Fronteiras: Revista Catarinense de História. DossDireitos humanos, sensibilidades e resistências. N 36, 2020/02 ISSN 2238-9717
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DOI: https://doi.org/10.36661/2238-9717.2020n36.11886
Vozes docentes: lugar de escuta em tempos de pandemia
Rogério Rosa Rodrigues
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Muito temos falado da categoria chamada lugar de fala. Trata-se de uma perspectiva
que exige do sujeito reconhecer e declarar sua condição de classe, raça e gênero, tirando-a do
ocultamento geralmente promovido pelos privilégios que alguns grupos historicamente detêm.
Não se trata em dizer quem pode ou não falar, quem deve ou não se calar, que assuntos podem
ser abordados por este ou aquele sujeito. Fazer uma abordagem interseccional dos nossos
discursos a partir desses três vetores implica em tirá-los do lugar comum em que foram
naturalizados, seja como privilégio, seja como interdição e discriminação de expressões
culturais, políticas, sociais, econômicas e linguísticas. Lugar de fala, portanto, exige autocrítica,
empatia, historicização, reflexão, desconstrução. E como toda fala geralmente aguarda um
público, desconfio que essa categoria deveria ser combinada com lugar de escuta.
Em tempos de aceleração das atividades do nosso cotidiano, de virtualização das
relações e da vertiginosa velocidade com que as notícias se tornam obsoletas, estabelecer
momentos de escuta fica cada vez mais difícil. Sem escuta, como vamos acolher a dor dos
outros(as)? Como vamos pensar juntos(as)? De que forma vamos nos identificar e solidarizar
com as vidas que escapam do nosso círculo familiar? Como poderemos até mesmo afinar
silêncios com outras e outros que elegemos dignos(as) de nossa atenção? Penso, por exemplo,
nas narrativas que construímos, como historiadores e historiadoras com compromisso ético
político no presente, a partir de nossas pesquisas que tematizam a dor de homens e mulheres
vítimas de violência sexual, de tortura física e psicológica, de racismo. Em todos esses casos,
declarar nosso lugar de fala, não exige também estabelecer um lugar de escuta?
E aqui vale a diferença entre escutar e ouvir, pois se a audição é algo dependente do
aparelho auditivo, como aqueles sons que chegam aos nossos ouvidos sem que estejamos
necessariamente atentos a eles, a escuta, por sua vez, exige o movimento, a atenção para, ou
sobre, quem fala, canta, murmura. A confusão que fazemos entre os verbos talvez esteja na
ambiguidade de sua origem etimológica. No latim o verbo auscultare pode ser interpretado
como “ouvir com atenção”, ele deriva da combinação dos componentes latinos auricŭla, que
diz respeito à orelha, e o verbo inclinare, entendido como inclinar. Essa matriz latina traz algo
poético e ao mesmo tempo carrega em sua etimologia tradições ancestrais.
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Rogério Rosa Rodrigues. Doutor em História. Professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
E-mail: rogerio.rodrigues@udesc.br.
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Inclinar-se para ouvir é uma reverência que fazemos aos sábios como gesto de respeito
e de reconhecimento das suas vivências e experiências. É também o movimento que fazemos
quando uma pessoa enferma sussurra algo em nosso ouvido, quando nos emocionamos com a
presença de alguém, quando nos prostramos diante do sagrado e do sublime. Inclinar-se para
ouvir exige, portanto, iniciativa, tempo, disposição, sensibilidade, respeito. Assim se portam os
filhos de santo nos terreiros de candomblé, assim se comportam mães e pais atentos às artes dos
filhos e filhas, assim se entregam os que amam e desejam aprender e compartilhar experiências.
Da mesma forma, creio, deveríamos nos portar diante dos professores e professores do nosso
país, em especial nesse contexto terrível de pandemia, que além de atingir os corpos de muitos
e muitas, incluindo seus familiares e alunos(as), os castigam com falta de reconhecimento do
esforço que têm depreendido para manter um verniz de normalidade no sistema educação.
Normalidade que sabemos não ser verdadeira. Novo normal, esse eufemismo criado para
disfarçar o que de longa data temos presenciado: a responsabilização das classes mais pobres
pelos destinos do país. Neste caso específico, o novo normal da educação é aquele que deposita
nas costas dos professores e professoras a responsabilidade pela educação de milhares de
brasileiros e brasileiras e deles cobram êxitos sem dar as devidas condições materiais e
psicológicas para desenvolver trabalhos de ponta.
Por isso volto à pertinência de estabelecermos lugares de escuta, ou seja, canais,
espaços, redes onde as pessoas, cujas vozes têm sido historicamente interditas, possam narrar
suas experiências, suas lutas, suas rebeldias, suas demandas. Foi pensando nessa proposta que
organizamos a mesa redonda “Lugares de escuta: ensinar História em tempos de pandemia” na
programação do XVIII Encontro de História da ANPUH/SC. Quando digo nós, estou me
referindo à toda comissão organizadora do evento, bem como aos colegas e amigos de gestão
da ANPUH do biênio 2018-2020. O resultado superou nossas expectativas, pois tão logo as
professoras iniciaram suas falas nos inclinamos para acompanhar os depoimentos, ou seja,
passamos a escutá-las, pois suas narrativas foram tão contundentes, tão sensíveis e engajadas
que era difícil segurar a emoção.
Se pensarmos nas reportagens acerca do retorno das atividades presenciais que circulam
na imprensa, e mesmo nas redes sociais, observamos que a dita imparcialidade da informação
exibe a consulta feita aos administradores da educação, aos pais e mães dos alunos(as) e até
mesmo da pobre criança que tem sofrido com a falta de socialização enclausurada em casa. Em
matérias desse tipo, raramente o incluídos depoimentos de professores. O curioso é que a
atividade docente ocorre como lugar de escuta. O professor(a) incapaz de escutar seus
alunos(as) tende a mecanizar suas aulas, a fazer delas um protocolo de atividades didáticas sem
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considerar o lugar de fala dos sujeitos que se encontram sobre seus cuidados. E não é incomum
ver professores se inclinarem para melhor ouvir o que seus discentes têm a dizer. Por isso me
parece tão necessário, quanto justo, pararmos para escutar o que eles e elas têm a nos dizer.
Os profissionais da área de educação, é preciso destacar, estiveram entre os primeiros a
aderir as atividades remotas em nosso país. A eles e elas não foi dada alternativa e, com raras
exceções, sequer preparação e subsídio técnico-financeiro para fazer de suas casas extensão da
escola e de suas vidas particulares um puxadinho desconfortável e improvisado da vida
profissional.
Quero destacar que esse conjunto de vozes, sob as quais nos inclinamos para escutar,
faz parte de uma constelação de depoimentos que vínhamos acompanhando desde o início da
pandemia. Trata-se, entre eles, de uma série de 5 vídeos produzidos junto ao Laboratório de
Imagem e Som (LIS/UDESC) intitulados “Relatos da Quarentena”.
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Além dos vídeos também
temos o Profcast,
2
o podcast do Mestrado Profissional em Ensino de História, uma série de 15
episódios de entrevistas com professores e professoras da rede básica de ensino. Se o primeiro
foi circunscrito aos profissionais da área de História que atuam em Santa Catarina, o segundo
têm uma abrangência nacional, incluindo quase todos os Estados do Brasil.
Merece registro, por fim, que a escolha dos nomes para compor esse cantinho de escuta
que o leitor e a leitora terão oportunidade de ler, foi pensado exclusivamente com a participação
de professoras. Entendemos que embora a pandemia tenha atingido a todos os profissionais de
educação, afetou os corpos de forma desigual. Ignorarmos que a Covid-19 tem atingido mais
pobres que ricos, mais negros que brancos, mais mulheres que homens é fechar o ouvido para
a escuta das vozes que diariamente nos chegam em estatísticas de aumento de violência contra
a mulher durante a quarentena, os casos de infecção entre empregadas domésticas, enfermeiras
e trabalhadoras do comércio. Pandemia que afeta não apenas a imunidade física, mas também
desestabiliza psicologicamente pessoas vulneráveis social e economicamente. Nesse sentido, as
professoras são mais afetadas que os professores. E aqui o lugar de fala de cada uma será
devidamente articulado. Será possível acompanhar a trajetória de professoras cujas vidas são
marcadas por experiências de luta contra o racismo, contra o machismo, contra o preconceito
de classe. São relatos contundentes, testemunhos de uma época de recrudescimento das
violências e da tentativa de apagamento das lutas que antecedem esse momento, mas sobretudo,
registros da força, resistência e paixão pelo ofício de ensinar História.
Creio que são relatos fundamentais para quem está em formação, almejando um dia
exercer a atividade docente, mas também para os pais e mães que estão com seus filhos em
processo de aprendizagem formal, para os secretários(as) de educação, prefeitos(as) e
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governadores(as) que administram as escolas como se a classe de professores fosse inimiga,
para a imprensa que não escuta os docentes, para os analistas semi-profissionais com título de
cientista e pedagogo de redes sociais, para quem acredita que a educação é fundamental para a
construção de um mundo saudável, para quem acredita que estudar faz a diferença, para quem
ignora a importância da atividade docente, para quem tem sensibilidade pela luta alheia, para
quem odeia professores(as), para quem acusa os professores(as) de agentes ideológicos, para
quem toma partido pela educação, para quem acredita que a vida dos professores e professoras
importam.
A todos e todas que listei, e também aos omitidos e esquecidos, convido a fazer um
gesto: inclinem-se para escutar as professoras Andréa Vicente, Adriana Fraga Vieira, Adriana
Signori, Elandia S. Thiago e Karla Andrezza Vieira. Estamos diante de mulheres que assumem
grande responsabilidade pela atividade docente, mas também comprometidas social e
politicamente com a vida de seus alunos e alunas. Mulheres que ao serem convidadas a falarem
de si, e de sua classe profissional, mais externaram a preocupação com a vida das crianças,
adolescentes e adultos que, de casa, agora tentam manter um vínculo com a vida escolar. Em
época de pandemia, e de quarentena, dedicar um tempo para a escuta é saudável, possui potência
política e serve de antídoto para os venenos diários que provamos na tentativa de silenciamentos
das professoras e professores do nosso país. Por isso devemos, e precisamos, ouvi-las.
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Ensinar História em tempos de pandemia: reflexões e impactos no cotidiano
docente
Andréa Vicente
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um tempo não tem sido fácil ser professora de História. O atual contexto de disputas
ideológicas, de descrédito da escola pública e de enfrentamento da pandemia tem imposto
grandes desafios ao ensino desta disciplina. Nesse período de crises (econômica, ética e moral),
acentuadas frente à pandemia de Covid-19, os discursos negacionistas continuam
desqualificando o ensino de uma História crítica. Alguns temas e assuntos continuam sendo
“proibidos” (gênero, feminismo, sexualidade, ideologia, racismo, desigualdades), mas já não
tantos protestos agora por parte dos estudantes. sim um silenciamento. Os jovens do
sétimo ao nono ano que tem acesso a tecnologia, e que antes articulavam ataques ou boicotavam
a aula, agora escolhem não realizar as atividades, não aparecer, não se manifestam, não assistem
aos vídeos propostos, não estudam. O número de alunos/as que não fazem as atividades é
significativo e com o passar do tempo, ao transcorrer o ano letivo, esse número vem
aumentando bastante.
Eu sou fruto da escola pública, venho de família humilde e até os oito anos vivi no morro
do Flamengo, em Capoeiras, bairro situado no lado não insular de Florianópolis. cresci,
aprendendo com a realidade de sujeitos subalternizados como eu e a minha família. A minha
mãe participava de grupos de atuação comunitária, era ligada à pastoral da criança, e eu, ainda
muito jovem, ouvia tudo o que era dito sobre desigualdade, sobre repressão, sobre as
dificuldades dadas pela recessão econômica da época da ditadura militar. Havia naquele morro
um movimento de ajuda mútua, de ação ao realizar hortas comunitárias, de mobilização para
auxiliar a quem mais precisava de atenção e assistência. Aos sete anos de idade eu não sabia ler
e nem escrever, mas aprendi muitas lições que, definitivamente, foram fundamentais para que
eu me tornasse a pessoa que sou hoje.
A dureza da crise econômica forçou a minha mãe a realizar muitos malabarismos. Ela
trabalhava em casa de família e o meu pai ganhava muito pouco como trabalhador da construção
civil. Em meio a pobreza, eu só tive a oportunidade de estudar porque existia a escola pública,
sem ela jamais teria me tornado a professora que sou. Sei muito bem o quanto o estudo pode
mudar a vida das pessoas. Sempre acreditei muito na força transformadora da educação e no
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Especialista em Práticas Pedagógicas Interdisciplinares. Mestranda do Mestrado Profissional em Ensino de
História (ProfHistória) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Professora do C.E.M. Antônio
Francisco Machado (São José). E-mail: deavicente@hotmail.com.
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Ensino de História e muito me preocupa esse momento em que os jovens estão se afastando da
escola. Estão perdendo o gosto em estudar.
Esse vírus então virou tudo de ponta cabeça. Muitas falas cessaram e os debates, antes
presentes nas salas de aula, já não estão acontecendo mais. Sozinha em minha residência tento
elaborar estratégias para educar a distância, mas não é tão fácil assim! Não tenho como alcançar
os meus trezentos alunos/as de dentro de minha casa, muitos não tem os equipamentos
necessários para acompanhar as atividades. Preparo as aulas utilizando a tecnologia, mas é
difícil avaliar o alcance das ideias e reflexões que estamos propondo. Como poderíamos
imaginar educar no século XXI sem contato, sem troca, sem humanização?
Nesses dezoito anos de magistério, de ensino de História, dos quais dezessete anos
passei lecionando no Centro Educacional Municipal Antônio Francisco Machado
(Forquilhinhas, São José), escola na qual trabalho até hoje, nunca imaginei que passaríamos por
uma situação assim, tão crítica causada por uma doença. Eu achava que seria fácil para nós
resolvermos esta questão, encontrarmos uma vacina, mas a humanidade não é tão infalível
assim, não é mesmo? Nem este contexto tão difícil de pandemia conseguiu cessar o
negacionismo, que continua se refletindo no descrédito para com as descobertas científicas e
no desrespeito as medidas de proteção, prolongando mais e mais esta difícil situação
pandêmica.
Antes da Covid-19, em meu trabalho, eu não tinha monotonia, todo o dia era uma
surpresa, reações diferentes aos estímulos aplicados. Debates, expectativas, eu afetava os
estudantes e saía da escola todos os dias me sentindo sensibilizada por eles, por suas histórias,
por seus desafios, por seus ataques, pelas dificuldades que alguns viviam. Não era fácil, era
duro receber as agressões negacionistas que mencionei anteriormente, mas ao menos era
possível tomar providências, esclarecer, debater, conversar com as famílias. Mas se antes
enfrentávamos dificuldades para fazer com que a História fizesse sentido, e de fato ensinasse
algo aos estudantes em um mundo repleto de informações instantâneas, agora as dificuldades
tornaram-se ainda maiores. Com a pandemia cessaram as provocações, as brincadeiras, os
enfrentamentos, mas também os abraços, as demonstrações de carinho, as trocas. Cessou tudo
e sobrou apenas eu, meus dois filhos e meu marido dentro de casa.
Fiquei muito assustada com o que estava acontecendo: o aumento no número de mortos,
os relatos de pessoas próximas que foram parar na UTI, o sistema de saúde saturado, o medo
pelos familiares mais frágeis, pessoas perdendo o emprego, morrendo, ao mesmo tempo em que
o governo federal negava (e ainda nega) toda a gravidade da situação sem tomar providências.
Em meio a esse turbilhão de informações e sentimentos, a minha vida se tornou uma tela, tudo
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passou a ser em frente a equipamentos eletrônicos. Trabalho, estudo, conversas, informação,
até festa de aniversário agora acontecendo de forma remota, mediao pelo aparato tecnológico.
Foi tudo muito intenso para mim. Ao mesmo tempo mãe, professora dos meus alunos/as, dos
meus filhos, dona de casa, esposa, filha, estudante. Não era este o plano! Como prever o que
viria a acontecer?
Em 2019, me planejei para iniciar o mestrado e conciliar trabalho, estudo e família. Mas
não deu muito certo, não é? Acho que para todas as mulheres mães, com a pandemia, as
prioridades mudaram muito em nossas vidas. Imediatamente, com os meus filhos em casa, sem
escola, sem interação social, sem atividades físicas, sem acesso ao ensino, me vi na iminência
de ensinar o meu pequeno a ler e a escrever. Chego a conclusão que o ato de ensinar requer
conhecimentos que muitas vezes as famílias não têm. E assim eu me deparei: uma mulher, mãe,
trabalhadora da educação, filha de uma mãe cardíaca, responsável por tudo ao mesmo tempo.
A pandemia tem sido muito cruel com as mulheres! Perdemos o auxílio da escola,
perdemos autonomia! Muitas mulheres perderam o emprego também e outras tiveram que
abandonar o trabalho por não ter com quem deixar seus filhos. As que continuaram trabalhando
tiveram que lidar com a angústia de deixar os pequenos sozinhos em casa ou com alguém que
talvez fosse despreparado para a tarefa de cuidar. No meu caso eu tive que aprender a conciliar
o meu trabalho como professora, com o ensino de meus filhos, com as tarefas de casa e com os
meus estudos. Fiquei deprimida com essa situação e foi difícil para mim, mas eu tenho a
consciência de que a minha condição ainda é muito boa, é segura, sei de situações muito, mas
muito mais dramáticas do que a minha, pois eu e meus filhos não passamos fome e não sofremos
violência dentro de casa.
Refiro-me a vida de muitos de meus alunos e alunas, pois a pandemia os atingiu
drasticamente. Foram muitos os casos de famílias que ficaram sem emprego e, por não terem
mais como pagar o aluguel, tiveram que se mudar para morar com parentes em outros lugares
do Brasil. Muitas crianças paupérrimas ficaram sem a merenda escolar (em alguns casos a única
refeição decente que faziam no dia), por isso muitas famílias passaram a ir até a escola pedir
alimentos, pois estavam desempregadas e passando fome. A escola mobilizou professores/as,
famílias com melhores condições financeiras, empresas que podiam fazer parceria e entregou,
ao longo de quatro meses e mesmo com o risco de contágio, aproximadamente mil cestas
básicas. No entanto a administração municipal de São José não deu continuidade à ação e não
tem fornecido a merenda para as crianças das famílias mais necessitadas.
Outro drama que envolve o ensino de História e também de outras disciplinas é a questão
pedagógica. Como alcançar os estudantes com realidades socioeconômicas diversas, com
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contextos familiares diferentes, alguns em contato com o vírus, alguns em contato com a fome
ou comendo mal, outros sozinhos em casa, muitos desconectados parcialmente ou totalmente?
Enfim, um grande desafio! A escola tem exigido tudo filmado, fotografado, gravado e enviado.
Mas os alunos/as e familiares têm que lidar com a lentidão da internet, dos sistemas
operacionais, somado com o pouco domínio das ferramentas. Aos poucos os estudantes foram
se cansando de estudar com a tecnologia. Os que não tinham meios e/ ou os que não
conseguiram se adaptar passaram a pegar na escola as atividades impressas. Muitas foram as
reclamações em relação a ter que realizar atividades pedagógicas sem a orientação dos
professores. Eu sempre procuro entender essas falas, pois eu sei que é muito ruim ser excluído,
não se sentir acolhido, ficar de fora.
A tecnologia tem ajudado, sem dúvida, mas definitivamente não atingiu a todos os
estudantes igualmente e também não proporcionou a experiência que nhamos em sala de aula.
Educação requer contato humano, sensibilizar-se com as experiências do outro, com o olho no
olho, com um toque de solidariedade ou até com advertências quando necessárias. Eu não sei
educar de outra maneira. Na minha visão, o que eu faço hoje é elaborar atividades, digitalizá-
las e enviá-las para o ambiente virtual. O conhecimento, o pensamento, os problemas, as
reflexões, as belezas do novo saber estão todas lá, no limbo virtual, esperando os alunos e
alunas. Poucos estão chegando lá, poucos estão de fato se apropriando. Acredito que estejam
aprendendo muita coisa para além do conteúdo formal, porém o momento não nos permite
avaliar, trocar, não nos permite dialogar.
Às vezes parece que estamos mais protegidos agora. Protegidos dos aborrecimentos, do
barulho e tudo mais. Mas é apenas uma sensação. As tensões entre professores/as e alunos/as
ainda persistem de outras formas, agora que estamos fora da sala de aula estas tensões se
revelam nas atitudes dos alunos/as de não responder determinadas questões, de contradizer a
proposta da aula, ou simplesmente de não fazer as atividades. Muitos apenas assinam o nome e
enviam as atividades em branco! Eles estão nos mandando outros tipos de recados e nós
precisamos ouvi-los.
Hoje eu vejo listas de nomes de alunos e alunas, não reconheço mais os rostos dos
estudantes. Tínhamos uma relação tão próxima, agora tudo ficou diferente. Foram poucas as
aulas neste ano, foram poucos os alunos/as que participaram. Eu conhecia os meus trezentos
alunos/as em outro contexto. Nossa! Aqui estou eu novamente transformando esses jovens em
números. É essa impessoalidade deste novo processo que tem me consumido. Acredito que
depois de nove meses de pandemia e isolamento, neste tempo de uma gestação, meus alunos/as
já não são mais os mesmos, nem eu. Estamos todos diferentes agora.
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A pandemia trouxe consequências para todos, no meu caso eu ganhei peso, a minha
alimentação piorou bastante, uma vez que o ensino remoto demandou mais tempo sentada em
frente ao computador preparando aulas ou na mesa corrigindo atividades impressas e
preenchendo planilhas. Além disso, desenvolvi ansiedade por achar que eu não ia conseguir dar
conta das demandas profissionais, familiares, domésticas e estudantis.
Também os alunos têm se pronunciado em relação ao ensino remoto. Em uma consulta
que fiz com os estudantes das minhas turmas (oitavos e nonos) a maioria relata dificuldades em
conseguir entender os conteúdos/textos sem a presença dos professores para um atendimento
mais individual, outros mencionam as dificuldades com os equipamentos e o fato de terem que
compartilhá-los com outras pessoas da família. Tem ainda os que comentam o pouco tempo
que tem para estudar por estarem agora, nesse período de crise, tendo que trabalhar para ajudar
a família e os que não conseguem se concentrar nos estudos por conta dos muitos estímulos e
distrações que encontram em casa.
Se por um lado eu compreendo a gravidade do momento e a importância do
distanciamento para o controle da doença, por outro o meu coração não aguenta mais esta
prisão domiciliar, ele quer voltar a pulsar forte no contato humano. Eu não percebo o ambiente
virtual como capaz de dar conta da complexidade do ato de ensinar e de educar.
Iniciei o texto falando que eu sou um produto da escola pública, aproveito para firmar
aqui meu posicionamento político de defensora desta instituição. Conheço os problemas e
limitações, mas também os seus frutos e as possibilidades de futuro que ela vem trazendo a
muitos, muitos jovens vulneráveis da periferia. Digo isso porque percebo que interesses
empresariais estão por trás de discursos que desqualificam totalmente o trabalho docente, com
o objetivo de se apropriar de recursos públicos. Eu sei que isso não é uma novidade, afinal
disputas por diferentes modelos de sociedade estiveram presentes na definição de projetos
educacionais favorecendo parcelas sociais diferentes, rivalizando em momentos de definição
de políticas voltadas ao ensino, principalmente em relação ao conhecimento histórico aplicado
nas escolas. Assim, a única coisa que eu realmente espero é que a pandemia não ajude a acelerar
qualquer processo de retirada de autonomia dos professores e de privatização do ensino público.
Para finalizar, gostaria de deixar claro que as visões sobre ensinar História na pandemia,
pelo menos eu entendo assim, são visões muito particulares, uma vez que nós professores somos
seres diversos, com contextos de vida também muito plurais. Vale lembrar que hoje, ao mesmo
tempo em que somos desprestigiados e criticados, a sociedade se dá conta de que ainda somos
necessários, digo ainda fundamentais, na produção do conhecimento escolar e também na vida
dos nossos alunos e alunas.
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Do carvão à digitalização, a formação de uma professora de História
Andréia Aparecida Signori
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Meu nome é Andréia Aparecida Signori, nasci dia 17 de outubro de 1974, no interior de
uma cidade do interior, Palmitos, SC. Segunda filha de uma pequena agricultora, Inês Marcon
Signori e de um pequeno agricultor Angelo Avelino Signori, ambos descendentes de imigrantes
italianos que povoaram a região Oeste catarinense. Iniciei minha formação escolar com meu
irmão mais velho, Adriano, em uma escola multisseriada, ou seja, uma professora que atende
na mesma sala, as quatro séries, cerca de 30 alunos distribuídos em filas de acordo com sua
série. Frequentar uma sala de aula com outras três séries além da minha, pode não ter me
proporcionado o mesmo aproveitamento que em uma sala regular, porém, uma escola
multisseriada na zona rural me possibilitou uma vivência comunitária e um senso de
coletividade que contribuíram muito para minha formação pessoal que vai muito além do
conhecimento dos conteúdos escolares.
Para continuar estudando, havia escola a partir da 5ª série na cidade, naquele tempo
não existia LDB, nem obrigatoriedade ou direito das crianças frequentarem a escola, e nesse
contexto pouquíssimas crianças da zona rural acessavam o ensino para além da quarta série,
felizmente, eu e meu irmão estivemos entre essa exceção. Como não havia transporte escolar
gratuito, precisávamos pagar a passagem de ônibus, para isso vendíamos na cidade aquilo que
produzíamos na pequena propriedade. Meio período estudava na cidade e no outro cuidava da
casa e do meu irmão mais novo, Juliano. Enquanto cursava o ginásio (5ª à série)
desenvolvia minha primeira experiência de “residência pedagógica”. Nos finais de semana
costumava brincar de ser professora, dando aula para as crianças menores, usando um pedaço
de carvão escrevia nas paredes dos galpões da propriedade.
Para cursar o Segundo Grau (Ensino Médio), havia escola particular na minha cidade.
Foi necessário residir na cidade e trabalhar de empregada doméstica para ter onde morar e pagar
a mensalidade da escola. Eu sempre quis ser professora, a partir do segundo ano cursei
magistério (noturno), e já comecei a trabalhar como professora de pré-escola (com 16 anos).
Após a conclusão do curso de magistério, busquei pela graduação, não havia nenhuma
Universidade pública na minha região. A alternativa foi estudar em regime de férias na UNIJUÍ
(Ijuí/ RS), escolhi o curso de História. Essa modalidade de ensino me possibilitava trabalhar
durante o ano letivo e estudar durante as férias em regime intensivo, nos meses de janeiro,
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Mestra em História UFFS, Professora de História na Rede Estadual, Escola de Educação Básica Marechal
Bormann, Chapecó, SC. E-mail: andreiasignori@hotmail.com.
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fevereiro e julho, tendo aulas nos três turnos, isso durante 5 anos e meio. No primeiro ano da
graduação voltei a morar na casa dos meus pais, no interior, e fui professora na escola
multisseriada onde estudei. Foi nessa oportunidade que tive a experiência de ser professora do
meu irmão mais novo. A partir do segundo ano da graduação eu já trabalhava 40hs/aula na rede
estadual (faltavam professores formados na época). Trabalhei em várias escolas e várias
disciplinas, que vão de História, Ensino Religioso, Educação Moral e Cívica (EMC),
Organização Social e Política Brasileira (OSPB), Geografia, até Educação Física eu lecionei.
Essa era a realidade do magistério no interior do estado de Santa Catarina nos anos 90.
Professora em regime de Admissão em Caráter Temporário (ACT), polidisciplinar. O salário
mal dava para pagar a mensalidade da faculdade, muitas vezes precisei contar com a ajuda dos
meus pais para me sustentar. Além da rede estadual, eu também trabalhava na escola particular
onde cursei magistério.
O acesso à graduação me deixou fascinada pelo conhecimento acadêmico, costumava
ficar contemplando as prateleiras cheias de livros na biblioteca da universidade. Meu acesso
aos livros sempre foi muito limitado pela falta de recursos, e poder ler e conhecer tantas obras
e autores(as) ao mesmo tempo era um privilégio. Durante o curso me imaginava uma
pesquisadora, escrevendo, entrevistando, buscando documentos e produzindo História. Esse
desejo limitou-se a uma simples, porém ousada, produção de uma monografia sobre a História
de vida da minha Bisavó, colonizadora do município onde eu nasci.
Nessa altura da minha existência, aos 22 anos, devido a minha forte atuação nos
movimentos sociais, sindical e político, fui eleita vereadora em 1996, exercendo mandato
legislativo entre 1997 e 2000. Nem por isso deixei de trabalhar como professora de História.
Nos anos 1998/1999 fiz pós graduação lato sensu em metodologia do Ensino de História,
também fiz concurso e me efetivei na rede estadual. Com objetivo de deixar a carreira política,
em 2000 concorri a vice-prefeita (não fui eleita, sabia disso). Mudei para Chapecó, me removi
com a vaga do concurso e passei a trabalhar 10hs numa escola um pouco afastada do centro,
Escola de Educação Básica (EEB) Alécio Cela. Conciliei por 4 anos a escola com um trabalho
na administração municipal de Chapecó, coordenação do Orçamento Participativo.
A partir de 2005 trabalhei somente com educação, na EEB Marechal Bormann, em
Chapecó, na qual continuo até hoje. Com dificuldade para ampliar a carga horária de forma
definitiva, fiz concurso para ATP (Assistente Técnico Pedagógico) e passei a trabalhar no apoio
pedagógico da mesma escola. Quando consegui minha alteração em sala de aula (2013) pedi
exoneração do cargo pedagógico, pois minha paixão sempre foi a sala de aula e achei muito
frustrante atuar fora dela.
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Em 2016, eu, que nunca tive a possibilidade de acessar uma universidade pública, com
a força dos movimentos sociais e a luta de tantas trabalhadoras e trabalhadores que juntos
buscaram e construíram a possibilidade da criação da UFFS-Universidade Federal da Fronteira
Sul/Chapecó, consegui ser aprovada na primeira turma do Mestrado em História. Pude realizar
meu sonho de pesquisadora, produzindo na minha dissertação um pouco da história da
invisibilidade e da resistência das mulheres no processo de colonização do Oeste catarinense.
A EEB Marechal Bormann, onde atuo, é a escola mais antiga do município, a primeira
escola pública, completa nesse ano 90 anos de existência. Localizada no centro da cidade,
atende um público diverso, devido a sua localização próxima ao terminal urbano que facilita o
acesso para os estudantes que vêm das mais diversas regiões da cidade. Essa é uma
particularidade da minha escola, ela não possui uma comunidade escolar no sentido de
localização física geográfica. A maioria dos estudantes são: filhos de trabalhadoras e
trabalhadores que possuem uma certa condição para arcar com despesas de deslocamento, ou
de estudantes egressos de escolas particulares em que sua situação financeira já não os permite
tal condição. para ilustrar um pouco do perfil dos meus alunos: de acordo com diagnóstico
realizado no início do ano letivo de 2020, como parte do Projeto Político Pedagógico da escola,
98% dos alunos declararam possuir acesso à internet; 80% possuem casa própria; 48% dos
estudantes do ensino dio diurno, e 71% do ensino médio noturno, estão inseridos no
mercado de trabalho; 37% das famílias possuem renda de 1 a 3 salários mínimos; 31% das
famílias têm renda de 3 a 5 salários; e 32% delas possuem renda superior a 5 salários mínimos.
Enquanto professora de História sempre procuro desenvolver minhas aulas fazendo
relação com o tempo presente, usando dinamismo, criatividade e expressividade procuro cativar
a atenção e o interesse dos alunos. Eu vejo a disciplina de História como um instrumento para
os estudantes perceberem-se enquanto sujeitos protagonistas de seu tempo e de sua trajetória.
Ao final de cada ano letivo, quando identifico que um aluno consegue perceber a que classe
social ele pertence, qual é seu lugar na sociedade, me sinto realizada. Creio que o
conhecimento, de maneira geral, transforma e que a consciência histórica, liberta. Por isso, além
de atuar em sala de aula sempre estive presente nas lutas sociais e sindicais, acredito na força
da organização e da mobilização enquanto instrumento de transformação da sociedade. Sou
filiada ao SINTE, Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina, desde o início
de minha carreira profissional e também incentivo e apoio às organizações estudantis.
Sempre procurei construir proximidade na relação com meus alunos, pois o trabalho de
ensinar vai além do repasse de informações. Acredito que saber se relacionar com o aluno é
meio caminho andado no processo da construção do conhecimento. Falo disso pois grande parte
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dos estudantes vivem muito sozinhos, quando os pais trabalham o dia todo e estudam à noite o
espaço da escola acaba sendo a possibilidade que o estudante encontra para construir relações
sociais, vivências e convivências. Nesse sentido, a professora acaba por tornar-se uma
importante referência de adulto para a criança/adolescente.
Partindo desse pressuposto, da importância das relações estabelecidas no convívio
escolar, o advento da pandemia da covid-19 veio nos isolar uns dos outros e nos mostrar nossas
fragilidades e debilidades enquanto sistema de ensino. É redundante dizer que ninguém estava
preparado, nunca se está preparado para viver/sobreviver a uma pandemia, porém a escola
estava muito, muito despreparada. Se observarmos as mudanças e permanências na forma de
fazer ensino, da minha primeira “residência pedagógica” com carvão nas paredes dos galpões,
ensinando as vogais para meus amiguinhos até os dias atuais, o formato não mudou muito,
temos a sala de aula com quadro e pincel, carteiras posicionadas em filas - pois o número de
alunos em sala não permite outra forma -, aulas expositivas, um conteúdo programático a ser
seguido.
Devido a pandemia, de um dia para o outro, precisamos mudar nossa programação
operacional, de analógicos para digitais. Perdemos a sala, as carteiras, os alunos. Cada um na
sua casa enviando sinais de fumaça. De fumaça não! De internet, comunicação rápida e
eficiente, nem tanto! Descobrimos que somos analfabetos ou semianalfabetos digitais, nós
professores (com mais de 40 anos) e os alunos. Sim, os estudantes, tão conectados às redes
sociais e aos jogos digitais, se mostraram inoperantes na hora de acessar um e-mail, anexar um
arquivo de texto ou realizar uma pesquisa através da internet. Os textos precisaram ser
digitalizados, e quem nasceu na escuridão da ausência de energia elétrica em sua casa (meu
caso) precisou manusear scanner, plataformas digitais, aplicativos, precisou se conectar aos
alunos através de redes sociais que passaram a ser parte do trabalho, uma vez que antes eram
privadas. O maior contato com os estudantes nas redes sociais possibilitou conhecer melhor os
comportamentos e a triste constatação do grande número de notícias falsas compartilhadas por
eles.
As aulas deixaram de ser aulas, passaram a ser deos, que precisam de equipamento,
de iluminação, gravação, edição, transmissão. Aula síncrona ou assíncrona? Quem estará do
outro lado da tela? Nenhuma pergunta para responder, nenhuma expressão facial para observar.
Com todas essas mudanças o trabalho aumentou, o planejamento que era anual passou a ser
semanal. Precisa descrever habilidades, competências, objetivos - geral e específicos - para
cada assunto gravado, escrito, comentado. E a cada dia aumentam as demandas de registro, pois
a Secretaria da Educação precisa garantir a viabilidade do ano letivo.
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Meu relato pode até parecer lamento, mas é apenas constatação. Segundo pesquisa
realizada pelo SINTE-SC no período de 08 a 30 de junho 2020, com 1.361 respondentes:
93,03% declararam que o tempo dedicado ao trabalho aumentou durante a pandemia; apenas
54,2% declararam ter acesso a internet de qualidade para realização de trabalho remoto; 62,4%
precisou fazer algum investimento para usar internet, equipamento ou utensílios necessários
para o trabalho remoto; 53% declararam ter facilidade para exercer o trabalho de forma remota;
37% dos entrevistados declararam possuir equipamentos necessários para as aulas virtuais.
3
São
apenas alguns dados da pesquisa que ilustram um pouco da realidade dos professores durante a
pandemia.
Para os estudantes a mudança também foi imensa, isolamento social, não poder mais
conviver, abraçar, conversar com seus pares. Eles também precisaram aprender a manusear
aplicativos, de repente lhes foi cobrado um autodidatismo que eles não conheciam. O control
C, control V, (copiar/colar), tornou-se uma constante e à distância é mais difícil para a
professora monitorar e orientar o processo de construção do conhecimento. Com o avanço dos
negacionismos, em meio a tantas informações falsas e teorias conspiratórias, dos terraplanistas
aos antivacinas, a professora precisa desdobrar-se para conseguir orientar e encaminhar os
alunos pelo viés científico.
No mundo onde ter é mais importante que ser ou conhecer, que um aumento de salário
hoje significa mais do que a possibilidade de um bom desempenho escolar, percebo que muitos
estudantes priorizam o trabalho ao estudo, aproveitam o fato das aulas serem remotas para
aumentar sua carga horária no trabalho. Com o passar dos meses menos alunos fazem e
participam das atividades da escola, justificam que estão cansados de trabalhar.
E quando noticia-se a possibilidade de retorno às aulas presenciais é que a estrutura das
escolas denuncia mais uma vez a precariedade do sistema. Na nossa região os planos de
contingência para o retorno às aulas presenciais sofrem por aprovação devido a falta de
banheiros, de torneiras, espaço de circulação, ou seja, não possuímos condições sanitárias
salubres nas nossas escolas. Esse é mais um elemento que veio à tona em virtude da pandemia
e sinceramente não creio que mudará ao término dela.
Durante a graduação e mais ainda ao cursar o mestrado, percebi que existe muito
conhecimento sem gente e muita gente sem conhecimento. As universidades estão repletas de
maravilhosos estudos e pesquisas que na maioria das vezes ficam aprisionados entre as paredes
das bibliotecas ou, agora, em arquivos digitais. Ao mesmo tempo percebo que no dia a dia das
escolas de educação básica existe muita carência de discussão, debate e formação. Geralmente
somos absorvidos pelas atividades e viramos grandes “dadores” de aulas, sem refletirmos sobre
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nossas práticas e sobre o importante papel que exercemos na sociedade. Nesse sentido, a
pandemia trouxe um grande benefício que é a socialização e publicização dos conhecimentos.
Devido a impossibilidade da realização de eventos na modalidade presencial as universidades
criaram canais de transmissão públicos. Posso testemunhar que acabei participando de
excelentes cursos, palestras, aulas, que se fossem de forma presencial eu jamais poderia teria
acessado.
Provavelmente muitas mudanças ocorrerão no mundo pós pandemia, seja nas relações
de trabalho, na ampliação das atividades virtuais ou na forma de organização. Minhas aulas não
serão mais as mesmas, todo esse aprendizado forçado, no manuseio dos recursos digitais,
permanecerá em grande parte e enriquecerá a metodologia das aulas de História. Quando a
pandemia passar e no retorno da nossa vida “normal” for garantido o acesso dos estudantes à
internet de qualidade, com capacitação para os professores, a educação na escola pública será
melhor. Venceremos!
Referências
Pesquisa: A saúde dos profissionais de educação em tempos de pandemia. https://www.sinte-
sc.org.br/Noticia/13452/conheca-os-resultados-da-pesquisa-do-sinte-sc-saude-docente.
Acesso em 04/11/2020.
PPP/2020. Projeto Político Pedagógico da Escola de Educação Básica Marechal Bormann.
https://drive.google.com/file/d/1xy-NOkU4RmvAJc_zOyvb-
HMKjefTwJML/view?ts=5fa30b5a. Acesso em 09/11/2020.
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Lugar de escuta: ensinar História em tempos de pandemia
Adriana Fraga Vieira
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Me tornei professora em 1998, naquela época lecionava no ensino primário e segui assim
até o momento de escolher um curso de graduação no ano de 2000. E como muitos de nós,
pensei em professores que fizeram a diferença de alguma maneira, esse rememorar sempre me
conduzia para as aulas de História do ensino fundamental lá nos idos da década de 1980. Optei
então pelo curso de História, mas só me tornei professora dessa opção em 2003. E desde então
comecei a transitar pelo mundo da docência, um mundo cheio de desafios e percalços, de
aprendizado contínuo tanto no conhecimento quanto nas relações e interações que aconteciam
no ambiente escolar. Nesses dezessete anos de docência em História, fui da graduação ao
doutorado, trabalhei em paralelo na rede particular e como professora temporária da rede
estadual em escolas de quase todas as cidades da região carbonífera de santa Catarina. me
efetivei em 2012 na rede estadual e em 2015 na rede municipal, até conheci muitas realidades
e pude confrontá-las. As dificuldades inerentes da docência iam se associando à instabilidade
em obter trabalho todos os anos, reforçando a necessidade de mais titulação acadêmica e a busca
por uma efetivação pública. Me construí subjetivamente nessa realidade e dentro da prática da
docência, mas também como mulher e alguém que vem de uma família marcada por extrema
pobreza. E dentro desse lugar de fala estive atenta para a alteridade, para a empatia e para o
aprendizado. Mas o exercício da alteridade, da empatia e do aprendizado nunca foi tão urgente
e intenso para mim quanto neste ano letivo de 2020.
O ano letivo de 2020 seguiu em sua normalidade até o dia 18 de março, uma quarta-
feira. Os dias que antecederam a data foram de tensão e ansiedade em relação as notícias que
iam se disseminando pela mídia a respeito da nova doença e das formas de contágio. Nesse
momento inicial relembrei muitas vezes o início das notícias que informavam sobre o
andamento da nova doença na China, e depois na Itália, entre os meses de dezembro de 2019 e
janeiro de 2020. Logo que a pandemia aconteceu nestes locais eu acreditava que o meu
cotidiano o seria afetado por ela, que aquela realidade apresentada pela mídia de forma
insistente nos meses de verão e férias escolares não chegaria até nós.
Lembro-me de que acompanhava as notícias com curiosidade, mas com ampla segurança
de não ser afetada de modo algum por elas. Subjetividades que iam se forjando e me oferecendo
4
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFSC Universidade Federal de Santa Catarina.
Professora da SED/SC (Secretaria de Estado da Educação de SC) e da Prefeitura Municipal de Criciúma. E-mail:
adrianavcoan@gmail.com.
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uma falsa sensação de segurança. Mas o tempo foi ágil para me mostrar que as subjetividades
construídas meses antes não serviam mais para a nova realidade que se ensaiava. Pessoalmente
sentia que tudo acontecia muito pido e de repente a sensação de segurança desapareceu e
cedeu lugar a outros sentimentos associados ao medo, já que sou portadora de asma e convivo
com familiares do grupo de risco. Nessas semanas iniciais eu me flagrava constantemente
pensando nas pandemias do passado, nas realidades históricas que eu apresentava e debatia com
meus alunos como se elas fossem impensáveis para a minha época, dados os avanços da
medicina, da mudança nas noções de higiene e cuidados com o corpo, do avanço na
comunicação de massa e das redes sociais. Pandemias que paralisaram o mundo de forma
global, social e econômica era para mim uma realidade remota e improvável na atualidade.
Logo que as aulas foram suspensas não havia atividades remotas, imperava a incerteza
sobre a nova realidade que se mostrava histórica. À medida que as semanas iam se passando,
percebeu-se que diretrizes pedagógicas para esse novo cenário eram necessárias e o ensino
remoto então passou a integrar as práticas pedagógicas cotidianas. A retomada não foi igual em
todos os sistemas de ensino. Sou professora da rede municipal de Criciúma e também da rede
estadual de Santa Catarina. Ao mesmo tempo também acompanhei de perto o ensino remoto da
rede particular, pois tenho uma filha que frequenta o ensino fundamental II em uma instituição
da cidade. Também pude acompanhar esse processo em nível universitário, como aluna do
doutorado e como mãe de aluna do curso de odontologia, ambos cursados na UFSC. E tendo
um lugar de fala e/ou de escuta dentro dessas realidades, posso dizer que elas foram bastante
distintas, distinção que no meu entender está associada a forma como os sujeitos que
administravam os sistemas de ensino em nível local lidaram com a situação.
A rede estadual de Santa Catarina se antecipou nas políticas de retomada das aulas,
proporcionando uma quinzena de formação pedagógica no mês de abril. A formação deveria
ser compacta e ensinar o uso de novas ferramentas de ensino a distância. Lembro-me que houve
uma espécie de pânico coletivo esboçado via chat no momento da formação e dentro dos grupos
de Whatzapp. Temia-se não conseguir absorver tanta informação e dominar as tecnologias do
classroom no tempo necessário, que logo depois das formações as aulas remotas teriam início.
Minhas angústias não diziam respeito ao domínio das ferramentas tecnológicas, pois
tinha ampla experiência com edição de vídeo para um canal de jardinagem que mantenho na
plataforma YouTube e para a preparação das aulas. O meu planejamento sempre integrou o uso
de mídias diversas e eu transitava bem no domínio delas. Minhas angústias se referiam a como
utilizar o material que eu dispunha dentro da plataforma do classroom, mas também na
interação e no debate dentro desse novo suporte, dinâmica que considero essencial para as aulas
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de História. E logo descobri que elas não aconteceriam, ao menos não da maneira como eu
desejava.
Planejar as aulas nesse primeiro momento foi angustiante e marcado por muitas
incertezas, optei inicialmente por fazer a mesma condução das aulas presenciais, mesmo
sabendo que a plataforma classroom não permitia interações visuais e em tempo real. Utilizando
um programa de gravador de voz eu postava aulas em áudio e nelas eu iniciava o assunto com
reflexões do presente, buscando realizar links entre o contexto histórico e a realidade dos
alunos. Mas a ausência de interação e feedback sobre a eficácia das metodologias usadas e o
constante questionamento sobre se a aprendizagem estava acontecendo em algum nível, me
deixavam muitas vezes desanimada e com a sensação de que aquele era um trabalho que, pela
falta de ecos, ia ficando sem sentido. Esse sentimento também estava associado às devolutivas
dos alunos: mais da metade simplesmente não fazia o que estava sendo proposto.
Em todo o processo eu não abri mão das aulas em áudio e de um texto de apoio com
atividades, pensando naqueles que não dispunham do livro didático para consulta, e acreditem,
eram muitos. Sempre procurei ser empática e pensar nas dificuldades dos meus alunos em casa.
Quem vive o chamado “chão de sala de aula”, sabe que muitas crianças e adolescentes tem
dificuldades primárias de folhear os livros e encontrar ali os assuntos desejados, de se deparar
com um vocabulário desconhecido e não ter meios de pesquisa para sanar as dúvidas, a internet
para muitos se resume ao uso dos dados móveis e como todos sabem essa forma de acesso é
limitada. Por isso, construir um texto de apoio, escrito por mim e pensado em minimizar essas
dificuldades específicas era uma metodologia que fazia muito sentido.
O acesso remoto era ofertado de duas maneiras: via internet ou impresso para aqueles/as
que não tinham acesso, e esses últimos, nas realidades em que atuo, constituíam 70% dos
discentes. Isso colocava em evidência para mim outra questão associada a desigualdade no
acesso. Os alunos do classroom, além da aula em áudio e do texto de apoio com atividades,
recebiam também mídias diversas: recortes de cenas de filmes, links para acessar
documentários e jogos, além de aulas complementares nos slides. Também testei as aulas em
slides com uma tela paralela aonde eu ia explicando o conteúdo à medida que os slides iam
passando. Mas logo descobri que esse formato de aula não era suportado pelo classroom e os
alunos não conseguiam abrir os arquivos enviados. E à medida que as semanas iam passando
outras frustrações iam acontecendo. Eu percebia que um grande número de alunos não acessava
esses conteúdos, alguns resolviam as atividades propostas sem consistência e coerência, apenas
para dar ciência que estava frequentando o classroom, outros não conseguiram se adaptar a esse
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modelo e se negavam a participar. Essa era uma realidade que eu questionava nas reuniões
pedagógicas e que também fazia parte da experiência de colegas de outras disciplinas.
No primeiro mês de atividade remota deixei de lado a sequência do currículo e optei por
trabalhar com um tema gerador que fizesse sentido para aquele momento. Desejava que a
disciplina de História pudesse contribuir para a compreensão do presente, mas também de
realidades similares em outros tempos e espaços. O tema gerador escolhido foi “pandemias na
História”. As aulas foram elaboradas com base nas semelhanças e diferenças entre a Covid 19
e outras pandemias que afetaram o mundo em escala global, como a gripe espanhola, a peste
negra entre outras. Busquei trazer essas aproximações e distanciamentos em várias questões,
como o surgimento da doença, as formas de contágio e o comportamento geral da população e
dos governos. Mas o currículo precisava ser também seguido e depois disso procurei criar links,
sempre que possível, entre a realidade atual e o passado estudado.
Nesses primeiros dois meses de ensino remoto o feedback não acontecia, eu sentia como
se estivesse caminhando no escuro e essa constituía a minha maior angústia. Me perguntava se
aquele trabalho estava de algum modo fazendo sentido aos alunos, se não era uma mera
formalidade para que os dias letivos pudessem ser cumpridos e também me questionava sobre
a realidade particular dos meus alunos da rede estadual e municipal, muitos vivendo em situação
de risco, inclusive afetados por diversos tipos de violência doméstica. Imaginava o quanto essa
nova realidade agravava a situação daquelas crianças e adolescentes marcados cotidianamente
por muitas formas de faltas e de abandono e isso interferia também no meu julgamento sobre o
aproveitamento ou não das atividades que retornavam, fossem online ou impressas. Enquanto
alguns colegas se afligiam sobre o processo de avaliação, eu pensava que avaliar, no sentido
numérico e quantitativo, não deveria ser uma prioridade. Mas avaliar é inerente a nossa
atividade, avaliamos tudo: uma leitura, uma fala, um registro... E quando eu lia as atividades
que retornavam acreditava ainda mais na importância do ensino presencial e na interação
cotidiana que acontece na escola. Eu sentia que, sozinhos, os meus alunos, pelo menos a maioria
deles, não conseguiam fazer as reflexões que eu almejava.
Ao mesmo tempo eu acompanhava o desenrolar de outras realidades paralelas. No ensino
particular da cidade, mesmo de forma remota, acontecia a interação cotidiana entre professores
e alunos seguindo o horário de cada aula e os seus intervalos. Essa proposta era viabilizada por
uma plataforma oferecida pela rede de ensino com amplo suporte para mídias diversas, mas
também, pela situação socioeconômica dos alunos que tinham acesso a computador e internet
em tempo integral. Muitos dos meus alunos da rede pública tinham acesso as aulas pelo
celular, com uso da rede de dados móveis. Muitos outros precisavam aguardar a chegada dos
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pais, pois ainda não dispunham de um celular próprio. Impossível não comparar e se angustiar
com essas situações tão díspares e desiguais, principalmente no momento de pensar e planejar
as aulas de História.
Pensando nessas diferenças, no início de junho as minhas aulas seguiram um rumo
diferente. Eu sentia que de algum modo eu estava ajudando a alimentar essas realidades
díspares. Observei que 70% dos meus alunos faziam as aulas de forma impressa, pois não
dispunham de internet e computador. Os alunos que faziam de forma remota, pela plataforma
google, acabavam tendo acesso a uma maior diversidade de metodologias proporcionada pelas
mídias. Busquei equiparar a metodologia e o tipo de aula para os dois grupos: os que faziam
remoto e os que faziam impresso. Minhas aulas a partir disso tiveram como foco a tríade leitura,
escrita e interpretação. Não priorizei variedade metodológica e nem quantidade de conteúdo,
um mesmo tema gerador foi divido em quatro sequências pensadas para durar exatamente um
mês, cada um com textos de apoio e atividades que dessem conta de leitura e escrita, com
imagens, mapas e gráficos que incentivassem a interpretação. A mesma aula postada no
classroom era também enviada para a escola ofertar aos que iam buscá-la. Nesse momento das
aulas comecei a ter mais interação com os alunos. Um mês antes a escola estadual criou grupos
para os alunos no WhatsApp com a presença dos professores. Por muitas razões eu decidi não
participar desses grupos, mas disponibilizei meu número pessoal e e-mail para a escola dar aos
meus alunos que quisessem conversar e interagir. A interação também podia acontecer pelo
classroom, mas somente para os que estivessem conectados, uma realidade que não pertencia a
maioria.
Ainda pensando nas realidades distintas, a chamada busca ativa dos estudantes, indicada
para aqueles/as que não estivessem realizando devolutivas online ou impressas, também foi
diferenciada nas duas redes em que atuo. Enquanto uma escola esteve mais relaxada e tardia
nesse processo, a outra fez da busca ativa um objetivo permanente. Fomos orientados a criar
planilhas mensais de cada turma com informações acerca da devolutiva dos alunos. Esses dados
eram tabulados pela equipe gestora e utilizados na busca ativa dos estudantes e no contato com
as famílias. Não posso deixar de mencionar a angústia que muitas dessas novas atribuições
geraram nas minhas demandas subjetivas e de tantos outros colegas, embora muitas delas
fossem necessárias. Havia uma sensação coletiva nos meus grupos de convívio, sensação na
qual também me incluo, de sobrecarga de trabalho e na contrapartida de mensagens
subliminares e diretas de que estávamos recebendo salários sem trabalhar. Impossível não sentir
revolta e repúdio com essas falas. Mesmo tendo que fazer trabalhos extras à docência, como as
já mencionadas planilhas, posso dizer que fez toda a diferença no feedback que eu recebia dos
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alunos dessa escola em comparação com a outra onde essa busca não era assim tão efetiva.
Receber essa interação e avaliar positivamente os resultados, de certa forma, diluiu bastante as
angústias de sobrecarga e tristeza com as falas preconceituosas e maldosas a respeito do
trabalho dos docentes nessa realidade remota.
Encerro esse texto narrativo deixando minhas impressões gerais de 2020: um ano pra ficar
na História e na memória sob muitos aspectos, mas não só, creio que será um ano para reforçar
a importância do ambiente da escola e das relações sociais que ali se constroem, do trabalho
docente na aprendizagem e promoção de habilidades, na escola como mediadora na resolução
dos conflitos, na construção de empatias e dinâmicas que atuam na (re)construção das
subjetividades, promovendo reflexões e posturas, criando a noção de direitos, deveres e
cidadania nos/as estudantes e nas famílias. Depois da Covid-19 e de tudo que a acompanhou, a
mim se mostrou impensável o futuro da educação básica sem a escola e o ensino presencial, e
as ciências humanas, em especial a História, tem um papel fundamental nesse, e em outros
contextos, de ensino e reflexão.
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Ensinar História em tempos de pandemia
Elandia Vieira de S. Thiago
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Sou professora mais de 17 anos no ensino médio de História na rede pública do
Estado de Santa Catarina. Como profissional da educação sempre estou atenta às novas
dinâmicas e metodologias do Ensino de História, em parcerias com universidades vinculadas a
programas como PIBID nossas discussões são sempre renovadas, pois trazem formas de
interação mais significativas para os nossos alunos. Como historiadora a pesquisa, algo presente
e latente em minha vida, procura sempre estar aprofundando os meus conhecimentos dentro da
minha área.
Com Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade leciono também no ensino superior
em Instituições privadas, dividindo o meu tempo nas experiências entre o ensino público e o
privado. Nessa condição observo a grande queda na aprendizagem, com mais gravidade no
ensino público, onde constato a desigualdade entre os sistemas públicos e privados da educação
e a próprio distanciamento social entre as famílias dos estudantes.
A crise do coronavírus, na minha opinião, terá efeitos perenes sobre a forma de aprender.
O isolamento está criando hábitos e comportamentos, tanto nas famílias, quanto nas instituições
de ensino, que estão revendo uma série de processos, estruturas e metodologias. Lidar com essa
situação exige um trabalho em grupo muito mais alinhado para ações colaborativas, em especial
a conexão entre professores de uma mesma disciplina, ou de ano escolar, capazes de
compartilhar atividades, tirar dúvidas e trocar experiências.
Para isso as instituições precisam ampliar a mobilização de esforços para alcançar
recursos e soluções inovadoras e adaptadas ao contexto dos alunos para oferecer aulas com
soluções ao grande número de nossos alunos que não estão conseguindo reter o mínimo
necessário do conteúdo aplicado. Para construirmos um futuro mais seguro, precisamos de
políticas públicas que garantam um financiamento adequado para a educação, fazer uso
inteligente das tecnologias disponíveis, priorizar os mais vulneráveis e proteger educadores e
alunos.
Os gestores da educação precisam pensar na saúde mental de seus profissionais, pois
muitos se encontram numa situação muito frágil, estão exaustos mentalmente e se aproximam
de um esgotamento físico e psicológico, pois não estavam preparados para esse cenário. Devo
salientar que a não suspensão de aulas tanto na rede pública, quanto na rede privada de
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Mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade pela UNIVILLE (2013). Professora Escola Educação Básica
Rudolfo Meyer (Joinville/SC). E-mail: contato@oegdesign.com.
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educação, demonstrou que as instituições privadas mostraram estar mais preparadas, uma vez
que propôs suporte ‘online’ à distância para os alunos, com cronogramas diários de aulas, além
das atividades para serem feitas em casa. Na rede pública estão encaminhando somente
atividades para serem feitas pelos alunos em suas residências ou através do classroom, com
agendamentos de atividades e materiais de estudo.
Outra observação que venho identificando no diálogo com os meus alunos é o aumento
do número de crises de ansiedade, pois para eles a maior dificuldade em relação às aulas ‘online
está em manter a concentração e de estabelecer uma rotina de estudo. Em meio a todo esse
processo, lamenta-se que muitos colegas não tenham computador para fazer as atividades
obrigando alguns a duplicar suas atividades, pois além de suas atividades prestam auxílio aos
demais.
O ensino a distância em minha experiência profissional tem me mostrado o aumento
contínuo nas desigualdades e dificuldades de aprendizado. Nesse processo de adaptação e de
reinvenção do ensino para novos tempos, quem o estiver adequado acaba sendo deixado para
trás. Toda crise é uma oportunidade de aprendizagem, ela ensina aos que estão atentos e
dispostos ao novo. Tenho esperança que o atual momento de pandemia permita que a educação
volte melhor e mais forte.
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Uma voz subalterna
Karla Andrezza Vieira
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O subalterno o pode falar. Não valor algum atribuído à mulher
como um item respeitoso nas listas de prioridade global. A
representação não definhou. A mulher intelectual como intelectual tem
uma tarefa circunscrita que ela não deve rejeitar com um floreio
(SPIVAK, 2010, p. 126).
Tomo para o início dessa conversa a narrativa da escritora Gayatri Chakravorty Spivak
(2010) no sentido de problematizar os lugares de enunciação acerca da produção do
conhecimento
4
. Poderia eu, mulher, negra e professora da Educação Básica, falar? Poderia eu,
aceitar sem floreio o convite para participar desta mesa redonda e dividir com vocês minhas
experiências? São questões que figuram minha existência e trajetória. Minha vida escolar esteve
marcada por discursos e práticas extremamente racializadas. Não foram raras às vezes em que
fui alvo de comentários acerca de meu tom de pele, cabelo e espessura dos lábios. Não foram
raras as vezes em que os conteúdos escolares minimizavam a minha existência, colocando-me
sempre em situação de subalternidade. A escola me emudeceu.
Anos de opressão no Ensino Fundamental em uma escola de Educação Básica ao Sul da
Ilha de Florianópolis. Mais alguns anos de opressão no Ensino Médio em uma escola central
da capital. Difícil sentir-se incluída nesse cenário. Difícil ter a voz e ser a voz. Consegui
enxergar uma espécie de mudança apenas ao final do curso. Como uma cena aparentemente
corriqueira em um começo de ano letivo, em que todos aguardavam ansiosamente para
conhecerem os/as professores/as, adentra a sala Elizabete Farias. Lembro do meu entusiasmo
ao vê-la. Professora de História, Elizabete era negra. Propriamente as aulas de História não
fugiam a regra factual e tecnicista ainda conservada nos currículos e nas práticas pedagógicas
nos primeiros anos da década de 1990. Eu não me importava. Elizabete me representava e de
alguma forma sei que a minha escolha profissional é tributária disso.
Ingressei no curso de Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) em 1997, como opção política. O desejo por melhor compreender as
questões de minha comunidade me levaram até o espaço acadêmico. Um processo de muitas
lutas e tantos outros embates que não caberiam em poucas palavras. Digo apenas, porque
novamente me encontrava diante de saberes eurocêntricos e as minhas inquietudes continuavam
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Mestre em Ensino de História pela Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC; Doutoranda do Programa
de Pós-Graduação em História UDESC. Professora na Escola de Educação Básica Dom Jaime de Barros Câmara
(Florianópolis/SC). E-mail: karlaandrezzavieira@gmail.com.
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silenciadas, invisíveis. Dessa vez não fugi. Investi na escuta das vozes subalternas. Elas podiam
falar se eu as movimentasse. Meu trabalho de conclusão de curso tentou registrá-las. Segui essa
caminhada nos estudos de especialização e em minha vida docente.
Em vinte anos de magistério atuei nas mais variadas modalidades de ensino (Ensino
Fundamental, Ensino Médio, Classes de Aceleração e Educação de Jovens e Adultos) na
Educação Básica da rede estadual de Santa Catarina, Florianópolis, bem como na rede
municipal de São José (SC). No percurso, uma complexidade de espaços educacionais
atravessou meu exercício na docência. Todavia, foram em unidades do território do Maciço do
Morro da Cruz que dediquei boa parte de meu trabalho. O Maciço, um lugar marcadamente
negro, me convocou a desenvolver ações no campo do Ensino de História, na gestão escolar e
na militância sindical. Desse lugar emanou a escrita de Vozes, Corpos e Saberes do Maciço:
Memórias e Histórias de vida das populações de origem africana em territórios do Maciço do
Morro da Cruz/Florianópolis. Trata-se da dissertação defendida por mim no Mestrado
Profissional em Ensino de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) em
agosto de 2016.
Em 2018 iniciei os estudos na turma de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em
História (PPGH) da UDESC, sob a orientação da Prof.ª Drª Cristiani Bereta da Silva. As
motivações acerca da temática africana e afro-brasileira seguiram em curso. Não as abandono.
Quero falar. Queremos falar. Os objetivos dessa pesquisa consistem em analisar as tensões de
um passado escravocrata/colonial/senhorial ainda presente em nossa sociedade, bem com as
demandas educacionais advindas com a Lei 10.639/03 em unidades de ensino da rede
estadual de Santa Catarina/Florianópolis (2003-2019).
Minhas experiências escolares, magisteriais e acadêmicas me constituem. Não as
separo. Elas são inquietantes, o que me exige sempre uma tomada de posição diante das
questões referentes à Educação Básica nesse país. Sei na pele o que a escola foi para mim. Sinto
no chão da sala de aula as precariedades que envolvem nosso ofício. Vejo ainda as incipientes
iniciativas (no âmbito do doutorado) de pesquisas que envolvam o Ensino de História na
perspectiva da etnografia escolar, àquelas que adentram as unidades de ensino, que percebem
o cotidiano, que se aproximam das práticas pedagógicas e das narrativas dos sujeitos que
ocupam esse espaço. Para mim, a escola pode ser a potência transgressora frente às
desigualdades sociais e raciais estruturantes das nossas relações. Eis o meu pertencimento,
investimento e campo de luta.
Como dito, me fiz professora em territórios circunscritos por vulnerabilidades, racismo
e opressão. Recentemente, por prerrogativas de ordem funcional, fui deslocada para atuar em
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outra unidade de ensino. Um processo extremamente doloroso e ao mesmo tempo desafiador.
Doloroso por ter que deixar os meus... Desafiador por ter que me reposicionar em outro lugar...
Tive que recomeçar. No agora, leciono na Escola de Educação Básica Dom Jaime de Barros
Câmara situada no bairro Ribeirão da Ilha, município de Florianópolis (SC). A localidade está
marcada por uma forte tradição açoriana. A arquitetura, a atividade pesqueira e as
manifestações religiosas carregam traços dessa tradição. Todavia, basta olhar a paisagem e
verificar a presença, a experiência e a vivência das populações de origem africana na Freguesia
do Ribeirão da Ilha. O discurso açorianista invisibilizou, e continua a invisibilizar, as memórias
e as narrativas daqueles que carregam em seus corpos a insígnia da cor. Um movimento que se
reverbera na escola e nas práticas de ensino. Uma demanda que tensiona o trabalho docente,
especialmente àquele considerado estrangeiro como o meu.
A escola possui pouco mais de 400 estudantes oriundos das diversas comunidades que
compõem o Sul da Ilha. São estudantes com pertencimentos étnico-raciais plurais e condições
socioeconômicas bastantes específicas. A maioria das famílias tem renda registrada entre 01 e
03 salários-mínimos. São essencialmente trabalhadores e trabalhadoras atuantes no setor de
prestação de serviços. São famílias em grande parte regidas por mulheres (mães, tias, madrinhas
e avós). Trata-se de uma complexidade de relações afetivas, geográficas, sociais e raciais que
constituem o imenso mosaico que é a Escola de Educação Básica Dom Jaime de Barros Câmara.
Toda essa espessura se fez/faz sentir na ação didática. Na conjuntura da pandemia, acarretada
pelo vírus da COVID-19, são ainda mais evidentes as demandas impelidas por toda essa
diversidade, que visivelmente se transformaram em adversidades.
Ministro aulas nas modalidades do Ensino Fundamental e do Ensino Médio Integral em
Tempo Integral (EMITI), o que obviamente requer um movimento pedagógico específico,
dadas as questões de ordem etária, cognitiva e àquelas referentes as leituras de mundo, de
orientação temporal, de vida. Com o distanciamento social, a dinâmica das aulas de História
procurou seguir essa caminhada. Uma caminhada repleta de desvios, imprevisibilidades, mas
também de experiências em certa medida exitosas. Em quase 08 meses em situação de trabalho
remoto, desenvolvi atividades sincrônicas, construí fóruns de debates e organizei exposições
fotográficas em ambientes virtuais, peregrinei pelas ferramentas tecnológicas, explorei jogos,
sites, vídeo-aulas, mapas... Com o grupo da área das Ciências Humanas discutimos a temática
da violência contra as mulheres no contexto da pandemia
5
. Com o projeto “Negras Memórias”,
constituí uma rede de escuta e visibilidade para as histórias de vida das famílias marcadas pela
insígnia da cor
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. Com o trabalho “Práticas Populistas no Tempo Presente”, estamos construindo
um repertório crítico diante de passados que não passam em contextos eleitorais. Não me afastei
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das fontes e da sua historicização. Lanço esforços para desenvolver sequências didáticas que
conduzem a uma compreensão ampliada acerca dos temas históricos inventariados. A tratativa
com os conteúdos programáticos foi reposicionada, assim como a metodologia e o processo de
avaliação.
Fazer chegar toda essa racionalidade em formato impresso é algo persistente e
desafiador. São horas de estudo, planejamento e muitos enfrentamentos. Enfrentar as pressões
burocráticas e a vigilância por parte da Secretaria de Educação, da Coordenadoria Regional de
Ensino, bem como da gestão escolar sobre nossas práticas, tem violado nossa liberdade de
cátedra e ferido nossa saúde mental. São recorrentes as gravações de reuniões, que por sua vez
intimidam nossa organização política e sindical. Questionamentos sobre a legitimidade dos
temas referentes ao nazismo, a ditadura, ao racismo e as reflexões de gênero no Ensino de
História são costumeiros. E para aqueles que estão sempre à espreita, devo prestar contas.
Efeitos de uma exposição virtual de nosso trabalho. Efeitos da conjuntura política de Santa
Catarina, e não só.
Outro enfrentamento consiste em atravessar as dificuldades no emprego das ferramentas
tecnológicas. Sou uma professora que me fiz no quadro e no do giz. Sou uma professora que
quase sempre ministrou aulas em escolas sem salas informatizadas. Não estava preparada para
isso. A formação ofertada aos docentes não supriu as nossas necessidades e não contemplou
nossas questões. Cursos aligeirados, concomitantes à execução das atividades profissionais,
configuraram mais um problema, e menos uma solução. Cursos em parecerias com instituições
financeiras contribuíram sumariamente para refletirmos sobre quem está a lucrar com o ensino
remoto, sobre quem está a defender o ensino híbrido ou mesmo a educação a distância. Não
fomos ouvidos. Não somos ouvidas.
A política educacional é gestada de maneira hierarquizada. As famílias e os próprios
estudantes precisaram se adequar ao regime de atividades não presenciais imposto pelo Estado.
O mesmo que o garantiu as condições materiais necessárias para implantação do formato
remoto. O mesmo que recentemente propagandeou nas dias índices que mascaram a
realidade vivenciada por inúmeros estudantes. São 500 mil com conta ativa na internet, diz o
governo de Santa Catarina. É provável que o tenha percebido que muitos estudantes não
enviam as atividades por não saberem operar as ferramentas virtuais disponibilizadas. É
provável também que não reconheça o emprego de dados móveis de aparelhos celulares, que
muitas vezes são compartilhados com os demais familiares. Talvez o Estado não saiba que
muitas crianças realizam as tarefas no período noturno, pois precisam aguardar os responsáveis
chegarem em casa, após um longo dia de trabalho. A divulgação de que tudo está bem,
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escamoteia os assustadores números da evasão escolar. Desde março não tenho notícias de
alguns estudantes. Como estão? Onde estão? Um silêncio que grita aqui. Sabemos nós que a
escola é para muitos um ambiente seguro. Sabemos nós que são incontáveis aqueles/as que
dependem da alimentação escolar para subsistir. Sabemos nós que esse silêncio é revelador.
Ainda que dissonante e longe de romantizações, espero que a minha voz carregada de
tantas outras vozes seja a expressão para as nossas lutas frente à educação pública. Espero que
esse contexto permeado por tanto luto se converta em luta.
Recebido em 16/11/2020.
Aceito em 01/12/2020.
1
Os vídeos estão disponíveis na plataforma Youtube do LIS. Disponíveis em:
https://www.youtube.com/watch?v=zhnVaPuURek&t=2s&ab_channel=Laborat%C3%B3riodeImagemeSomUni
versidadedoEstadodeSantaCatarina. Acesso em 03/12/2020.
2
Maiores informações e acesso aos trabalhos favor acessar: https://www.udesc.br/podcasts/profcast. Acesso em
03/12/2020.
3
Dados disponíveis em: https://www.sinte-sc.org.br/files/1081/carderno%20pesquisa%20saude%20docente.pdf.
Acesso em 17/11/2020.
4
Gayatri Chakravorty Spivak teórica indiana dos estudos pós-coloniais, é mais conhecida pelo texto Pode um
subalterno falar? cujo objetivo central consiste em problematizar as representações dos sujeitos do Terceiro
Mundo frente aos discursos construídos na geopolítica moderna ocidental. A escritora convoca intelectuais da área
para realizarem enfrentamentos em relação à questão da subalternidade historicamente construída ao norte global.
5
Viver sem violência é um direito da mulher. Um evento em ambiente virtual em que estudantes da turma do
terceiro ano do Ensino Médio trouxeram suas questões acerca do tema promovendo um debate, meditado pela
palestrante Leila Zanotto do Movimento de Mulheres em Luta (MML). A atividade ocorreu no dia 01/10/2020.
6
O espaço de escuta ocorreu por meio das atividades sincrônicas. Pais, mães e/ou responsáveis partilharam suas
histórias e divulgaram de modo artístico suas percepções sobre a pauta racial. Na semana da Consciência Negra,
o material será divulgado diariamente nas redes sociais de nossa escola.