Fronteiras: Revista Catarinense de História. DossDireitos humanos, sensibilidades e resistências. N 36, 2020/02 ISSN 2238-9717
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Apresentação
A história como ciência, desde muito tempo, é alvo de disputas políticas e intelectuais
que colocam em xeque um discurso amplamente difundido, que sustentava a existência de uma
suposta imparcialidade no ofício do historiador e da historiadora. No entanto, ao se aproximar
de diversas áreas que compõem as Ciências Humanas e Sociais, com intuito de pluralizar seus
sujeitos e objetos, a história, e, portanto, a própria historiografia, viram-se envoltas em
problemáticas que as questionavam como campo discursivo neutro, impelindo-as à produção
de um tipo de conhecimento marcado pelas posições políticas e ideológicas, que por sua vez,
possuem uma forte ancoragem em processos socioculturais do presente que transbordam em
subjetividades.
Desta intersecção entre história, novos sujeitos, objetos multifacetados e pluralização
dos discursos sobre o passado, a temática dos direitos humanos, surge como um campo que
convoca historiadores e historiadoras a pensar a produção de sujeitos, os processos de violação
e as diversas formas de existência, em seu atravessamento por questões da interculturalidade,
identidades, igualdade, equidade, justiça social e representatividade, entre outras, que
constroem as concepções atuais de dignidade humana e respeito a diversidade.
Este Dossiê, n. 36, intitulado Direitos humanos, sensibilidades e resistências, que se
apresenta com caráter multi, trans e interdisciplinar, é constituído por dez artigos, uma
entrevista, um texto composto por relatos e duas resenhas. Os trabalhos aqui apresentados,
versaram sobre as relações da história com os direitos humanos, as sensibilidades e os processos
de resistência.
O historiador Reinaldo Lindolfo Lohn no artigo intitulado A utopia dos direitos
humanos na cidade: o direito à cidade, reformas urbanas e projeções sociais em Florianópolis
(SC) - entre a ditadura e a democracia (1964-2004) discutiu os conflitos gerados pela
imposição de reformas urbanas em Florianópolis (SC), ao longo da ditadura militar, com
desdobramentos no período democrático. Tomando o acesso à cidade como uma das dimensões
dos direitos humanos, o autor discute a constituição do espaço urbano como um elemento de
disputa entre as camadas médias e os grupos populares urbanos.
Ernani Soares Rocha e Sueli Siqueira no artigo, Percepção dos jovens sobre o novo
território 10 anos depois da desterritorialização: o caso de Itueta, abordaram, por meio de
entrevistas, a percepção dos jovens do município Itueta que vivenciaram, entre os anos de 2000
e 2006, o processo de realocação de sua sede em função da instalação da Usina Hidrelétrica
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Eliezer Batista. Ao centrar suas análises em entrevistas, as autoras buscaram compreender os
efeitos dessa Territorialização, Desterritorialização e Reterritorialização, nas trajetórias de vida
de jovens e adolescentes que habitavam até então a sede do referido munícipio
O artigo A educação no município de Xaxim: dimensões históricas e políticas da
universalização da educação básica (1910-2020), de Paulo Roberto Da Silva e Joviles Vitório
Trevisol, analisou a trajetória da educação no município de Xaxim (SC) no período entre 1920
e 2020. Enfatiza que o direito à educação para todas as crianças em idade escolar do Ensino
Fundamental tornou-se realidade apenas no final do século XX, demonstrando a existência das
desigualdades regionais que estruturam o Brasil no campo das políticas públicas.
Natalia Ferreira, com o artigo Os desafios do tempo presente e a colonialidade da
natureza: intersecções para pensar novas sociabilidades, intenciona discutir sobre a
colonialidade a partir de seus aspectos, demonstrando as sobreposições das opressões da Matriz
Colonial do Poder a partir da análise de linguagens e hábitos recorrentes que são naturalizados
por nossa sociedade.
No artigo Ilha da Magia seletiva: religiões de matrizes africanas e a intolerância
religiosa em Florianópolis, Hilton Fernando da Silva Pinheiro evidencia os desafios que as
comunidades religiosas de matrizes africanas enfrentam, no que se refere aos direitos de fruição
ao espaço público. As reflexões partiram da análise de um ato de intolerância religiosa ocorrido
em setembro de 2019, na cidade de Florianópolis SC, que visibilizou os conflitos existentes
em torno de símbolos, monumentos, sujeitos e manifestações religiosas de matriz africana.
Com o artigo intitulado Dignidade humana: o desaparecimento do preto velho
Jeronymo Palmas/PR, meados do século XX, os historiadores Renilda Vicenzi e Carlos
Eduardo Cardoso, por meio de um inquérito e de um processo crime, do início do século XX,
na Comarca de Palmas/PR, buscam compreender as estruturas de racialização e exclusão social,
conferidos a população negra, que marcaram de forma profunda a organização sociojurídica do
Estado brasileiro.
Susana Cesco, no artigo O que, como e por que censurar: o trabalho de censura da
Polícia Federal na década de 1970, analisou o trabalho de censores, autoridades policiais e a
própria reestruturação e atuação da Polícia Federal nas décadas de 1960 e 1970 que passou a
atuar como órgão responsável pela censura no país. A autora descreve os caminhos percorridos
pela política de controle estatal, especialmente no que diz respeito às normas e critérios
adotados para proibir e cercear a livre circulação de ideias.
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A historiadora Marlene de Fáveri no artigo Violência política em tempo de guerra: a
Exposição de Material Nazista: a Exposição de Material Nazista tratou da Exposição de
Material Nazista organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social de Santa Catarina
nos anos de 1942 e 1943, quando o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, durante a
Segunda Guerra Mundial. Ao se debruçar sobre tal processo histórico, a autora visa analisar o
papel da Polícia Política na repressão e perseguição de populações originárias da Itália e
Alemanha, destacando a atuação de tal instituição na construção de discursos políticos que
fomentavam o medo e a repulsa pelo outro entre a população catarinense.
O artigo Marcelino Chiarello: um defensor dos direitos humanos, de Cesar Capitanio e
de José Carlos Radin, evidenciou a formação e a militância do vereador Marcelino Chiarello,
de Chapecó-SC, sobretudo, o seu envolvimento na defesa dos direitos humanos, relacionando-
a com uma formação sociopolítica alicerçada na vertente religiosa da Teologia da Libertação e
da influência do Bispo Dom José Gomes. Os autores destacam sua atuação junto aos
movimentos sociais e sindicatos, em um projeto que visava radicalizar o campo da política
formal.
Com o artigo Rezar, lutar, lavrar: missionários, militares e indígenas na composição
das fronteiras da Província do Amazonas (1851 1852), Paulo de Oliveira Nascimento abordou
o projeto de construção das fronteiras da/na Província do Amazonas, num momento em que as
autoridades imperiais (1851 1852) buscavam nortear a ação política e administrativa para
modernizar a região. Através da expansão da fronteira, pretendiam implementar o projeto
geopolítico de “civilização” dos indígenas e modernização da economia naqueles rincões do
Império do Brasil, na tentativa de integrá-los a um projeto modernizador da sociedade brasileira
A atual edição de Fronteiras conta ainda com uma entrevista realizada por Kelly
Caroline Noll da Silva que dialogou com a professora Solange Ramos Andrade sobre a temática
da religião e da religiosidade católica no Brasil Contemporâneo.
Este número da revista traz uma proposta inovadora, com publicação de um texto
composto a partir dos relatos das professoras Andréa Vicente, Adriana Fraga Vieira, Adriana
Signori, Elandia S. Thiago e Karla Andrezza Vieira. Os textos foram agrupados e denominado
Vozes docentes: lugar de escuta em tempos de pandemia. As professoras participaram da mesa
redonda “Lugares de escuta: ensinar História em tempos de pandemia” que compunha a
programação do XVIII Encontro de História da ANPUH/SC. Além dos tocantes relatos, o texto
é introduzido pelo historiador Rogério Rosa Rodrigues, idealizador da mesa e diretor da
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ANPUH-SC (2018-2020). Os relatos voltam as luzes às professoras da rede básica de ensino e
são traduzidos por Rogério Rosa como narrativas contundentes, sensíveis e engajadas.
Finalizando o número, duas obras compõem a seção resenha. A primeira, realizada por
José Antônio Fernandes, analisa as discussões presentes no livro Peronismo: como explicar lo
inexplicable, obra organizada por Santiago Farrell, que apresenta uma pluralidade de
interpretações sobre o Peronismo, observando que tal temática é ainda bastante controversa e
pouco homogênea. A segunda, de Kauê Pisetta Garcia, trata-se do livro intitulado Como será o
passado? História, historiadores e a Comissão Nacional da Verdade, de Caroline Silveira
Bauer. A obra se constitui a partir do resultado de uma pesquisa realizada pela autora sobre os
usos políticos do passado através dos debates em torno da Comissão Nacional da Verdade.
Neste ano conturbado, em meio a uma pandemia que nos marcou por muitas perdas,
a Fronteiras: Revista Catarinense de História reúne textos sensíveis a diversas causas. São
artigos, entrevista e relatos envoltos de sensibilidades e que narraram processos de resistências.
Desejamos uma boa leitura!
Ismael Gonçalves Alves (UNESC)
João Henrique Zanelatto (UNESC)
Michele Gonçalves Cardoso (UNESC)
Organizadores do Dossiê Direitos Humanos, Sensibilidades e Resistências
Samira Peruchi Moretto (UFFS)
Editora da Fronteiras: Revista Catarinense de História