidade, ela não pode dialogar com os professores em tempo real, então fica com muitas dúvidas, e “se tivesse ajuda de ferramentas que pudessem complementar o estudo, estaria melhorando o entendimento”. Segundo ela, na sua residência não tem acesso à internet, então precisa de deslocar até certo local onde consegue acessar a plataforma de estudo, mas não consegue conversar com os professores, pois as mensagens ficam confusas no aparelho celular. Assim, conforme os relatos, somando os dados mencionados pelas instituições de pesquisa, os alunos da rede pública de ensino, principalmente os que residem em áreas distantes dos centros urbanos, convivendo com a inclusão deficitária em políticas sociais, são os mais afetados pelo distanciamento em relação às formas de ensino desenvolvidas para este contexto de pandemia. 

Observa-se que os fatores que cooperam para essa realidade educacional são, principalmente de ordem política e socioeconômica, pois a ausência de políticas sociais efetivas que atendam aos estudantes e suas famílias, cooperam para a situação de desvantagem na corrida por uma formação educacional que possa lhe oportunizar melhoria na qualidade de vida, colaborando para o acirramento das limitações em concretizar um ensino de história efetivamente cidadão e democrático. Essas informações de pesquisa destacam a necessidade de participação mais efetiva da sociedade em geral, e do Estado na construção de ações que atendem devidamente as necessidades básica das populações rurais em todas as regiões do Brasil, cooperando para que seja garantido o direito de acesso à educação de qualidade.   

 

Considerações Finais

Percebemos ao longo desta pesquisa que as estratégias de ensino remoto aplicadas neste contexto de pandemia, têm sido esforço de professores movidos pelo compromisso de colaborar com a continuidade da formação educacional de estudantes, principalmente daqueles que buscam na educação uma forma de melhoria de sua qualidade de vida. Porém, as formas de acesso ao conhecimento, em especial ao conhecimento histórico, usadas por estudantes do ensino médio da rede pública, ainda são bastante deficitárias, principalmente em áreas rurais e periféricas, como revelam as pesquisas nesse campo de estudo. Nessas áreas, as realidades educacionais são múltiplas, e muitos estudantes estão ficando de fora do processo de ensino e aprendizagem que está acontecendo nas plataformas virtuais, eis, portanto o título deste artigo fazer alusão ao chamado dos estudantes que aguardam a chegada apenas de caderno impressos, sem obter respostas às suas dúvidas. Enquanto as aulas são ministradas nos ambientes digitais para um público reduzido, outros alunos permanecem a questionar “E eu, professor?!”. 

Neste limitado trajeto de pesquisa para escrita deste artigo, percebe-se o acirramento das limitações em concretizar um ensino de história efetivamente cidadão e democrático diante deste contexto de pandemia, cujos reflexos se apresentam de forma desigual entre as populações do Brasil. Ao dialogar com especificidades da prática docente em ensino de história no cenário da pandemia, verificou-se a importância do protagonismo do professor pesquisador em história, que por meios de observações e pesquisas em seu espaço de trabalho, contribui para descortinar o cenário da exclusão social e digital em que se encontram muitos estudantes do ensino médio de áreas rurais e periféricas, como revelam este e outros estudos no interior do Estado do Pará. 

Verifica-se entre os professores a necessidade de pensar sua prática cotidiana de ensino, objetivando atender as necessidades impostas pelo contexto da pandemia, quando os processos de ensino e aprendizagem estão exigindo cada vez mais a modernização de tais práticas. Assim, buscar desenvolver metodologias de ensino aplicáveis a este contexto, tem se tornado rotina na vida dos professores, em especial de história, foi necessário buscar novos conhecimentos na área tecnológica para desenvolver sites, blogs, gravar vídeo aulas, entre outras formas de fazer chegar o conhecimento até os lares dos estudantes. 

Conforme a Constituição Federal de 198812, o ensino deve ser cidadão e democrático, porém, como foi evidenciado nesta pesquisa, o contexto da pandemia ampliou barreiras que dificultam o acesso ao ensino e aprendizagem para determinadas comunidades rurais e periféricas. Ao levar processos de ensino e aprendizagens para o contexto das vivências familiares, tornou-se impossível manter a invisibilidade nos programas de ensino, quanto as dificuldades socioeconômicas das famílias, somando-se a ausência de políticas sociais necessárias neste momento, fato que agravou o quadro de exclusão social e digital (ou inclusão deficitária), de muitos estudantes, comprometendo o processo de ensino e aprendizagem de jovens estudantes. Esses fatores se destacam colaborando para a ineficácia do ensino remoto nas regiões do Brasil, frustrando os sonhos de muitos pais e estudantes. 

A formação escolar de nível médio e superior faz parte dos sonhos de vida desses jovens estudantes. E para atingir essas metas, é inegável a necessidade de políticas públicas de reparação social voltadas para esse público de alunos, principalmente neste contexto da pandemia, em que eles se encontram distanciados dos mecanismos de acesso ao ensino remoto. As áreas rurais em que residem suas famílias possuem acesso deficitário à internet, assim como o uso de equipamentos com melhor qualidade. Embora estes alunos estejam recebendo as atividades remotas de forma impressa, o acompanhamento pedagógico torna-se deficitário para melhores resultados de aprendizagens, pois estes ficam de fora das conversas e aulas virtuais que são traçadas pelos professores e os demais alunos que possuem melhores condições de acesso à internet.

O que se espera então? De acordo com os dados qualitativos e quantitativos apresentados neste artigo, a situação de exclusão poderia ser minimizada com políticas sociais mais efetivas, tais como a garantia de acesso à internet gratuita e possibilidades para aquisição de equipamentos eletrônicos (celular e computadores) com qualidade para as áreas de interior do Brasil, em especial na região Norte. Além de compromisso do Estado com políticas sociais de apoio aos estudantes e suas famílias, atendendo aos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Esses e outras tantos anseios ficam pairando no ar e nas cabeças de professores, pais e alunos, sendo que estes dois últimos encontram-se “perdidos” em meio às dificuldades diversas que se somaram às tarefas e prazos para devolução de suas atividades, a espera de que tudo retorne ao normal e que todos possamos ficar bem e continuar na luta por dias melhores.   

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Recebido em 29/03/2021.  Aceito em 17/04/2021.

 1 Mestre em Ensino de História pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora de História do Ensino Médio (SEDUC-Pa). Brasil. E-mail: Catahistoria@outlook.com

 

1                      Segundo Rogério Haesbaert (2021, p.10), “a de(s)colonialidade, muito mais que resultado de uma exigência acadêmica, um novo paradigma ou “corpo teórico”, é uma demanda da vida de pessoas/grupos reais que nos convocam como parceiros em busca não apenas de respostas, mas também de ações concretas que (n)os auxiliem na construção de um outro mundo –ou na abertura de horizontes para outros mundos possíveis–”.

2                      Segundo Schmidt (2015), o ato de ensinar História e seus resultados de aprendizagens foram por muito tempo colocados em status inferior ao do pesquisador de história, pois ao pesquisador caberia a tarefa de produzir os conhecimentos históricos, enquanto ao professor de história, seu papel estaria limitado à transposição didática desses conhecimentos para os estudantes. Desta forma, o pesquisador de história estaria a fazer ciência, enquanto o professor de história seria aquele que realizaria o ensino, sem participar na produção daqueles conhecimentos que eram ensinados.

3                      É importantes destacar que foi longa a luta do pesquisador de história pelo registro profissional como historiador, obtido somente após a Lei Nº 14.038, de 17 de Agosto de 2020 (BRASIL, 2020).

4                      Kenneth M. Zeichner (1998) destaca que os professores vêm gerando, através de suas pesquisas, conhecimentos sobre realidades escolares, os quais são importantes para se pensar formas de ensino e aprendizagens mais significativas para os diversos contextos. Assim, neste contexto da pandemia, em que o ensino remoto demanda olhares dos diferentes sujeitos envolvidos neste processo educativo, as experiências de ensino traçadas pelos professores destacam a importância de se exigir políticas sociais mais colaborativas com as especificidades educacionais de áreas rurais e periféricas.

 

5                      Conforme a Nota Informativa Nº 17/2020 lançada pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2020), no início de 2020, ainda não havia um protocolo cientificamente comprovado para o tratamento de pessoas infectadas pela covid-19, doença provocada pelo então chamado novo coronavírus, e também neste mesmo período, as vacinas contra o novo coronavírus estavam nos seus primeiros estágios de pesquisa.

6                      Seguindo as orientações, o currículo referente ao ano letivo de 2020, somou-se ao de 2021, ambos norteados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Assim, o papel do professor de história aliou-se aos demais componentes curriculares da área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, para desenvolvimento do ensino remoto.

7                      Denominarei de “antigos desafios” as situações de ensino que comprometem o ensino democrático de história, antes do advento da pandemia do novo coronavírus.

8                      Importante destacar que o Norte do Brasil apresenta variedade nas suas formas de ocupação e uso dos espaços. E para este artigo, destaco as condições de acesso à educação pelos estudantes residentes de áreas distantes dos centros urbanos, mas que mantém relações socioculturais diversa com estes, ou seja, estes estudantes residem em comunidades que atendem ao conceito de cidades-florestas (PACHECO, 2010) ou cidades na floresta (CASTRO, 2009).   

9                      Em muitas capitais e interiores do Brasil, essa medida se estendeu ao longo do ano letivo de 2020, por recomendações do Conselho Nacional de Saúde (CNS), conforme a Recomendação Nº 61 de Setembro de 2020, que “recomenda que a retomada das aulas presenciais só ocorra depois que a pandemia estiver epidemiologicamente controlada e mediante a articulação de um plano nacional que envolva gestores e a sociedade civil”. (BRASIL, 2020).

10                    As pesquisas revelaram que entre maio e outubro, ocorreu aumento no número de pessoas que tiveram redução de seus rendimentos familiares, devido ao afastamento do trabalho, essa situação social e econômica das famílias irá repercutir sobre o acesso ao ensino remoto.

11                    As diversas dificuldades decorrentes da situação de desemprego, enfrentadas pelas famílias dos alunos, interferem diretamente sobre os resultados de aprendizagens dos mesmos, conforme estudos de pesquisadores como Adriana Dickel (1998), Wilma Coelho e Mauro Coelho (2016).

12                    O Art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (BRASIL, 1988).

 

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