Fronteiras: Revista Catarinense de História. Dossiê Direitos humanos, sensibilidades e resistências. N 36, 2020/02 – ISSN 2238-9717
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DOI: https://doi.org/10.36661/2238-9717.2020n36.11868
nem de consulta, de debate, nada. Que são aquelas santidades, sobretudo santidades femininas,
que são associadas a prostitutas, por exemplo. Se você busca por regiões, as mulheres que foram
mortas de forma violenta em algum momento, mesmo não tendo nada a ver com isso, elas
passam a ser associadas a prostitutas. Esse tipo de devoção não interessa a instituição. No
entanto, numa região que tem uma devoção muito forte a esse tipo de santidade, a Igreja diz:
“olha, nós temos uma santa que está lá, que tem o seu santuário, que tem a romaria, que
representa o inverso e faz o mesmo tipo de milagre, concede as mesmas graças”.
A difícil penetração da Igreja Católica em determinados países e regiões, por exemplo,
ou a necessidade de uma maior reorganização institucional, também diz muito sobre as
nacionalidades desses santos.
5) No artigo publicado que trata da “Religiosidade católica e a santidade do mártir”, a
professora afirma que para a religiosidade católica o único especialista seria o santo,
enquanto para a instituição, o especialista seria o intermediário dessa relação com o
sagrado, ou seja, o sacerdote. Como identifica essas tensões e disputas narrativas entre o
discurso eclesiástico e as manifestações da religiosidade?
É interessante isso, se nós voltarmos para meados dos anos 1960, pós Concílio Vaticano
II (1962-1965), pós Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano de Medellín (1968),
de Puebla (1979), principalmente, pós Conferência de Aparecida (2007), nós não vamos
encontrar um discurso institucional de condenação a essas devoções marginais, limiares. Essa
religiosidade católica será utilizada como uma forma de penetração nesses grupos, então muitos
padres, inclusive do interior, vão aceitar, por exemplo, rezar uma missa no dia de romaria ao
cemitério de um santo. Aí você pergunta para o padre: “mas padre, porque rezar uma missa no
cemitério, no dia da devoção de um santo que nunca será canonizado? De um santo de
cemitério?” E ele responde: “não, eu estou rezando pelos mortos”. A instituição está ali,
atuando. Então como o pesquisador lê esse tipo de coisa? Esse tipo de conduta? É uma
instituição que se aproxima e ao mesmo tempo se distancia. Ela se aproxima por esse lado:
“olha então é uma missa em homenagem aos mortos, a gente não pode negar, estamos ajudando,
coletando doações para um determinado tipo de instituição católica”. O confronto se dá no
discurso, no peso discursivo da instituição, mas é um peso discursivo que não ofende e não
proíbe, apenas induz.
É muito interessante, a Igreja Católica tem uma cautela muito grande com relação a
devoção, ela não aceita, mas não se pronuncia publicamente. Todas as vezes que eu tentei
conversar com algum membro da Igreja sobre alguma devoção, principalmente sobre algum